Eu e Joanne estávamos sentados no cordão da calçada esperando Elizabeth. Já faziam quinze minutos que estávamos aqui, desde que a aula acabou, e nada dela aparecer. A maioria das pessoas já tinham ido embora, e agora um silêncio estranho se instalara na frente da escola, onde normalmente só se tem zoeira.  

            Ao meu lado, Anne parecia perdida em pensamentos. Seus olhos olhavam continuadamente para uma arvore do outro lado da rua, mas não tenho nem ideia onde sua mente estava. Meu celular tocou, me tirando dos meus pensamentos, e fazendo Joanne quase pular metros do chão. Comecei a ter um ataque de riso da reação dela. A garota me fuzilou com os olhos enquanto me estapeava para que eu parasse de rir. A segurei pelos dois braços a imobilizando, tendo cuidado para não machucá-la. Eu ainda estava rindo muito, mas mesmo assim consegui parar o suficiente para lhe dar um beijo.

            -Não precisa ficar irritada, gosto de você mesmo sendo uma exagerada. – Ela revirou os olhos, mas no seu rosto um sorriso ia se formando.

            -Oi. – Falei ao atender meu celular, ainda rindo.

            -Oi. –Era meu pai, que estranho... –Onde você está? Já não devia ter chego em casa?

            -Na escola. E eu não devia ter chego em casa, ou agora esqueceu que eu sempre chego ao meio dia e meia? –Depois eu sou o louco da família...

            -Mas você ainda está na escola?

            -Na verdade não, eu estou na frente da escola...

            -E por que você ainda está na frente da escola? –Ele deu ênfase no “na frente”.

            -Agora deu para se meter na minha vida, é?

            -Responde logo Lucas.

            -E por que eu faria isso?

            -Porque eu sou seu pai, e se você não me obedecer vai sofrer as conseqüências disso.

            -Estou esperando a Elizabeth.

            -E onde ela está?

            -Como se eu soubesse...

            -Então vamos fazer assim, vocês ficam me esperando aí que eu busco vocês.

            -Por quê? Duvido que seja um ato de bondade espontânea.

            -Depois a gente conversa sobre isso.

            -Tá, mas a Joanne também está comigo.

            -Que... ah. –Meu pai deu uma risada marota que eu fiz questão de não entender. –Daqui a pouco eu chego ai.

            -Tá. –Desliguei o celular e guardei no bolso do meu casaco outra vez.

            -E aí, quem era? –Joanne perguntou. Me levantei.

            -Meu pai. –Falei enquanto olhava para todos os lados possíveis atrás de um pontinho laranja também conhecido como Elizabeth.

            -E o que ele queria? –Ela me perguntou enquanto também levantava.

            -Saber onde eu estava. E dizer que vêm nos buscar.

            -Por quê? –Dei de ombros, Anne olhou para cima, enquanto balançava a cabeça negativamente. –Você não perguntou?

            -Perguntei, mas ele não respondeu...

            -E você não pensou em insistir? –Dei de ombros novamente. –Realmente, faz sentido você ser loiro.

            Joanne comentou, mas não tive chance de respondê-la já que meu pontinho laranja preferido vinha correndo em minha direção. Só quando ela chegou mais perto notei como sua expressão estava irritada.

            -Lucas Smith eu vou te matar! –Ela ainda estava longe de mim e sua voz estava esganiçada. Dei dois passos para trás, só para garantir.

            -Calma Elizabeth, que tal me contar o motivo primeiro?

            -Por que você nunca me contou que tocava violão tãaaao bem! Sabia que você poderia ter me ensinado? A gente se conhece desde sempre e você nem para me contar! – Sua expressão era tão indignada e seu motivo tão fútil que eu comecei a rir. –E ainda começa a rir na minha cara! Você quer morrer né?

            Não consegui lhe responder, de tanto que estava rindo. Ela veio para cima de mim e começou a me bater para valer, sério, estava doendo!

            -Hey, Elizabeth, está me machucando!

            -Que bom! Está é a intenção!!! –Beth disse enquanto me batia mais forte ainda.

            Acho que ela teria continuado me espancando não fosse o fato de meu pai ter chego, mais do que rápido peguei meu violão e minha mochila e fui até o carro. Guardei no porta malas o violão. Depois fui até o banco do passageiro, Elizabeth e Joanne já estava lá dentro.

            Dei um olhar sugestivo ao meu pai ao entrar no carro.

            -Agora vai me contar por que veio me buscar? –Perguntei com certa apreensão das possíveis respostas do meu pai.

            -Oi Lucas! Então como foi sua aula? Boa? Que bom! Assim, o meu dia também está muito bem obrigado. –Ele disse com ironia enquanto olhava pelo para brisa. Bufei.

            -Sem enrolação, por favor. Qual foi o motivo?

            -Hum. Sabe que dia é hoje? –Fiquei irritado por ele estar trocando de assunto outra vez, mas mesmo assim respondi.

            -Dezenove de junho?

            -Sabe quem faz aniversário hoje? –Meu pai estava parecendo uma criancinha, respondendo com perguntas. Dei de ombros.

            -A Camila. –Ele disse simplesmente. Fiz-lhe a maior cara de “e eu com isso?”. –E você vai no aniversário dela.

            Dei uma gargalhada. Ele estava totalmente louco se achava que eu iria no aniversário dela. Porque eu faria isso, hein?

            -Mas não vou mesmo.

            -Vai sim. Samantha preparou uma festa surpresa para ela, e você vai.

            -Por que eu iria?

            -Redução de Pena? –Olhei para ele com a maior cara de “essa história de novo?”. Dá última vez que ele me propôs isso acabei sendo jurado de vingança por uma maníaca assassina, tá que agora eu estou com a maníaca assassina, mas deixa quieto.

            -Vai logo nesse aniversário Lucas. Vocês não eram amigos? –Olhei para o banco de trás, me perguntando se tinham trocado Joanne por um clone. Ela deve ter notado minha expressão, pois revirou os olhos e completou. –Estou falando sério.

            Meu pai sorria, sua expressão era como se tivesse ganhado uma grande batalha. Acabei dando de ombros, que mal teria ir a um aniversário? Convidei Joanne e Elizabeth para irem comigo, mas nenhuma das duas aceitou. Implorei e implorei e Joanne acabou cedendo, mas disse que se Camila começasse a implicar com ela alguém teria sérios problemas, e não seria ela.

            Lá pelas quatro horas saímos com meu pai rumo ao lugar da festa, era em um restaurante não muito movimentado em uma ruela no centro. Me lembrava um Mac Donald’s um pouco maior. Estava com uma faixa de “feliz aniversário”, escrito em letras laranjas e todas as mesas tinham arranjos com flores, a comida estava em uma mesa grande no canto. Tudo parecia estar pronto. Samantha era quem estava organizando tudo por lá, ela usava uma calça jeans vermelha xadrez, uma blusa preta de gola alta. Seu cabelo estava preso em um rabo e ela usava uma faixa vermelha nele.

            Ela abriu aquele seu sorriso contagiante ao me ver, com meu pai. Seus olhos verdes cintilavam, com aquela alegria contagiante que ela parecia ter em todas as vezes que a vi.

            -Oi Luke! Que bom que você veio, aposto que Camila vai ficar muito feliz.

            -Espero que sim. –Falei entre dentes para ela, enquanto meu pai meio que me dava uma cotovelada nas costas. –Essa aqui é a Anne, minha namorada.

            Samantha deu um sorriso afável enquanto cumprimentava Anne, está também lhe respondeu de maneira amável e educada.

            -Adorei sua bota. –Samantha comentou enquanto olhava as botas estilo calboy de Anne. –Tenho uma igual.

            -Eu queria ter comprado uma vermelha, mas meu pai disse que enquanto morasse com ele eu não usaria aquilo. –Joanne riu, então de repente pareceu ter se dado conta do que disse. Qualquer indicio de felicidade saiu de sua expressão.

            -Querida, você está bem? –Samantha perguntou ao perceber a mudança brusca no comportamento de Joanne. Está apenas sussurrou algo incompreensível e foi para um canto do restaurante, em uma mesa vazia.

            Sentei na sua frente, ela olhava para as próprias mãos. Pelos cantos de seus olhos pequenas lágrimas caiam, como diamantes, descendo por sua face delicada. Segurei suas mãos por cima da mesa, ela levantou os olhos até eles encontrarem os meus. Encaramos-nos por algum tempo.

            -É estranho. –Ela começou a falar com a voz trêmula. –Mas às vezes eu me esqueço o que aconteceu com eles, parece apenas que eles saíram para uma viagem. Como se a qualquer momento fossem reaparecer, e tudo voltaria a ser como antes.

            As lágrimas silenciosas continuavam a cair pelo seu rosto. “Não quero esquecê-los, mas o que posso fazer se cada vez que me lembro deles, parece que não tem ar nos meus pulmões, como se o mundo fosse acabar. O que posso fazer?” Apertei suas mãos, nas minhas.

            -Anne... não tenho certeza do que dizer. Não sei o que é perder pessoas que amo tanto quanto você devia amar seus pais. Posso imaginar como seria nunca mais ver meu pai, e só a perspectiva disso já me deixa muito mal. Mas quero que você saiba que eu sempre estarei com você, não importa o que aconteça. –Falei em um sussurro para ela.

            -Obrigado, era o que eu precisava ouvir. –Anne me respondeu depois de um tempo, seu sorriso era fraco. Continuamos sentados sozinhos ali por alguns minutos. Apenas olhando um para o outro, em certos momentos o silêncio é mais confortador do que mil palavras.

            -Oi Luke, posso falar com você? –Bruno me perguntou, ele tinha acabado de chegar. Assenti com a cabeça e ele se sentou na cadeira ao lado de Joanne. Ele a cumprimentou e ela se respondeu. Então ele se virou para mim, novamente. –Queria te fazer uma proposta. É assim, eu e alguns amigos meus temos uma banda, mas nosso vocalista se mudou e no momento estamos sem nenhum. A gente viu você cantando hoje de manhã e achamos que seria legal se você entrasse na banda. Você quer?

            Ele falou tudo rápido demais, sem nem me dar oportunidade de falar. Encarei-lhe, ainda surpreso por sua proposta. Eu, cantando em uma banda?

            -E então? –Bruno me perguntou, seus olhos azuis queimando de expectativa.

            -Sei lah, tipo, quem toca na banda? Que tipo de música vocês tocam? Eu não sei nada, nem o nome dela! –Falei enquanto franzia a testa, Bruno não pareceu se incomodar com minhas perguntas, já que as respondeu com bastante calma.

            -Eu toco bateria, a Mi toca guitarra, o Matt fica no baixo e na segunda voz e o Léo era o nosso vocalista. Tocamos pop rock, mas até agora só cover mesmo.

            -E o nome da banda...?

            -Forever is Over. –Ele falou, depois suspirou. –Quem decidiu foi a Mi, a gente não queria, mas ela disse que só tocaria se esse fosse o nome da banda. Vai entender... -Ri dos seus motivos, mas ele estava certo. Garotas parecem sempre conseguirem o que querem. –Então, você quer participar?

            -Claro, parece legal.

            -Então, toda a quinta tem ensaio na casa do Matt. Sabe onde fica?

            Balancei negativamente a cabeça então ele meio que me explicou.

            Samantha tinha ido buscar Camila em casa, e ela já devia estar chegando. Meu pai estava meio que explicando o que era para fazer quando ela chegasse quando seu celular começou a tocar. Ele o atendeu, estava perto dele por isso consegui ouvir o que ele dizia.

            -Oi Samantha, o que houve? –De repente seu rosto ficou alarmado. –Calma, não faz nada que eu já estou indo para aí. Liga para o hospital e chama uma ambulância. –Tempo de resposta de Samantha. –Calma, não deve ser nada. –Apesar de suas palavras seu rosto estava tenso. –Estou indo. –Ele desligou o telefone.

            -O que aconteceu, pai?

            -Camila, parece que aconteceu um acidente envolvendo ela. Samantha está nervosa demais para me explicar pelo telefone. Estou indo para lá ver o que aconteceu.