RONY

Como se fosse para me poupar de mais desgosto, Gina foi buscar Hermione do quarto de Draco ainda de manhãzinha.

Ela já dormia há dois dias junto com ele e o auror, e eu mal a via durante a manhã e a noite.

Graças a Deus, era sábado.

Depois de toda aquela loucura, e de ouvir quase uma semana que a reversão de Hermione ainda não havia sido descoberta, eu precisava de um tempo só para nós dois.

Antes que Malfoy virasse o herói dela ou coisa assim...

Eu ainda estava deitado na cama quando minha irmã trouxe o corpinho adormecido até a minha cama, atravessando o breu da madrugada, dando-me um sorriso amarelo em meio á escuridão e deitando-o no colchão, desaparecendo em seguida.

E agora, eu esperava pacientemente que minha pobre menina acordasse.

Fiquei quase a manhã toda ali, apenas observando-a, tentando entender como tudo havia mudado daquele jeito.

O rosto tão teimoso e maduro que eu adorava ver na semana anterior havia tomado proporções absurdamente menores e mais delicadas. As mãozinhas gorduchas contrastavam muito com as mãos tão delicadas que eu amava segurar.

Mas o que mais me deixava angustiado, ao olhar aquele rosto de querubim sereno, era pensar que, talvez, quando ela voltasse ao normal, nem eu e nem ela voltássemos a sentir o mesmo que sentíamos antes do acidente.

Como eu sobreviveria se Hermione mal se lembrasse de mim depois de tudo?

Enquanto engolia em seco, ainda com a cabeça repousada no travesseiro e encarando Hermione, vi as palpebrazinhas cor de lavanda se abrirem lentamente, incomodadas com a luz que começava a invadir o quarto.

As íris tão bonitas que eu sempre admirara me encararam de volta.

– Bom dia...

Hermione deu um pulo no colchão, provavelmente assustada.

– Ei! - ela guinchou, arregalando os olhos - onde eu tô? Cadê o Draco?

Ignorei a pontada que me atingiu quando ela falou o nome da doninha.

– A Gina te trouxe pra cá - murmurei, baixando os olhos.

Hermione pareceu reconhecer o quarto, a confusão se esvaindo aos poucos de seu rosto. Ela baixou os olhinhos para mim e, para minha surpresa, abriu um enorme sorriso.

– Que bagunça... dormi num lugarzinho e acordei no outro - Hermione esfregou os olhos, rindo.

Senti minha boca se contorcer num sorriso, contagiada pelo de Hermione.

– E a mão? - peguei a mãozinha ainda enfaixada - como está hoje?

– Já sarou - ela levantou a mãozinha.

– Que bom - afaguei os dedinhos ainda ençlaçados na gaze.

Eu tinha que confessar. Não conseguia ter a mesma raiva de Draco Malfoy quando me lembrava do como ele a socorrera há dois dias.

Aquela podia ter sido a chance de ouro dele de finalmente prejudica-la, simplesmente ignorando-a. Fingindo que não era com ele, e deixando-a sangrar o quanto quisesse.

Mas, para meu choque, Malfoy não só fizera algo, como ainda por cima cuidara dela.

Já fazia algum tempo que eu pensava comigo mesmo... será que Draco Malfoy realmente merecia todo aquele desprezo que eu sentia por ele? E se, depois de tudo, ele tivesse mudado - mesmo que pouco? Eu não podia estar dando outra chance para o garoto?

De repente, Hermione estava vendo nele algo que eu me recusava a enxergar.

Eu só esperava que isso não fosse algo mais forte do que eu pensava.

– Levanta, Rony - Hermione pulou no colchão, me despertando de meu devaneio - anda, anda! - ela franziu o cenho, pensativa - o que você tá pensando?

– Nada não.

Ela ergueu a sobrancelha, petulante, de um jeito tão parecido com o da Hermione adulta que eu quase caí na risada.

– Não me engana não - ela fungou, desdenhosa - pode falar.

– Hum... - mordi o lábio, mais achando graça em sua expressão narcótica do que qualquer outra coisa - estava só pensando sobre sua admiração pelo Draco...

Os olhos de Hermione se arregalaram como os de uma coruja, e ela se boquiabriu, dando um gemidinho gutural, igual uma diabrete indignada.

– Ele é meu amigo! - bufou - por que eu não ia gostar dele?

– Claro - suspirei.

O que ela fez em seguida me impressionou.

Hermione pegou meu rosto entre as mãozinhas, me olhando com uma expressão muito séria.

Aquilo era tão parecido com o que ela costumava fazer quando adulta que a mera lembrança quase me sufocou.

– Mas eu gosto mais de você, Rony - ela assentiu, reforçando o que dizia - muito maizão.

Engoli em seco, sentindo o coração palpitar.

– Sério?

– O Draco é legal - ela piscou - mas você é muito mais legal. Sei lá.... - deu de ombros - sei não. Ele não é tão legal quanto você...

Arfei, sentindo a bile mergulhando em meu estômago.

Ela não sabia explicar por que gostava mais de mim do que de Draco. Não sabia explicar nem a natureza dessa afeição.

Será que, depois de tudo aquilo, aquele velho sentimento da Hermione adulta ainda estava incubado na Hermione criança?

Aquela atração inexplicavel que Hermione parecia sentir por mim... não era uma coisa que uma criança podia explicar. Uma criança nem sentia aquilo, afinal...

Mas parecia estar interiorizado nela... ainda.

A luzinha de esperança que surgiu em mim me arrancou um sorriso dos lábios.

– Rony - ela virou a cabeça, curisosa - tá tudo bem?

– Estou - balancei o pescoço - foi mal...

Hermione riu, descendo da cama.

– Você é doido.

– Olha quem fala - cutuquei o nariz dela, o que só a fez gargalhar ainda mais.

O som da risada, infantil, puro e alegre, abalou de novo minhas estruturas.

– Acho melhor descermos logo - sorri, oferecendo-lhe a mão - mamãe deve ter feito panquecas.

– Panquecas! - Hermione guinchou, pulando animada.

Enquanto descíamos as escadas, Hermione ainda acrescentou:

– Ah, e Rony? A sua cama é a mais fofinha.

O sorriso humorado que nasceu em meu rosto finalmente parecia ser genuíno.

Parecia que, finalmente, aquela semana seria suportável e tranquila.

Ou foi isso o que eu pensei.