Dois Quartos de Vinho escrita por Ninguém


Capítulo 30
Um céu escuro carregado de nuvens


Notas iniciais do capítulo

Olá, querido leitor. Seja bem vindo! Puxe uma cadeira ou deite no sofá, tome um chá ou coma uma pipoca. Enfim, sinta-se a vontade e tenha uma ótima leitura.



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Um céu escuro carregado de nuvens, uma delicada barreira que impedia visualizar as poucas estrelas que já apareciam, uma garoa fina, um vídeo game pausado e uma única dúvida: o que Marco quer comigo chegando assim em minha casa há essa hora e sem aviso prévio?

— Você tá gravido? - A dúvida ainda pairava na mente do humorista quando ele perguntou em uma estupida tentativa de descontração.

O outro não esboçou qualquer reação.

— Quer terminar comigo? - Humoristas nem sempre conseguem ser engraçados.

— O assunto é sério e do seu interesse.

— Entra aí. - Elídio foi para o lado abrindo passagem para o amigo.

Marco entrou na sala e sem dar muita atenção para o local, já que o conhecia muito bem, sentou-se em um dos cantos do sofá, de costas para o outro.

O cômodo era espaçoso, uma televisão de 50 polegadas preenchia uma das paredes logo a frente de um painel de madeira negra, essa mesma parede era a única pintada de bordo, embaixo do televisor um rack também de tom escuro onde ficavam diversos jogos de vídeo game, dois sofás de couro sintético, o piso era branco assim como as outras paredes e as largas janelas posicionadas ao lado da porta de madeira maciça eram cobertas por longas cortinas de cor nude. O espaço estava escuro.

Assim que acendeu as luzes, o Barbixa cruzou os braços e foi na direção do amigo.

— Tá bom Marco, qual o assunto?

— É sobre a Lia.

— Aconteceu alguma coisa com ela?

— Não, tá tudo bem.

— Então o que é?

— Calma cara, tá impaciente?

— Não, só não entendo porque você teria algo a dizer sobre ela, se mal se conhecem.

— A gente saiu hoje a tarde.

— Vocês o que? - Ele não conseguiu disfarçar sua surpresa e irritação.

— Pode ficar tranquilo, Elídio, que não rolou nada. - Marco ouviu um leve suspiro do outro.

— Não? E por que não?

— Eu não consegui. Senti que se eu beijasse ela, estaria beijando você.

— Para muitas isso seria um privilégio.

— Cala boca.

Os dois riram.

— Se saíram e não aconteceu nada, o que quer me contar?

— Tenho a impressão de que estou preso a um triângulo amoroso e quero resolver isso.

— Como assim, cara?

— Preciso esclarecer alguns pontos.

— Prossiga. - Elídio disse se acomodando melhor no sofá.

— Acho que gosto dela. Sei que parece loucura, mas tô sendo sincero.

— É aí que você se engana. Eu entendo completamente, ela tem esse efeito sobre mim também. - Aí uma confissão que o gaúcho não esperava.

— Tu me entende? - Perguntou arregalando os olhos.

— Epa, calma lá. Disse que ela também faz eu me sentir mais novo, mas sou um homem de 34 anos, Marco, não um adolescente.

O outro homem suspirou e passou as mãos entre os cabelos.

— Dei dois ingressos pra ela pra essa quarta, mas me arrependi.

— Como é, Marco? Você agora anda armando encontros pelas minhas costas?

— Não sabia que precisava de sua permissão para sair com uma amiga.

— Amiga? Você só pode estar de brincadeira.

— Quero propor um acordo.

— Que seria...?

— Vou sumir. Depois de quarta eu desapareço da vida dela, deixo o caminho livre pra você e quando tu conseguir o que tanto quer, ai o caminho fica livre pra mim. O que acha?

— Aceito. Só não pense que vou facilitar as coisas para você na quarta.

— Como assim?

— Nada, só fiquei com vontade de assistir a apresentação também. - Respondeu com um sorriso maroto.

...

Quarta-feira, 19h37, Lia estava sentada na cama de Aline ajudando a amiga a escolher uma roupa, enquanto riam relembrando o passado.

— Sabe, tô com saudade das nossas aventuras juntas. - A loira falou com um terço do corpo dentro de seu guarda roupa - Depois que esse Elídio apareceu não fizemos mais nada juntas.

— Pior que é verdade. Essa não. - Ela respondeu assim que Aline mostrou uma peça.

— Lembra daquela vez que entramos em uma balada gay sem saber?

Lia começou a rir alto.

— Nem me lembre dessa noite.

— E quando você chegou em casa morrendo de medo porque achava que o carinha que você dormiu era um traficante de órgãos?

— Até hoje acho que perdi um rim. - Lia foi surpreendida por uma jaqueta jeans voando em sua direção.

— Essa jaqueta vai ficar bonita.

— Com o que?

— Uma skinning clara, regata de seda branca e...

Seu celular começou a vibrar sobre a cama da amiga.

— Alô, Elídio? Oi, tudo sim e você? Uma surpresa?- Passou alguns segundos em silêncio, avaliando com gestos os sapatos que a amiga indicava - Ah você também vai? Ok, a gente se encontra lá então.

— O que foi?

— Adivinha quem, curiosamente, também vai na apresentação hoje.

— Ah não. Era pra ser só nós duas, Lia.

— Eu sei Line, mas não tenho culpa, não tinha combinado nada.

— Tô achando que ele deu um jeito de sair com você.

— Você acha? Eu tenho certeza!

— E esse?

A loira perguntou mostrando um salto alto de tom pastel.

— Perfeito!

As amigas pegaram transito, mas chegaram ao bar a tempo. Quando entraram o lugar estava cheio, com quase todas as mesas ocupadas e os corredores também, onde as pessoas riam e conversavam, transitando para lá e para cá com bebidas e porções de comida.

Inaugurado em outubro de 2010, o Comidians Club foi o primeiro bar do país a funcionar como um comedy club norte-americano, onde o púbico podia assistir a shows. O bar apresentava o que havia de melhor da comédia nacional. Com espetáculos humorísticos, noites de improviso e o famoso stand up comedy, a casa contava com grandes humoristas e dispunha de ótima localização no centro de São Paulo.

— Meninas.

As duas viraram e se depararam com Elídio apoiado no balcão do bar. Sorridente e muito bem vestido, como sempre, ele segurava com copo quase vazio.

— Oi Lico. Lembra da Aline?

— Claro que lembro, é um prazer te ver novamente. - Ele cumprimentou a loira com um beijo e logo depois passou o braço pelos ombros da morena.

— Vem, reservei um lugar para nós.

Os três costuraram entre algumas mesas e pessoas e chegaram até uma mesa vazia, logo na segunda fileira.

Não demorou muito para que o humorista fosse reconhecido e deixou as duas mulheres sozinhas à mesa por pouco mais de dez minutos. Essas que sentiram um leve desconforto com os olhares de algumas jovens para elas, rapidamente entenderam o porque, é claro, quem seriam as duas anônimas que estavam com o famoso humorista?

— Lia, acabei de ver um flash de luz na nossa direção. Péssima ideia sair com um famoso. - Aline demonstrava irritação.

Mas o que Lia poderia dizer em contrapartida? Sabia que a amiga estava certa, não deveriam nem estar sentadas com o Barbixa. Seu envolvimento com aquele homem poderia atrapalhar a vida da amiga de alguma forma, mas não queria expor Aline a nada, muito menos à algumas fãs obcecadas.

— Elídio, eu acho que o Marco tá apaixonado - Lia falou pouco depois do homem ter se sentado.

— E por que acha isso? - Ele perguntou já suspeitando do que ouviria a seguir.

— Ele começou a fazer umas perguntas bem estranhas sobre algum tipo de triângulo amoroso, falou de um amigo número 1 e de outro número 2. E é claro que eu percebi que estava falando dele mesmo, só não sei quem é esse outro cara, muito menos a menina, mas acho que você deveria ajudar ele, já que são tão amigos.

Elídio fechou a expressão e serrou os dentes, gostava de Marco, muito por sinal, mas se eram amigos, um não deveria se meter nos planos do outros. A última noite, pensou, a ultima

O show começou e durante todo o tempo a plateia riu e Marco lançou olhares para a mesa da segunda fileira, essa que ele já tinha marcado como onde Lia estaria sentada, só não imaginava a companhia do amigo. Se desconcentrou algumas vezes tendo sua atenção desviada para a situação que estava vivendo, escrachada diante de seus olhos. A última noite, pensou, minha última noite.

— Querem ir no camarim? - O Barbixa perguntou para as duas assim que as cortinas se fecharam.

— Claro! - Responderam juntas, ainda rindo.

Os quatro conversaram no corredor do camarim por pouco mais de 20 minutos até que as mulheres resolveram ir embora.

— A gente precisa ir embora. - Aline disse.

— Vocês estão de carro? - Elídio perguntou.

As duas afirmaram.

— Então acompanho vocês.

— Bom, então vou voltar pro camarim. - Marco disse.

Todos se despediram. Marco deu um abraço forte em Lia e sentiu seus batimentos acelerarem, beijou sua testa e falou em tom baixo para que só ela pudesse ouvir.

— Espero que a gente se veja de novo o mais breve possível.

...

Sentado no sofá de um dos camarins, se via um homem. Um homem cuja a mente estava a mil por hora pensando no presente, repassando o passado e torcendo por um bom futuro. Um homem que já possuía rugas e pequenos cabelos brancos, mas que mais parecia um jovem do colegial sentindo uma dorzinha no peito pelo medo.

Parado, fitando o chão, Marco não entendia o porque da intensidade de seus sentimentos, já tinha passado da idade de se submeter ao luxo do desfrute das loucas paixões. Havia feito um acordo com o amigo, mas não disse tudo, não só iria se afastar da jovem como também tiraria ela da cabeça. Lia, sem dúvida nenhuma, não era a mulher de sua vida, acreditou ter encontrado tal figura quando se casou, estava enganado e não cometeria o mesmo erro novamente.

Seu celular vibrou dentro de seu bolso, havia uma nova mensagem:

Adorei o show, adorei o lugar, adorei sua roupa. Adorei tudo!

Adorei!

ADOREI!

— Droga. Isso é crueldade demais.

Pouco depois uma outra mensagem, dessa vez de Elídio.

Última noite né Marco, não esquece. Amigos, amigos... mulheres a parte.

Pensou em muitas coisas que gostaria de falar, mas se limitou a concordar:

Amigos, amigos... mulheres a parte.

Guardou o celular no bolso, se levantou, pegou sua mochila e saiu do camarim apagando a luz. Uma noite cheia de melancolia o aguardava.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo,
Abraços.



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