Além das Dunas Brancas escrita por Shalashaska


Capítulo 16
As Duas Vozes


Notas iniciais do capítulo

Meus amoooores!!
Após um longo e tenebroso inverno, cá estou! Gente... aconteceram muitas coisas que me impediram de escrever e postar, diversas coisas mesmo...Sinto muito por isso, mas tenho cuidado da casa, trabalhado, estudei até dia 10... Ufa! #Mil tretas
De qualquer forma, estou de volta e com um capítulo ainda quentinho. Espero que gostem tanto quanto eu!

E não, também não gostei de tanto tempo afastada. Espero não demorar mais no próximo capítulo, mas caso isto acalme seu coração tão judiado pela minha maldade, fiz meu dever de casa e já tenho outras cenas planejadas, o que agiliza o processo.
Amo vocês e meus personagens, não irei abandoná-los!!!



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Os sapatos dela não fizeram som ao caminharem no chão duro e frio, indo em direção á parede de vidro fumê cuja transparência abria o mundo para quem quisesse olhar, para quem possuísse o privilégio. A janela era metade do cômodo, este ovalado e à meia luz justamente para não prejudicar o repouso do enfermo, e a mulher distraída andou de um lado para o outro a fim de tomar seu tempo ocioso observando a paisagem lá fora: diversas construções com tons, espelhos e vidros como uma falsa, porém bela, mimese de corais do recife. Dali, ela parecia olhar o fundo de um oceano, pois a noite escura era cortada pelas luzes da insônia de seus habitantes. Havia movimento na rua, havia cores, e lá de onde ela observava os transeuntes festejarem iguais a cardumes. Então, lembrando-se de sua casa, lançou seus olhos sobre a cama no centro do quarto à um nível abaixo do chão, para melhor monitoramento de seu estado quase vegetativo pela equipe de Ghazal.

Aquele punhado de gente, todos trajando roupas azuis escuras e de ar sóbrio passavam para lá e para cá com suas pranchetas e testas franzidas, perguntando uns aos outros sobre as medições de pulso, temperatura, taxas de glicose e mil e uma questões que Ranya não prestou atenção.

Ela cantarolou canções folclóricas de tempos muito antes de sua Era, sobre a fúria da tempestade e a teimosia dos marujos. Murmúrios despreocupados sobre o mistério das criaturas do mar, sem nem saber que aquilo resgataria a mente do jovem ali estendido.

Kadar acordara antes, mas reagira de tal forma que vieram lhe furar o braço com uma longa agulha e puseram-no para dormir novamente. Já despertando mais uma vez, fragmentos de sua memória espetavam-lhe a cabeça, embora não da maneira anestésica: Enxergou o rosto de Raed, contorcido e resignado ao caminhar até o pedestal das Ruínas; pareceu ouvir a voz etérea de Alethia e sentiu a água fria e negra daquela noite. Lembrou-se da luz intensa sobre seus olhos quando despertou, de dois rostos aterrorizados e dúzias de mãos fortes tentando conter seu corpo.

Gritara na ocasião, mas agora não estava tomado pelo pavor, pois havia o aroma da maresia e som de suas ondas.

Com o braço pesado e ainda sonolento, ele colocou a mão sobre a testa como se este mero movimento fosse sugar o torpor de sua cabeça e assim ele pudesse sair desse pesadelo. Seu amigo se fora, muito provável para a morte; não tinha mais lar ou família que servisse de âncora para o tumulto de sua vida; e agora nem mais sabia onde se encontrava. O que era ele além daquele miserável grão de areia ao vento?

O reflexo dele no vidro chamou a atenção dos olhos de Ranya, a qual logo virou seu corpo para encará-lo; aquele corcovano quase inerte e banhado por fios de luz ciano que choviam do teto. Agradecida por ele não ter demorado muito mais para acordar, ela suspirou de maneira silenciosa e dirigiu-se até a cama, descendo os poucos degraus que os separavam. Havia alguns painéis na circunferência, pequenas luzes piscando e anotações largadas e ah! Finalmente algo que servisse: A mulher pegou o bule de chá e despejou até completar metade do copo baixo e decorado, característica que o destoava do resto. Não estava muito quente, no entanto seria algo familiar ao rapaz, algo que prestaria de elo para os dois desconhecidos. Puxou uma das banquetas altas até ele e aguardou.

– Então... – A voz dele saiu arrastada, áspera por tanto tempo inutilizada a não ser os brados de trinta e seis horas atrás. – Você é a pessoa que me dirá onde estou e por que não estou morto? Por que ouvi e vi coisas estranhas?

Ela lhe lançou um sorriso amável, mas ele não compreendia ainda o que acontecia a sua volta. Talvez tratasse de outra alucinação, talvez fosse a própria morte lhe mostrando os dentes.

– Não. Nem ficarei contigo muito tempo.

– Bom. – Kadar tirou a mão da testa e clareou sua visão, podendo sorver dos detalhes do rosto dela. – Isso sim me surpreende.

Ele aceitou o chá morno e de sabor já meio amargo de igual forma como aceitava o fato de ter mergulhado em sua atual situação, e bebericou do líquido aguado encarando os olhos da mulher que nada lhe esclareceria. De imediato sentiu falta da gênio, desejando que compartilhasse de seu poder para destrinchar a verdade dos mortais, pois assim descobria o que de fato ocorria. No entanto, talvez não quisesse saber, talvez não quisesse ouvir os contos de alguém.

Talvez fosse melhor ele descobrir sozinho, embora isto não o livrasse da acidez de algumas perguntas.

“Minha nossa..” pensou ele, zonzo. “São tantos ‘talvez”.

Levantou o tronco do colchão, sem querer demonstrar deslumbre ao notar as luzes do teto e como elas se suavizaram quando se sentou. Nenhum objeto lhe parecia familiar, por mais que pudesse supor para o que serviam ou o que indicavam. Armários, frascos, bancadas e estranhos painéis que passavam longe de serem meramente decorativos, uma vez que brilhavam e mudavam suas imagens. Havia mais agulhas também, facas que depois viria a nomear como bisturis. Tudo estava higienizado e impessoal.

– Também me impressiona aqui, este cômodo. – Ranya acompanhou o olhar dele, que perpassava cada centímetro do quarto. – E lá fora é tão absurdo quando aqui dentro.

O corcovano devolveu o chá e passou ambas as mãos no rosto, massageando as têmporas. Suspirou de olhos fechados, piscou muitas vezes até focar suas pupilas na desconhecida criatura, desta vez tentando gravar sua imagem bem na cabeça. Tentando ver se as íris da mulher emolduravam sangue ou jasmins.

O brilho astuto dos olhos dela nada revelou, nem mesmo uma informação sequer sussurrara. Ele ficou a encarar sua face saudável e salpicada de sardas, formulando perguntas sem bem desenvolvê-las na boca. Fisgou qualquer uma e perguntou:

– Onde é “lá fora”?

– É o Paraíso.

Ficaram em silêncio por um tempo; ela distraída com as ondas de seu cabelo caramelo e ele encontrando a cor da ave rosa que imaginara nas vestes fluidas da estranha mulher ao seu lado. O pio irritante fora traduzido em afirmações incompreensíveis.

– Acho que estou ficando louco.

Ela inclinou o rosto suavemente para a esquerda.

– Somos todos loucos aqui.

Naquele momento, naquele singelo e doce sorriso que a mulher sem nome e sem juízo mais uma vez lhe deu, Kadar então compreendeu que de fato não arrancaria respostas dela, somente mais e mais perguntas. Ela era insana, ele próprio também, como aquela estranha bem pontuara. E por mais que relutasse em questioná-la, não podia deixar de falar, mais para si e para o vazio do que para ela.

– Estamos perto do mar? Sinto o cheiro.

– Não. – Ranya alisou seu vestido leve e elegante nas coxas, fascinada por algo que Kadar não podia ver. - Mas o Mar está perto de ti. E Ele também sente o seu cheiro.

Se aquilo não fosse minimamente poético, o corcovano teria sentido mais medo.

– Certo... Realmente não me dirá onde estou nem porquê estou aqui. –Ajeitou-se melhor na cama, sem encontrar uma posição confortável. Vestia uma túnica cinzenta e leve, de modo que ele se sentiu um perfeito espectro de lembranças e confusão. – Entendi que não está aqui para isso, só desejo saber por quem você veio. Por que estar aqui se não tem nada a dizer?

– Por você. – Ranya respondeu, alargando mais e mais seu sorriso. Kadar não sabia se gostava ou não de seus lábios repuxados e dentes à mostra, pois seus dentes alvos mais escondiam segredos na língua do que entregavam clareza. Mas, ele acreditava ser feito de pó e movido pelo vento, então deixou que a moça sorrisse e disparasse mais e mais frases sem sentido. – Por que queríamos saber se você está bem. Se recuperou-se.

–“Queríamos” ? – Agora o pânico remexia-se dentro do estômago do rapaz, adrenalina o fez mover-se para trás inconscientemente. Níveis coloridos e imagens nos painéis alteraram-se, e um leve apito começou a ressoar na solidão do quarto. Sua voz oscilou: – Quem lhe enviou?

– Vim por conta própria, pois gosto de você. Ninguém me obrigou a nada. Há certa beleza em sua ignorância, em sua busca. – Ela pareceu pensar e então se questionou com franqueza, sem notar o crescente desespero do enfermo. – Mas, o que seria essa tal “Verdade”? Para que serviria a sabedoria, se não para o que já foi vivido? E para quê carregar tanto fardo?

– Como posso saber se estive desacordado este tempo todo e você nada me responde?

Ela meneou a cabeça, concordando, e aquilo nunca pareceu tão estranho quanto agora para o pobre rapaz. Mais do que perdido, também lidava com loucos.

– Bem, o fato é que sei que estás melhor, portanto posso partir. – Kadar ficou congelado no mesmo lugar quando ela de súbito aproximou-se para beijar-lhe a testa, e não mexeu-se muitos minutos depois de sua saída.

Antes de atravessar a porta, quando já subira os degraus do cômodo ao lado oposto ao da janela, ela se virou, deixando o cabelo e o vestido salmão esvoaçarem neste breve movimento.

– Descanse; o Sol e a doutora demorarão a chegar. – A porta deslizou para o lado automaticamente, abrindo caminho para uma antessala branca e de dolorida luz alva. Ela deu um suspiro profundo, relaxando os ombros. Quem sabe até desejasse ficar mais um pouco. – E se me permite dar uma dica... Largue o chá e deixe as romãs para quem as cobiça. Vá você caçar histórias.

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“Atrasada.” Ghazal grunhiu para si mesma, recusando o café que uma assistente tentou oferecer-lhe em agrado e desencargo de consciência. “Estou atrasada.” Juntando as pranchetas do paciente e assinando mais alguns papéis, a doutora ouvia dúzias de cumprimentos de outros mestres, por mais que nem ela mesma se ouvisse responder. Os lábios curtos e preenchidos da mulher murmuravam “bom-dia” e perguntavam “como vai”, porém sua mente se alternava entre o enfermo da Ala Oeste, número 214, e o destino da tal assistente. Qual era o nome dela? Naheen? Nadia? Ou quem sabe Hanan? Bom, qual fosse o nome da infeliz, Ghazal estava longe de esquecer que a menina havia trocado as amostras e assim adiado ainda mais os resultados das análises. Os olhos assustados e os modos indelicados da jovem até lembravam-na de si mesma quando entrara no curso há dez anos, mas somente lembravam, pois jamais cometera tais erros.

Franzindo as sobrancelhas, ela chiou baixo feito um gato. Os níveis de cortisol e adrenalina estavam altos no momento da medição, o que era esperado devido ao súbito despertar do paciente, que entrara em pânico assim que abrira os olhos. Ao menos aquilo ela conseguia justificar, afinal, a inconsciência anterior dele parecia eterna e sem explicação; sinais vitais normais e estáveis, porém sem atividade mental.

Naheen, Nadia ou Hanan então parou à sua frente, ainda segurando o café e mais um de seus cadernos coloridos e infantis. Ghazal ignorou-a, tentando encontrar mais alguma resposta nas porcentagens e medidas no papel, embora bem soubesse que havia feito uma leitura completa ainda que sem grandes descobertas. No fundo, só desejava que a assistente desistisse e fosse logo tratar de suas obrigações enquanto a doutora remoía as palavras do colega:

“Silêncio. Ele está pensando...”

Como ele sabia? Como ele poderia afirmar isto se os aparelhos continuavam com os bipes e indicativos de sempre?

“...Algo não me permitia lê-lo... mas agora não há mais uma única nuvem, nenhuma interferência que seja.” O outro mestre dissera, semeando mais e mais perguntas na cabeça de Ghazal. “Curioso, não?”

“Ah sim, muito curioso. Depois o homem acordou gritando e tivemos que sedá-lo. Curiosíssimo.”

A doutora fingia ler ao relembrar aquele fim de tarde, esperando que menina lhe desse as costas em breve. Enxergava embaçado as letras e algarismos impressos, afirmando a si própria que havia uma explicação inteiramente racional para tudo aquilo, e ela com toda a certeza iria encontrá-la. Esforço não faltava.

E ela também encontraria as razões por detrás da insistência da garota.

A moça reequilibrou-se ao sentir o peso dos olhos de Ghazal sobre seu corpo, fato que obrigou a doutora soltar um bafejo impaciente. A voz trêmula da garota, tão trêmula quanto suas mãos na aula de anatomia, revirou seu estômago no entanto não aguentava mais que a pequena criatura lhe encarasse sem dar um único pio.

– Bom dia. – Ela estendeu mais uma vez a sua mão, oferecendo o maldito café. – O paciente do 214 lhe aguarda. Acordado.

Ghazal aceitou o café e se pôs a andar pelos corredores, em direção à Ala Oeste.

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Minutos em silêncio pareceram horas, quase correndo de pelas várias antessalas do Centro de Cura Humana, uma área ligeiramente subestimada dentre muitas outras do Setor de Desenvolvimento. A Ala Oeste preocupava-se com pesquisas de antídotos, tratamentos e ações preventivas, enquanto a Leste abria portas para os civis receberem os benefícios do avanço científico, embora as mazelas de Nirav fossem poucas em relação aos seus domínios: Uma população vacinada e usufruindo de infraestrutura e saneamento básico não necessitava de grandes intervenções. Kadar, no entanto, fora direcionado às pesquisas devido a sua aparição inesperada e envolta em mistério, de modo que uma das razões para ser tão bem monitorado foi justamente para descobrir como seu corpo resistira ao Não-Mar. Outra razão é o fato que niravos não estão acostumados a receberem visitas, a não ser de convidados especialmente selecionados e toda a sua delegação.

Ghazal não encontrou muitas pessoas no caminho, não parou para verificar os procedimentos de outras equipes e muito menos se deu ao trabalho de supervisionar as aulas práticas dos novos estudantes, coisas que fazia de praxe e que obrigavam o rosto dos outros se contorcerem em tensão. Suas pernas doíam contra o piso limpo e bem decorado de mosaicos, mas para quê demorar? No fundo, sorria. Ansiava impaciente pelo despertar do enfermo do 214, aquele homem sem nome e sem passado, porém com uma história no mínimo intrigante para alguém que odiava algo sem resposta. Não sabia bem o que perguntar, não sabia por onde começar a desenterrar as causas e consequências, por mais que houvesse planejado algo assim dias atrás.

E então, o número 214 brilhou a sua frente, a última porta da penúltima antessala. Ela encarou a superfície lisa e polida do aço e, antes de digitar o código de sua identificação do Setor nas teclas ao lado, Ghazal arrumou seus cabelos e passou os olhos sobre suas roupas azuis, quase cinzentas, com detalhes finos em prata. Sua túnica aberta na frente e sobre o vestido estavam impecáveis, bem como a calça justa e passada. Percebendo que ainda segurava o café e agradecendo mentalmente por não tê-lo derrubado, a doutora ergueu o pescoço e relaxou os ombros. Um paciente em pós-trauma desejaria um apoio profissional sério, porém não tão formal e infestado de protocolos assim. Certa casualidade não faria mal a ninguém.

980-1030

As trancas bem presas da porta destravaram com um som suave; a aura de Ghazal vibrou junto a lateral que deslizou para a esquerda. Afinal teria justificativas e fatos para registrar nos relatórios semanais, ao contrário de todas as mensagens repetitivas do estado vegetativo do paciente. Seu riso silencioso alastrou o ar de triunfo sobre seu rosto, deu um punhado de passos para dentro do quarto e então sentiu o coração pesar dentro do corpo.

– Bom dia, doutora! – Ele sorriu mais um de seus sorrisos despreocupados, virando logo seu tronco da cadeira para então levantar-se e cumprimentá-la. – Você está atrasada, mas – Interrompeu-se, querendo pegar a mão dela. – Elegantemente atrasada.

As bochechas de Ghazal recusaram-se demonstrar rubor. Forçando seu braço direito para baixo, ela impediu que seu colega beijasse o peito de sua mão num gesto de puro atrevimento premeditado. Apertou os dedos dele até que a própria carne dela doesse, e à despeito disto, o outro apenas estreitou os olhos e soltou uma risada.

Sua pele, morena e impecável, empalidecera vários tons ao ver o enfermo sentado ao longe e aparentemente divertindo-se com a situação.

– Sabe, me senti sozinho no desjejum, já que geralmente você me acompanha ás seis horas para o café da manhã. – Ele deu de ombros, voltando-se para o paciente do 214. A afirmação era verdadeira, embora os olhos castanhos do jovem houvessem brilhado com uma suposição deveras indevida na opinião da doutora. – Então descobri que nosso amigo estava acordado antes do sol nascer. Quem diria que ele gosta de bolo de semolina e amêndoas tanto quanto eu? Ainda bem que sobrou do meu aniversário.

Kadar balançou a cabeça. Adormecera depois da aparição da mulher trajada em rosa, mas não conseguira dormir muito mais do que poucas horas, três talvez. Ficou a esperar, observando o céu ser tingido aos poucos de vermelho do nascer do astro-rei, e em seguida foi saudado por uma enfermeira, a qual mal o viu acordado para logo sumir do cômodo e avisar alguém.

Depois, aquele homem. Era mais velho alguns anos do que o mercador de camelos, porém com tal energia que Kadar sentia-se velho e fatigado perto dele. Trouxera muita comida, e cada prato era digno de dias especiais, de festas e celebrações. Comidas que Kadar só provara em Sundara.
Chilrou alegre sobre seu Dia de Anos, comemorado com toda a pompa e circunstância, embora sem a presença de parentes importantes, como os pais e irmãos. Aquilo fisgou a atenção de Kadar, que notara vestígios sombrios na comemoração de trinta anos do homem. Desejou mirar mais seus olhos, porém até então estava zonzo e suas impressões eram incertas.
Tomaram água de flor de laranjeira e puseram a conversar um pouco, no entanto o rapaz nem ousou citar a assombração insana à noite.

– Não deveria ter oferecido bolo para ele. – A doutora murmurou seca, desviando do corpo do colega. – Muito menos na quantia que você consome.

“Ah.” O aprendiz franziu a testa, passando a mão de súbito pelas têmporas. “São aqueles dois. São as duas vozes.”

O sorriso dela voltou ao rosto, por mais que fosse forçado e os dentes servissem de barreira para um rosnado não escapar de sua garganta. Ghazal aproximou-se do paciente e sentou-se na cadeira em que o outro estava, desejando que sua tensão não fosse tão aparente. Mas, o enfermo não tirava os olhos da doutora e mirava suas pupilas afiadas bem na direção das pupilas dela. Tomou um gole de seu café morno, o qual ainda segurava, para umedecer a garganta antes de falar:

– Bom dia. – Piscou várias vezes as pálpebras adornadas com kajal, quase pedindo para que ele tivesse a decência de parar de encará-la. –Sou a doutora Yazid, que vêm cuidando de você nestes últimos dias desde seu...acidente. Minha equipe e eu temos nos preocupado bastante com o que aconteceu naquela noite, e como pode ver, tratamos de seus ferimentos e o colocamos para descansar quando acordou desorientado.

A expressão de Kadar foi bondosa.

– Você... Você disse que seria mais fácil se eu estivesse morto. Que preferia que fosse assim.

Se antes estava pálida, Ghazal então tornara-se transparente e gélida feito cristal. Suas íris buscaram a de seu parceiro como quem procura o chão, enquanto sua boca abria-se numa exclamação muda. Fez-se silêncio.

– E você, doutor... Disse que algo não permitia sua leitura sobre mim, haviam nuvens interferindo. O que isso tudo significa?

Não houve pios nem interrupções. O doutor coçou o queixo, sério de súbito, enquanto a outra ofegava. Ele deu uma leve tossida, testando a voz esquecida e entalada nas cordas vocais, para tomar a dianteira:

– É uma história longa, quase uma fantasia infantil. – O tom dele foi irônico, numa paráfrase de uma afirmação dita por Ghazal. – Mas temos tempo, e algo me diz que és particularmente interessado no folclore. Caso eu não tenha lhe falado antes, me chamo Karim, e francamente... você é que terá que nos ajudar a esclarecer tudo.

Kadar entrelaçou os dedos da mão sobre seu colo, sentindo a maciez dos lençóis.

– Estou ouvindo.


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Notas finais do capítulo

Comentários? Sugestões? Broncas? Hahahah Confesso que mereço uns tapas por demorar tanto, e se algo estiver esquisito e/ou errado, me avisem! Puro descuido na pressa de escrever.
Também preciso da ajuda de vocês em algo! Raed, Alethia, Farah e Kadar seriam de quais signos? Alguma sugestão para estes e/ou outros personagens? Por favor, comentem, fará sentido depois >. < AIOSHDOIASH

BEIJÕES



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