Além das Dunas Brancas escrita por Shalashaska


Capítulo 12
O Não-Mar


Notas iniciais do capítulo

Olááááá!!
Eu disse (para alguns nos comentários) que chegava mais cedo ;) Mas tenho que contar algumas coisas pra vocês.... e peço que vocês leiam as notas iniciais ATÉ O FINAL. Sabe, estou com pouco tempo para escrever e acontece que não sei se vou atualizar com tanta frequência ou com a qualidade que quero, então estou pensando se eu não deveria, sei lá, dar um tempo. Talvez este seja o último capítulo.

....

PRIMEIRO DE ABRIIIIIL AHEOHAOEHOAHE

Eu sou meio besta mesmo, não liguem xD Senti a necessidade de dar "sustinho" devido a data de hoje, mas acredito que vocês não devem ter caído nessa. De qualquer forma, aqui vai um novo capítulo que me esforcei bastante em pesquisas e etc, então espero que gostem. Tenho orgulho de falar que há mais visualizações e leitores entre nós! Sejam bem-vindos :3

Só pra deixar claro, eu não irei abandonar a fic, ok? Como eu disse na nota inicial anterior, talvez eu demore uns 15, 20 dias, mas eu volto!!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/585514/chapter/12

O pelo do cavalo negro misturou-se com o breu da noite e Kadar continuava rumar pela areia, puxando as vestes para mais perto do corpo devido ao frio que cortava sua pele. Condoía-se pelo estado do animal, que resfolegou de tempos em tempos, mas não tinha ânimo para cessar a caminhada e nem materiais o suficiente para acender uma fogueira. Já levara boa parte dos suprimentos de Raed, todos empacotados na sela do animal. Além disso, Safir andava num ritmo constante com suas patas fortes, seguindo uma direção intuitivamente sem que o aprendiz ordenasse. Ele agradeceu por este curioso fato, pois dessa forma poderia aproveitar do vazio que era a sua mente, o poço fundo no qual caía sem jamais alcançar o fim. Sentiu a boca seca e os lábios rachados pela temperatura e pelo vento; logo alcançou a mão no cantil e bebeu da água refrescante que seu irmão o presenteara antes de partir.

Toda vez que encarava Raed, seus olhos encontravam primeiro a cicatriz em sua testa, e ele próprio parecia receber a pancada da pedra e o tombo no chão. Imaginava os terrores que o outro passara após aquela tarde. Não parava de pensar que não deveria ter lhe prometido nada, não deveria ter mencionado aquela maldita concha e as sereias. Se tivesse ficado em casa, onde Tamir não o perseguiria, Raed não teria sido golpeado.
Julgou que seria capaz de acompanhá-lo agora, que insistiria além do que suportava, além da insanidade daquela busca, para enfim superar seu erro. Mas, gradualmente percebia que a jornada era apenas de Raed e que somente ele poderia encontrar o que desejava.

Aquela romã estava alta demais.

Enquanto uma enxurrada de pensamentos doloridos lhe assolava a cabeça, uma luz forte lhe atingiu as pálpebras fechadas. Não machucou seus olhos, pelo contrário: a luz pareceu emanar uma energia poderosa, revigorante. Ele inspirou o ar rápido, surpreso, e viu que o lume era aquele mesmo que admirara ao lado de Raed: A Luz de Nirav.
Continuava cálida e serena, no entanto parecia mais forte. Mais próxima.

Kadar deu um toque com as pernas no lombo de Safir e o fez trotar mais ligeiro, seguindo o rastro de luz que tanto lhe enfeitiçava. Talvez fosse uma busca perdida, mas ele já não tinha mais nada a perder.

Seu coração acelerara-se como se ele próprio estivesse correndo com os músculos do cavalo, fato que ele tentava controlar, mantendo a calma e forçando o ritmo de sua respiração. Nos seus ouvidos pulsava a voz mística de Alethia:

“Não irá longe, já lhe aviso...” Disse ela, antes de abrir o portal que o separaria de seu irmão “No entanto, irá à luz.”

A gênio teria planejado isto?

Sua odisseia errante continuou por tempos, até que ele próprio conseguiu se tranquilizar devido ao cansaço. Estava com fome e ainda tinha hematomas pelo corpo; pois a Luz não o curava de todas as feridas, nem mesmo daquelas não estavam na tez. Ainda com o movimento de Safir, o qual parecia revitalizado de súbito, Kadar cochilou sob a sela, acordando somente em alguns trancos mais fortes. Após minutos inteiros sob peso do sono, ele despertou de susto ao sentir seu tronco pender para trás.

Chacoalhou a cabeça, desejando recobrar melhor a consciência e a atenção, e por fim seus olhos deitaram-se sobre a paisagem diferente. A Luz estava mais próxima do que nunca, porém por esta exata razão, já não direcionava-se exatamente ao viajante, e sim para além dele. Portanto, enxergou o cenário novo pelos contornos que a luz clareava, vendo que o terreno se inclinava gradativamente para cima, mais sólido do que toda a areia anterior.

Kadar franziu a testa e desceu do cavalo, decidindo andar mais devagar por aquelas terras desconhecidas.

O clima pacífico, de verde e pura esperança, enrolava-se junto das garras viscosas de sombras. O facho de luz acima de si, escondendo as estrelas, também iluminou a areia tornando-a feita de prata; contudo o aprendiz não se demorou neste fato que observara da primeira vez. Sua garganta entalou-se por causa do rastro escuro que vira, algo grande arrastado por ali. Metros depois, ele viu que o terreno onírico fora maculado pela carcaça semi decomposta de um camelo.

Não parou para verificar melhor o que acontecera com o pobre animal; se este perdera-se de seu bando selvagem e fora abatido por alguma besta, ou quem sabe até uma matilha de coiotes. Safir também sentira o cheiro de sangue e carne, forçando em seguida o homem que lhe segurava pelas rédeas afastar-se de tão horrenda cena.

Kadar não se importou em realizar esta pequena vontade do cavalo.

O terreno levou-os para cima durantes muitos e muitos metros, até que afinal abriu-se em um largo e plano solo. Isso já seria impressionante de se observar depois de dias encarando dunas e pisos instáveis, mas não era a principal característica que lhe roubou o sopro do pulmão.
Havia água. Havia um imenso, um vasto chão d’água a poucos metros dele, refletindo a Luz de Nirav. Ele correu, vendo aquele curioso oceano no meio do deserto e puxando as rédeas de Safir. Apertando os olhos foi capaz de enxergar torres distantes circundando as bordas e alguma figura indistinta de onde saía o facho pulsante de luz, o qual dava sinais de estar perto de se apagar.

Suas veias tornaram-se tão elétricas em seu puro entusiasmo que percebeu tarde demais a existência de uma fogueira próxima á borda. As chamas descontroladas e laranjas esparramavam as sombras no chão, transformando uma silhueta confusa em algo temeroso. Talvez fosse mais um viajante perdido como Kadar, de costas para o aprendiz, ao absorver o calor reconfortante do fogo no meio da noite.

O rapaz prendeu a respiração por alguns instantes, desejando que sua montaria também fizesse silêncio. O perfil da outra pessoa era encurvado e grunhia em gestos bruscos e animalescos, como se rasgasse algo com seus dentes. Como se rasgasse carne. Vendo tudo o que vira e tendo passado tudo o que vivera, Kadar acreditou que aquilo fosse algo entre uma criatura e um homem.
Se de fato fosse alguém comum, o jovem teria o chamado e amparado tal pessoa, mas naquela ocasião um sentimento incômodo o proibiu de fazer um barulho sequer. Desistiu de sua vontade de ajudar e recuou. Naquele exato instante veio o vento, tremeluzindo a fogueira e trazendo o cheiro acre da criatura.

Um relinche de horror ribombou à beira do não-mar e o silêncio caiu sua temperatura em diversos graus. A criatura, até então alheia à presença do viajante, parou de comer.

Ela se ergueu vagarosamente, virando-se para encarar o local de onde viera o barulho. Era algo parecido com um homem, pois tinha pernas e braços, mas tecidos grossos revestiam seu corpo de maneira abstrusa, como se fizessem parte de sua fisiologia bizarra. Deu passo manco em sua direção, encurvado igual a um animal ferido, cheio de desconfiança e sem medo de atacar.

Metros ainda os separavam, porém o cavalo continuou a inquietar-se de tal maneira que suas rédeas escaparam violentamente da mão de Kadar, raspando-lhe a pele. O aprendiz desesperou-se, não por causa do ferimento recém-aberto na palma, mas sim porque a tal criatura dera outro passo, vergado mais próximo ao chão. Engoliu em seco. Sua única montaria saíra em disparada, misturando-se ao breu, e o máximo que dispunha para se defender era um punhal.

Encararam-se, sendo apenas duas sombras disformes um ao outro, imersos em sentimentos primitivos de medo, até que a Luz de Nirav pulsou, desta vez seu brilho cálido banhando-os em plena claridade. O rosto de cada um revelou-se ao outro. Ele reconhecera a tonalidade azul das vestes da criatura que, agora tinha certeza, era um homem assim como ele; e tal indivíduo também reconhecera o jovem.

Aprendiz e cruel mentor. Enteado e severo padrasto. De forma ou de outra, inimigos.

– Você... – A voz de Tamir soou áspera pela atmosfera fria, cortando a tranquilidade que deveria ser as redondezas de Nirav. Kadar não estava errado, aquilo era sim uma criatura. Assumiu uma posição diferente, sua fraqueza revitalizada de súbito por uma rubra aura, e abriu os dentes num rosnado.

A Luz voltou aos céus, retirando-se dos dois corcovanos e da cena que viria a seguir.

Kadar tropeçou nos próprios pés antes de retomar o equilíbrio e conseguir forçar seu corpo a correr, na mais pura adrenalina através da penumbra. Seus ouvidos trovejavam com um zunido inexistente, enquanto sua mente repetia da forma sádica a voz do líder deposto. Sua língua parecia tão áspera e árida quanto o próprio deserto para que seu murmúrio saísse grotesco daquele jeito; o Sol deveria tê-lo ressecado, o alucinado durante horas na absoluta solidão, mas o sangue infestado de ódio e vingança não se deixara evaporar tão cedo.

Tamir prometera a si próprio a resistir toda intempérie de Ravel até encontrar o motivo de seu exílio: o bastardo.

Os passos apressados do rapaz ecoavam alto demais para que pudesse despistar seu perseguidor, e a água fazia questão de refletir tanto o som de seus pés contra a larga borda de pedras entalhadas, quanto a luz da Capital Paradisíaca. Também escutava os gritos insanos de Tamir, agora mais selvagem do que jamais pudera ser na terra natal de ambos. Bramia injúrias e arquejos indistintos, sons que indicavam sem sombras de dúvidas que avançava cada vez mais e não demoraria a alcançá-lo.

A mente do aprendiz não foi capaz de formular pensamentos completos, apenas faiscava perguntas e suposições, visões de um futuro próximo caso não conseguisse escapar. Sabia que seria dilacerado se fosse pego. Questionava-se como Tamir sobrevivera durante tantas horas, dias, sendo que estava sem equipamentos, quase sem provisões, e ainda amarrado com as mãos nas costas.
Lembrou-se então que este sempre levava uma pequena lâmina embainhada na cintura, imperceptível sob a roupa, e recordou-se também da carcaça de camelo quilômetros atrás.

Ele matara o animal, o camelo mais jovem que Kadar cuidara. Ele era menor que todos os outros, não dormia sem um último afago na cabeça e se chamava Basim. A arma que o velho corcovano usara conferira ao bicho uma morte lenta, minutos agonizantes até que finalmente viesse a falecer. Primeiro, cortando-o da forma que podia, Tamir retirou a reserva d’água do animal para poder caminhar mais; depois, ao achar o oceano que levava à Nirav, voltou para pegar pedaços de carne a fim de viver até que alguém da Capital viesse socorrê-lo, se viesse alguém.

O desespero tomou cada minúscula veia de Kadar, mas ele não teve tempo para se lamentar pela morte do amável Basim. Enquanto corria, sentindo as pernas queimarem pelos dias sem descanso e por horas sem a devida nutrição, seus olhos buscaram o brilho das marés. Era escuro, não havia como saber a profundidade ou se havia algum ser monstruoso e faminto escondendo-se entre as ondas rasas.

“Se ao menos eu soubesse nadar...” Pensou ele, tentando raciocinar rápido alguma fuga. Tamir ganhava cada vez mais velocidade a despeito de seu estado físico e mental, mas não conseguiria nadar por tanto tempo.

Antes que pudesse tomar qualquer atitude, Tamir o alcançou assim como em todas as vezes.

Jogou seu corpo contra o dele, ambos caindo com um baque no piso inteiro trabalhado. Kadar recebeu o peso do velho, mais o impacto de seu rosto no chão. Perdeu o ar por alguns instantes, bem como sua consciência, porém logo seus olhos abriram-se para reagir. Virou-se de barriga para cima, fazendo força com o tronco e sentido seus ossos estalarem, para não permanecer na posição vulnerável que estava. Seus braços tentaram alcançar as garras de Tamir, que grunhia, socava e arranhava qualquer pedaço exposto do enteado.

Seus gritos preencheram o vazio do espaço.

O rapaz não entendia de onde o velho tirara tanta energia, pois por mais que não fosse tão idoso e debilitado, seu corpo não deveria ser capaz de gerar tanto vigor, tanta raiva. Estava inteiro tomado por uma fúria sobrenatural, vinda das entranhas de sua alma escura, e tornando-se a besta que sempre dera indícios de ser.
As narinas de Kadar ardiam devido ao fedor de seu padrasto, o aroma de morte e crueldade que saia de sua pele suja e de sua boca, que cuspia ao berrar. Gotículas de saliva caíam sobre seu rosto, e ele tinha certeza de que os dentes dele, junto a sua parte de sua face, estavam manchadas pelo sangue de Basim. Não conseguia enxergar exatamente as dobras de expressão animalescas dele, pois a penumbra era forte, mas quando desviou seu pescoço de uma mordida, viu o brilho nítido de Nirav formar um caminho reto sobre a água.

– Você! – A criatura urrou, com os olhos saltando das órbitas. – Foi abandonado pela ratazana, não foi? – Tamir gargalhou, dando à Kadar um pouco mais de ar e a chance bem aproveitada deste lhe dar um soco na mandíbula. Embebido em cólera, ele afundou seus dedos sujos na carne do jovem, prendendo-o ainda mais no chão. – Eu era o líder! Eu! Fui eu que mantive a maldita Corcova Azul quando tudo mais desmoronava! Eu que trouxe de volta sua mãe solteira e os sustentei por anos, a desgraçada que não me deu um único herdeiro! EU! Eu merecia tudo, tudo!

Kadar golpeou à esmo e se debateu o quanto pôde para livrar-se de Tamir, contudo a sua insanidade lhe dava forças além da compreensão, de modo que apenas rolaram num bolo de socos e gritos sobre a borda do oceano. Nenhum dos dois conseguia um fôlego a mais, um breve segundo, para buscar suas respectivas lâminas: o punhal e a faca. Não havia tempo.

– Desta vez... – Ele disse inabalável, mesmo levando murros e tendo de movimentar-se tempo inteiro para manter sua vítima no lugar. – Você vem comigo.

Tamir puxou ambos ao mar.

Os olhos de mel do rapaz viram a linha do horizonte se inclinar enquanto suas costas atingiam a água gelada, batendo na linha de luz que ele vira poucos momentos antes. Enxergou o céu noturno, para então ser consumido pelo frio das ondas e a escuridão das profundezas. Tamir ainda o agarrava, sendo um peso a mais na descida até o fundo, além das vestes encharcadas que lhe conferiam maior dificuldade de manter o rosto para fora. Mesmo se afogando, o velho insano mordia e arranhava, pois já não se importava em morrer desde que levasse seu demônio particular junto. Queria ver o jovem morto, e morto pelas suas mãos.

Seus músculos estimularam-se pela queda súbita da temperatura, então Kadar obteve ânimo extra para tentar se desvencilhar do abraço mortal do padrasto. Debateu-se mais, também o esmurrou e arranhou enquanto lutava por um sopro, entre goles da água agitada. Seus braços inconscientemente buscaram apoio, mas não havia nada para se segurar. Seus dedos somente encontravam o vazio das marés negras, o que lhe trazia mais e mais pânico.
Prendeu a respiração de forma instintiva, e por mais que quisesse gritar, que quisesse urrar pela sua vida, não pôde. Sua boca se abriu, deixando saírem bolhas. Além dos gorgolejos, tudo estava quieto e a pressão vinha de todos os lados. Seu corpo não estava mais sob seu controle, era mero conjunto de desesperados reflexos.

Kadar se sentiu impotente e insignificante dentro do oceano.

Tamir o puxou gradativamente para baixo, também já fora de si e entrando na doce inconsciência. Suas pernas pararam de mexer e a gravidade nunca fora tão pesada. Em seus últimos momentos de lucidez, Kadar pensou em Raed. Não queria tê-lo abandonado, mas não queria morrer tragado pelo deserto. Sentiu-se estúpido pela decisão, pela covardia, pois agora encontrava a dita morte. Por de baixo d’água, viu a luz incidir novamente sobre a superfície líquida e acreditou ter visto silhuetas negras. Sereias? Seriam elas anjos do oceano, que os levariam para as profundezas? Tranquilizou-se soltando mais bolhas pela boca, pois ouviria o canto das graciosas criaturas que tanto almejara conhecer.

Piscou os olhos e suas pálpebras viraram chumbo. Já não sabia distinguir sua localização no espaço, o que era cima ou o que era baixo, de onde vinha e para onde ia. Flutuou, e não aguentando mais um segundo sequer, inspirou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Infelizmente, o que aconteceu com este personagem não é brincadeira de Primeiro de Abril =/
Correções? Sugestões? Críticas construtivas e/ou ameaças? Comentem para eu saber o que se passa na mente de vocês!

Ah, preciso perguntar: vocês acham que os cenários estão bem descritos na fic? Acho muito importante que os ambientes sejam bem desenvolvidos, vívidos, e não sei se estou fazendo isso certo... Peço a sua opinião!

Milhões de beijos e até a próxima!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Além das Dunas Brancas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.