“Só que eu fui te amando, como amava minhas bagunças,
porque no fundo no fundo você se parecia muito com elas”
Lisbela. 946-Poesia

Ele podia dizer com riqueza de detalhes tudo o que mais apreciava na paz que o fim da Grande Guerra trouxe e uma das coisas era o prazer de ter um pequeno ateliê dentro de sua própria casa. Poder concentrar-se em uma das pouquíssimas coisas que lhe traziam paz e faziam aflorar a sensibilidade que havia em si e que ele tinha tanta dificuldade de trabalhar.

Tendo o silêncio como companheiro, fazia traços delicados com o lápis, até que o som de um grito o assustou e fez com que pressionasse demais o objeto no papel, rasurando-o.

Inspirou profundamente ao ver o seu trabalho de horas praticamente arruinado, a raiva nublando seus pensamentos enquanto a bagunça no cômodo ao lado prosseguia. Sons de alguém correndo e leves gritos infantis.

Lentamente depositou o lápis na mesa e decidiu ver o que estava acontecendo. A primeira coisa que viu ao abrir a porta foi Ino gargalhando, caída no chão, enquanto Inojin estava sobre ela, com uma grossa mecha dos fios loiros na boca.

– Sai, seu filho está impossível. Eu tenho que fugir dele, senão meu cabelo já era.

Aquele riso, aquele sorriso tão bonito estampado nos lábios carnudos, aquela sala bagunçada por onde claramente alguém passou sem se importar se trombava com algo, o bebê de dois anos gargalhando com um punhado de fios na boca.

Aquele conjunto de fatores lhe aqueceu o coração de uma tal maneira que antes que percebesse, já sorria. Ele podia se acostumar facilmente com aquela bagunça.

Voltou a passos lentos para o ateliê, ainda com a cena em mente. Deparou-se com seus lápis, pincéis, tintas e papéis espalhados pela mesa. Alguns cadernos de desenhos empilhados no chão, outros depositados em qualquer lugar onde coubessem.

Voltou a sorrir ao constatar que ele já havia se acostumado. No fundo, no fundo eles eram a bagunça.