Dois Quartos de Vinho escrita por Ninguém


Capítulo 21
O celular tocou


Notas iniciais do capítulo

Olá, querido leitor. Seja bem vindo! Puxe uma cadeira ou deite no sofá, tome um chá ou coma uma pipoca. Enfim, sinta-se a vontade e tenha uma ótima leitura.



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O celular tocou, mas o homem não quis atende-lo, virou para o outro lado da cama e esperou que o aparelho se cala-se após o quinto toque. Ele sorriu, quem quer que fosse teria que esperar terminar seu religioso cochilo. Apertou o travesseiro contra seu próprio corpo e em poucos segundos voltou a adormecer.

O descanso não durou muito e celular voltou a tocar. Mais uma vez ele esperou para que a música parasse, mas percebeu que a pessoa era insistente. Irritado, pegou o aparelho e atendeu sem ver quem estava ligando.

— Alô?

— Fala bichinha, não atendo o celular mais, não?

— Quem é? - Ele perguntou com a voz ainda embargada de sono.

— Maxsuel ao seu dispor.

— Que horas são?

— Quinze pras cinco.

— Puta que pariu, e por que você tá me ligando de madrugada?

— De madrugada? - O homem ouviu uma risada do outro lado da linha - São quatro e quarenta e cinco, cara.

— Então, quatro e quarenta e cinco não é de madrugada para a vossa senhoria?

— São quatro e quarenta e cinco da tarde, Elídio.

— Ah é? Da na mesma. O que você quer? - Ele já estava mais acordado.

— Liguei pra perguntar se você quer seu nome com algum acompanhante?

— Hã?

— Pra inauguração, Elídio. Você lembra da inauguração, não é?

— Claro, claro que lembro, Max. - Puta que pariu a inauguração, será que é amanhã? Ele pensou se sentando na cama em um salto.

— Ah é? E quando vai ser?

— Quando vai ser? Você não lembra? É... naquele dia lá que você falou.

— É bom saber que meus amigos se importam com as minhas realizações...

— Deixa de drama Max, você sabe que desde muito antes disso a gente já era parceiro. Quando vai ser?

— Hoje.

— Hoje? Caraca, como os dias passam rápido, não é mesmo?

Há anos o projeto de Max era abrir sua própria casa de shows. Depois que alguns empreendimentos não deram certo ele focou sua vida profissional inteiramente nisso. Depois de comprar um imóvel e reforma-lo por completo, havia chegado o grande dia da tão sonhada inauguração, contratou fotógrafos, convidou jornalistas e amigos e ofereceu a primeira noite no Mundo do Max, por conta da casa.

— Vai levar acompanhante ou não?

— Ah e você duvida disso?

— Beleza, às 23h00 então. Ah, Elídio?

— O que?

— Ela vai.

O Barbixa ficou em silêncio por um tempo.

— Merda.

— Não tinha como não convidar.

— Eu sei Max, eu sei... - Ele disse desligando o aparelho e se levantando.

Ele se espreguiçou e foi até a janela afastando as cortinas, colocou a primeira cueca que encontrou em seu caminho e desceu até a cozinha.

Para a casa de um solteiro, a cozinha era bem arrumada, tirando algumas louças na pia, tudo estava em seu devido lugar. Tudo era branco, desde os azulejos até o mármore da pia, o lugar havia sido todo planejado para ficar tanto bonito quanto prático para o dono.

Elídio ignorou a louça e foi até o balcão onde estava a cafeteira, apertou três botões e logo o liquido preto e espumante começou a ser despejado em sua caneca. Assim que passou a morar sozinho sentiu a necessidade de comprar a cafeteira, seu antigo companheiro de casa fazia um ótimo café, mas infelizmente o Barbixa não aprendeu com ele. Elídio sempre cozinhou muito bem, só que seu café era péssimo.

Pegou sua caneca e foi para os fundos da casa, destrancou uma porta de vidro e se encostou, ficando diante de seu quintal.

A área era grande e muito bem arejada, só tinha cobertura no fundo, onde ficava a churrasqueira, nas laterais duas redes estava estendidas, no centro uma piscina, as paredes pintadas de amarelo e no chão caminhos com grama.

Não estava sol, o vento que batia fazia seus curtos cabelos se bagunçarem e o vapor que subia da caneca se desfazer rapidamente. Elídio pegou o celular, seus dedos dançaram diversas vezes sobre os contatos enquanto pensava para quem ligar, mesmo já sabendo com quem queria conversar. 17h27 com sorte conseguiria falar com ela sem atrapalhar. Ligou.

Uma voz doce e delicada fez-se ouvir após quatro toques.

— Boa tarde, Sanna.

Ele sorriu. Achava inacreditável como uma simples frase vinda da pessoa certa o fazia bem. Nos últimos dias, a única voz que queria ouvir era aquela.

— Você tem noção do quanto sua voz soa excitante quando fala meu sobrenome? - Ele ouviu uma risada do outro lado da linha.

— Pode ser proposital. Talvez eu esteja tentando seduzi-lo. 

— A essa altura o que está fazendo é me enlouquecer, pois já conseguiu me seduzir há muito tempo.

— Natural, eu sempre consigo.

Eles não se viam há quase duas semanas, mas se falavam todos os dias, algumas vezes por mensagem outras por ligação, e em algum desses dias o diálogo passou a ser mais intenso, Elídio achava que a garota passou a querer jogar e resolveu que seria divertido participar da brincadeira. Porém, admitia que algumas falas da jovem mexiam instintivamente com ele e isso era bom.

— Quero te fazer um convite.

— Pois então faça.

— Está livre hoje a noite?

— Depende.

— Quero te levar na inauguração de uma casa de show, o que acha?

— Acho o convite valido.

— Passo no seu prédio ou na faculdade?

— Faculdade.

— Às 23h00 então?

— Combinado.

Elídio abriu a boca, mas hesitou em falar, pensou que poderia soar direto ou vulgar demais, o que fugiria do tom sutil da conversa. Ele começou a andar pelo quintal, chutou para longe uma lata de cerveja caída no chão e se sentou no piso frio, com os pés dentro d'água.

— É... ai você já separa uma roupa e passa a noite aqui em casa, digo... no quarto de hospedes se quiser, mesmo eu preferindo que durma em minha cama. -

— Ah, obrigada Elídio, mas eu me viro com um táxi.

— NÃO! Quer dizer... tem certeza? - "Idiota" ele murmurou baixinho.

— Claro, você já vai me buscar na faculdade, não precisa me deixar em casa.

— Está ocupada?

— Na verdade sim. Agora que a peça já está marcada, estamos ensaiando muito mais.

— Entendo. Onde fica a faculdade?

Ela passou o endereço, se despediu e logo depois desligou.

Elídio deixou o celular de lado, começou a olhar para o nada enquanto pensava em muitas coisas. Pensou nas ultimas semanas, em como se sentia mais leve mas ao mesmo tempo ansioso, se ainda tinha idade pra se sentir assim e na culpada por todos esses pensamentos. Aquela que roubou seu sossego e sua sanidade há dias.

Um forte vento bateu e ele preferiu terminar seus devaneios dentro de casa. Subiu para seu quarto e deitou em sua cama, deixou o smartphone ao lado.

A mulher de sorriso arrebatador, assim a tinha apelidado desde o primeiro encontro, onde ela apareceu usando seu batom vermelho. Na noite em que teve que se controlar ao máximo para não beija-la assim que a viu.

Simples, mas ao mesmo tempo tão misteriosa. Ele já não se surpreendia com os dons das mulheres, surpreso ficou quando se viu fascinado por uma em meio a tantas outras. 

Será que todo seu charme e plano de conquista estavam dando certo? Essa duvida o corroía. Admitia para si que no inicio seu único objetivo era simples e fácil, mas não havia sido assim.

Lembrou que no momento na escada, quando ela perguntou se não estava esquecendo nada, já se viu acompanhando a jovem até seu apartamento, para concluir o ciclo que já estava tão acostumado. Mas se enganou.

As brincadeiras, as risadas, as danças mal sucedidas que terminavam nos melhores beijos dos dois, as ligações com vozes sorrateiras e maliciosas escondendo segundas intensões, os amassos na escada do prédio dela, aquele sorriso envergonhado... não podia ter entendido tudo errado, sabia que ela queria algo a mais, o mesmo que ele talvez. 

Anos atrás não conseguiria sequer olha-la nos olhos sem corar. Lembrou de sua timidez que o acompanhou desde a infância até o inicio da fase adulta. Naquela época conseguia uma mulher aqui e ali, umas vezes se apaixonava outras não e assim imaginou que seria por muito tempo.

Até que a Cia apareceu e ele se tornou o grande humorista Elídio Sanna e muitas caíram ao seus pés. Grande humorista— Ele repetiu para si - bobagem, no fundo nunca deixei de ser o bobo do cabelo comprido.

 

Elídio olhou o relógio: 21h54, não pretendia dormir tanto, nem percebeu que caiu no sono. Se levantou, um pouco tonto, separou sua melhor roupa para a ocasião e foi para o banheiro da suíte.

...

Um vento preguiçoso insistia em dançar tango ao redor do Barbixa, que se encolheu milimétricamente e ficou mais próximo do carro. O céu estava carregado de nuvens, preparando um pé d'água para a madrugada que logo se estenderia.

Muitas pessoas estavam saindo do prédio, umas mais apressadas que outras, todas se espalhando e logo sumindo pelas calçadas e esquinas. Uma moça chamou a atenção do homem, era loira e usava óculos de grau, não aparentava mais de 30 anos e carregava livros nos braços. Ela o encarou por um longo tempo, talvez o reconhecendo, mas desviou o olhar, com o possível medo de estar encarando a pessoa errada. Ele continuou a olha-la - algumas vezes ela olhou para trás - conseguiu perceber a expressão de duvida no olhar da jovem e logo depois a desistência. Não poderia ser a pessoa que ela pensou que fosse, afinal, o que ele faria em frente a uma universidade à essa hora da noite?

Assim que voltou seu olhar para o portão, Elídio viu quem esperava se aproximar vagarosamente, com um intenso sorriso estampado nos lábios.

Concluiu que a jovem adorava saias já que mais uma vez usava uma, e um salto parecido com o do primeiro encontro, mas que dessa vez era amarelo, combinando com a camiseta. O sorriso dessa vez emoldurado por um batom rosa, que logo sumiria se dependesse dele. Ele mordeu o lábio inferior e a única coisa que conseguiu dizer com ela diante de si foi:

— É só pedir que cancelo o convite e passamos a noite a sós.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capitulo,
Abraços.



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