Dois Quartos de Vinho escrita por Ninguém


Capítulo 46
Era inegável a mudança causada


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores. Estamos de volta!

Puxe uma cadeira ou deite no sofá, tome um chá ou coma uma pipoca. Enfim, sinta-se a vontade e tenha uma ótima leitura.



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Era inegável a mudança causada na vida de Lia desde que assumiu seu relacionamento com o Barbixa, sendo os três primeiros meses os mais caóticos. Para a mídia, a oficialização do namoro ocorreu quando foram vistos juntos em um festival de comédia, de mãos dadas, os dois riam e se divertiam diante das câmeras. Foi um prato cheio para os fotógrafos e portais de fofoca. Também foi a primeira oportunidade para Elídio apresentar a nova companheira para boa parte das amizades que tinha no mundo da comédia. 

No dia seguinte, surgiram as primeiras matérias sobre o novo casal, cheias de fotos de momentos a sós ou rodeados de humoristas, as manchetes questionaram quem seria a sortuda e onde se conheceram, mas a dúvida não durou muito. Foram necessárias 64hrs para que as fãs do trio descobrissem o Instagram de Lia e repassem aos portais, e assim a jovem recebeu holofotes virtuais pela primeira vez. Um dos mais populares portais de fofoca publicou uma matéria completa expondo seu perfil e todas as informações pessoais que conseguiram encontrar. O autor do texto opinava sobre seu corpo, mencionava a faculdade de direito, destacava a diferença de idade entre os dois, falava da peça em cartaz e, o principal, incitava o debate sobre relacionamentos entre ídolos e fãs.

Foi o suficiente para que sua vida desse um salto em menos de uma semana. Passou a ganhar seguidores em todas suas redes, a maioria meninas na faixa etária entre 12 e 16 anos e parte significativa delas começou a comentar em suas fotos, mesmo nas mais antigas, suas opiniões a respeito do namoro. Algumas a achavam muito bonita, outras muito nova, muito gorda, muito feia, com muita sorte… todas queriam saber seu segredo para conquistar o humorista. De início optou por não responder nenhum, qualquer interação poderia desencadear uma exposição ainda maior. Todas as fotos que publicava ou era marcada, eram repostadas por páginas de fãs. Os amigos de Lia também receberam novos seguidores, como se toda sua vida estivesse sendo cercada e vigiada.

O público de sua peça também aumentou, surgiram famílias de toda região do ABC paulista para assistir às apresentações, boa parte das famílias tinha ao menos uma filha adolescente. Fotos com os atores passaram a ser pedidas, como se fossem celebridades, mas nessas situações Lia sentia que estava ali apenas para ser analisada. As fãs mais descaradas aproveitavam os minutos de interação para tirar dúvidas sobre Elídio. Contudo a repercussão não foi de todo mal, com o aumento da bilheteria, a Companhia conseguiu fechar um novo contrato com outro teatro, dessa vez na capital, para apresentações às quartas à noite.

Lia não tinha tato para lidar com tudo aquilo que caíra em seu colo de uma vez só. Sentia-se invadida. Tinha receio de que aquele stalke saísse do meio virtual. Receio de algum dia sair do teatro e ser seguida até sua casa. Não achava que alguém queria lhe fazer mal de forma alguma, mas mesmo que as intenções fossem boas, pessoas desconhecidas estavam invadindo sua privacidade e espaço pessoal.

O incômodo não era simplesmente por sair do anonimato. Não. Para ter sucesso em sua carreira artística sabia que um dia precisaria romper sua bolha e não via problema nenhum nisso. O que lhe incomodava era como essa "fama" surgiu. Ela não era a atriz com anos de experiência, não era a estudante de direito que ajudou em um caso importante, nem mesmo tinha nome, da noite para o dia havia se tornado A Namorada de Elídio Sanna. Sentia como se fosse um acessório, como se não fosse ninguém.

Teve longas conversas com Daniel e Karina sobre a situação, queria dicas para lidar com a exposição sem  enlouquecer, além disso, tinha medo de que alguém pensasse que seu envolvimento com o humorista era por interesse financeiro ou para alavancar sua carreira fracassada. Não levava esses pensamentos ao namorado, não queria que ele se sentisse culpado desnecessariamente, mas sabia que ele percebia sua inquietação.

Como se não bastassem todas as mudanças em sua vida pessoal e artística, a faculdade e o trabalho também a estavam consumindo. Já no último semestre do curso, ia para a universidade apenas às segundas feiras para fazer seu trabalho de conclusão, trabalho este que negligenciou durante o primeiro semestre de 2020, devido a criação da peça, e agora corria atrás do prejuízo desesperadamente, com medo de não conseguir se formar. Junto a isso, seu contrato de estágio terminou e recebeu uma proposta de efetivação, agora sua carga horária era maior e seu volume de trabalho também. 

Havia dias em que ia para casa e não lhe restavam forças para nada além de dormir. Noites em que chegava na casa do namorado de madrugada, dormia quase que imediatamente e às seis  da manhã seguinte já estava saindo para trabalhar. Vezes em que, já deitados, Elídio começava a contar alguma história, mas em menos de 20 minutos desistia, pois a amada já havia pegado no sono.

Mesmo diante desse cenário caótico, o relacionamento dos dois ia bem. Muito bem. Passavam dias sem se ver devido ao constante conflito de agendas, mas quando se encontravam era como se o mundo lá fora parasse e nada mais importasse além dos dois. A saudade era latente e a paixão parecia cada dia mais intensa, como em todo início de relacionamento. Sentiam falta do toque do outro, do abraço, do sorriso e do som da risada, do carinho que faziam em seus cabelos negros e ondulados. Era justamente para matar essa saudade que a jovem cruzava a Monte Alegre com a João Ramalho.

Quando chegou ao TUCA a maioria dos assentos do teatro já estavam ocupados, mas as luzes seguiam acesas, contornou algumas pessoas até encontrar seu assento na extremidade direita da última fileira, e se sentou suspirando. Há semanas não entrava naquele teatro, há semanas não assistia ao Improvável. Sentia saudade até do cheiro do local e do burburinho de vozes pré espetáculo.

As luzes se apagaram e logo a terceira campainha tocou, Edu Nunes subiu ao palco como mestre de cerimônias e apresentou os jogadores da noite. Quando Elídio apareceu, Lia deu um grito automático de fã e sentiu seus batimentos acelerarem, como se fosse a primeira vez naquele espaço. Decorriam-se dez dias que não se viam e ele não sabia que ela estava lá, a jovem disse mais cedo que teria uma reunião na Companhia  e, por isso, não conseguiriam se ver. Queria fazer uma surpresa, arrancar um sorriso do responsável por grande parte dos seus. Por isso estava ali, na última cadeira da última fileira, torcendo para não ser reconhecida.

Oitenta e um minutos depois, seguia sentada aguardando todas as pessoas saírem do teatro para poder chamar, discretamente, alguém da produção. Pouco antes do último grupo sair, Jaque a reconheceu da outra extremidade do palco, abriu um largo sorriso e sinalizou com a mão para que se aproximasse.

— Amiga, não acredito que você veio. Que saudade! - ela disse abraçando a morena com um dos braços enquanto carregava cabos e fios no outro - Por que não disse que viria hoje?

— Ele não sabe que tô aqui - explicou piscando o olho - resolvi fazer uma surpresinha.

— Quem diria que um dia eu iria te ver assim toda romântica?! Mas vem, vamos dar um jeito de todos saírem sem que o Lico desconfie de nada - concluiu puxando sua mais recente amiga pela mão e sumindo pela coxia.

Quando chegaram aos bastidores, Jaque iniciou o minucioso trabalho de pedir, comedidamente, para que a equipe técnica se apressasse e passasse adiante a presença secreta da ilustre atriz. A jovem acompanhava aquela movimentação com certa timidez, mordia o canto do lábio e apertava as mãos indicando ansiedade, estava nervosa por reencontrar o namorado.

— Espera aqui que eu vou lá pedir pros meninos saírem - pediu, assim que chegaram ao corredor dos camarins.

Lá dentro, cinco homens e uma mulher discutiam sobre a apresentação, riam lembrando dos pontos altos e dos trocadilhos infames, arrumavam suas mochilas e concordavam que o tema do musical foi difícil, mas, graças a Bella, o final ficou incrível. Jaque entrou no camarim e ingressou na conversa, ao mesmo tempo em que mandava mensagens nos celulares pedindo para não enrolarem para ir embora. Depois que entenderam o recado, todos se despediram e foram em direção a porta, nesse momento a contrarregra pediu para que Elídio ficasse, dando uma desculpa qualquer.

O primeiro a sair foi Anderson, assim que viu a atriz encostada na parede abriu a boca e arregalou os olhos, mas rapidamente ela levou o indicador à boca, pedindo para que fizesse silêncio. Ele a cumprimentou rapidamente, assim como os convidados da noite, e seguiram para o estacionamento. Com um sorriso faceiro, Daniel se aproximou de braços abertos e beijou seu rosto.

— Finalmente resolveu aparecer - disse prendendo ela em seus braços - achei que não gostava mais da gente.

Lia não tinha palavras para explicar como se sentia acolhida por Daniel, sempre que se encontravam ele fazia questão de deixá-la à vontade e lembrá-la de como era bem vinda. Aquela era uma amizade que não esperava conquistar e que faria de tudo para não perder.

— Prometo que quando o furacão passar nos veremos mais, você vai até cansar de ouvir minha voz!

— Duvido muito, mas vou ficar aguardando. Qualquer coisa que eu puder ajudar, você sabe que pode me chamar, desde que seja de segunda a sexta das 10h às 18h, com exceção dos feriados. - os dois sorriram - Boa noite querida - deu um beijo de despedida e seguiu até a saída.

Elídio estava se olhando no espelho enquanto ajeitava o cabelo quando a morena entrou no camarim. Ele a viu primeiro pelo reflexo, franziu o cenho surpreso e em seguida se virou.

— Meu Deus! Que que você tá fazendo aqui? - deu dois passos, parou, passou os dedos entre os cabelos e colocou as mãos sobre o rosto, cobrindo os olhos - Você tá aqui, não acredito! Meu Deus! - ficou tão atônito que não conseguiu se aproximar da mulher.

Lia deu um largo sorriso e foi em sua direção para abraçá-lo.

— Por que não me contou que vinha? - ele a abraçava o mais forte que podia e ao mesmo tempo distribuía beijos por seu rosto.

— Achei que você iria gostar de uma surpresa - suas palavras foram abafadas pelo abraço - mas se preferir eu volto outro dia.

— De jeito nenhum! Se depender de mim, ficamos nesse abraço pra sempre. Senti tanto sua falta, queria ter ido na sua apresentação ontem.

— Também senti saudade. Muita saudade. Fazia tempo que não assistia vocês.

— Espera aí, você tava na plateia? - ela balançou a cabeça positivamente - Onde? Em qual parte? 

— Calma, Lico, primeiro vamos nos soltar - ela ria da agitação dele - Melhor a gente liberar o camarim e conversar no caminho, né?

Desfizeram o abraço, ele pousou as mãos delicadamente sobre seu rosto e a puxou para um beijo.

— Obrigado por ter vindo.

Os dois saíram do teatro e pediram um uber. Passaram o trajeto todo conversando com o motorista, que se revelou um grande fã do trio, mas nunca havia visto nenhuma apresentação ao vivo. Lia e ele riam juntos citando frases e momentos marcantes de vídeos do canal, enquanto Elídio fingia que lembrava, foram tantos espetáculos em 13 anos de carreira que seria impossível lembrar de tudo aquilo. Terminaram a corrida com a promessa do motorista de ir ao Tuca em breve.

Quando chegaram, o humorista sentou no sofá da sala e puxou a namorada para outro beijo. Queria compensar os dez dias distantes não soltando-a nunca mais. Sentiu o perfume de seu cabelo, a maciez da sua pele e o doce de seus lábios, como se fosse o último momento dos dois. Ainda se olhavam profundamente quando ela rompeu o silêncio rindo:

— Qual a nossa programação da noite?

— Milady, o tour de hoje contempla uma visita à cozinha para comer um delicioso macarrão de ontem acompanhado de um suco 100% artificial, um banho relaxante junto de um homem extremamente bonito e uma cama totalmente desarrumada. - se levantou do sofá e estendeu sua mão para ela - Me concede a honra?

Lia segurou sua mão e foram para a cozinha. Jantaram como se estivessem em um restaurante fino, ela contava sobre sua apresentação da noite anterior e ele ouvia atenciosamente, enquanto bebiam meia taça de vinho branco, deixaram a louça para o dia seguinte e seguiram para o andar de cima. 

Sempre que tomavam banho juntos, o box se tornava um campo de batalha onde decidiam quem controlaria a temperatura do chuveiro, ele só tomava banhos mornos, mesmo no inverno, em contrapartida ela preferia que a água estivesse quente o suficiente para sentir queimar a pele. Não era uma cena sexy, pareciam mais duas crianças brincando com água, riam até mesmo para escovar os dentes.

Já passava da uma da manhã quando finalmente deitaram. Era clichê, mas ela adorava vestir suas camisetas para dormir, até mesmo porque ainda não tinha coragem de trazer suas roupas, mesmo Elídio desocupando uma gaveta. No fundo, sentia como se estivesse de passagem e não queria se ocupar fazendo as malas quando precisasse ir embora. Tinha suas inseguranças.

Às vezes, antes de dormir, perdiam-se no tempo enquanto se olhavam sem dizer uma só palavra, como se tivessem medo de piscar e o outro sumir, só paravam para sussurrar curtas declarações no ouvido do outro, que retribuía sorrindo.

Lia achava curioso como nos últimos meses estava sempre sorrindo, mesmo com sua vida virada de cabeça para baixo e com o receio que sentia e tentava esconder, intuía que o copo cheio havia, enfim, transbordado e que estava diante do próximo capítulo de sua vida.

— Me conta como foi a turnê do fim de semana - pediu enquanto se ajeitava para dormir.

O humorista começou a falar sobre as sessões em Curitiba, mas em poucos minutos a jovem adormeceu. Ele riu, ela sempre pedia para que contasse algo, mesmo sabendo que dormiria em seguida. Permaneceu alguns minutos admirando a amada, até que apagou a luz, deu um beijo em seu rosto e fechou os olhos tranquilo, não tinha mais medo dela desaparecer na manhã seguinte.


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Notas finais do capítulo

Sei que depois de tantos anos muitos não retomarão a leitura dessa fic, mas agradeço desde já pelos que seguirem por aqui.

Estou feliz em ter voltado. Espero não estar tão enferrujada na escrita.

Até a próxima!



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