Cachecol Azul e Cabelo Vermelho escrita por Lirah Avicus


Capítulo 18
Capítulo 18




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—E você tem alguma ideia do que Dimmock fará a respeito do que aconteceu?

—Como vou saber, estou aqui com você... Você sabe o que Sherlock está fazendo agora?

—Não, afinal também estou aqui com você.

John olhou pela janela da viatura, observando as pessoas que andavam na calçada. Minutos antes ele também estava na calçada, procurando por um táxi. Mary o havia expulsado mais uma vez de casa, pois preferiu chocolates, Titanic e a solidão ao invés dele, assim ele pensou em visitar Baker Street, ver como seu amigo Sherlock estava e talvez saber como o caso do assassino sem rosto estava evoluindo. De qualquer forma, era muito melhor conversar com Sherlock Holmes e debater assuntos misteriosos e interessantes do que ver o Leonardo DiCaprio morrer congelado pela sexcentésima vez. Enquanto buscava o tal táxi, ouviu seu nome e, ao virar-se, viu Lestrade parar sua viatura e, ao saber de seu destino, oferecer-lhe uma carona. Ele aceitou. Pensou que seria uma boa ideia ganhar de graça uma corrida. Mas agora, notando que o humor de Gregory estava tão cinzento quanto o seu, percebeu que teria sido muito melhor ter ido a pé mesmo.

Lestrade dirigia em silêncio agora. Havia visto John Watson andando na calçada, provavelmente à procura de um táxi, e viu ali uma boa oportunidade de dar uma carona e ganhar um ouvinte. Seus nervos estavam trêmulos, e ele precisava de alguém com quem conversar. Sua esposa ainda não havia retornado, assim o doutor cairia bem como um tapa buraco.

John entrou no veículo, Lestrade deu partida e começou a falar.

Contara-lhe tudo. Tudo o que John não sabia. Tudo que acontecera depois dele levar Violet Hunter para fora da Scotland após ela ter nocauteado um mendigo. Contou-lhe do alvoroço na Scotland. Contou-lhe que Sherlock sumiu. Contou-lhe que mais um corpo foi encontrado, e que aquela garçonete que parecia tão agradável era, na verdade, mais uma comparsa retardada do assassino sem rosto. Comentou que não entendia por que alguém iria querer ajudar um sujeito que matava pessoas. Pensou em possíveis motivos. Talvez eles fossem mais charmosos e atraentes, quem sabe. E quem sabe, se ele mesmo fosse um assassino, talvez sua esposa voltasse.

—Poupe-me disso, Lestrade. — disse Watson neste momento.

Lestrade recompôs-se. Contou-lhe que Sherlock reapareceu na cena do crime acompanhado de três idosos tão excêntricos quanto ele. Contou-lhe que os senhores pareciam crianças num playground. Contou-lhe que estes senhores eram muito inteligentes. E que um deles jogou uma cabeça humana em seu pé.

—Não conheço estes senhores.

—Ah, — exclamou Lestrade. — quando você conhecer não vai esquecer nunca mais!

—Ora, mas... — John juntou as sobrancelhas. — O Jabez’ s é o lugar onde Violet Hunter trabalha!

—Sim eu sei disso.

—Não pode ser apenas coincidência...

—Eu sei disso.

—Deve ter alguma ligação entre os dois locais!

—Eu sei disso!

—Oh você sabe? E vai fazer o quê?

Lestrade olhou rapidamente para John, aproveitando o sinal vermelho. Espantou-se com o olhar inquiridor do doutor.

—Nada! Não é meu caso.

—E você tem alguma ideia do que Dimmock fará a respeito do que aconteceu?

—Como vou saber, estou aqui com você... — Lestrade olhou o semáforo, ainda fechado. — Você sabe o que Sherlock está fazendo agora?

—Não, — John rosnou. — afinal também estou aqui com você.

O semáforo abriu. Lestrade partiu com o carro, sem conseguir segurar um sorriso.

—Você anda demais com ele... — murmurou.

O carro virou em mais um cruzamento, atravessando a Baker Street e chegando ao prédio 221. Propriedade da Sra. Hudson.

Lestrade desceu do carro, assim como John, e ambos se aproximaram da porta. O bom inspetor apertou a campainha, esperando o surgimento da boa e sorridente senhora, que o levaria até o nem tão bom, humanamente falando, detetive consultor que morava no andar de cima. Ele esperava e pensava: Por que jamais perguntara qual o primeiro nome daquela senhora?

A Sra. Hudson abriu a porta, soltando risadas e pulinhos ao ver John, abraçando-o, e cumprimentando calmamente o inspetor Lestrade.

—Entrem! — ela disse. — Sherlock está lá em cima. Está tão silencioso, acho que ele deve estar dormindo.

—Dormindo? — riu John, olhando seu relógio. — Se um dia eu encontrar Sherlock dormindo neste horário é certo de que ele está morto.

Eles sobem as escadas, chegando até uma porta fechada. E trancada.

—Estranho... — murmura John. — Sra. Hudson!

—Sim, querido? — responde a senhora ao pé da escada.

—Tem certeza de que Sherlock está aqui?

—Sim, eu fiquei aqui embaixo desde que ele subiu, a menos que ele tenha pulado a janela de novo!

—De novo? — diz Lestrade, encarando John.

John vira-se para a porta, acanhado.

—Ele disse que estava entediado de sair pela porta... — explicou em voz baixa, esperando que o inspetor não ouvisse. Tirou um grampo do bolso, que por sorte Mary esquecera lá, e torceu-o. — Um inspetor de polícia se importará se eu arrombar esta porta?

—Não, quero entrar também.

—Muito bem. — John coloca o grampo torcido dentro da fechadura, forçando a porta e abrindo-a. E ficou estático...

Os dois homens depararam-se com um apartamento... Ou melhor, com o que sobrara dele. Todos os móveis da sala estavam alinhados num círculo. No meio do círculo estava Sherlock, aparentemente em sono profundo.

Lestrade deu um passo atrás.

—Ele não está morto, não é?

John deu um passo à frente, atravessando os móveis, passando por cima de sua antiga poltrona, caindo sentado nela e finalmente chegando até Sherlock. Ajoelhou-se em frente a ele, observando-o.

Sherlock Holmes estava deitado no carpete. Vestia seu roupão azul e estava descalço. Jazia deitado, encolhido com os joelhos colados ao peito e as duas mãos metidas debaixo da cabeça. Os olhos fechados, sua respiração era quase inaudível. Pareceria morto se visto de longe.

John o sacudiu pelo ombro.

—Sherlock? Sherlock, acorde.

Lestrade acendeu a luz, empurrando a mesa para que pudesse passar.

Sherlock abriu os olhos, um de cada vez. Abriu o primeiro, fechou-o de novo, daí abriu o outro e depois abriu ambos. Olhou John, inexpressivo. Gregory curvou-se em frente a ele, sorrindo.

—Boa noite, dorminhoco. Estamos interrompendo algo?

Sherlock se levantou num gemido, pondo-se de pé.

—Sherlock, você está se sentindo bem? — perguntou John, segurando-lhe o braço. Sherlock olhou para o teto, daí baixou a cabeça.

—Estou pensando em ter um dinossauro.

—O quê?! Por quê?

—Ele protege a casa, pode me levar aonde quero e come quem eu não gosto.

John levantou as sobrancelhas, encarando o amigo de forma quase cômica. Mais uma vez, imaginava em que categoria mental Sherlock se encaixava. Não conseguiu pensar em nenhuma.

—Parece um ótimo bicho de estimação. — disse, sem ter ideia do que dizer. — Mas não acha complicado conseguir um dinossauro?

—Ou adestrá-lo? — disse Lestrade com uma risota.

Sherlock caminhou até seu mural, empurrando o sofá de volta a seu lugar original. Parou em frente a parede, observando as fotos.

—O que querem aqui? — perguntou sem olhá-los.

—Eu vim ver como você estava. — disse John.

—Eu vim ver como está sua investigação. — disse Lestrade.

—Estou bem, e eu pensei que este caso não era problema seu, Graham.

—É Greg.

—Gregory me falou de mais um assassinato. — diz John.

—Foi um efeito colateral, — Sherlock diz, enquanto muda fotos de lugar. Pega uma caneta, sobe no sofá, e começa a colocar novas legendas nas fotografias. — ninguém importante, não fará falta. Ele está limpando a casa, livrando-se do que não presta mais, não me admiraria se Lacey Mosley aparecesse morta pela manhã.

—Isso é impossível, — diz Lestrade. — ela está numa cela...

—Ele já se infiltrou antes na Scotland, e não se preocupe, não preciso mais dela, estou atrás de um peixe muito maior.

John puxa Lestrade de lado, baixando a voz.

—Lestrade, quando Sherlock usa a expressão “não me admiraria se” normalmente o que ele diz acontece com exatidão quase profética.

—O que você quer dizer?

—Quero dizer que se você não levar o seu traseiro até a Scotland Yard agora teremos mais um cadáver pela manhã.

Lestrade assente com a cabeça, descendo as escadas e sumindo com sua viatura.

John volta-se para Sherlock.

—Espero não ter perdido minha carona à toa.

Sherlock vira-se para John, daí estica o pescoço na direção da janela.

—O que ele foi fazer?

—Foi proteger Lacey Mosley.

—Por que ele foi fazer isso? Eu disse que não preciso mais dela.

—O assassino vai matá-la.

—E daí? Ela é inútil, por que se dar ao trabalho?

—Bem, por que mesmo pessoas inúteis merecem continuar vivas.

—Sério? — Sherlock fita John, e parecia realmente surpreso. Daí volta-se para as fotografias. — Interessante...

John abre os braços, soltando um suspiro.

—Sherlock, você não parece bem!

Sherlock vira-se novamente para John, descendo do sofá e postando-se em frente ao amigo.

—Não estou. Como chegou a essa conclusão?

—Você não dorme. E eu te peguei dormindo.

—E daí?

—Normalmente quando você dorme você está drogado, voluntariamente ou não.

Sherlock troca a perna de apoio, pensativo.

—Não estou drogado.

—Tem certeza?

—Na verdade estou profundamente perturbado, e não sei como lidar com isso.

—Ok. — John assente. — Quer falar sobre isso?

—Está brincando? Eu nunca falo sobre meus problemas. — Sherlock sai andando, colocando os móveis em seus lugares enquanto andava.

—Você disse que não consegue lidar, talvez consiga lidar se contar para alguém.

—Em quê isso ajudaria? — diz Sherlock, carregando uma cadeira.

—Você pode enxergar tudo de uma nova perspectiva. Às vezes funciona.

—Enxergar da sua perspectiva? — Sherlock solta uma risada. — Você sempre vê as coisas da perspectiva errada.

—Bem, daí você pode me corrigir e então ver tudo com mais clareza. — John se interpõe no caminho de Sherlock. — Ora vamos, Sherlock, estou me controlando para te ajudar e não te dar uma raquetada na cara, você devia ao menos me ouvir.

—Você não tem uma raquete.

—Eu iria pensar em algum outro objeto, acredite.

Sherlock respira fundo.

— Muito bem. — ele se senta em sua poltrona. — Eu vou tentar.

—Certo... — John se senta em sua antiga poltrona. — Qual é o problema, amigo?

—Não me olhe como se eu fosse um paciente, não quero uma receita ao término da consulta.

—Tá. — John disse como se estivesse batendo um martelo.

—Você sabe o que é um palácio mental?

—Acho que você já me explicou.

Sherlock levanta as sobrancelhas, olhando para o lado.

—É um absurdo, eu não tenho paciência para explicações.

—Você teve paciência naquela noite, afinal estávamos bêbados.

—Despedida de solteiro?

—Exatamente.

—Noite horrível.

—Nem me fale.

—Acordamos na cadeia.

—E Lestrade gritou no meu ouvido.

—Você se lembra de algo que eu disse?

—Hmm...

—Por que eu não lembro.

—Sim, é um lugar mental, tirado de algum lugar real que você conheça muito bem... Um lugar construído dentro da sua cabeça... — John fechara um dos olhos, forçando a memória. — Para guardar informações e lembranças.

Sherlock junta as mãos à frente do rosto.

—Explicação pobre, mas acho que é o suficiente para que você entenda o resto do que tenho a dizer.

—Que bom... — John levantou o dedo. — Ah, e eu me lembro que você pregou um papel escrito “Madonna” na minha testa.

—Enfim, eu tenho um palácio mental muito complexo. Tudo o que sei, todo o meu HD, está guardado, separado e organizado neste local dentro da minha mente. Vez por outra eu o visito para organizar e analisar o que tenho lá dentro, faço isso especialmente para alcançar a resolução de casos difíceis.

—Entendi... Era o que você estava fazendo quando eu cheguei?

—Não, John, eu estava dormindo quando você chegou.

—Tudo bem, mas...

—Antes disso eu estava sim organizando as ideias, isso me toma muita energia, portanto eu adormeci. Também tive um dia bem cansativo.

—Certo.

—Nada entra ou sai sem minha permissão. Nada. Eu sou o porteiro, e tenho controle total sobre minha mente... — Sherlock baixou a voz. — Era assim até algum tempo.

—Algo entrou sem você deixar? — riu John.

—Eu estava afunilando meus suspeitos quando... Ela apareceu.

—Ela?

—Foi do nada, isso nunca aconteceu.

—Quem?

—Bem, já aconteceu, mas não foi tão forte.

—Quem apareceu?

—E eu pude lidar com facilidade e velocidade, não entendo por que dessa vez foi tão difícil.

—Fale comigo, Sherlock.

—Eu não esperava por aquilo, John.

—Quem apareceu?

—Eu estava concentrado, ela apareceu e eu fiquei... Confuso.

—Sherlock, por favor, fale a minha língua.

—Ela sempre me confunde, por que ela faz isso? Isso não se faz, é tão descortês.

—Fala de Irene Adler?

Sherlock olhou John, franzindo o nariz.

—Não, é claro que não, você não está me ouvindo?

—Você falou que ela está te confundindo, a única mulher que poderia...

—A Mulher nunca me confundiu, eu sempre consegui manter o foco mesmo com sua presença física, por isso pude vencê-la, quanto mais sua presença mental, eu conseguia livrar-me dela com facilidade, mas ela... Ela me confunde, John.

John inclina-se na cadeira, erguendo levemente uma das mãos.

—Quem?

—Violet Hunter.

—Hã?!

—Eu sei, é ridículo. — Sherlock pressiona-se contra sua poltrona, batendo os dedos nos braços dela e os pés no chão. — Por que ela me confundiria? Ela não é nada. É uma pessoa comum, uma mulher comum em circunstâncias extraordinárias. Uma criatura...

—Pare por aí. — diz John. — Não quero te ouvir dizer coisas desagradáveis sobre ela. E jamais uma pessoa comum enfrentaria as circunstâncias extraordinárias que você diz da forma como ela está enfrentando, portanto ela não é nem de longe comum. — John abre um sorriso. — E ela te afetou. Por quê?

—Eu estava pensando em possíveis motivos, na verdade encontrei alguns, sabe há algum tempo consegui resolver um caso em que meu cliente...

—Pare de me enrolar, Sherlock, você não estava pegando nenhum caso antes deste.

Sherlock afasta as mãos uma da outra, esticando os dedos.

—Não sei.

—Mentira.

—Eu não sei!

—Você sempre sabe das coisas!

—Mas isso eu não sei!

John encara Sherlock, tentando ler sua expressão.

—Uau... — ele murmura. — Isso é... Isso é novo para mim. — John gesticula à esmo. — Você não saber das coisas e ter uma mulher dentro da sua cabeça, normalmente o que tem na sua cabeça é sangue, pessoas serrilhadas e nomes de rua... Ela está invadindo seus pensamentos, se você fosse uma pessoa normal eu diria que você está apaixonado, mas como você é você... Eu não sei o que dizer.

—Você devia saber.

—Por quê?

—Não é o que os amigos comuns fazem? Eles dão conselhos idiotas sem aplicação prática, que ninguém vai querer seguir, mas que faz o aconselhado se sentir importante e ouvido.

John deixa o queixo cair, profundamente ofendido.

—Eu não tenho nenhum conselho idiota que você não vai seguir, sinto muito.

—Estou com uma pista muito boa. Minha teia está formada, minha isca já está pronta e eu não tenho tempo para distrações.

—Isca?

—Figura de linguagem.

John pensa algum tempo, digerindo aquelas informações. Leva a mão ao queixo, observando o amigo. Este parecia realmente incomodado. Ele cruzou a perna, juntando as mãos.

—Você talvez devesse pensar de forma... Humana, digamos assim.

—Humana? — o olhar de Sherlock era desconfiado.

—Sim. Talvez seja faça bem a você.

—Nada humano faz bem a alguma coisa.

—Mas isso pode ser bom...

Sherlock lhe aponta o indicador ameaçadoramente.

—Pare.

—Algo novo e saudável para...

—Pare agora. Não preciso disso.

—Todos precisamos disso, Sherlock. — John abre os braços, esboçando um sorriso.

—Eu não.

—Você se preocupa tanto com seu cérebro, nunca pensou em cuidar do coração?

—Eu confio em meus instintos, John. Meu raciocínio lógico, meu faro, essas são as coisas que me guiam. Meu coração tem a responsabilidade de bombear sangue, e isso é tudo o que ele tem de fazer.

—Está certo... — John ergueu os ombros, derrotado. — Então pensemos da seguinte forma: ela é sua cliente, passou por maus bocados, quase foi pega pelo assassino, quase levou um tiro, esmurrou um mendigo, você não a vê desde então. Você deve estar preocupado.

—Preocupado? — murmura Sherlock, cerrando os olhos.

—Sim. Seu subconsciente deve estar preocupado, então ele... Ele joga imagens dela na sua cabeça para incentivá-lo a... Sei lá.

—Você é um psicólogo terrível.

—Não sou psicólogo.

—E o que eu faço?

—Vá visitá-la. Veja como ela está. Você adora ter tudo sob controle, tudo debaixo desses seus olhinhos escrutinadores, então vá saber dela. Talvez isso resolva tudo e você não tenha mais a terrível visão dela nos seus sonhos.

Sherlock levantou as sobrancelhas, pensando por algum tempo. Olhou John, levantou-se e foi até a cozinha, arrumando alguns apetrechos de laboratório. John se levanta também e o segue.

—Vou fazer isso. — diz Sherlock.

—Vai agora?

—Depois.

—Hmm... — John apoia-se na mesa. — A propósito, você disse que tinha um peixe maior para pegar... Quem é?

—Ainda não tenho todas as informações para falar sobre isso com alguém, John.

—Ok. Bem, acho que eu já vou. Visite ela, ainda hoje, se puder, vai te fazer bem... Afinal deve ser assustador sonhar com uma ruiva... — disse John com toneladas de sarcasmo. Sherlock não respondeu, apenas juntou alguns frascos com líquidos desconhecidos sobre a mesa, pegou um frasco maior vazio e colocou seus óculos de proteção. John colocou as mãos no bolso, começando a sair da cozinha. — Até mais, amigo.

—Mais uma coisa.

John retorna a cozinha.

—O quê?

—Tem planos para hoje à noite?

—Você se refere à noite agora ou à noite madrugada?

—Ambas, tenho uma visita e gostaria que viesse comigo.

—E essa pessoa está disposta a receber visitas de madrugada?

—Não é uma pessoa. — Sherlock pega um pedaço de carne, jogando-o dentro da mistura que acabara de fazer. Antes que John pudesse contar o tempo, a carne se desfez por completo.

—Santo Deus... — murmurou, horrorizado. Sherlock encarou-o, ainda com aqueles óculos transparentes de proteção.

—Você vem?

—Tenho escolha?

Sherlock abre um meio sorriso.

—Você fala como se não quisesse ir.

—E você fala como se não fosse me convencer caso eu não quisesse ir.

—Mas você quer.

—E se eu não quisesse?

—Eu enfiaria sua mão neste frasco.

John quis sorrir. Depois não quis mais. Sherlock o olhava com cenho nem um pouco bem humorado. Sequer piscava. Poderia mesmo enfiar a mão dele naquela mistura devoradora de carne. E depois esfaqueá-lo e serrá-lo em pedaços. E guardar os pedaços na geladeira para estudos futuros.

—Tudo bem, eu vou. Vou apenas avisar minha há esposa caso ela tenha de chamar a polícia.

Sherlock tirou os óculos, tampando sua mistura corrosiva e caminhando até o quarto.

—Dê-me um minuto. — disse antes de fechar a porta. Após menos de um minuto, ele saiu, vestido como sempre, e dirigiu-se até a porta. — Vamos?

—Claro.

Eles descem as escadas, passando pelo corredor da Sra. Hudson e chegando à rua. A noite era fria, não se viam estrelas no céu e os dois respiravam soltando vapor.

—Por aqui. — Sherlock começou a caminhar. Watson o seguiu, alcançando-o e caminhando ao seu lado, fechando sua blusa e colocando as mãos no bolso.

—Que frio... — murmurou.

—É uma excelente noite para ser assassinado, não acha?

—Eu não vou te responder.

—O frio é um conservante natural, e muito, muito eficiente. — Sherlock virou numa esquina, e falava olhando diretamente para frente. — Você é morto, seu corpo se conserva até o dia seguinte quando você é encontrado, a polícia não tem problemas em fazer o exame post-mortem, eles encontram uma prova circunstancial, pronto, seu assassino é pego.

—Você está tagarelando. — resmunga John. — Sempre faz isso quando sua cabeça está em outro lugar.

—Eu estava pensando em Agatha Christie.

—A escritora?

—Sim. — eles viram em outra esquina. — Escritora policial, extremamente prolífica, não muito criativa.

—Ela escreveu uns cem livros. — John olha para o céu, respirando fundo o ar gelado. Daí volta a falar. — Isso não é prova de criatividade?

—Na verdade não, ela repetiu várias vezes o mesmo roteiro, só que com nomes e lugares diferentes. E ela adorava lugares isolados, para diminuir o número de possíveis suspeitos. Um navio, uma fazenda, uma casa no meio do nada, uma ilha. Isso facilita muito escrever um romance policial.

—Por que estamos falando de Agatha Christie?

—Várias vezes ela adotou um tipo de escrita que na literatura policial se chama “duplo blefe”. É quando ela faz todo o público odiar uma pessoa, faz dela um ser repulsivo, faz o publico odiá-la tanto que o próprio público acaba achando que é óbvio demais que seja esta pessoa a culpada, daí ele começa a procurar outros suspeitos. No final, ela revela que o culpado era exatamente aquele que o público tanto detestara.

—Ela blefava. — John diz, pensativo. — Duas vezes, no início e no final.

—Duplo blefe... — Sherlock murmura. — Genial...

—Você gosta de Agatha Christie?

—Detesto, não é criativa, já disse.

—Então por que você está me falando sobre ela e seu duplo blefe?

—Por que creio que estou sendo vítima de um duplo blefe.

John pensa algum tempo, daí para de andar, sendo imitado por Sherlock.

—Nathan Ward. — Sherlock baixa a cabeça. — O ser repulsivo que na verdade é tão repulsivo que acaba sendo deixado de lado como suspeito.

—Você entendeu bem.

—Você não gosta dele, não é?

—Sabe por que cães não gostam de certas pessoas assim que as veem?

John abre um sorriso matreiro.

—Nestes últimos dias você falou de gatos, orcas, e agora cães. Andou assistindo o Discovery Channel?

—Eles sentem um cheiro diferente, sentem que há algo errado, e normalmente eles sabem que a pessoa em questão não é boa.

—É, eu já ouvi isso, eles sabem quando alguém não gosta deles.

—Não é uma questão de eu não gostar dele. — a voz de Sherlock agora era imperiosa, e ecoava dentro da cabeça de John. — Há algo errado com aquele homem, John, eu vi isso. Sempre confiei em meus instintos e minha margem de erro é muito baixa, eu sei, eu sempre sei quando alguém guarda um segredo, e normalmente eu sei qual é o segredo, e por que a pessoa o guarda. Nathan Ward é um paradoxo, ele tem a palavra “segredo” escrita na testa, mas eu não consegui descobrir qual era. Ninguém esconde nada de mim a não ser que seja proposital. Ele é o homem, se não for, ele sabe de algo.

—Você está pensando em invadir a casa dele?

—Não, estou pensando em invadir a casa de Sophie Callaghan.

Eles voltam a andar. Só então John percebe o quanto eles haviam andado. Já estavam a quase atravessar a Ponte de Londres.

—Sophie Callaghan?

—A primeira vítima do assassino sem rosto.

—Por que você quer ir lá?

—Por que em todo início de empreendimento se cometem erros.

Eles andaram. Atravessaram a ponte. Para John, a visão daquele ponto estratégico era, ao mesmo tempo, bela e sinistra. Bela por que a junção do rio Tâmisa com as luzes da cidade davam um efeito espetacular para se apreciar. Sinistro por que alguém poderia perfeitamente atirar um corpo dali para o rio, e aquelas luzes da cidade não iluminariam o suficiente para que o corpo fosse encontrado antes do amanhecer.

John teve um calafrio. Estava pensando como Sherlock...

As ruas eram ora largas, ora estreitas. Os prédios eram ora exemplos de arquitetura contemporânea, ora pedaços de história antiga. Uma mistura de presente e passado. John olhou ao redor. Estavam em Spitalfields.

—Ela morava aqui? — perguntou.

—Sim. — Sherlock para em frente a um minimercado. — E foi encontrada morta aqui. Nesta calçada.

—Quem diria... — murmura John, sentindo vontade de ir embora. Aquele lugar tinha um ar extremamente opressor. — Esse foi o início de um pesadelo.

—Ela tinha 23 anos. Trabalhava numa loja de CDs e discos de vinil. Ao conversar com a mãe pude deduzir que ela não concordava com o estilo de vida da filha, que incluía longas noitadas e vários parceiros.

—Como todas as vítimas de nosso assassino.

—Ela media 1,70. Nenhuma das mulheres mortas tinha menos que isso.

—Acha que faz parte do perfil?

—Não é coincidência, nosso amigo tem gostos bem específicos.

—Eu queria que você estivesse falando de comida.

—É como gostar de um prato, John. — Sherlock sobe na calçada. — Você o vê no cardápio, tem dúvidas quanto a pedi-lo, mas você gostou dos ingredientes, portanto o pede. O garçom traz, você gosta cada vez mais do que tem em mais, daí você prova... — Sherlock fixa os olhos num quadrado de cimento em especial. — E não consegue mais ficar sem pedir esse prato toda vez que vai ao restaurante.

—Comparar pessoas a comida... — John também encarava aquela parte da calçada, mas diferente de Sherlock ele não sabia o porquê de estar fazendo isso. — Inusitado...

—Canibais fazem isso o tempo todo.

—Ele não é canibal... — John coça a cabeça, seu incômodo atingindo proporções catastróficas. — Por que estamos encarando esse pedaço de chão?

—Ela estava aqui. Ele a deitou carinhosamente neste bloco de calçada. Juntou suas mãos sobre o corpo, fechou seus olhos, manteve todos os botões e zíperes fechados.

—Isso é insuportável, Sherlock... Não íamos invadir uma casa?

—A casa dela é logo ali. — Sherlock apontou um prédio do outro lado da rua.

—Vamos lá então?

—Dê-me um minuto. — ele se virou para o mercadinho, foi até o vidro, espiou lá dentro. Voltou-se para a calçada, estudando-a novamente. Abaixou-se, olhando qualquer coisa que John não atinou o que era. Daí se levantou, atravessando a rua. — Vamos.

Eles foram até o prédio, uma das construções que misturava novo e velho, arrombaram o portão de entrada e entraram. Subiram as escadas, chegando ao segundo andar, e foram até o segundo apartamento. Arrombaram novamente.

—Eu deveria ser preso por todas as invasões a domicílio que cometi desde que te conheci.

Sherlock acende uma lanterna, ignorando o que John acabara de dizer.

—Feche a porta, John.

—Não seria melhor ligar a luz?

—Não.

John olhou ao redor. A casa parecia ainda ter moradores, pois havia móveis, enfeites e cortinas. Havia fotos sobre a cômoda, e John pôs-se a olhá-las, usando sua própria lanterna.

—Ela era bonita... Muito bonita. — ele solta uma risota. — Veja Sherlock, ela também era... Sherlock? — ele se ergue, procurando pelo amigo. Ouve barulhos vindos do quarto, e vai até lá. Encontra Sherlock sentado na cama. — O que está fazendo? Levanta daí!

—Ele esteve aqui.

—Ah, por favor... — John suspira. — Não me diga que ele veio aqui há pouco tempo, pegou sei lá o quê que o condenaria e agora você descobriu que viemos aqui à toa...

—John, fale baixo.

—Por que sinceramente eu estou cansado de fazer as coisas depois do assassino, e isso por que você é o melhor detetive do mundo.

—John... — o olhar de Sherlock era alarmante.

—Eu devia ter ficado para ver o Jack morrer, ele cabia naquela porta com a Rose, eu tenho certeza disso...

Sherlock se levantou, tapando a boca de John com uma das mãos. Neste momento ele desligou a lanterna, e fez o mesmo com a de John. A escuridão reinou, e só se podia ouvir o som da respiração de ambos. A voz de Sherlock saiu como um murmúrio do vento, e fez todos os pelos de John se arrepiarem.

—Ele está aqui...

Um estalo. John teve um sobressalto, que sobressaltou Sherlock por sua vez. A única luz vinha do poste de iluminação, e entrava por uma janela na sala, pintando a silhueta de um sofá, um criado mudo e um abajur.

Sherlock empurrou John até a parede, fazendo-lhe sinal para que ficasse em silêncio, daí abaixou-se e saiu do quarto. John ficou parado, no escuro, esforçando-se ao máximo para que sua respiração não parecesse um tufão passando. Mas tudo nele parecia fazer barulho. Até seu estômago resolveu começar a falar.

Novos estalos. John não sabia de onde eles vinham, assim sua tensão apenas aumentava. Ele estava lá? Com eles? Será que estava armado? O que ele queria? Será que fora pegar o que Sherlock queria encontrar? Onde ele estava? O que diabos Sherlock fora fazer fora do quarto?

Ele respirava rápido, e já começara a sentir ondas de calor. Seu instinto de soldado lhe dizia para ir atrás do amigo e, se por acaso se encontrasse com o assassino, partisse para o confronto e seja o que Deus quiser. Mas seu outro instinto, este mais calmo e contemplativo, lhe dizia para esperar. Sherlock lhe dissera para esperar. Ele com certeza sabia do que estava falando.

Um estalo próximo. Parecia que alguém havia pisado num brinquedo ou numa peça qualquer. John começou a escorregar para baixo, agachando-se e amaldiçoando a si mesmo por não ter trazido sua arma. Observou todo o quarto, aproveitando que sua visão se acostumara ao escuro, e notou um espelho na parede paralela, virado para a porta e refletindo a sala. John olhava para ele quando viu uma silhueta escura passar detrás do sofá. Ele segurou a respiração. Seu coração retumbou.

Aquele era o assassino.

Estava de touca, daquele tipo que cobre o rosto. Usava uma jaqueta e, pelo porte, parecia muito forte. John não entendeu no momento, mas ao ver aquela sombra, ele foi tomado de um ódio imenso, quase assassino. Quis se levantar, quis partir para cima daquele desgraçado, mas a lembrança de Mary e do bebê não o deixou se mover. Não podia se arriscar, não conhecia as habilidades do oponente e estava desarmado. Poderia morrer, assim como tantos outros morreram. A silhueta escura sumiu, e John fechou os olhos, odiando-se por ter hesitado.

Os segundos se arrastavam. John não sabia quanto tempo passara, nem há quanto tempo estava agachado no quarto de Sophie Callaghan. Chegou a quase adormecer. Neste momento uma mão tocou seu ombro.

—Shhh... — fez Sherlock, também agachado. Fez sinal para que John o seguisse, e ambos se arrastaram até a cozinha, onde havia uma saída de emergência. Eles desceram rapidamente as escadas, chegando a rua detrás do prédio. Daí eles começaram a correr.

Correram sem parar. Correram até saírem do bairro. Dispararam por Whitechapel, cruzando aquelas ruas apertadas e cheias de histórias e atravessaram a Ponte de Londres sem nem ao menos diminuir o passo. Eles correram, e foi só após terem passado o Big Bem que pararam.

Encostaram-se a um muro, arfando com força, cobertos de suor.

—Meu Deus... — disse John, praticamente sem voz. — Era... Era...

—Não tenho certeza. — Sherlock respondeu entre suspiros.

—Deus... — John abaixou a cabeça, sentindo os pulmões doerem por causa do ar gelado da noite. — Eu pensei... Eu... Eu não sei o que eu pensei... Eu vi ele! E fiquei... Fiquei agachado!

—Fez bem.

John encara o amigo.

—Eu devia tê-lo atacado.

—Você teria morrido, John... Ele teria te matado, como matou Harry Temple... E aí eu teria de matá-lo.

—Por quê você não atacou ele? Éramos dois... Podíamos dar conta!

—Ele conseguiu se safar durante anos, John. Conseguiu enganar a polícia por anos. Se o matássemos, sem provas, no meio da noite...

—Tínhamos de tê-lo matado!

—Você iria para a cadeia! — diz Sherlock. — E como ficariam Mary e o bebê?

John apontou o dedo furiosamente para Sherlock.

—Ele vai matar mais gente, você disse isso, e nós tivemos a chance de pará-lo para sempre...

—Não sabemos se era ele.

—Mas poderia ser...

—Pense, John! — Sherlock agarra John pelos ombros, sacudindo-o. — Ao menos um vez, pense! E se não fosse ele? E se fosse um dos seus muitos cúmplices, talvez um treinado, o que faríamos? Ele nos atacaria no escuro, e aí? E se você se machucasse? — Sherlock o solta, afastando-se e olhando para a rua. Já respirava normalmente. — Sozinho eu me arriscaria, mas não posso te arriscar, você tem uma família agora, e tem que pensar nela. E não posso me dar ao luxo de te perder... — ele disse com voz baixa. Ele se vira para John, o cenho duro. — Nunca se arrisque com um serial killer. Não de noite, não num lugar fechado. Você nunca sabe do que ele é capaz. Se ele te matasse, eu o mataria, e você me transformaria num serial killer, entendeu? Eu já matei por você, John, não duvide que eu faria isso de novo.

John baixou a cabeça. Passou a mão no cabelo, fechando os olhos e respirando fundo. Voltou a encarar Sherlock.

—Se serve de consolo, eu também mataria por você.

—Não serve.

John soltou uma risota. Cruzou os braços, juntando as sobrancelhas.

—Eu queria manter o máximo de silêncio naquele quarto, mas tudo que consegui foi parecer um cosplay barulhento do Darth Vader.

Sherlock permaneceu parado, fitando John. Cerrou os olhos.

—Quem é Darth Vader?

John riu. Desta vez foi com gosto. Mas era um riso nervoso, não muito feliz.

—E você ficou passeando pela casa, ao menos conseguiu o que queria?

—Sim eu consegui. — Sherlock caminha até John, apoiando-se na mesma parede ao lado dele.

—Posso ver?

—Não é palpável... Bem, é palpável, mas eu não precisei trazer comigo, sem falar que ele levou, eu não quis que ele percebesse nossa presença.

—Mas ele pegou depois de você ver.

—Sim.

—É uma pista boa?

—Excelente.

—Vai ferrar com aquele desgraçado?

—Sim. — Sherlock vira-se para John. — E que palavreado é esse?

—Nada, estou nervoso. — ele começa a andar. — Vamos embora, logo o assassino passa por nós e oferece carona. Vou para casa.

—Eu não.

—Vai para onde?

—Vou visitar Violet Hunter.

—Ah, que bom... Meu Deus, estou tremendo, pareço uma garotinha.

—Você estava com voz de garotinha quando paramos de correr.

—Cale a boca.

Eles percorreram o resto do caminho em silêncio. Quando se separaram, John deu-lhe um tapinha no ombro.

—Obrigado por se preocupar. — disse. — Obrigado. — Sherlock abriu a boca para dizer algo, e John se afastou. — Não diga nada, não estrague este momento, estou indo embora!

—Ok...

—Tchau!

Sherlock viu John se afastar, daí virou-se e seguiu pelo caminho oposto.

A casa de Violet Hunter estava com as luzes acesas. A viatura estava parada na frente, e uma policial dormia lá dentro. Sherlock espiou a policial dormindo, daí dirigiu-se até a porta de entrada. Ouviu música, daí forçou a maçaneta e entrou.

“Eu tenho um bolso, tenho um bolso cheio de raios de sol...”

A música pareceu mais alta dentro da casa. A luz da cozinha estava acesa, e Sherlock foi até lá. Encontrou Violet de pijama, descalça, cantando o refrão a plenos pulmões.

—Leve-me embora! Um lugar secreto! Uma doce fuga! Leve-me embora!

Sherlock juntou as sobrancelhas. Não é que ela cantava mal. Ela apenas... Cantava muito mal. E agora ele entendeu por que a policial preferira dormir no carro...

Ele desligou o rádio. Violet virou-se num resfôlego, daí ao vê-lo respirou fundo e avermelhou.

—Meu Deus, você nunca vai aprender a bater na porta?

—Você não ia me ouvir.

—O que faz aqui?

—Vim ver como está.

—Ah... — por algum motivo, ela avermelhou ainda mais. — Estou bem.

—Está dormindo na sala.

—Bom, eu...

—Não quer subir no quarto, eu entendo. Como fez para se trocar?

Violet abraçou o próprio corpo.

—Eu pedi que a policial Butler pegasse algumas roupas para mim.

Sherlock sorriu. Pareceu que tinha achado graça da cena. Ele observou a sala, e seus olhos caíram indubitavelmente sobre a mesa onde havia uma dezena de cartões. Ao perceber isso, Violet correu e interpôs-se na linha de visão dele.

—O que é aquilo?

—Nada.

—Ninguém esconde nada.

—Eu não quero te mostrar, ok? É minha casa, eu decido.

Sherlock encarou-a com atenção. Ela parecia uma criança mandona com vontade de chorar. Tinha o cabelo desgrenhado, e os olhos apontavam muito choro. E ela usava um pijama listrado com flamingos. Ele deu de ombros.

—Tudo bem.

—Que bom que entendeu... — ela respirou fundo, incomodada por estar tão perto dele. — Olha, você já pode ir embora.

—Está se sentindo tão segura assim?

—Eu... Eu nunca me senti segura. Agora vá embora. — ela tentou empurrá-lo, mas soltou um pequeno grito quando suas duas mãos latejaram com o esforço. Ela se afastou, levando as mãos para perto do peito. Virou o rosto, não querendo demonstrar qualquer sinal de fraqueza.

—E depois você me chama de durão... — ele vai até ela, pegando-a pelos ombros e guiando-a até o sofá, sentando-a nele. — Deixe-me ver estas mãos.

—Não precisa...

—Não estou pedindo. — ela estendeu os braços. Ele abriu um sorriso ao observar marcas roxas na mão sem ataduras. — Thadeus Lieberman, um morador de rua por escolha própria que costuma bater carteiras e que foi aliciado por nosso pior inimigo para te matar. Ele estava merecendo um belo soco... Boa menina.

—Doeu mais em mim do que nele.

—Eu duvido, ele é um frouxo, mas se for assim console-se por que doeu nele. John fez um bom trabalho.

—Como sabe...

Ele simplesmente a olhou. Ela baixou o olhar, sorrindo, mas seu sorriso se desfez quando ele pegou a outra mão. A mão cortada. A mão que atacara um espelho. Ele não desfez a atadura, parecia saber o estado ferimento apenas pelo toque. E pareceu satisfeito com o que descobriu.

—Você precisa dormir. Sua guarda-costas já desmaiou no carro, digo ‘desmaiou’ por que estou espantado por ela não ter acordado com a sua cantoria... — ele se levanta, indo até a cozinha. — E você devia imitá-la.

—Acho que vou voltar a cantar... — ela diz, ainda sentada no sofá. — Estou liberando meu stress.

—E está estressando todos os cachorros da vizinhança. — Sherlock surge com uma xícara de chá. — Tome isso, e vá dormir.

—Fez chá para mim?

—Fiz.

—O que tem nele?

—Água e ervas. Beba.

—E se eu não acordar para trabalhar amanhã?

—Você perdeu o emprego por causa da sua limitação, não precisa se preocupar.

Ela encarou-o, espantada. Não tinha contado aquilo para ninguém. Colocou a xícara sobre o colo, olhando-o diretamente nos olhos.

—Isso doeu, Sherlock. Por favor, não faça mais isso.

Ele segurou o olhar dela por algum tempo, daí se levantou, fez um aceno com a cabeça e foi embora. A porta se fechou, e Violet ficou pensando se havia sido muito dura com ele. Ele era duro com todos, até duro demais, mas parecia tão sensível...

Ela pensava nisso e tomava seu chá quando seu celular apitou. Ela pegou-o, lendo a mensagem.

Apenas um tapa nunca machucou ninguém
Apenas um chute nunca incomodou
Se eu usar um taco de beisebol
O detetive não saberá mais para onde vou

Violet lia a mensagem e foi levantando do sofá. Seu coração afundou. Ela disparou até a porta, colocando um casaco por cima do pijama e saindo de casa. Olhou em volta, desesperada por não ver ninguém na rua.

—Sherlock!!!


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