Dois Quartos de Vinho escrita por Ninguém


Capítulo 19
De quem é a mão na mesa?


Notas iniciais do capítulo

Olá, querido leitor. Seja bem vindo! Puxe uma cadeira ou deite no sofá, tome um chá ou coma uma pipoca. Enfim, sinta-se a vontade e tenha uma ótima leitura.



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"De quem é a mão na mesa?"

"Lico tá beijando alguém?"

"Aquilo é... uma mão! QUEM É A VAGABUNDA AGARRADA COM O MEU BARBIXA?"

"Elídio voltou com a ex?"

Estes eram alguns dos comentários presentes na foto que Anderson havia postado na noite anterior. Lia achou a maioria cômicos, riu como criança dos comentários de algumas fãs mais fanáticas.

As fãs... Lia ainda não tinha parado para pensar nelas, mas sabia como se sentiam deslocadas nessa questão de se dedicar ao ídolo e de repente descobrir que mal sabem sobre ele, de ver aquela esperança, quase apagada, de um dia vir a ter algo com o homem de seus sonhos se esvair pelos vãos de seus dedos, a raiva por não ser mais velha, ter a idade dele, e perceber que mesmo se esforçando e pesquisando ao máximo não percebeu por sequer um segundo o brilho no olhar apaixonado desse que tanto às inspiram e tiram seu chão.

Ela já havia passado por isso, ainda era adolescente quando o último namoro de seu Barbixa favorito foi anunciado, na verdade esfregado na cara de todos pelas mídias e blogs de fofoca. Lembra exatamente o que sentiu assim que leu a noticia. O vazio. As lagrimas quase percorreram seu rosto possivelmente morrendo diante das teclas de seu computador, o choque não a deixou pensar em nada bom ou ruim, não sabia se estava feliz ou triste ou se deveria sentir algo sobre aquilo. E assim foi durante os 11 meses mais longos de sua vida, até que, enfim, o término do relacionamento foi anunciado.

Depois veio a noticia do namoro de Anderson, esse contado pelo próprio, que pouco mais de um ano depois se casou e anunciou que em breve seria papai.

Com o quinto elemento do trio a história era diferente, há anos ele já estava comprometido, casado, e se dependesse das fãs continuariam juntos por muito tempo.

Lia estava perdida em seus devaneios há mais de uma hora, ainda olhando para a tela do notebook, mais precisamente para a foto de Anderson, em que 5% dela aparecia. Não percebeu a presença da amiga no quarto, que aliás era o dela.

— Perigo! Atenção. Perigo. Todos apostos e em alerta, foi avistada uma fã fanaticamente apaixonada ocupando o recinto, peço para que mantenham a calma e não atirem até segunda ordem. Cambio, desligo. - Aline imitava uma voz mecanicamente modificada.

— Ah... oi Line.

— Hum... hoje alguém está pensativa, hein?!

— Aline, posso te fazer uma pergunta, do tipo que eu não costumo fazer? - Ela perguntou com uma tom de voz baixo e extremamente doce.

— Claro!

— Você acha que existe alguma possibilidade de eu ficar com o Elídio?

— Mas é claro Lia, nada nesse mundo é improvável e você deveria saber disso mais do que eu. - Ela respondeu, piscando para a amiga.

— Ah, não sei, sinceramente de um tempo pra cá eu não sei de mais nada.

Aline pendurou sua bolsa no cabideiro, tirou suas botas e se sentou na cama, a amiga apoiou a cabeça em seu colo e a loira começou a brincar com os cabelos da outra, enrolando-os como sempre fazia.

— Alguma vez você sentiu que tudo poderia virar de cabeça para baixo, assim, de uma hora pra outra?

— Claro, e isso pode acontecer a qualquer momento.

— É...

— Essa pergunta tem alguma coisa a ver com o Augusto?

— Claro que não. Tem a ver única e exclusivamente comigo. Sei lá, tô com a sensação de que não tenho um rumo na vida.

— Por que? - Aline perguntou com um tom terno na voz.

— Ah, sabe há quanto tempo não planejo nada? E mesmo assim, parece que tá tudo certo, sob controle, mas a verdade é que não tenho certeza que algo vai dar certo.

— Como assim?

— Aline, fiz anos de teatro, passei na prova e agora tenho meu DRT, passei na faculdade de advocacia e ano que vem já é meu último ano, pretendo me estabilizar como atriz, porém se não der certo sigo a faculdade mesmo. E o que tudo isso significa? Nada! Talvez não termine a faculdade, ou repita de ano, não seja reconhecida como uma boa atriz ou não arrume emprego na outra área. É tudo tão certo e ao mesmo tempo tão vago.

— Ai meu Deus Lia, você falando isso, aquela que sempre foi a mais segura demonstrando fraqueza, que lindo. Ninguém tem certeza do futuro, é natural a insegurança quanto a isso, porém não adianta de nada. Ficar com medo não vai te levar a Holywood.

A jovem suspirou profundamente. Normalmente ela não era assim, insegura, não entendia o porque daquele pensamento inesperado, ficou pensando por um tempo na resposta, mas Aline foi mais rápida.

— Acho que você tá apaixonada...

— Como é? - Ela levantou em um salto e se sentou na beirada da cama.

— Só tô dizendo que...

— Não, não e não. Não posso nem fazer uma pergunta mais? Meus Deus! - Se levantou e foi para seu quarto.

O quarto era totalmente organizado, as paredes claras, os lençóis também, ao lado da cama uma mesinha branca - conjunto de uma penteadeira que ficava no quarto da amiga - e logo a sua frente uma televisão, perto da janela ficava estendida uma rede de estampa xadrez, o guarda roupa na mesma parede da porta, também branco, onde as portas do meio eram espelhadas e na parede ao lado uma estante com três prateleiras quase lotadas de livros.

Logo que entrou, Lia se jogou em sua cama e pegou seu celular, ficou encarando, por um longo tempo, a foto do contato de Elídio. Até que sem querer esbarrou o dedo na tela e iniciou uma ligação para o Barbixa.

— Puta merda! - Ela desligou o mais rápido que pôde e se virou, deixando seu celular ao lado.

30 segundos se passaram até que seu celular começou a tocar.

— NÃO!!

O celular tocou três vezes até que ela atendeu.

— Alô?

— Lia? Você me ligou?

— É... oi Sanna. Liguei, mas foi sem querer.

— Que pena, pensei que já estivesse com saudades.

— Mas a gente se viu ontem.

— É, mas... - A linha ficou muda por alguns segundos. - Você já almoçou?

— Não. - Ela disse rindo - Por que?

— Quer almoçar?

— É, já já eu vou mesmo.

— Não Lia. - Ele disse rindo - Perguntei se quer almoçar comigo?

— Ah é? Claro, claro que quero, onde?

— Sabe o parque Major?

— Aquele que inaugurou faz uns 8 meses?

— É, esse mesmo. Em quanto tempo quer que eu passe ai?

— Ah Elídio obrigada, mas eu vou sozinha.

— Tem certeza?

— Claro, pode deixar que me viro. Daqui uns 40 minutos eu chego, pode ser?

— Claro, até lá então.

— Ok.

— Lia, espera!

— O que?

— Eu não falei onde vamos almoçar, só falei do parque. - Ele concluiu rindo.

— Ah é verdade. - Ela também começou a rir.

— Então, do lado do parque tem uma padaria de esquina.

— Lá então. - Ela disse desligando.

O movimento na padaria era considerável, logo que chegou Lia passou a caminhar sem direção certa enquanto olhava para os lado procurando aquele que a convidou. Até que viu um homem de camisa azul clara e óculos de sol acenar em sua direção.

Quando já estava a menos de um metro de sua mesa, localizada ao lado de uma grande janela que dava vista para o parque, uma leve brisa bateu nas costas da jovem fazendo seu vestido, rodado e florido, se levantar levemente.

Elídio se levantou ao seu encontro, colocou uma das mãos em sua cintura e sussurrou em seu ouvido:

— Assim eu não resisto. - Fazendo Lia se arrepiar.

— Gostei da camiseta. - Ela respondeu sorrindo.

— E eu gostei de você da cabeça aos pés. - Ele disse beijando seu pescoço, a atiçando propositalmente - Uma pena que está de dia. Mas vem, vamos sentar.

— Faz tempo que chegou?

— Não mais de dez minutos.

Eles conversaram por mais de uma hora, Lia riu na maior parte do tempo, sentia como se estivesse assistindo a um espetáculo particular, feito só para ela. Era estranho como se sentia tão a vontade e ao mesmo tempo tão insegura.

— Aquele é o tal parque novo, né? - Ela perguntou quando já haviam terminado de comer.

— Sim, já foi lá?

— Nunca.

— Quer ir?

— Claro! Por que não?

 

O parque Major, recém inaugurado, era grande e coberto por grama e vegetação rasteira, as poucas e pequenas árvores do local abrigavam passarinhos e serviam de proteção para os visitantes que queriam fugir do sol forte. Na parte mais alta dele havia um grande parquinho onde algumas crianças se divertiam juntos de seus pais e na parte mais baixa um lago cheio de pequenos peixes e alguns sapos.

Elídio segurou Lia pela mão e a guiou pela pista feita para caminhadas, eles passaram pelo lago e pouco depois chegaram perto de um pequeno palco de shows onde uma banda ensaiava alguns acordes.

— Acho que aqui está bom. - Ele disse.

— Claro. Agora vem, vamos deitar.

— Na grama?

— Sim, na grama.

— Tá, mas isso é meio...

— Hippie? - Ela perguntou fazendo ele rir.

— Então, o que achou de ontem? - Ele perguntou se sentando enquanto Lia deitava a centímetros de distância.

— Eu adorei, foi incrível!

— Uau, que bom que gostou. Eles ficaram me zoando depois que você foi embora.

— Todos?

— Sim, principalmente o Marcão.

Ela riu, já gostava de Marco como humorista e a noite anterior serviu para gostar dele também como pessoa.

— Mas isso é inveja.

— Ué, por que inveja?

— Por causa da gente, sabe? Eu estou com você, que é linda, e o idiota tá lá sem ninguém. - Ele falou brincando.

Está mesmo? Lia não se conteve em pensar.

— Mas ele não é casado?

— O Marco? É nada. Na verdade era, mas não deu muito certo. Sabia que a gente morava junto antes dele casar?

E o que uma fã não sabe sobre o ídolo? Pensou novamente, mas preferiu negar.

— E não moram mais?

— Não. Antes do casamento ele me contou que queria comprar uma casa pra ele e a garota ai a gente vendou a que morávamos e dividimos o dinheiro, eu comprei a que moro hoje e ele comprou outra, mas agora mora num apartamento.

— Nossa, que pena que o casamento não deu certo...

— Pena nada, não gostava dela. - O tom de voz fez Lia rir - No começo ela era muito legal com todos, mas depois do casamento parecia que o Marco tinha virado propriedade dela. Ela não queria que ele saísse mais comigo porque eu era uma "má influência" como se o cara tivesse 12 anos, até ir ao Improvável ela proibiu, ai o casamento acabou.

— Nossa, meio autoritária, né? Fora o Marcão, todos lá são casados, né?

— Menos eu e a Jaque, que namora.

— Gostei do óculos, combina com você. - Ela falou pouco tempo depois.

Elídio sorriu. Achou que naquela ocasião o óculos de sol seria um bom aliado. Era o máximo de disfarce que conseguiria usar se quisesse agir naturalmente e passar o mais despercebido possível. Não gostava da ideia de ter que se esconder, como se devesse algo a alguém ou fugisse da justiça. Realmente essa não era a intenção, só não queria correr o risco de ser envolvido em uma fofoca do tipo "Elídio Sanna é visto em parque com suposta namorada" seguida de várias fotos com a jovem. Não gostava da ideia da mídia dando tanta ênfase a uma mulher que era só uma... uma... só aquilo que era.

Uma valsa começou a tocar alguns metros adiante, a banda havia começado seu show e perto do palco estavam vários casais dançando.

— Agora entendi porque o esse lugar tá tão cheio. Um baile da terceira idade. - Lia concluiu.

— Isso é ótimo. Vamos?

— Vamos?

— Sim, vou te ensinar a dançar valsa.

— Elídio Sanna, você acha realmente que eu não sei dançar uma simples valsa?

— Lia Que Eu Não Sei O Sobrenome, eu tenho certeza disso.

— Pois você está redondamente certo.

Ele a puxou pelas mãos e a agarrou pela cintura.

— Tá, agora você tem que me ensinar. - Ela disse com seu rosto a centímetros dele.

— Com o maior prazer.

Elídio subiu uma das mãos pelas costas dela e a beijou rápida e delicadamente. Logo depois entrou no ritmo da dança.

Enquanto dançavam, Elídio não conseguia tirar os olhos da moça e sorrir de um jeito bobo. Logo ele que se encantava por mulheres que gostavam e sabiam dançar foi se interessar por uma completa desajeitada. Mas mesmo assim ela tinha algo, algo que não conseguia explicar, apenas sabia que tinha e que o deixava enlouquecido, a vontade que tinha era de tira-la dali, leva-la para sua casa e fazer logo o que queria desde o primeiro dia que a notou. Mas ao mesmo tempo sentiu que não era só aquilo, algo ia além do puro desejo.

Depois de uns dos giros que ela deu enquanto dançava, ele a puxou para si e viu em seus olhos um brilho parecido com o dos outros dias, porém diferente dessa vez, pensou que talvez esta pudesse ser a mulher com quem ele... não, estava fantasiando demais, ele assentiu.

Começou a gira-la cada vez mais rápido e se afastando cada vez mais dos que dançavam. Até que Lia tropeçou em um dos pés de Elídio e caiu na grama levando-o consigo. Os dois gargalharam por um longo tempo e, de repente, ficaram em silêncio.

— É esse o momento clichê em que o casal se beija? - Ela perguntou.

— Esse mesmo.

Sanna agarrou os cabelos da outra com força e cravou seus lábios nos dela. Um beijo quente como o primeiro de todos. Aquele momento romântico dos dois se tornou selvagem, esquecendo do mundo que os cercavam.

Ele subiu a mão pela coxa da jovem até um ponto onde o vestido a cobria totalmente, e a apertou com a mesma força que a pressionou contra a grama. Ela não conseguiu conter um gemido, mas por um segundo de lucidez o empurrou para trás.

— Elídio! Parque. Publico. Crianças.

— Desculpa. - Ele respondeu, soltando-a e se sentando ao seu lado.

Ele arrumou o óculos, que com o beijo ficou torto, e olhou em volta, conferindo para ver se ninguém estava olhando para os dois ou até mesmo tirando fotos.

— Bonita a tatuagem, tem mais alguma?

— Não, é a única.

— Algum significado?

— Liberdade.

Uma semana depois que saiu da casa de seus pais Lia tatuou, logo abaixo da clavícula, um caminho de pássaros. 

— E você? - Ela perguntou mesmo sabendo a resposta.

— Tenho só uma também, nas costas. Acho que tenho uma foto aqui, espera ai.

Ele pegou seu celular e pouco depois mostrou o desenho que Lia conhecia e odiava há muito tempo.

— O mapa do Brasil? - Ela entortou a boca.

— Sim.

— Por que?

— Patriotismo, talvez? - Ele brincou.

— Não se arrepende?

— Minha vida não é feita de arrependimentos! - Ele deu um sorriso malicioso junto a um olhar intimidador que a fez rir.

— Que horas são?

— 17h37.

— Nossa, eu preciso ir.

— Vai para casa?

— Não, vou ensaiar.

— Eu te levo, mas com uma condição.

— Qual?

— Mais um beijo.

— Condição aceita.


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Notas finais do capítulo

Acho que alguém está precisando de aulas de dança...

Até o próximo capítulo,
Abraços!



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