Dois Quartos de Vinho escrita por Ninguém


Capítulo 39
Acordou assustada


Notas iniciais do capítulo

Olá, querido leitor. Seja bem vindo! Puxe uma cadeira ou deite no sofá, tome um chá ou coma uma pipoca. Enfim, sinta-se a vontade e tenha uma ótima leitura.



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Lia acordou assustada, a sensação de algo caindo sobre seu corpo a tirou repentinamente de um pesadelo.

— Bom dia melhor amiga do mundo - Aline esbanjava felicidade.

— Bom dia?

— É hoje Lia, é hoje!

— O que Line?

— Sua peça, menina.

Finalmente, após quatro longos meses de trabalho, a estreia de Pedro e Lia havia chegado.

— Me perdoa por não poder ir. Mas, prometo que vou na próxima apresentação.

— Não precisa prometer nada e nem se desculpar - a morena disse, se sentando na cama.

— Vem, me dá um abraço. - As duas permaneceram abraçadas por um longo tempo. Impressionante como um simples gesto sincero faz diferença no dia das pessoas - Tenho um presentinho pra você.

Aline se levantou e levou a amiga até a cozinha, onde a mesa do café estava posta e duas tigelas cheias de cereais as aguardavam.

— Fez meu café?

— Gostou?

— Isso é cereal? - Perguntou dando uns passos a frente.

— Uhum.

— Então, quer dizer que hoje é a estreia da minha peça e a minha melhor amiga, futura chef de cozinha, que poderia ter preparado o mais chique café da manhã, misturou cereais e leite em uma tigela? Você chama isso de presente? – Lia observou a expressão da amiga, que parecia ter sido pega de surpresa - É brincadeira - disse rindo - eu adorei, sabe como amo cereal.

Abraçaram-se de novo. Era notável o bem que faziam uma a outra. Aline, então, nem imaginava o tanto que já tinha feito pela amiga, ajudara-a sem saber.

Conversaram bastante, dentre tantos assuntos que tinham a tratar o principal era, obviamente, Elídio Sanna. Lia contou da noite no hotel, da tarde de quarta-feira e de tudo o que achava, percebia e sentia a respeito do homem.

— As vezes evito pensar, porque eu mal acredito em tudo isso.

— Como ele é?

— Não sei explicar, Line - seu tom era sereno - é como se o Elídio que eu sempre fantasiei na minha cabeça, não chegasse aos pés de como ele realmente é. Não sei porque, mas posso passar semanas sem nem falar com ele e o dia em que a gente se encontrar vai valer por todos os outros. Sinto como se eu já fosse totalmente completa, satisfeita e feliz, mas ele vem e acrescenta ainda mais, faz transbordar. Gosto de como ele me faz bem.

— Ele vai te assistir hoje?

— Acho que não, eles têm espetáculo antes da peça.

— Vocês fariam um belo casal - a loira comentou remexendo seu cereal.

— Não me dou ao luxo de pensar nisso. Não teria a menor chance.

— Por que diz isso?

— Ele passou cinco anos sem namorar ninguém, nem uma mulher sequer. Acha mesmo que se apaixonaria por uma menininha?

— E por que não?

— Não Line, não. É sonhar demais. Seria incrível namorar o meu ídolo e tal, acho que é o sonho de qualquer fã, mas a cada dois milhões uma consegue.

— E por que não ser essa uma? O seu problema é que não bota fé em ninguém, mesmo com todos os fatos dizendo o contrário você insiste em pensar que isso tudo é uma grande armação pra te fazer de idiota.

— Tô errada só por que não acredito em amor a primeira vista?

— Não acredita em amor a primeira vista? - a loira riu alto - Você não acredita nem na vigésima terceira vista. Eu entendo que tenha receio de se entregar e ele enganar você, te passar a perna, mas se não se arriscar nunca vai encontrar o seu amor verdadeiro.

— Pedir para me arriscar a procura do meu verdadeiro amor, é o mesmo que me pedir para pular de um penhasco e acreditar que vou conseguir voar. Não é uma atitude racional.

— O Elídio pode ser o amor da sua vida e você vai perder ele porque se preocupa mais em parecer do que ser realmente.

— E você sugere que eu faça o que?

— Sugiro que faça a primeira coisa que vier na cabeça, sem se privar dos sentimentos. Lia, pelo amor de Deus, ele te dá ingressos pra espetáculos, te convida pra jantar com os amigos dele, tira foto sem medo de mostrar que estava com alguém, te da presentes, te beija na frente dos amigos todo cheio de carinho por você, te convida pra festa de aniversário dele e te apresenta até pro irmão. Se tem alguém aqui fingindo, esse alguém é você, fingindo ser imune a tudo isso.

— Acha mesmo que ele se apaixonaria por mim?

— O que eu acho é que os dois já estão de quatro um pelo outro, só que são idiotas tentando fingir que não.

Lia foi trabalhar naquele dia, mas pouco se concentrou no que estava fazendo. Sua mente estava um caos por conta da peça, há dias estava uma pilha de nervos e sempre que ficava sozinha suas inseguranças quanto à estreia iam lhe atormentar. Para piorar não havia dormido bem, graças ao sonho estranho que teve. Uma dor de cabeça sutil ainda lhe fazia companhia.

Achava que não tinha como surtar mais, mas as palavras da amiga ficaram em seus pensamentos e não lhe largaram por nada. Não achou que seria capaz de pensar isso, mas preferia ser atormentada por suas inseguranças pré estreia a ter que fazer questionamentos sobre seu relacionamento com o humorista.

Às 16h37 se despediu de seus colegas de trabalho, que lhe desejaram uma boa estreia, e foi direto para casa.

Chegando, se apressou em tomar um banho, foi até o quarto da amiga, que não estava em casa, pegou seu modelador de cachos emprestado e começou a cachear suas negras madeixas. O cabelo de Lia, quando secava naturalmente ficava com algumas ondas, mas não chegava aos pés dos cabelos das mulheres da família.

Assim que terminou, fez sua maquiagem, que seria a da peça e foi procurar uma roupa. Seu figurino já estava no teatro. Saltos pretos, jaqueta da mesma cor, regata e jeans, estava pronta. Nervosa? Claro. Tremendo? Também. Mas pronta. Pegou sua bolsa, trancou a porta e foi. O teatro a aguardava.

O transporte público estava lotado, como já era de se esperar. Olhou seu relógio de pulso: 19h37, dava tempo, tinha que dar. Pegou um trem e dois ônibus, mas, enfim chegou ao Teatro Lauro Gomes. Se apresentou logo na entrada e foi liberada rapidamente.

Notou que o lugar estava movimentado, várias pessoas saíam da sala de teatro e muitas outras aguardavam em fila indiana sua vez de entrar. Término de peça, inicio de outra. Percebeu alguns pares de olhos acompanharem seus passos, curiosos querendo saber quem era e aonde ia a moça que acabara de entrar da sala de "Acesso Restrito".

Foi caminhando por um corredor com vários camarins até se deparar com uma porta onde uma plaquinha dizia "Cia dos Tropeços". Entrou sem bater. Lá dentro estavam Marissol, Falleti, Pedro e outras cinco pessoas que não conhecia, responsáveis pela iluminação e cenário.

— Ainda bem que chegou. - Pedro se levantou da cadeira em que estava e foi abraçar a morena - Achei que fosse me abandonar.

— Não liga, ele está sofrendo uma crise de ansiedade - Mirassol explicou.

— E quem não está?

— Temos umas horas ainda, quer revisar o texto, Julieta?

— Claro, Romeu.

Ensaiaram e fizeram o possível para se acalmarem. Tudo em vão. Nada seria capaz de tirar a tensão dos dois, muito menos a voz de Marissol anunciando no vão da porta:

— Quinze minutos, amores.

Os dois se olharam por um tempo, nada disseram, mas o medo era nítido no olhar de ambos. Pedro começou a andar devagar, ainda olhando fixamente nos olhos da outra, que não se moveu. Envolveu-a em seus braços em um forte afago.

Lia sentiu o aroma da colônia barata do homem misturada a loção pós barba. Não sabia o porque, mas adorava aquele cheiro tão familiar. Ela retribuiu o abraço, sentiu como se todos seus músculos tivessem relaxado instantaneamente, lembrou da época em que passava a tarde toda envolvida por aquele mesmo abraço, sentindo o mesmo aroma e se embriagando de sorrisos e declarações sinceras vindas do rapaz.

— Só assim pra eu me acalmar um pouco - a voz do jovem soava tão suave quando o contado de seus cabelos com o rosto de Lia.

— Tinha esquecido do quão bons são seus abraços.

— Os beijos são melhores - respondeu, fazendo a outra rir.

— É a estreia do nosso último trabalho juntos, Pê - seus olhos marejados.

— Ei, não diz isso, - colocou suas mãos sob o queixo da jovem - esse mundão é cheio de possibilidades. Você é minha Julieta e eu sou seu Romeu, nós nos pertencemos, meu amor.

— Se lembra do final dessa história?

Dois amantes felizes não têm fim nem morte, nascem e morrem tanta vez enquanto vivem, são eternos como é a natureza.

— Pablo Neruda?

— Você sempre acerta. - depositou um beijo tênue na testa da morena - Você vem?

— Chego em um minuto.

Ele saiu da sala, deixando-a sozinha. Ela foi até sua bolsa e pegou seu celular: 22h51, junto ao horário intimidador uma mensagem de Elídio "Merda pra você!". Sorriu, guardou o aparelho novamente na bolsa, olhou-se no espelho, olhos arregalados de medo e ansiedade a olharam de volta, respirou fundo e saiu. Seu primeiro grande trabalho estava a espera.

Pessoas correndo de um lado para o outro, um diretor grisalho gritando com seus subordinados, dois jovens atores tremendo, um aviso "Senhoras e senhores, favor desligar todos os aparelhos eletrônicos, a Cia dos Tropeços agradece e tenham um ótimo espetáculo", cortinas se abrindo. Impossível voltar atrás, a peça já tinha começado.

A encenação já chegava aos seus doze minutos, quando uma porta discreta se abriu e de lá surgiram três homens, eles seguiram tentando ser o mais discretos possível, entretanto todos os olhos já estavam voltados para eles, até mesmo os dos dois atores. Lia olhou quando estavam se sentando e não conseguiu conter um sorriso ao perceber o trio de engraçadas barbichas.

Mas e a peça, do que se tratava? Uma comédia onde uma mulher vai até a casa do namorado fazer uma visita, mas ao encontra-lo percebe um cheiro diferente e uma marca de batom em sua camisa. A trama parte daí, com um final que arrancou gargalhadas dos que assistiam.

Em certo momento da atuação, houve um beijo, daqueles de tirar o folego e a noção dos que o fizeram. Tudo roteirizado, o que não amenizou tudo que aquele simples ato carregava. Estranhamente, Lia sentiu uma veracidade que não esperava, como se tivesse acabado de receber um genuíno beijo apaixonado. Saiu da personagem por uma fração de segundos, mas, ainda confusa, voltou.

Elídio torceu a boca.

— Ih Dani, olha só, tá morrendo de ciúme - os dois caíram na risada.

Algumas risadas, beijos e aplausos depois a peça chegou ao fim, Pedro e Lia agradeceram a plateia e saíram do palco quando as cortinas se fecharam.

— A gente conseguiu, Romeu! A gente conseguiu! - a jovem pulou no colo do outro e os dois caíram rindo no chão.

— Foi incrível, não foi?! - Disse com a mesma euforia da outra.

— Vocês foram maravilhosos, simplesmente maravilhosos. Isso merece uma comemoração! - Marissol disse correndo até eles.

— Ah, Mari, bem que eu queria, mas minha família tá me esperando. Só vou me trocar e sair - a morena respondeu.

Lá fora, no corredor do camarim, sete pessoas aguardavam a saída de uma atriz, quando mais três chegaram. Todos em completo silêncio até que uma mulher olhou para o lado e reconheceu os recém chegados.

— Meninos - Bruna gritou - que bom revê-los.

Ela se apressou em cumprimentar os três e apresenta-los ao resto do grupo.

— Gente, esses são os Barbixas. Barbixas esses são meus parentes: meu primo Leonardo, a esposa dele Maluh, meus tios Fátima e Bernardo, minha prima Bianca e minha tia Branca. A Branca é a mãe da Lia.

Todos se cumprimentaram e Elídio tratou de falar com Branca:

— É um prazer enorme te conhecer.

Ela não entendeu muito bem. Na verdade, ninguém entendeu nada, três humoristas famosos foram assistir uma peça de bairro no subúrbio de São Paulo? Certamente, foram para prestigiar algum diretor e agora estavam a sua espera. Mas isso não explicava como Bruna conhecia os três e se mostrava tão intima.

Imaginem só, qual não foi a surpresa deles quando Lia apareceu no corredor e foi correndo em direção aos três.

— Eu nem acredito que vocês vieram - disse, praticamente, pendurada nos pescoços de Daniel e Anderson, que a abraçaram forte.

— Foi o Elídio que pediu, então fizemos um esforcinho - respondeu Daniel.

— Mas, como sabiam onde era?

— Um passarinho verde nos contou - Sanna disse rindo.

— Jaqueline! Hum, eu deveria saber...

O resto das pessoas, com exceção de Bruna, assistia a tudo atônitas.

— Sanna, que saudade. - ela abraçou Elídio e beijou sua face com todo carinho que pode. Ele estranhou e lançou aos amigos um olhar de surpresa e confusão - Nem sei como agradecer vocês, meninos. Ah, deixa eu apresentar vocês pra minha família.

Lia parecia estranhamente feliz, não que não fosse, mas estava diferente. Foram raras as vezes que se mostrou tão positiva e alegre perante seus parentes. Mais estranho ainda foi ter usado o termo "família" sendo que não se referia assim à eles.

Ainda mais estranho era a recepção que teve para com Elídio, surpreendendo todos inclusive o próprio. Parecia mais que alguém esquecera de parar a atuação que usava nos palcos.

— Eu já fiz isso por você - Bruna comentou.

— Bom, então o que nos resta?

— Nos resta ir a churrascaria que eu tô morrendo de fome - Leonardo se adiantou em responder.

O homem era alto e loiro, seus fios eram os mais claros de toda família, fios esses que sempre mantinha, perfeitamente, penteados para o lado esquerdo e o único que tinha olhos azuis. Com o corpo malhado e a barba por fazer, o neurocirurgião de 28 anos era o único irmão de Lia.

— Churrascaria? Nós vamos?

— Eu achei que você iria gostar, filha, mas se estiver muito cansada...

— Eu adorei. Vocês vem, né? - Perguntou segundos depois, olhando para os Barbixas - Na verdade não aceito "não" como resposta, vocês vem, sim!

— Lia é que...

— Ah, Andy, por favor. Pense nisso como um agradecimento, vocês serão meus convidados.

— Eu não dispenso comida - Elídio comentou tirando um sorriso dos presentes.

— Então vamos. - Ela abraçou o humorista e os dois andaram assim até a saída do teatro.

— Eu e meu tio vamos na frente e vocês seguem - Leonardo orientou os humoristas.

— Pode deixar - Anderson respondeu. O carro usado seria o dele.

— E você filha, com quem vai? - Branca perguntou quando já estavam no estacionamento.

— Pode deixar comigo, Dona Branca - Sanna respondeu puxando a morena para um abraço ainda mais apertado.

Quando chegaram à churrascaria, o irmão de Lia se encarregou de encontrar a maior mesa e rapidamente todos já estavam acomodados. O lugar estava movimentado e barulhento, mas um silêncio constrangedor caiu sobre a mesa. Todos se encararam, tentando buscar quem seria o responsável pela quebra do mesmo. Os jantares em família já não eram dos mais agradáveis, muito menos com a presença de estranhos.

— Como vocês se conheceram? - Bianca foi responsável pela quebra do silêncio. Ela apontou o dedo indicador para a prima e seus convidados, com seu olhar carregado de desprezo.

Seu rosto era redondo e com bochechas fartas, possuía discretas sardas espalhadas pela face, essas que eram escondidas pela forte maquiagem.

— No circo. - Elídio retrucou rapidamente, fazendo os outros dois Barbixas concordarem. Lia se esforçou ao máximo para conter um engasgo de surpresa - Mais precisamente na fila da pipoca, eu acabei derrubando minha maçã do amor nela e, bom, deu no que deu. Né Lia?

A morena demorou a se situar.

— É, é sim. Vocês acreditam que ele manchou a minha camisa branca de seda? Péssimo jeito para conquistar alguém...

Outro assunto surgiu de imediato. Sanna se aproximou da morena ao seu lado e sussurrou em seu ouvido finalizando a frase com uma piscadela.

— Eles nunca querem a verdade, querem só uma história interessante.

Sorriram e se fixaram um ao olhar do outro. Viram ali, encobertos por olhos castanhos, uma explosão de sentimentos tão grande quanto o próprio Big Bang. Um brilho sútil e quase imperceptível que carregava mais do que ambos podiam imaginar. Se perderam em meio a ótima comida e a boa conversa, junto aos demais.

Uma conversa, no mínimo, inusitada começou. Perceptível era a pouca intimidade que todos ali tinham e a verdade por trás de tantos sorrisos. Sempre que podiam, os parentes trocavam indiretas e alfinetadas seguidas de sorrisos tão falsos quanto o ar familiar que tentavam criar. Até que, chegaram ao assunto responsável por tal jantar e um comentário foi posto à mesa.

— Eu adoro o trabalho de vocês. Essa vida de teatro, apesar de maravilhosa, não deve ser fácil - Bianca concluiu tomando um pouco de seu refrigerante.

— Muito obrigado pelo reconhecimento. - Daniel respondeu sorrindo- Acredito que nenhum trabalho seja fácil, mas nós amamos o que fazemos e isso deixa tudo mais gratificante.

 

— O que achou da peça, Dani? - Lia perguntou.

— Só vai perguntar pra ele? Minha opinião não importa? - Elídio perguntou dramático.

— Claro que importa, Sanna, mas o Dani é mais critico.

— Critico? Eu?

— Claro. Então seja sincero, hein?! De todos aqui, você é o mais indicado para uma crítica. Por ser ator, humorista e diretor conseguiu captar coisas que, talvez, o Andy e o Sanna não perceberam ou que não teriam coragem de falar. Então, por favor, seja sincero.

— Bom... - com o indicador esquerdo ele empurrou seu óculos para mais perto dos olhos - a peça foi boa. Gostei do roteiro. Vocês que escreveram? - Lia afirmou - Achei que as partes engraçadas foram bem escritas e encenadas. Apesar de nitidamente nervosos, os dois fizeram um ótimo trabalho, me diverti bastante com tudo e achei o final muito bem pensado. Não consigo pensar em uma melhor forma para terminar a peça. O publico riu e conseguiu acompanhar todo o desfecho. Tenho certeza que os críticos da primeira fileira, escreverão uma ótima critica.

— Críticos? Que críticos? - Fátima, tia de Lia, questionou.

A mulher era parecida com sua filha. Porém, com o avanço da idade, sua face se tornou mais magra e seus cabelos mais ralos. Com olhos castanhos e testa avantajada, era casada com o único irmão de Branca. Não se dava bem com a sobrinha mais nova, mesmo fingindo bem.

— Sim, todas as poltronas da primeira fileira estavam ocupadas por críticos e diretores de teatro - Anderson explicou.

— Sei que não sou uma das pessoas mais indicadas para uma opinião, mas eu adorei a peça. Achei divertidíssima e super leve, sem piadas apelativas, sabe? Você sabe como adoro teatro, Lia, mal vi o tempo passar.

As palavras foram de Maria Luíza, cunhada de Lia. Era uma moça muito alegre e cativante, mais admirada por sua simpatia e bom humor que por sua beleza simples. Tinha os cabelos mais escuros que Lia e uma franja bagunçada, na verdade, todo o cabelo vivia bagunçado. Seu rosto era quadrado e seus traços miúdos, não era muito vaidosa ou preocupada com sua aparência, era uma mulher simples que havia ganhado alguns quilos a mais com a gravidez e desde então não conseguiu perde-los, tampouco se preocupava com isso.

As duas se davam bem, Lia gostou dela desde o primeiro dia que se conheceram e se tornaram boas cunhadas e amigas. Elas se pareciam e tinham os mesmo gostos, o que serviu para não ser bem vista pelo resto da família. Por isso Lia admirava o irmão, mesmo sendo ríspido ele não se importava com os comentários alheios sobre suas escolhas perante a esposa.

Leonardo sempre fora protetor. Quando os comentários maldosos começaram a surgir contra sua irmã, ele foi o primeiro e único a protege-la, quando a menina tinha pesadelos e acordava assustada de madrugada, ele lia histórias até que ela voltasse a dormir. Ele sempre fora o porto seguro de Lia, o pai que ela não teve, aquele que sempre a recebia de braços abertos, com um sorriso no rosto e um "vai ficar tudo bem" na ponta da língua. Era uma pena terem se distanciado nos últimos anos.

— Sabe que sua opinião sempre é bem vinda, Maluh. Obrigada pelos elogios e por ter vindo. Com quem estão os meus dois pirralhos preferidos?

— Com a minha mãe, vão dormir na casa dela essa noite.

— Espera aí, você é tia? - Anderson perguntou semicerrando os olhos.

— Sim, do casal de gêmeos mais bagunceiro de São Paulo. - ela respondeu rindo - Eles são uma graça, puxaram a mãe.

— É por isso que os três são minha vida - Léo comentou beijando a testa da esposa.

Dali em diante o clima se tornou mais leve, como se um breve acordo de paz houvesse sido assinado entre eles. Comeram, beberam e conversaram bastante, até que os humoristas precisaram ir embora.

— Lia, a gente precisa ir se não fica muito tarde - Anderson explicou ternamente.

— Tudo bem Andy, terem vindo já foi um presente e tanto!

— Também vou que tô de carona com eles, tá? – Elídio sussurrou próximo ao seu ouvido.

Lia sorriu enquanto o observava. Pegou uma mecha do cabelo do homem e, delicadamente, começou a enrola-la em seus dedos, bagunçando um pouco o penteado.

— Seus olhos estão brilhando, não tinha reparado.

— Só brilham quando te vejo - ele se aproximou levemente, mas lembrou a tempo das pessoas na mesa.

— Desculpa interromper o lindo momento dos dois, mas... posso? - Daniel perguntou balançando seu smartphone.

Os quatro se prepararam para a foto, Elídio segurava uma lata de cerveja enquanto Daniel e Lia tinham taças de vinho tinto nas mãos. O Barbixa mais baixo passou o braço pelos ombros da jovem e a puxou para si.

— Digam "três pratos de trigo para três tigres triste no trilho do trem" - o mais alto disse rapidamente, fazendo Lia rir.

A foto foi tirada e os homens se despediram dos demais. Lia os acompanhou até a saída, abraçada com Elídio.

— Você é uma ótima atriz. Torço pelo seu sucesso.

— Ah Andy, você é um amor. Obrigada!

Elídio se virou para ela e depositou as mãos em seu rosto.

— Você foi maravilhosa, estava linda lá em cima. - abraçou ele e se deixou perder em meio ao calor de seus braços e o perfume de seu corpo.

Quando se afastou levemente, ele arrumou os cabelos que cobriam seu rosto e beijou sua boca docemente, depositando ali, tudo que palavras não fossem capaz de descrever.

Os quatro se despediram e assim que os homens saíram, ela voltou à mesa.

— Prima, - Bianca disse logo depois que a morena se sentou - não acha que deveria nos explicar algo?

A outra fitou todos a sua volta, bebeu um pouco do vinho em sua taça e, com seu tom mais sínico, retrucou:

— Deveria?


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Notas finais do capítulo

Abraço e até o próximo capítulo,
Abraços!



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