Me Apaixonei pela Pessoa que Eu Odeio escrita por Bibiana CD


Capítulo 16
Confissões ao mar




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Fui rapidamente até a praia. Um peso parecia ter se formado em meu peito, eu tinha medo de que ela pudesse não estar lá. Tinha medo do que poderia acontecer aquela garota. Mas por fim meus receios se provaram infundados. Sentada na areia a pequena garota se destacava na paisagem cinzenta do lugar.

Me sentei ao seu lado, cruzando minhas pernas na frente do corpo. Olhei para Joanne, ela contemplava o mar revolto. Lágrimas caiam por suas bochechas pálidas sem cessar. A garota não esboçou nenhuma reação ao me ver.

-Você está bem? –Perguntei a primeira coisa que me veio a mente, depois de proferir estas palavras me dei conta do quão idiotas eram.

-Claro. –Ela falou ironicamente, sem desviar seu rosto.

-Você não deveria se importar com o que a Camila fala. –Disse, tentando de alguma forma consolá-la.

-Mas ela falou a verdade, meus pais estão mortos por minha causa. –A garota falou, em meio a soluços, com a voz rouca.

-Isso não é verdade, Anne. –Lhe disse mesmo sem realmente saber a verdade.

-Como você me chamou? -Ela perguntou, mudando de assunto.

-Anne. - Falei meio sem jeito, sentindo minhas orelhas ficarem vermelhas.

-Por que você não me chama de Jo, como todo mundo? –Joanne perguntou confusa.

-Por que eu não achei ainda um unicórnio que voa. -Respondi, lembrando o que ela disse, quando eu perguntei se poderia chamá-la de Jo pela primeira vez. Um sorriso tímido tomou o rosto dela.

-Você se lembra de tudo o que eu falo? –Perguntou, me olhando divertida.

-Grande parte. - Admiti com um sorriso.

-Meus pais me chamavam assim, Anne. –Ela falou, novas lágrimas se formando em seus olhos.

-Eles deviam ser legais. –Falei, sem jeito. Só eu mesmo para dizer “legais”. É tão estúpido só ter isto para dizer dela.

-Muito. –Ela respondeu, e depois reprimiu um soluço. -E estão mortos por minha causa...

-Isso não é verdade.

-E como você sabe? Você nem sabe o que aconteceu. –Ela falou, adquirindo um tom de raiva contida.

-Então me diga. –Falei, evitando aqueles olhos azuis esverdeados.

Anne olhou para mim, olhou nos meus olhos, ela parecia estar tentando parar de chorar, limpou o rosto com a manga da blusa, mas as lágrimas teimavam em cair pelo seu rosto. Depois de um tempo a garota desistiu de tentar parar, desviou o olhar e começou a falar.

-Eu não consigo... –Ela disse por fim, enquanto dava um suspiro. -Nem sei por onde começar.

-Por que você e seus pais não estavam em uma expedição? -Perguntei, tentando ajuda - lá a começar a falar.

-Por que... –Joanne parou de falar, e novamente tentou impedir as lágrimas. -Porque minha mãe descobriu que estava grávida.

Joanne então começou a chorar para valer, seus pequenos e frágeis ombros subiam e desciam sem cessar. Passei meu braço pelos ombros dela, Joanne estava gelada.

-Calma, Anne, calma. Vai ficar tudo bem. - Fiquei repetindo essa frase, até que ela realmente se acalmou.

-Era a primeira vez que eu morei em uma casa fora de uma expedição. Quero dizer, quanto eu era pequena também, mas eu não me lembro. No primeiro dia de aula, eu estava totalmente perdida. Sempre tive aulas com professores particulares... Um garoto, Christian, me ajudou. Ele me mostrou a escola, ele era bem legal, ao menos na minha frente. –Ela fez uma pequena pausa para recuperar o fôlego.

-Depois de umas duas semanas, em uma festa, nós começamos a namorar. Ele parecia ser tão legal, quando eu ia imaginar que, que...

-O que? -Incentivei-a a continuar. Ela começou a falar rapidamente, acho que era mais fácil dizer de uma vez só.

-Em um sábado à noite meus pais saíram para um jantar, eu fiquei sozinha em casa. Só que lá pelas onze horas alguém bateu na porta, era Christian. Abri a porta para ele, mas quando ele entrou notei que Christian estava estranho, bêbado. Ele veio para cima de mim, eu tentei me afastar, mas ele era mais forte que eu. Eu gritava, mas não tinha ninguém para ouvir... Então ele foi embora, e eu fiquei lá. Me sentei em um canto no chão. Estava esperando meus pais chegarem, eles saberiam o que fazer o que dizer... Eu esperei, e esperei, mas eles não chegaram... –Ela limpou as lágrimas das bochechas. - Nunca mais!

Ela começou a chorar muito nesse momento, a aconcheguei em um abraço. Ela encostou sua cabeça em meu peito, enquanto eu afagava seu cabelo. Senti lágrimas escorrerem pelo meu rosto também, me sentia triste pelo que havia acontecido aos pais da garota nos meus braços.

-Depois de sair da minha casa, Christian que estava com o carro do pai, mesmo não tendo idade para dirigir, bateu em um. Ele estava bêbado e não parou em um sinal vermelho. Ele sobreviveu, mas o casal no outro carro não. –Ela sussurrou por fim, as palvras saindo freneticamente por seus trêmulos lábios.

-Joanne, a culpa não é sua se ele bateu no outro carro. Ele é o culpado pela morte dessas pessoas, não você.

-Só que o casal no outro carro, era meu pai e minha mãe. Você não entende Lucas? Se eu não tivesse namorando o Christian, ele não estaria naquele lado da cidade e nunca teria batido no carro dos meus pais. Eles ainda estariam vivos, minha mãe teria tido um filho e esse pesadelo que minha vida se tornou jamais teria acontecido. - Ela falou em meio a lágrimas e soluços. Entendi por que ela se culpava. Olhei naqueles olhos azuis esverdeados, que estavam vermelhos de tanto chorar.

-Você esta errada, você foi vitima das circunstâncias.

-Obrigado. - Joanne falou em um sussurro. Depois encostou sua cabeça em meu ombro e ficou fitando o mar, para depois da arrebentação, onde o ocenao era mais calmo.

-Como você sabia que eu estava aqui? - Joanne perguntou ainda sussurrando. Quase não ouvi por causa do barulho das ondas e do vento.

-Eu venho normalmente aqui quando quero ficar sozinho ou quando quero pensar... Por que você veio para cá?

-Para falar com eles, meus pais... Mas foi só um monólogo mesmo.

-Como assim?

-Bem, normalmente as pessoas vão para onde a pessoa foi enterrada para se sentirem mais perto de alguém que já morreu. Só que meus pais não foram enterrados. As cinzas deles foram jogadas no mar, como eles pediram.

-Então quando fica com saudades deles olha para o mar?

Perguntei, acho que minha conclusão estava correta.

-Sim, e essa é a vantagem... Desde que eu esteja em um lugar litorâneo posso me sentir mais perto deles, não importa a onde eu vá.

Olhei para o mar, ele estava mais violento, me lembrei da tempestade.

-Anne, temos que sair daqui.

Falei e me levantei. Joanne me olhou perturbada, possivelmente notando a repentina urgência no meu tom de voz.

-O que foi?

-A tempestade, você não deve saber, mas pode acontecer um furacão.

-Eu sei.

Ela falou, contemplando o mar novamente com um olhar perdido.

-Então por que veio para cá?

Perguntei muito confuso. Joanne se levantou também.

-Queria falar com eles, já disse.

-Mas se você estivesse aqui e a tempestade começasse, você poderia morrer afogada.

-Eu sei.

Ela disse, simplesmente.

-Então por que veio?

Olhei fundo nos seus olhos, ela sustentou o olhar por alguns segundos e depois desviou. Na minha cabeça as peças logo se encaixaram. Então falei.

-Você sabia que poderia morrer!

Falei em um tom de voz de raiva contida, foi uma afirmação e não uma pergunta.

-Desculpe, mas sim, eu sabia. As vezes fica meio insuportável essa dor...

Joanne falava devagar, mais uma vez seus olhos se encheram de lágrimas.

Dei um passo e a abracei forte, não queria pensar no que ela tinha dito.

Ela queria morrer, isso me deixava triste, tentei não pensar nisso. Nesse instante começou a chover. Senti Joanne tremer de frio. Olhei para ela, Anne estava usando um moletom listrado rosa e vermelho, um saia e uma meia calça, que agora já estava encharcada. Tirei meu casaco e coloquei nela.

-Agora temos que ir para casa.

Ela apenas assentiu com a cabeça. Larguei ela do meu a braço, passei meu braço pelos seus ombros. Comecei a andar para uma parada de ônibus que existia perto dali. Quando chegamos lá liguei para uma empresa de táxi, disseram que ele chegaria em alguns minutos.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo era para ficar mais dramático, mas acho que nasci para escrever comédias ¬¬'