Cachecol Azul e Cabelo Vermelho escrita por Lirah Avicus


Capítulo 7
Capítulo 7




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Mary Watson atendera o celular com um sorriso no rosto. É claro que ela sempre sorria quando seu marido, o Dr. John Watson, lhe ligava. Mas quando ele ligava às 11 da manhã, em pleno horário de atendimento... Bem, seu sorriso se alargava exponencialmente.

—Alô?

—Alô, Mary?

—A própria.

—Como vai, amor?

—Estou muito bem, e você?

—Estou ótimo... E o bebê?

—Nós dois estamos bem.

—Isso é ótimo... Ótimo demais... Hmm, e como está indo seu dia?

—Está indo bem, John.

—Que ótimo... Ótimo mesmo... Mas você não sentiu nada e...

—John, o que você quer?

—Como assim?

—Você está nervoso, e isso normalmente acontece quando você quer dar uma escapada do seu trabalho para seguir os passos do homem da sua vida.

—Não fale assim, Mary, e como você sabe que eu estou nervoso?

—Você fica usando o tempo todo a palavra “ótimo”.

—Eu não usei essa palavra o tempo todo.

—Usou sim.

—Não usei.

—Usou cinco vezes só no início da conversa.

—Eu não... Eu não estou nervoso!

Mary soltou um suspiro cansado.

—Me diga o que você quer logo, John, estou assistindo “O Casamento do Meu Melhor Amigo” pela sexta vez, estou enchendo a cara de chocolate, a parte da cantoria no restaurante está chegando e eu não aceito que você me faça perdê-la.

—Bem... O que eu queria dizer...

—Tem a ver com o Sherlock, não tem?

—Claro que não, não tem nada a ver com ele!

—Ele está aí?

—Não!

—Sim, tem tudo a ver com ele. — ela falou rapidamente. — Escute bem, Sr. Watson, você pode se enfiar em qualquer buraco que queira, procurar o assassino psicótico que preferir, envolver-se na intriga, trama, conspiração internacional que desejar, não importa, mas nem se atreva a morrer antes da criança na minha barriga completar 18 anos, eu fui clara?

—O quê?

—Você tem uma menina para criar, dar atenção, instrução e comida, eu não vou fazer isso sozinha. Depois você pode morrer quando e como quiser, mas até lá você vai cuidar da nossa filha.

—Tudo bem.

—Perfeito. Divirta-se.

—Certo.

—Te amo.

—Também te amo.

John desligou o celular. Guardou-o no bolso, olhando para Sherlock, que jazia parado ao seu lado. Sua mente trabalhava à toda. Como as mulheres são confusas...

—O que ela disse?

—Disse que eu posso morrer depois que nossa filha atingir a maioridade, mas até lá tenho de permanecer vivo.

Sherlock torceu o nariz.

—Que tédio...

—Mas acho que isso significa que ela não se importa que eu o acompanhe pelo resto da investigação.

—Excelente.

Eles seguiram caminho, descendo a longa escadaria cuja entrada encontrava-se na Piccadilly Circus e que levava à estação de metrô da linha Bakerloo. Sherlock parou algumas vezes em algum degrau, abaixando-se e olhando algo no piso, ou no rodapé, ou no corrimão. Olhou para o teto, ficando assim alguns instantes. Naquele momento, tudo o que John queria era saber no que seu amigo pensava.

—Detesto metrôs.

John encara Sherlock, que voltara a descer as escadas.

—Por quê?

—Por que as pessoas sempre embarcam quando você precisa delas.

Eles chegam à plataforma, deparando-se com homens de Dimmock que fechavam o lugar a transeuntes. Obviamente deixaram a dupla passar.

—Não vejo Dimmock ou Lestrade. — comenta John.

—Eles provavelmente foram ao hospital, Lestrade lembrou-me um cachorro faminto quando falei-lhe da bolsa, portanto não imagino outro lugar para onde ele iria.

—Bolsa? A bolsa da Srta. Hunter?

—A bolsa que o assassino levou e agora devolveu.

—Mas por que diabos ele devolveu? — disse John, confuso. Sherlock o olha de soslaio, esboçando um sorriso.

—Ah, isso é só o começo da diversão...

John fechou o cenho. Não gostava quando Sherlock se referia a casos onde pessoas morriam como uma diversão. Era óbvio que Sherlock encarava todos os casos desta forma, mas a forma como ele agia enquanto trabalhava, uma forma fria, calculista e displicente, como se ele morasse em outro planeta, era muito incômoda.

Ele desceu até os trilhos, seus passos estalando sobre o cascalho, daí um policial deu-lhe a mão para que subisse no vagão. Ao entrar, viu um típico vagão de um típico trem num típico metrô. Nada demais. A única diferença era que a alavanca que ativava o freio de emergência estava abaixada. Ele olhou para o teto, daí olhou para Sherlock, que já entrara sem ajuda e farejava pelos bancos.

—Eu realmente prefiro que você ao menos finja que se importa.

—Com o quê?

—Com as pessoas... Com as mortes... — John levantou os ombros. — Com o caso...

—Eu me importo com o caso.

—Mas não com os que fazem parte dele.

—John, no momento em que um detetive começa a se importar ele perde o foco. Eu retiraria instantaneamente qualquer policial de um serviço caso ele começasse a se importar. A solução pura só é alcançada quando não há nenhum filtro emocional interposto.

—Está usando linguagem culta só para parecer mais certo do que realmente está... — rosna John para si mesmo. — Eu discordo de você. Acho que quando nos importamos, nos esforçamos mais, e assim alcançamos o alvo mais rapidamente.

—Admiro sua positividade. — Sherlock se endireita, indo até a porta que separava este do outro vagão, testando a maçaneta. — Aquela história de “se todos se importassem ninguém sofreria”. — ele volta-se para John. — Assassinos não se importam, John. Eles não têm sentimentos. Matariam sem controle se todos que os enfrentassem chorassem a cada defunto encontrado. Eles precisam de alguém como eles que esteja contra eles. E esse alguém sou eu.

Eles passam para o próximo vagão. Este era idêntico ao anterior.

—Por que em todos estes lugares que parecem abandonados e sombrios sempre tem lâmpadas quebradas?

—Elas queimaram com a ativação da trava. — comenta Sherlock.

—Tudo bem, isso é compreensível. — responde John, ainda caminhando. — Mas é desagradável. Sinto-me num filme de zumbis. Parece que a qualquer momento um morto-vivo vai saltar por alguma janela e vai comer meu cérebro.

—Essas janelas são de vidro temperado. São praticamente inquebráveis.

—Nos filmes os mortos-vivos conseguem quebrar.

—Como pode haver um morto-vivo? — pergunta Sherlock, virando-se para o amigo. — Se o ser está morto isso não quer dizer logicamente que ele não está vivo?

—É só uma história boa para assustar, Sherlock, não há uma explicação científica e abalizada para contextualizá-la.

Sherlock sorriu.

—Quem está usando de linguagem culta agora?

Eles caminham por mais vagões, cruzando com alguns policiais, que os cumprimentavam e voltavam ao seu trabalho. Após passarem por algumas portas, Sherlock parou.

—Ela estava aqui.

—Como sabe?

—Um lugar perfeito, não? — disse ele, ignorando John. — Cheio de pessoas desconhecidas, pouca ou nenhuma segurança, nada de câmeras. As paredes metálicas e os vidros fixos dão um ar claustrofóbico. Ele pensou muito bem em onde atacaria, este lugar é a perfeita combinação entre segurança para o atacante e vulnerabilidade para a vítima.

—Mas há câmeras nas plataformas.

—Tudo bem, ele saiu quando o trem freou, mas e daí? Poderíamos assistir as filmagens da manhã inteira, iríamos olhar para a cara do assassino e não saberíamos.

—Mas e as pessoas? Elas devem ter percebido ou ao menos vislumbrado um homem com Violet no vagão em que ela puxou a trava.

—Ninguém esperava que ela fosse fazer isso, estavam todos ocupados mexendo no celular, dormindo, olhando pela janela, para o chão ou para alguém interessante, não creio que tenhamos algum resultado relevante interrogando as pessoas que estavam no trem. — Sherlock solta um suspiro cansado. — Não tem nada útil aqui.

—Talvez as câmeras deem algo.

—Não.

—Talvez ele tenha se vestido de policial.

—Não.

—Melhor fazermos algo, por que ele tentou matá-la.

—Não.

John mordeu o interior do lábio inferior.

—Sherlock, se você disser ‘não’ mais uma vez...

—Ele não tentou matá-la, John. Se ele realmente quisesse teria feito, seu objetivo era apavorar, e isso ele conseguiu com louvor. Ele não se vestiria de policial, policiais ficam em evidência em lugares como este, não, ele se vestiu como uma pessoa normal, e aproveitou a indiferença das pessoas em metrôs para colocar a bolsa e perseguir Violet calmamente através dos vagões. Ele quer assustá-la. Presas aterrorizadas são muito mais apetitosas.

—Então ele vai ficar brincando até finalmente dar o bote, o que ele é, uma baleia orca?

Sherlock dá alguns passos, aproximando-se de John.

—Ele é uma ave de rapina. A comparação é infinitamente mais apropriada.

—Orcas brincam com a comida. — explica John.

—Elas comem focas.

—E aves comem coelhos.

Sherlock parece confuso.

—Coelhos são fugidios. Focas são lerdas, especialmente sobre o gelo. Violet é fugidia. — ele sorri. — Minha comparação é melhor.

—Tudo bem, garotinho de 6 anos, sente-se melhor agora que venceu? Para onde vamos?

—Para o Queen Anne. — responde Sherlock, saltando do vagão. John o segue.

—Mas Lestrade já deve ter saído de lá e está vindo para cá!

—Exatamente, estou aqui enquanto eles não chegam e chegarei ao hospital no momento em que eles já saíram.

John subiu na plataforma, vendo mais policiais e outros servidores públicos esforçando-se para fazer a linha voltar a funcionar o mais rápido possível. Isso era necessário, afinal o horário de pico logo chegaria e milhares de pessoas precisariam pegar o trem.

Eles pegaram o táxi, que partiu através da Piccadilly, em meio a letreiros imensos e coloridos, presos às laterais de prédios altos e imponentes. Alguns letreiros eram animados, e era possível ver um rapaz brincando com seu cachorro, sendo filmados por uma Nikon, ou então uma garota bonita tomando uma Coca-Cola. Daí o táxi de afastou da agitação maior, dirigindo-se para uma área mais tranquila e estacionando em frente ao Hospital Queen Anne. John estivera lá no dia anterior, checara junto com Sherlock o quarto onde Violet Hunter estivera internada, e para John parecia que nada havia mudado. Até os pacientes na sala de espera pareciam iguais.

Sherlock caminhou hospital adentro com uma confiança que John não tinha, pois acreditava que deviam chamar seja lá quem quisessem, não se enfiar no hospital sem permissão. Pelo visto Sherlock não pensava assim, e pareceu muito à vontade quando perguntou pela Dra. Handler a um enfermeiro.

—Ela está na ala de Queimados. — disse o enfermeiro, um jovem, provavelmente estagiário, para depois voltar a seu trabalho.

—A pobre médica não deve mais aguentar tanta gente procurando-a. — comenta John. Eles chegam á entrada da ala. — Não vai entrar?

—Não seja estúpido, é uma área esterilizada. — uma enfermeira passa, e é barrada por Sherlock. — Com licença, poderia por favor avisar à Dra. Lisa Handler que Sherlock Holmes deseja vê-la?

—Tudo bem. — disse a mulher a contragosto. Não demorou à Dra. Handler em si aparecer, retirando suas luvas e jogando-a no cesto de lixo mais próximo. Cumprimentou educadamente os dois homens.

—Sr. Holmes... Dr. Watson... Gostaria de dizer que é bom revê-los, mas nas circunstâncias sua presença não traz bom agouro.

—Os detetives...

—Sim, eles vieram, pegaram a bolsa, colocaram num saquinho e foram embora, nem se importaram com a menina. — a médica estava aborrecida. — Ela passou por não uma, mas várias experiências traumáticas. O detetive Lestrade foi mais atencioso, mas aquele outro de nariz adunco não vê um palmo à frente da cara.

—Finalmente encontrei alguém que pensa com eu. — sorri Sherlock. — Ela está aqui?

—Sim, coloquei-a num quarto, não no mesmo em que ela esteve antes, coloquei-a no 35, achei melhor que ela respirasse outros ares.

—Deixaram algum policial aqui?

—O detetive Lestrade disse que voltaria para colocá-la sob proteção, mas daí me ligou pedindo-me que a levasse que ele enviaria um policial de confiança para buscá-la, sabe me ofereci para que ela fique em minha casa até terem resolvido pelo menos a questão do trem, espero que não tenha causado muitos problemas.

Sherlock olha ao redor, pensativo.

—Algumas horas de linha desativada, policiais passeando pela área sem nada para fazer, pessoas aborrecidas... Nada demais. Devo dizer, doutora, que seria bem melhor se Violet fosse para a própria casa. É mais seguro.

—Ela está assustada. Frágil. E ficará em minha casa até o detetive Lestrade mandar um policial buscá-la, não há nenhum problema.

O telefone de Sherlock toca. Ele olha para a tela do aparelho, afasta-se de John e da médica e atende já estando a uma boa distância deles.

—O que havia na bolsa? — pergunta John.

—Eu sei que os policiais gostam das provas intocadas então não mexemos em nada. Eu apenas a guardei até os detetives virem pegar. Violet não falou muito desde que chegou, então não perguntei a ela.

—Mas é a bolsa dela, não é?

—Sim.

John observou Sherlock ao longe.

—Não entendo por que ele fez isso.

—Maldade. — John olha para a Dra. Handler, que tinha o olhar triste. — Somos muito ingênuos. Nós sempre pensamos que no fundo todas as pessoas são boas, mas não são. Nossa sorte é que temos pessoas como seu amigo para nos proteger.

John abre um sorriso.

—E pessoas como a senhora que salvam nossas vidas.

—Fala como se o senhor não fizesse o mesmo.

—Eu fazia... — ele diz, voltando a observar o longo corredor em que se encontravam. — E era na pior paisagem possível.

—Médico de guerra?

—Afeganistão.

A Dra. Handler assentiu.

—O senhor viu mais tragédias do que merecia.

—E olhe para mim, quando tive a chance de ganhar uma vida normal, sigo aquele homem que simplesmente ama um caso criminal estranho.

—Não o culpo. É difícil deixar de ser útil.

John solta uma risadinha, voltando a olhar o corredor.

—Mas... Para onde ele foi?

Sherlock subiu até o andar dos quartos, guardando o celular em seu bolso e mantendo o passo rápido. Lia os números dos quartos e prosseguia andando. Chegou ao 35 e abriu a porta. O quarto estava vazio.

Ele olhou debaixo da cama, daí ouviu soluços vindos do banheiro. Caminhou lentamente até a porta pintada de branco e abriu-a devagar. Aos seus pés, uma mancha de sangue. Ele ergueu os olhos, e seu rosto tornou-se algo ilegível.

Violet estava sentada no chão, encolhida entre o lavatório e a parede, sem sapatos e toda suja de sangue. Não chorava, mas soluçava devido ao choque. Seus olhos eram vidrados, imóveis. Acima do lavatório, o espelho grande estava rachado.

Só por observar esta cena, Sherlock pôde refazer em sua mente o que tinha acontecido: Ela estava se olhando no espelho, e daí o atingiu com um golpe forte, típico de pessoas que estão mentalmente perturbadas.

Ele se aproximou dela, passo a passo, e abaixou-se à sua frente.

—Eu não consigo ver... — ela murmura, sua respiração entrecortada. — Eu vejo uma mulher no espelho, e ela me olha de volta... Eu não conheço ela.

Ele estica as mãos.

—Deixe-me ver seus pulsos.

Ela não resiste quando ele pega o braço direito dela, onde um corte feio localizava-se na região do pulso. Por isso sangrava tanto. Sherlock observa o rosto dela, havia arranhões nele. Ela se arranhara. Ele a segura pelos ombros, levantando-a e pondo-a de frente para o lavatório. Ele abre uma pequena gaveta debaixo dele, retirando gaze e esparadrapo, e após lavar o ferimento, faz o curativo. Em nenhum momento Violet levantou o olhar para o espelho. Ele a leva para fora do banheiro, sentando-a na cama.

—Não suporto mais este lugar.

—Você vai sair daqui logo. Apenas não tente se matar de novo enquanto estiver aqui.

—Oh meu Deus... — a Dra. Handler entra no quarto, John Watson está logo atrás, e ela posta-se em frente à Violet. — O que houve?

—Ela machucou o pulso. — explica Sherlock. — O corte não foi fundo.

—Minha querida, vai ficar tudo bem. — a médica olha para Sherlock. — Eu vou levá-la agora. Vou descer para olhar um último paciente e enquanto isso pode conversar com ela. Quando eu voltar, iremos embora.

—Tudo bem. — Sherlock murmurou ao vê-la sair. Voltou-se para Violet, que parecia levemente mais alerta. John se sentara ao lado dela, e dava-lhe um líquido que a Dra. Handler deixara sobre o criado mudo. — O que você viu, Violet? Conte-me tudo.

—Eu vi ele. — ela disse. — Vi o assassino. Vi dezenas deles, cada um com traços diferentes, mas com o mesmo olhar. Eu vi a bolsa, estranhei como ela se parecia com a minha, peguei-a e minha carteira estava dentro. Era mesmo a minha bolsa. Daí eu te liguei, daí um homem se levantou olhando para mim. Eu me levantei, ele me seguiu. A ligação caiu e eu estava sozinha. — ela levanta os olhos, fitando Sherlock. — Sinto pelo distúrbio que causei.

—Não se preocupe com isso. — diz John. — Qualquer um na sua situação faria o que você fez, pior seria se ele conseguisse pegá-la.

—Sabia que num momento eu tive a impressão de que ele sorriu? — ela disse, sua voz baixa. — Ele sorriu. Sorriu como um predador que sabe que sua presa não vai escapar. Talvez ele tenha razão.

—Não tem. — diz Sherlock.

—Lestrade disse que um policial vai começar a me seguir... — ela sorriu tristemente. — Ele demorou um pouco para decidir fazer isso, não?

—Talvez tarde demais.

—O que quer dizer?

—O casal que te trouxe ao hospital, — diz John. — bem, eles morreram.

—Morreram?

—Foram mortos. — emenda John. — Iam depor e achamos que por isso o assassino resolveu pegá-los primeiro.

Violet olha para o chão, balançando a cabeça.

—Não pode ser... Isso é horrível...

—É mais uma pista. — diz Sherlock, estranhamente alegre e à vontade. Violet o encara.

—Você parece confortável com essa informação.

—Já recebi informações piores.

—Ah claro, pessoas morrendo nem é tão terrível assim.

—Faz parte do meu trabalho.

—Eles eram pessoas boas e agora estão mortos.

—É o que elas fazem. Pessoas boas morrem, pessoas más matam e pessoas neutras punem as que mataram.

John olhava Sherlock com incredulidade. Se tivesse uma cadeira à mão, provavelmente a bateria na cabeça dele. A Dra. Handler surge na porta, segurando uma blusa de lã.

—Cheguei. — ela vai até Violet, e coloca a blusa ao redor dos ombros de Violet. — Vamos querida. Obrigado, senhores.

—Mantenha-me informado. — diz Sherlock, voltando a olhar seu celular. Violet ia sendo levada pela Dra. Handler, mas ao passar por Sherlock ela para, olhando-o fixamente.

—Sabe, pessoas neutras não tem sentimentos. É isso o que faz delas neutras. Você está alegre. Isso não te faz neutro, te faz ruim.

Violet pensava no que havia dito. Às vezes sentia vergonha, outras vezes sentia orgulho. Tinha de dizer algo, a morte de alguém não podia ser encarada de forma tão leviana. A pessoa finada não merecia isso. Ela estava parada no meio da sala, de pé, ainda tendo a blusa de lã em volta dos ombros. Seu pulso enfaixado doía. Ela olhava a casa da Dra. Handler de forma distante. Parecia que não via aquele lugar há séculos. Ela se deitou no sofá, abraçando um travesseiro. A médica lhe dissera para se deitar num dos quartos, mas Violet sentiu-se mais segura na sala. Não sabia o porquê. Ela se deitou, lembrando-se da expressão espantada de Sherlock Holmes quando ela dissera aquilo. Aquilo. Violet sorriu. Nem ela sabia de onde viera toda aquela coragem.

A Dra. Handler surgiu, trocada de roupa e com uma bolsa diferente.

—Aonde vai? — pergunta Violet.

—Vou à Scotland Yard.

Violet sentiu um aperto no peito. Seu torpor sumiu.

—Para quê?

—O detetive Dimmock quer que eu reconheça alguns rostos. Não demoro mais que algumas horas.

—Não vá! — ela se levanta, segurando o braço da amiga. Seu coração jazia torturado e batia forte. — Aquele casal...

—Eu já soube. Não se preocupe. Tem um policial aqui na frente de casa. Eu vou e volto rapidinho. E tomaremos um chá.

—Mas, Lisa...

—Não é certo ficarmos presos em casa e perdermos uma grande chance de pegar o assassino. E se eu reconhecê-lo. O Sr. Holmes tem certeza de que ele era o policial que foi ao hospital com você, eu vi o rosto dele, e não vou ficar aqui enquanto posso levá-lo à justiça. — a doutora sorri docemente. — Não fique assim, querida. Logo estarei de volta. — ela se levanta. — Sabe, eu até gostei de tê-la conhecido. É o mais próximo que já tive de ter um filho.

Violet viu-a sair e trancar a porta. Neste momento a casa tornou-se bem menos convidativa. Era como se toda a beleza e conforto da casa dependesse da presença de sua proprietária. Ela queria correr atrás da doutora, impedi-la de ir, mas o torpor voltou, e ela despencou no sofá, sentindo sua cabeça rodar e sua consciência apagar.

Felizmente ela não sonhou.

—Moça? Moça? Acorda! — Violet se ergue num salto. Ainda estava no sofá da Dra. Handler, e um homem jovem a olhava de forma desconfiada. — O que faz aqui?

—Quem é você? — ela disse, esfregando os olhos.

—Sou Guy Handler, filho da dona da casa. Quem é você?

—Sou amiga da sua mãe, eu... Ela já voltou?

—Não, seja lá para onde ela tenha ido... — ele pega algumas pastas, afastando-se de Violet. — Já que você não parece ter planos de ir embora, avise por favor a minha mãe que eu levei os documentos que meu pai pediu, e que eu volto amanhã para vê-la.

—Certo.

—E diga que ela está muito saideira, não é bom para alguém da idade dela.

—Eu digo, apesar de não concordar.

Ele abre um largo sorriso, despede-se com um gesto da cabeça e sai pela porta da frente.

Violet olhou ao redor, ainda confusa pelo sono interrompido. Seu pulso ainda doía, no entanto estava mais fraca a dor. Ela acariciou o seu longo cabelo, percebendo que ainda era dia. Olhou o pequeno relógio sobre o aparador. 4 da tarde. Ela se levantou, cambaleante, e foi até a cozinha. Lá, sobre a mesa, havia restos de um café da tarde. Provavelmente o filho da médica aproveitara a passada para fazer uma boquinha. Ela se sentou num dos bancos ao lado do balcão, sentindo sua mente clarear. Observou de novo a mesa bagunçada. A boa médica não ia gostar. Pelo estado da casa, era claro que a Dra. Handler não gostava de bagunça ou sujeira.

Violet sorriu, pensando nas conversas animadas que tivera com a boa médica. Pensou em como ela cuidara bem dela, e compassiva por causa de sua situação. Daí pensou em como uma mulher tão boa podia ter arranjado um marido tão ruim. Que bom que ela se separara. Pena que os filhos sofreram...

Mas neste momento, ela sentiu como que um soco no estômago.

A Dra. Handler não tinha filhos...

Ela dissera, antes de sair, que seu relacionamento com Violet era o mais próximo que ela tivera de ter um filho.

Ela se levantou, sua respiração acelerando e deixando-a tonta. Ela correu para fora, chegando à varanda e sentindo algo que nunca sentira antes, mas que fazia seu corpo tremer e seus olhos turvar. Uma mistura de pânico, nojo e dor. Era ele. De novo.

Ela caminhou até a calçada. O policial não estava lá. Ela soltou um grito de desespero, levando as mãos á cabeça, sem saber o que fazer. Queria sair gritando por ajuda, feito uma louca, e se agarrar ao primeiro bom samaritano, chorando histericamente. Mas a rua estava deserta. Ela deu a volta na casa, e enquanto andava, tropeçou em algo, quase indo ao chão.

Era a bolsa da Dra. Handler. Estava ao lado da caçamba de lixo.

O lixo estava tampado. Violet pegou a bolsa, suas mãos sacudindo, seu ferimento latejando, daí ela olhou para a caçamba. Tinha de abri-la. Ela ouviu os pneus cantantes de um carro freando, mas isso não chamou-lhe a atenção. Seus olhos estavam fixos naquela caixa grande e metálica. Ela se aproximou da caçamba, os olhos marejados, a boca seca. Ela ouviu um grito:

—Não abra!

Ela abriu. E após uma terrível ânsia de vômito ela desmaiou.

Interessante como sua última sensação antes da inconsciência não foi o choque contra o cimento duro e frio. Ela foi segurada por braços fortes, e erguida do chão.

**

Sherlock Holmes caminhou até seu mural, observando-o com olhos cerrados. Estava novamente em sua sala, em seu apartamento, na Baker Street. Era noite, e as luzes da cidade era visíveis através das janelas. Ele olhou a foto em suas mãos, daí afixou-a na parede com cuidado. Na foto, o nome da vítima: Dra. Lisa Jane Handler. Encontrada morta na caçamba de lixo ao lado de sua própria casa, com a garganta cortada. Sequer chegara à Scotland.

Sherlock baixou o olhar. Jamais ficara tão furioso com um detetive. Dimmock, aquele rato, chamara um policial qualquer para ficar de guarda, e nem se lembrava qual era. Chamara testemunhas valiosas para depor, o que obviamente as colocaria em perigo, e não ofereceu-lhes nenhuma proteção. Pois bem, ele chamara o assassino, e colocara as testemunhas à mostra. Agora, elas estavam mortas.

Ele fora à casa da Dra. Handler. Após quase atirar Dimmock escada abaixo, ele e John saíram á toda da Scotland para, num esforço desesperado, talvez chegarem a tempo. Chegaram à tempo sim, de ver Violet Hunter abrir uma caçamba de lixo e encontrar o corpo ensanguentado e inerte da doutora em meio a sacos cheios de detritos. O assassino estivera lá, e tivera a audácia de cumprimentar Violet e ainda tomar um cafezinho.

Sherlock cerrou os olhos novamente, desta vez de forma ameaçadora. O assassino considerava-se intocável. Invencível. E cabia a Holmes provar o contrário.

Ele sentou-se em sua poltrona, visivelmente incomodado. Era impressionante como sua mente mudava de foco rapidamente. Ele pegou seu celular, e ficou olhando para a tela por um bom tempo. A mão livre pousara sobre o braço da poltrona, e os dedos batiam seguida e rapidamente sobre o couro.

Ele segurara Violet. No exato momento em que ela levou a mão ao pescoço e suas pernas dobraram, ele estendeu os braços e amparou-a. Levantou-a do chão, carregando-a para longe daquela cena horrenda e deixando que John se encarregasse de chamar a cavalaria inútil. Ele permaneceu com ela, chegou até a mexer em seu celular, descobrindo que ela gostava de uma banda chamada Beatles e que não tinha fotos do ex-noivo, e percebendo que o círculo de amigos dela era menor que o seu próprio. John o repreendera, algo sobre respeito e privacidade, mas nada de real relevância. Ela despertou, e foi levada para sua casa por policiais escolhidos à dedo por Lestrade, e devidamente interrogados pelo próprio Sherlock. Ela estava assustada, e por um segundo segurara a mão de Sherlock enquanto ouvia Lestrade contar-lhe o que aconteceu...

Dimmock ficara todo o tempo em silêncio. Ao menos desta vez ele agiu corretamente.

Sherlock ainda olhava seu celular. Escrevera uma mensagem e já estava há mais de um minuto decidindo se enviaria. Chegou a se levantar, a visitar a cozinha, a checar seu quarto. Voltou à sala, olhando o celular sobre a mesa. Ele voltou a passear pela casa, tentando escapar daquele aparelho. Parecia um ratinho preso numa gaiola. Finalmente ele pegou o celular, apertando com força o botão Enviar, e atirando o celular no sofá grande. Foi então que ele começou a rodar o apartamento vez após vez...

Ele visitou todos os cômodos dezenas de vezes. Observava seu mural. Lia algo. Visitava seu site. Olhava pela janela, fazendo deduções rápidas sobre quem passava na rua. Sentou-se na cozinha, observando a geladeira. Seus dedos batiam uns nos outros numa sequência quase matemática. Levantou-se, voltando a passear pela casa.

Jamais se vira homem tão inquieto.

O celular vibrou.

Sherlock teve um sobressalto, virando-se imediatamente para o celular, os olhos arregalados, a respiração inaudível. Ele caminhou até o sofá, esticou a mão... Voltou à posição inicial, e deu outra caminhada pelo apartamento. Até comeu um biscoito. Ele voltou ao sofá, permanecendo parado, encarando o telefone móvel. Suas mãos estavam coladas aos lados do corpo, e ele não se movia. Daí, finalmente, ele estendeu a mão e pegou o celular, ligando-o e lendo a mensagem que viera em resposta à mensagem que enviara. Ele leu, guardou o celular no bolso e voltou à trabalhar em seu caso. Parecia bem mais tranquilo agora. Talvez a mensagem teve um efeito calmante nele. Talvez fosse o remetente. Talvez fossem aqueles cabelos cor de fogo. Ou talvez fosse só a mensagem mesmo. E nela só estava escrito:

Boa noite, Sherlock.


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Notas finais do capítulo

Que triste, mais uma morte... Mas foi necessária, infelizmente. Para ser sincera, não gosto de mortes nem quando são fictícias, e portanto as coloco apenas quando adicionam algo importante à história. Sei que este foi um capítulo deprimente, mas eu nunca disse que esta seria uma história feliz. Sherlock Holmes é um personagem fictício num mundo real. E no mundo real não existem histórias felizes. Um beijo a todos que estão lendo minha história.