Cachecol Azul e Cabelo Vermelho escrita por Lirah Avicus


Capítulo 19
Capítulo 19




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Arquivo do Caso 187.

New Scotland Yard – Metropolitan Police Service

Interrogatório 1

Interrogador: Inspetor Gregory Lestrade

Depoimento de Anthea Butler

Este interrogatório está sendo transcrito e pode ser gravado. Policial Butler, comece por seu nome completo, idade, estado civil e envolvimento no caso.

Anthea Rose Butler, 35 anos, solteira, fui designada pelo Inspetor Gregory Lestrade para ficar à paisana em frente à casa da testemunha Violet Hunter.

Que informações você recebeu ao aceitar sua designação?

Fui informada de que deveria proteger uma testemunha de assassinato, pois o assassino ainda estava à solta e representava perigo real para a testemunha.

De acordo com os documentos você estava presente no beco onde ocorreu o atentado ao detetive consultor Sherlock Holmes, poderia me dar detalhes sobre o que aconteceu?

Eu adormeci em minha viatura por volta das 11 horas da noite. Havia sido convidada para dormir na casa da testemunha, convite feito por ela mesma, mas achei por bem ficar do lado de fora e assim despertaria ao menor ruído ou estranheza. Não creio que dormi muito, mas despertei com batidas no vidro da janela de meu carro. Era a testemunha, que gritava também, visivelmente desesperada para que eu acordasse. Saí de meu carro e ela me disse que recebera uma mensagem da parte do assassino, avisando-a de que atacaria o detetive consultor que ela contratara e que, portanto precisava de minha ajuda. A princípio fiquei confusa, pois não havia sido informada de que o assassino mantinha qualquer contato com a testemunha.

O detetive Dimmock estava à par destas ações do assassino. Está certa de que ele não a informou a respeito?

A conversa que tive com o detetive Dimmock antes de partir para minha designação foi muito breve e rasa. Todas as informações realmente importantes vieram do inspetor Lestrade.

Muito bem. Prossiga com o relato.

Eu escutei o que ela tinha a dizer. Entrei em contato com a Central, pedi reforços e, como eu estava devidamente armada saí à procura do detetive. A testemunha me informara que ele saíra há pouco tempo de sua casa, portanto imaginei que, com sorte, o encontraria rapidamente.

A testemunha a acompanhou?

Sim. Eu havia acabado de pedir reforços, eles demorariam alguns minutos para chegar. Temi que talvez a mensagem fosse uma tentativa do assassino de me afastar da casa e deixar a testemunha sozinha, assim ela veio comigo.

O que aconteceu depois?

Bem... Houve realmente um ataque. Um grupo de homens encapuzados atacaram o detetive Holmes algumas ruas à frente, toda a vizinhança estava deserta, realmente não imagino como ele conseguiria ajuda num lugar como aquele. Quando me aproximei, saquei imediatamente a arma. A testemunha estava extremamente nervosa, então pedi que ela ficasse longe da ação. Por sorte os homens não causaram grande estrago, o detetive era bem treinado em técnicas de luta avançadas, e conseguiu se defender, apesar do espanto inicial que com certeza o fez levar alguns golpes, mas pudemos conter e imobilizar os atacantes num tempo relativamente curto. O detetive ficou apenas com ferimentos leves, no rosto e costas, mas nada que o colocasse fora de ação por muito tempo.

Acredita que tenha sido o assassino quem mandou estes atacantes?

Acreditar não é o termo correto, ele sabia do ataque, disso podemos ter certeza. Minha única dúvida era... Quanto a como o assassino poderia ter capangas... Como ele podia ter um raio de influência tão grande... É algo que ainda não compreendo.

Você se feriu?

Ferimentos leves, assim como o detetive Holmes. Alguns dos atacantes eram bastante fortes.

Os homens que vocês enfrentaram foram presos e já estão sendo interrogados por outros oficiais. Qual você acredita que tenha sido o objetivo deles?

Não é uma questão de acreditar, eles foram bem claros, e seus paus e cassetes também. Eles não estavam brincando. Não queriam dar um aviso. Eles queriam matá-lo. E queriam fazer isso na base da pancada, para que o resultado fosse chocante o bastante para que qualquer outro que quisesse se envolver ou estivesse envolvido no caso desistisse rapidamente. Eu só espero que o assassino não queira fazer o mesmo...

O que houve depois?

Levei a testemunha de volta para casa. Os reforços chegaram, e pudemos cuidar de tudo da melhor forma possível. Prendemos os agressores e isolamos a área. O detetive Holmes não quis ser escoltado, simplesmente foi embora após bater na mão de um dos médicos que quis olhar o ferimento em sua testa... Idiota... Ele não parecia assustado, parecia que estava esperando pelo que aconteceu. Eu e meus colegas seguimos o protocolo, anotamos tudo, informamos ao detetive Dimmock. A noite terminou, e eu esperava que tudo se tranquilizasse um pouco. Mas havia algo errado com a testemunha.

O quê?

Eu comecei a notar diferenças na noite do atentado. Apesar de toda adrenalina que provavelmente estava correndo por suas veias, ela estava muito mais agitada do que eu esperaria de uma pessoa comum. No momento não comentei, achei que talvez ela fosse mais sensível ou por causa de tudo que estava acontecendo ela estivesse mais abalada. Mas seu estado não melhorou, apenas piorou, ela a cada dia ficava mais nervosa e difícil.

Por favor, seja mais específica.

Havia algo errado com ela. Era como se estivesse sempre à beira de um colapso. E isso ia ficando cada vez mais visível. No início ela apenas se assustava fácil, lembro-me de chamá-la e ela se virar na minha direção como se tivesse sido chamada pelo diabo. Ela gaguejava, tinha uma aparência cansada, suas mãos tremiam. Observando-a sempre em suas idas para a cidade e seus retornos para casa, ficava bem óbvia sua decadência... Eu não sabia como ajudá-la. Não sou médica, eu não sabia o que estava acontecendo.

Você comentou, antes do início desta transcrição, que suas suspeitas pairavam sobre a psicóloga que cuidava do caso da testemunha, Dra. Ella Thompson.

Sim... Devo deixar claro que eu não conheço a Dra. Thompson. Minhas suspeitas provêm da coincidência do início das sessões psiquiátricas com a deterioração do estado mental da testemunha.

Você foi informada do motivo destas sessões?

O objetivo das sessões era ajudar a testemunha a lidar com sua limitação de reconhecer faces, sei disso pela boca da própria testemunha. Ao ser atacada pelo assassino ela se feriu e, por causa dos ferimentos, perdeu a capacidade de reconhecer as pessoas através dos rostos. Não me lembro do nome dessa doença, mas sei que não tem cura, assim a pessoa tem de aprender a conviver com seu estado, assim como uma pessoa cega ou coxa. As sessões deveriam ajudá-la nisso. Eu tenho experiência em ficar de tocaia, em ficar de guarda, em observar as coisas e notar se estão erradas. É o meu trabalho. E a meu ver, toda vez que ela voltava de uma sessão, algo nela estava mudado para pior. Com o tempo a testemunha passou de vítima assustada para uma vítima com início de paranoia. Não parecia mais pensar, ela melhorava em reconhecer pessoas, mas seu espírito morria. Ela parecia cada vez mais desesperada, ligava para a psicóloga, eu podia ver através da janela, ela ligava para a doutora e chorava, e as coisas apenas pioravam. Sua aparência mudava, ela tinha olheiras cada vez mais fundas, estava pálida, e a meu ver ela estava emagrecendo rapidamente. Ela gritava no meio da noite, dava para ouvir da viatura, logo ela não conseguia mais dormir, eu via a luz ligada a noite toda. Certa noite arrisquei visitá-la. Seu estado era lastimável. Ela estava apavorada.

Em algum momento ela disse o motivo?

No início ela negava que estava mal. Na noite em que a visitei, ela disse pouquíssimas coisas que faziam sentido. Disse que não conseguia parar de ouvir as vítimas do assassino gritando, e disse que podia ouvi-lo caminhar escada acima. Sinceramente não entendo por que ela ficou em um estado tão lastimável considerando-se que ela estava lidando até que suficientemente bem com a situação... Bem, até seu “tratamento” começar.

O que suspeita que a Dra. Thompson tenha feito?

Como já disse, não sou médica. Mas a Dra. Thompson é uma psiquiatra, este tipo de profissional sabe como perturbar a mente de uma pessoa. Creio que ela fez isso, não vejo outra explicação, foi muita coincidência o tratamento e os sintomas, e se há algo que aprendi em meu tempo de polícia é que raramente existem coincidências.

Suspeita que ela trabalhe para o assassino?

Não afirmaria categoricamente, afinal não tenho prova alguma, mas levando em conta quantas pessoas envolvidas no caso acabaram se revelando ajudantes do assassino... Eu não duvido de mais nada.

A policial fez algo a respeito?

Apresentei minhas preocupações ao detetive Dimmock, e recebi a garantia de que ele cuidaria do assunto.

Na última quarta-feira, descreva o que aconteceu.

Mais uma vez a testemunha saiu de casa. Mostrava uma aparência mais saudável que no dia anterior, tinha um pouco mais de vigor, apesar de ainda parecer que não dormia há séculos. Ela me informou de que sairia com uma amiga e que estaria de volta por volta da hora do almoço.

Com qual amiga ela saiu?

Molly Hooper, lembro-me por que ela trabalha no necrotério do Barts e já precisei visitar aquele lugar algumas vezes. Elas haviam feito amizade havia pouquíssimo tempo, a testemunha não tem muitos amigos, na verdade não apareceu nenhum para visitá-la em todo o tempo em que estive de guarda, mas as duas mulheres se entenderam bem e sairiam para fazer compras e comer alguma coisa. Fiquei no meu carro até as 11 da manhã, e até então tudo estava tranquilo.

E então o que aconteceu?

Recebi uma ligação de John Watson. Havíamos nos encontrado rapidamente quando ele acompanhou o detetive Holmes numa visita à testemunha e ele pediu-me o número do meu celular para qualquer eventualidade. Ele me disse que a testemunha tivera uma crise nervosa, se afastara da Srta. Hooper e sumira na multidão da Piccadilly Circus. Nem ele e nem Hooper tinham ideia de para onde a testemunha havia ido. A primeira coisa que fiz foi chamar reforços, um policial para ficar de guarda em frente à casa da testemunha enquanto eu me ausentasse. Quando finalmente encontrei-me com Molly Hooper recebi outra ligação de Watson, avisando-me de que a testemunha estava no apartamento do detetive Holmes, e que ele mesmo estava se dirigindo para lá. Mais tranquila ao saber disso dei uma carona a Hooper e só então dirigi-me à 221b Baker Street, endereço que Watson me dera. Quando parei no semáforo mais próximo, no entanto, vi a testemunha sair para a calçada com o detetive Holmes a segui-la, e ela parecia muito mais abalada do que antes. Talvez até estivesse com raiva. Alguns ruídos do trânsito me distraíram neste momento, mas pude perceber que o clima era pesado. Watson surgiu logo depois, ele também parecia perturbado, de fato, ainda não entendi o porquê daquela comoção toda. Watson brigava com o detetive Holmes, e os dois ficaram discutindo. O semáforo abriu e acelerei para alcançá-los. A testemunha enxugou as lágrimas e entrou no primeiro táxi que parou na sarjeta, eu não tive tempo de estacionar e descer para detê-la... Quem dera eu tivesse conseguido impedi-la...

Por que diz isso, policial Butler?

Digo isso por que ela... Por que ela... Sumiu.


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