Dois Quartos de Vinho escrita por Ninguém


Capítulo 23
Um zumbido acompanhado de vozes


Notas iniciais do capítulo

Olá, querido leitor. Seja bem vindo! Puxe uma cadeira ou deite no sofá, tome um chá ou coma uma pipoca. Enfim, sinta-se a vontade e tenha uma ótima leitura.



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Um zumbido acompanhado de vozes chamou a atenção de Lia assim que chegou do trabalho. Foi até o banheiro, lugar de onde vinha o som, e encontrou a amiga e seu namorado. O ruivo estava sentado em uma cadeira virado para o espelho, localizado logo acima da pia, enquanto sua namorada cortava seu cabelo.

O banheiro era pequeno, tinha azulejos brancos e pisos da mesma cor, um espelho grande - que garantia belas fotos para as duas - e era parcialmente arrumado levando em consideração o quão desorganizada era Aline.

A garota encostou no batente da porta e observou a cena por alguns segundos, até que foi descoberta.

— Ei, que susto! - Sua amiga disse, olhando seu reflexo no espelho.

— E ai coisa feia, suave?

— Posso saber por que o senhor está sujando todo o meu banheiro com seus fios laranjas?

— Tava sem nada pra fazer, resolvi te dar trabalho.

Aparentemente Aline machucou o namorado, fazendo ele grunhir e cobrir a cabeça.

— AI! AI!

— Pronto, acabei.

— Ótimo! - Lia disse - Limpem essa sujeira laranja antes de sairem.

— Sim senhor, capitão. - André zombou batendo continência. 

— O André vai limpando enquanto eu vou comprar uns lanches. - Disse Aline.

— Pois bem, e eu vou vagabundar em meus aposentos. 

Ela foi para seu quarto, tirou o salto alto e trocou o conjunto social por um vestido leve e azul turquesa, deitou em sua cama e passou a fitar o teto enquanto ouvia os passos da amiga em direção à porta de entrada.

Poucos segundos se passaram até que André apareceu no quarto. Ele estava sem camisa, permitindo a apreciação de suas artes corporais, usava uma bermuda preta de tactel e os típicos alargadores de madeira.

— Ei coisa feia, você não quer me dar uma ajudinha, não? - Perguntou como quem pede colo.

— Não!

— Naja!

— Aí Gibi, deixa de frescura que esse banheiro não tem nem dois metros quadrados.

— Eu até ía, mas agora vou ficar aqui. Vai, chega pra lá. -Ele disse se aproximando da cama. Lia continuou a fita-lo - Anda coisa feia, eu quero deitar.

— Vai se foder. - Retrucou enquanto se afastava.

— Também não vivo sem você.

Ele deitou na cama.

O silêncio se fez presente. Mas não um silêncio constrangedor, a ausência de palavras agradava aos dois. Deitados sem muita formalidade o casal de amigos ficou um longo tempo apenas ouvindo a respiração um do outro. Então, ele deslizou a mão pela cama até encontrar a mão da outra, entrelaçou seus dedos aos dela como um casal de namorados e André passou a admirar a amiga.

— Você vai lotar minha cama de cabelo.

Ele não respondeu, nem sequer mostrou interesse, simplesmente continuou a olha-la diretamente nos olhos.

— O que foi? - Ela perguntou, um pouco sem graça.

— Eu te amo, sabia disso?

— Sim. - Respondeu rindo, ainda sem graça - Mas por que isso agora?

— Nada, é só que te vi meio triste esses dias e queria reforçar pra você não esquecer que sempre vou estar aqui. - Concluiu beijando a mão da jovem, ainda entrelaçada à sua.

— Obrigada Gibi. - Ela agradeceu com um sorriso largo.

— Vem cá.

Ele à abraçou puxando-a para mais perto, deixando ela descansar a cabeça em seu peito, acariciou seu braço e beijou sua testa.

— Você era uma garota incrível, Lia, e se tornou uma mulher maravilhosa. Me orgulho de ter você como amiga.

— Okay André, obrigada mais uma vez. Só tem um problema.

— Que seria...?

— Eu não tô triste...

— Não?

— Não! - Afirmou rindo, abafando o barulho contra o corpo dele.

— Ah Lia, vai cagar então. - Ele empurrou a jovem para a extremidade oposta da cama - Fui todo sentimental e sensível atoa?

— Ué, você que veio com esse papo estranho de me ver triste.

—Ah, a Line tinha comentado comigo sobre um tal de Alfredo e tipo, hoje já é quarta e desde sábado você tá assim quietinha. Só tentei ligar uma coisa na outra e acabei me sentindo mal tá ligada?

—Alfredo? - Ela gargalhou alto - O nome dele é Augusto.

— Alfredo, Augusto, Alberto, Alvaro, Manoel, é tudo a mesma coisa. Só fiquei preocupado caso esse zé ruela fizesse alguma merda.

Lia lembrou do passeio da semana passada, do sumiço de Elídio e da carona de Marcão. Ficou extremamente magoada com o Barbixa, mágoa esta que serviu como pretexto para uma maior aproximação com o homem dos cabelos mais negros que a noite.

Com o decorrer dos dias, pouco conversou com Sanna, todavia passou madrugadas acordada totalmente envolvida na boa conversa do outro. Tinha ciência de que o carinho que sentia pelos dois não era de mesma intensidade. Passou anos acompanhando os meninos, anos de pura admiração e paixão declarada e não seria o incidente de sexta-feira que acabaria com isso. Não de maneira definitiva.

Ponderou a possibilidade de contar ao ruivo o que a deixou um pouco para baixo, mas já tinha desabafado com Vitor dias atrás e não lhe agradava a auto vitimização.

— Talvez eu não tenha me tornado uma mulher tão maravilhosa assim, porque se tivesse, teria todos aos meus pés, não acha?

— E quem não é apaixonado por você, Lia?

— Você! - Ela respondeu rindo.

— Quem disse? Sou loucamente apaixonado por você desde o primeiro dia que te vi. Lembra como foi? - Ele perguntou um pouco bobo.

— E tem como esquecer?

No final de 2017, Lia e alguns amigos viajaram para o Paraná. Durante as duas semanas que passaram lá o que mais fizeram foi beber e beber. De segunda a segunda passavam madrugadas em bares da capital e foi em uma dessas vezes que ela conheceu André.

Sentados em uma das mesas estavam sete homens, todos barbudos de cara fecha, braços fechados com tatuagens e vestindo camisetas de bandas de rock. Ela se interessou por um deles e sutilmente puxou assunto com o grupo. Quando percebeu, as duas mesas tornaram-se uma só.

Em pouco tempo conseguiu o que queria, ficar com um dos barbados, mas passou mais tempo bebendo e falando besteiras sentada na calçada com outro homem, André. Foi a primeira vez na vida de Lia em que ela ficou extremamente alcoolizada ao ponto de precisar de ajuda para voltar para o hotel. Isso garantiu aos dois saber muitos segredos um do outro, ainda mais depois de trocarem os telefones e passarem o resto da madrugada, ainda embriagados, desabafando um com o outro.

No dia seguinte resolveram se encontrar no mesmo bar, sóbrios, para conversarem sobre a noite anterior.

— Sou a favor de apagarmos o histórico da conversa, aqui e agora. Levando em consideração que o que contamos ontem no bar a gente não lembra.

— Totalmente de acordo. - Ela respondeu.

Apagaram os históricos dos celulares juntos, mas depois de um tempo de silêncio e duvida ela disse:

— Só tem um problema.

— Qual?

— Eu li a conversa antes de vir pra cá.

— Que merda, eu também.

Se encararam por alguns segundos e começaram a rir.

— Merda.

— Merda.

Mais um tempo de silêncio absoluto.

— Você calça 43. - Ela disse.

— Você perdeu a virgindade com 16 anos.

— Você broxou pela primeira vez com 21 anos e foi na cama com duas meninas. O dia mais frustrante da sua vida.

Se olharam fixamente um no olho do outro e caíram na gargalhada.

— Merda. - Ela disse assim que sessou o riso.

— Merda.

— O que mais eu te contei?

— Sobre um assunto que acho que não devo por na mesa. Algo do seu passado, de quando estava no terceiro colegial...

Lia ficou pálida, sentiu um nó se formar em sua garganta, bebeu um gole do suco de maracujá, mas não adiantou muito, analisou o ruivo por um tempo.

— Eu te contei isso?

— Sim.

— Tudo?

— Tudo!

— Em detalhes?

— Com certeza.

— Merda. Acho melhor sermos amigos por um bom tempo.

Logo chegou o dia de voltar para casa, ela fez as malas, se despediu dos amigos que fez em Curitiba e foi para o aeroporto.

Alguns meses se passaram até ela receber uma mensagem em seu celular:

"Hey coisa feia, adivinha quem está indo morar em Sampa."

O celular de Lia vibrou, trazendo-os para o presente. Ela desbloqueou o aparelho e ficou surpresa ao ver de quem era a mensagem. Clicou em reproduzir.

Elídio: Mensagem de voz

"E ai sumida, tá afim de ir no Improvável amanhã por minha conta? Leva uma amiga."

André franziu o cenho e olhou para a amiga após ouvir a gravação.

— Acho que conheço essa voz...

— Impossível! - Ela respondeu mesmo sabendo que o amigo estava certo.

— É o Augusto?

— Sim. - Seu tom foi de incerteza.

— A voz dele parece com a do...

— MUITO BONITO VOCÊS DOIS,HEIN?! - Aline apareceu na porta - Posso nem sair por meia hora que quando chego encontro meu namorado e minha melhor amiga na cama.

— Quando eu falo que ainda vou aparecer aqui com uma criança ruiva você não acredita. - Lia brincou.

— Tá, tá! Agora chega pra lá que quero participar desse amor todo. - Ela falou se deitando entre os dois.

— Line a Lia ganhou dois ingressos para o Improvável de amanhã.

— Ah é? Ganhou de quem?

— De quem será?

— Augusto. - O casal falou junto.

— E ia me convidar quando?

— Calma flor, acabei de receber o convite. Você quer ir?

— Óbvio!

Line, deixo essas sacolas na mesa mesmo?— Uma voz masculina soou vinda da cozinha.

— Quem tá ai? - Gibi questionou.

— Ah Rafa desculpa, até esqueci de você. - Aline respondeu rindo.

Ela se levantou da cama e foi para a cozinha, André e Lia foram ao seu encalço.

Rafael estava de pé, apoiado à uma das cadeiras, de bermuda jeans, camiseta vermelha e óculos de sol. Ele sorriu ao ver Lia, mas mudou radicalmente a expressão ao ver André indo ao seu encontro.

— O que esse merda tá fazendo aqui, Aline? - O ruivo perguntou.

— Mas do que você tá falando André?

— Se você não sair daqui agora eu te arrebento.

— André! - Aline advertia o namorado sem entender bem o que estava acontecendo - Eu e o Rafa nos encontramos no elevador e ele se ofereceu pra me ajudar com as sacolas, só isso.

— Tudo bem Line, eu saio.

Rafael colocou as sacolas em cima da mesa e se virou em direção a porta, mas o outro homem o deteve, esperou ele se virar e o agarrou pelo colarinho. Olhando fixamente em seus olhos proferiu:

— Quando me ver na rua, mude de calçada e é melhor eu não te encontrar aqui dentro de novo seu merda.

Rafael saiu, batendo a porta atrás de si. A loira olhou incrédula para o namorado e logo depois para a amiga, essa que estava encostada à parede da sala ao lado do sofá, quieta, fitando o chão.

— Eu definitivamente não entendi porra nenhuma do que aconteceu aqui. Vou lá fora tentar arrumar a cagada que você fez e assim que voltar exijo explicações. - A loira saiu do apartamento.

— Obrigada. - Lia disse assim que a amiga saiu - Mas não precisava, de verdade, não quero que vocês dois briguem por histórias passadas.

— Não tem de quê. E não precisa se preocupar, não há nada no mundo que eu possa fazer pra recompensar o que tu fez por mim.

Os dois se abraçaram, Lia repousou sua cabeça no peito do amigo e perguntou:

— E o que eu fiz por você?

Antes de responder, o ruivo beijou a testa da amiga.

— Me apresentou a mulher da minha vida.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada por estarem acompanhando e até o próximo capítulo,
Abraços!



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