Eu não conheço meu pai, nunca, em nenhum momento, o vi na minha vida. Minha mãe desapareceu ano passado, quando eu tinha 16 anos, até hoje não tenho noticias suas. E o meu único namorado que tive por todo esse tempo morreu no mesmo acidente em que perdi minha visão.

Talvez, eu até pudesse reclamar um pouco da minha vida. Talvez, eu até pudesse me chamar de azarada. Talvez eu realmente tenha esse direito. Posso me sentir deprimida, sozinha, desamparada. Posso até me suicidar.

Mas sinceramente? Eu não vou fazer isso.

Não que eu não sinta falta da minha família, do meu namorado ou até mesmo da minha visão, mas não há o porquê eu ficar angustiada por estar assim, do jeito que estou, não depois de tanto tempo. Eu sou assim agora e nada vai mudar. Eu perdi as pessoas que amo e elas não vão voltar.

O passado acabou, não há volta. Se eu continuar o relembrando, o meu futuro que vai acabar também.

Então sou feliz, eu acho, e tento aproveitar da melhor maneira possível.

Nicole, minha melhor amiga, é um amor de pessoa e me ajuda com tudo. Nós nos conhecemos desde que entramos na escola, aos quatro anos. Éramos e somos inseparáveis.

Quando ela soube do meu acidente e da morte de Otávio acho que ficou mais triste que eu. Ela me visitava todos os dias no hospital e tinha vezes que até dormia comigo lá. Quando soube da minha cegueira, então, só faltou se jogar da ponte, os médicos me disseram que ela tinha feito o maior escândalo.

Quando eu levei alta, esta me tratava como se eu fosse uma boneca de vidro, tinha tantos cuidados e perguntava todo segundo se eu estava bem. No início era engraçado, mas com o tempo, ela percebeu que eu não precisava disso e nem queria.

Eu sempre fui uma garota independente e eu me orgulhava disso, mas depois de perder minha visão, as pessoas passaram a me tratar diferente, com pena. Isso é o que mais me irrita, elas acham que eu não sou capaz de fazer o que elas fazem, mas eu sou que nem elas, só que sem olhos.

Depois de perceber isso, Nicole voltou a ser como era antigamente. Isso foi bom pra mim, eu estava com saudades.

Ela é viciada em shoppings e me leva quase toda hora a um. É bem engraçado, ela veste uma roupa e sempre pergunta:

— Como estou?

E eu sempre respondo a mesma coisa:

— Está linda.

Porque eu não preciso vê-la para dizer isso, eu sei que ela é linda. Até sem olhos, dá pra perceber isso.

Aí, ela volta e veste mais roupas e mais e mais e depois joga todas as sacolas de compras pra cima de mim e aí nós vamos pro Macdonalds engordar e ela sempre paga o meu lanche.

Eu sei, eu não deveria concordar com isso! De jeito nenhum! Mesmo assim ela insiste demais, também por ser bastante rica, acho que se sente obrigada a fazer isso. Em minha opinião, é um pensamento meio idiota, mas ela sempre me convence a concordar.

Eu não tenho uma condição financeira muito boa, então acho que ela leva isso em conta também.

Sou sustentada pelo meu avô, que trabalha com loja de sapato. Ele fica quase a semana toda lá trabalhando, mesmo sabendo que já está na idade de receber apenas a aposentadoria. Acho que faz mais isso por mim, ele é mais do que legal comigo.

Eu pretendo ser escritora, quando crescerm com a ajuda da Nicole. Nós trabalhamos numa mesma história há um tempinho, eu escrevo e ela edita, consertando meus erros. Nós estamos quase no final e eu queria muito publicá-la, mas isso é tão difícil! Eu nem sei se vão gostar dela... Eu não leio, o máximo que consigo é quando alguém lê pra mim e não sei se isso é o suficiente para escrever um bom livro. Por isso dependo totalmente da minha amiga, uma pena que ela seja extremamente preguiçosa.

Eu acho que sou a mais esforçada da dupla, quando estou escrevendo nosso livro, ela está dormindo, quando estou estudando, ela está fazendo compras, quando estou tentando aprendendo sobre cozinha, ela está procurando garotos bonitos na internet, quando estou tentando aprender inglês, ela está ficando com garotos ingleses.

Nicole é parecida com uma daquelas típicas adolescentes fanáticas por maquiagem, garotos bonitos, roupas de marca e revistas da Capricho.

É engraçado ficar perto dela e ao mesmo tempo, às vezes, difícil, contudo não levarei isso em conta...

Reclamar da minha amiga seria como reclamar da minha vida, ela é a pessoa mais importante pra mim, que me fez ser do jeito que eu sou hoje, tão otimista. E esse é um dos motivos deu amar Nicole, ela trouxe uma das qualidades que eu mais gosto em mim: acreditar sempre nas coisas boas da vida em vez de reclamar, como se tudo fosse horrível. Eu fico feliz de ser assim e posso agradecê-la bastante por isso.