Cachecol Azul e Cabelo Vermelho escrita por Lirah Avicus


Capítulo 11
Capítulo 11




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—O senhor não vai encontrar nada nesse lixo, eu já revirei ele três vezes hoje!

—Eu não revirei nada!

Um mendigo tinha razão. Não havia nada lá. E nem poderia haver. O outro dissera aquilo sabe-se lá por quê.

Sherlock endireitou-se, arrumando seu cachecol e olhando tudo ao seu redor com atenção. Era fim de tarde, e ele saíra de Pentonville e fora direto para aquele lugar em especial. Whitechapel. O bairro com o pior histórico de toda a Inglaterra. Whitechapel. O bairro onde uma das vítimas, Barbara Chapman, fora encontrada morta.

Na verdade, sobre essa vítima, Sherlock planejava uma boa e desagradável conversa com Lestrade...

Havia dois mendigos com ele naquele beco. Era um beco típico daquele bairro, sujo e úmido, repleto de detritos. Um dos mendigos era alto, de bom porte, barba comprida cinza e vestia uma blusa de lã larga e uma touca do mesmo material. O outro era impossível saber a altura, já que ele estava sentado no que antes era um carrinho de supermercado, que agora havia sido adaptado para ser uma cadeira de rodas. Ele estava ali encorujado, enrolado numa coberta marrom surrada, olhando tudo com seus olhos castanhos imensos e exibindo uma barba branca. Parecia bem velho.

O mendigo alto se aproximou, segurando uma latinha de alumínio que continha um líquido fumegante. Pelo aroma que exalava devia ser chá de camomila.

—Você está certo, Desmond. — disse Sherlock. — Já faz semanas e aqueles policiais estúpidos destruíram tudo digno de estudo. — ele se afasta, olhando as altas paredes que o cercavam.

—Eles vieram aqui... — disse Desmond. — Inclusive aquele seu amigo, o tal Lestrade.

—Ele não é meu amigo.

—Eu tenho muitos amigos! — exclamou o mendigo no carrinho de supermercado.

—Não ficaram muito tempo, só levaram o corpo, tiraram algumas fotos e foram embora.

—O que você viu no momento do assassinato?

—Eu não estava aqui. Estava em Spitalfields, as esmolas são melhores lá no meio de semana. Ouvimos gritos, alguns vieram correndo nos dizer que tinham achado uma mulher morta, mas quando chegamos só havia o corpo e alguém já havia chamado a polícia.

—Isso é tudo?

—Sim.

—Mentiroso! — exclamou o mendigo sentado. Ele tinha uma voz esganiçada, e falava como se tivesse um inseto preso na garganta.

Sherlock encarou Desmond.

—Até mesmo seu amigo sabe que você está me escondendo algo.

—Ontem um sujeito passou aqui perguntando de você.

—Como ele era?

—Alto, bem alto.

—Parecia um poste!

—Viu o rosto dele? — disse Sherlock, aproximando-se da parede e arranhando o tijolo.

—Não. Estava de noite e ele usava uma touca que cobria a cara, daquelas que terroristas usam. Eu me assustei de início, mas ele pagou bem antes de fazer a pergunta.

—Quanto?

—50 libras.

—O que ele queria saber?

—Se você já tinha vindo aqui.

Sherlock se ergueu.

—Aqui?

—Bem aqui.

—Fala desta cena do crime?

—Precisamente.

—Ele era um homem-bomba! — disse o mendigo sentado, coçando a cabeça.

—E o que mais?

—Disse para matarmos você.

Sherlock soltou uma risada irônica. Desmond riu também.

—Ele pagou mais 100 libras para eu te matar, e viria pagar mais 100 quando o serviço fosse feito. — ele dá de ombros. — Entendo por que ele falou comigo. Sou um mendigo, conheço os melhores lugares para esconder um corpo, ficaria famoso... O homem que matou Sherlock Holmes.

—Ia ser um bom dinheiro, por que está me contando?

—Eu não gosto de homens que escondem quem são. — Desmond toma mais um gole de seu chá. — E não sou idiota, sei que precisaria de bem mais que alguns mendigos para te dominar, quanto mais te matar. Sem falar que você me paga bem, e regularmente, toda vez que tenho informações, prefiro receber os ovos de ouro do que matar a galinha.

—Eu preferia matar a galinha!

—Espero que tenha sido de ajuda.

—Sim, foi. — Sherlock dá uma nota a Desmond, que guarda no bolso. — Não fale a ninguém sobre minha vinda aqui.

—Ninguém saberá.

—E tape a boca do seu amigo.

—Richard? Ninguém liga para o que ele fala. — Desmond saiu andando até Richard, o mendigo do carrinho. Ria enquanto andava. — Ontem ele estava dizendo que dormiu com uma mulher da realeza!

—A czarina de Tóquio! — berrou Richard.

—Ninguém o escutará.

—Excelente. — Sherlock sai do beco a passos rápidos, e vai embora sem se despedir.

Desmond sai do beco empurrando o carrinho, com Richard a tomar o resto do chá na latinha.

—Sherlock Holmes... — ele repetia, rindo maldosamente.

—O que foi, Rick?

—Sherlock Holmes...

—O que tem ele?

—Ele veio a Whitechapel.

—E daí?

Richard levantou a cabeça, encarando o amigo.

—Ele vai pegar Jack o Estripador!

—Não seja idiota... — disse Desmond. — Jack matou cinco prostitutas. Esse aí já matou mais de seis.

Richard caiu na gargalhada, enquanto os dois atravessavam a rua, sem se importar com a névoa que se formava ao cair da noite.

***

—Seis assassinatos? Seis?! Como esperam que eu encare isso? — Greg Lestrade não respondeu. Tampouco Sally Donovan. Eles sabiam a resposta. Mas era melhor que não respondessem. — Que bom que vocês preferiram não me responder, pois não há uma resposta cabível para tal incompetência! Como pode uma vergonha deste nível?!

James Singh estava cuspindo fogo pelos olhos. Para um homem de sua altura avantajada, de quase 2 metros, ele realmente podia se igualar a um dragão. Suas mãos lembravam garras, sua testa permanecia franzida todo o tempo, e seu vistoso bigode continha saliva de tantas palavras furiosas que saíam de sua boca.

—Nós somos a Scotland Yard! Somos uma instituição de respeito internacional, temos inteligência digna de nossos antecessores, não podemos permitir que um assassino em série continue cometendo seus crimes impunemente por tanto tempo, nós não somos americanos!

Lestrade sabia que aquilo ia acabar daquele jeito. Sempre acabava assim. Toda vez que seu departamento não resolvia um crime na velocidade da luz, vinha seu superior, James Augustus Singh, que todos secretamente apelidaram de Khan por motivos óbvios, esbravejar sobre o quanto eles eram uma instituição respeitada, o quanto eles eram ágeis e inteligentes, e no final ele sempre aproveitava para rebaixar os detetives dos EUA. Agora só faltava ele falar sobre os...

—Repórteres! — ele disse, gesticulando sem propósito. — Eles vão adorar saber disso! Vão adorar escrever sobre isso! E vão adorar publicar isso, aumentado, piorado e lapidado cem vezes para que leitores acéfalos engulam tudo e nos chamem de incompetentes! Podem imaginar o resultado catastrófico?

Greg fechou os olhos. Lá vinham as predições apocalípticas...

—Artigos furiosos, opinião pública contra nós, pessoas perdendo a fé na polícia, na segurança, no governo... Pânico nas ruas! Protestos generalizados, confrontos violentos, depredação de patrimônios públicos, queda dos nossos valores centenários! — Singh soltou um suspiro desesperado. — Nem Deus salvará a Rainha!

—Isso não acontecerá... — tentou argumentar Donovan. Lestrade segurou o fôlego. Essa não...

—Ah não?! — Singh riu, encarando a pobre policial. — Se não resolverem este caso logo, antes que chegue o sétimo corpo — o celular de Lestrade tocou. Mensagem de texto. — eu vou colocá-los como limpadores de privadas!

Lestrade olhou seu celular discretamente.

Oitavo.

—Eu ainda não entendo o que aconteceu... — Singh andava para lá e para cá detrás da mesa de Lestrade, pois colocara o bom inspetor e a sargento Donovan nas duas cadeiras do outro lado. O banco dos réus. — Esta divisão é respeitadíssima, e vocês são os melhores que eu tenho. Como podem permitir que um assassino de meia tigela mate seis mulheres sem ser ao menos identificado?

O celular de Lestrade toca novamente. Mensagem. Lestrade olha novamente.

Sete.

—E quanto às provas?

—Nós estamos ainda angariando provas suficientes...

Singh aponta o dedo indicador furiosamente.

—Sgt. Donovan, eu estou me segurando para não ser mal educado! Esta pergunta foi retórica, não quero que você me responda. Eu falo, você ouve, fui claro? — silêncio. — Ótimo! — ele volta a andar para lá e para cá. — Como isso foi possível? Não é nem mesmo provável... A Scotland Yard... Isso é uma vergonha... Se os repórteres... Pânico, caos... Não, não... Um sexto assassinato e nada de assassino...

Celular toca. De novo.

Sétimo.

—Talvez queria ir lá fora atender, inspetor!

—Desculpe, senhor. — gaguejou Lestrade. Nova mensagem.

Precisamos conversar. SH

—O que é?

—É sobre o caso... Hmm... Novas pistas, eu presumo. Tenho um homem em campo, e ele com certeza tem novidades.

—Um homem em campo? — Singh coloca as mãos sobre a mesa, mais calmo. — Quem é?

Lestrade arregalou os olhos. Engoliu em seco. Lembrou-se da cena de cinco anos atrás. O primeiro e último encontro entre Sherlock Holmes e James Singh. Ele guardou o celular no bolso. Pensou seriamente em levantar sem explicações e sair correndo.

***

Sede da Scotland Yard. 3:00 da tarde. 5 anos atrás.

—Bem, senhores, como podem ver, as instalações reformadas serão muito úteis para nossos bravos soldados contra o crime. Com certeza trabalharão muito melhor num ambiente tão maravilhoso.

Cinco homens, entre eles James Augustus Singh, caminhavam pela Scotland, com seus ternos engomados e seus broches de ouro puro. Lestrade, que observava a cena, aqueles homens andando para todo lado como se eles mesmos tivessem enfiado a mão no cimento molhado e reformado aquele lugar, jazia de braços cruzados, sentindo um desprezo infinito por aqueles seres alegres. Estavam com certeza muito orgulhosos pela reforma que eles não pagaram. Mas como isso não vinha ao caso, e a honra pelo feito caiu em seus braços, estes cinco diretores desfilavam, e o departamento de detetives era seu palco. Pena que ninguém lá aplaudia.

Palmas ecoam. Todos olham na direção das palmas, e o coração de Lestrade começa a tentar passar por sua garganta.

—Parabéns, Sr. Singh. — vieram as palavras na voz potente e grave de Sherlock Holmes. — O senhor merece meus cumprimentos.

—Ora seu... — murmurou Singh. Ele levanta a mão, visivelmente irritado. — Eu falo com você numa outra hora.

—Precisamos falar agora.

—Eu falo com você depois. — disse Singh entredentes. Olhava para os outros quatro consigo, que estavam em estado de espanto e silêncio. — Conheça o seu lugar.

Singh começou a andar.

—Eu conversei com sua amante. — Sherlock levantara a voz. Todos no departamento o escutaram. — Aliás, com as quatro. Conversei com cada uma delas, separadamente... — Sherlock franze o nariz, sorrindo forçado. — Na verdade conversei com todas ao mesmo tempo, sinto muito por isso, eu estava meio sem tempo, tinha outros assuntos a resolver. — ele coloca as mãos no bolso. — Acho que elas não vão mais procurá-lo depois de se conhecerem. Mas elas trocaram telefones e ficaram boas amigas.

Singh se volta e caminha na direção dele, bufando de ódio.

—Como se atreve?

—Me atrever? — Sherlock solta um risadinha. — Atrevimento, segundo o dicionário, consiste em fazer algo que você não tem o direito de fazer, e eu tenho todo o direito de desmascará-lo, envergonhá-lo e fali-lo. — os dois postam-se frente a frente. — Eu farei isso.

—Eu vou destruí-lo...

—Não, não vai. Você vai implorar minha misericórdia quando eu te der à sua esposa assado e fatiado, numa bandeja, com uma imensa maçã brilhante enfiada na boca. Você é um verme que suga o néctar da sociedade, um parasita intestinal que se aproveita da sujeira para se lambuzar, mas eu vou te esmagar com uma bota.

—Eu vou me lembrar desses insultos!

—Excelente, lembre-se também deste aqui. — Sherlock, com dois dedos, polegar e indicador, dá um peteleco no olho esquerdo de Singh, que no susto cambaleia para trás. Sherlock lhe dá as costas. — Tenha uma boa tarde.

***

Lestrade pensou em tudo que acontecera. A esposa de Singh, Stella, contratara Sherlock para coletar tudo o que o marido tinha de mais podre para que ela pudesse arrancar-lhe tudo durante o divórcio. Pagaria bem por isso. Sherlock, sempre opondo-se aos poderosos e ricos, aceitou com prazer o caso, sendo o responsável pela quase falência do homem. Tirou-lhe casas, dinheiro, roupas, até os cães. O detetive não deixou sobrar nada. Lestrade não entendia muito bem o gênio perverso que Sherlock às vezes exibia. Tocar no meio do tribunal a gravação de um encontro íntimo entre Singh e a terceira amante era muita crueldade... E todas as outras salas do fórum ouviram...

Lestrade pensou novamente se diria ou não que o homem em questão era Sherlock Holmes. Melhor não...

—Bem... Um de meus melhores homens.

—Acho bom mesmo. — disse Singh, e neste momento ele pareceu um menininho birrento. Cruzou os braços, endireitando-se. — Eu vou ajudá-lo. Vou acalmar as coisas lá em cima, manter os parlamentares quietos e fazer você parecer um mousse de morango... Mas, se você permitir mais uma ocorrência, se me fizer parecer um imbecil diante daqueles homens, eu vou rebaixá-lo a uma posição em que terá de enfiar a mão na merda.

—Entendi.

—Ótimo.

James Singh foi embora, levando consigo seu manto de tempestade. Lestrade observou-o se afastar e descer as escadas, sumindo de vista. Voltou à sua cadeira, sentando-se e suspirando. Por que os chefes nunca eram pessoas normais?

Sally Donovan sorriu.

—Só por curiosidade, chamou Sherlock Holmes de seu “melhor homem”?

—Sim, eu chamei... — disse Lestrade, brincando com a cadeira. — Me processe.

—Estou pensando nisso.

Gregory levanta os olhos. Sally vira-se para a porta. Lá estava Sherlock.

—Olá, aberração. — ela disse. — Está aí há muito tempo ou escondeu algum corpo antes de vir para cá?

—Eu estava conversando com Anderson, ele te mandou beijos, abraços e outras carícias que prefiro não citar.

Donovan respirou fundo, olhando para Lestrade e daí saindo da sala a passos pesados. O inspetor colocou os cotovelos sobre a mesa.

—Você não conversaria com Anderson nem se sua vida dependesse disso.

—Não. — Sherlock se senta, juntando as mãos. — Mas era a melhor forma de me livrar dela.

—Posso saber por que bombardeou meu celular no meio de uma reunião com meu superior?

—Você mentiu.

—Hã?!

—Você mentiu para mim e para todos, mas eu descobri e quero explicações.

—Eu não entendo...

—Seis assassinatos? Que piada...

—Eu disse a verdade.

—Calado. Barbara Chapman.

—O que tem ela? — gaguejou Lestrade.

—Não sabe quem é?

—Tenho... Uma vaga lembrança.

—Talvez o nome Benjamin Knight lhe seja mais familiar.

Lestrade levanta as mãos.

—Tudo bem, fale logo.

—Benjamin Alistair Knight foi mandando para a cadeia pelos assassinatos de Sophie Calaghan, Alicia Mendes, Jenna Koepp, Claire Williams e Leslie Whysley, só que ele não cometeu nenhum destes crimes.

—Você não tem como saber disso.

—Tive uma longa e esclarecedora conversa com ele. Você sabe disso, você deixou.

—Seu abusado! Ele não te diria isso!

—Tive acesso aos documentos oficiais de Pentonville.

—Mas como...

—Não duvide de meu poder de persuasão.

—Tínhamos provas.

—Não circunstanciais.

—Ele seguia Leslie Whysley...

—Muita gente segue a garota dos sonhos.

—Testemunhas o viram seguindo-a.

—E o viram matando-a, eu presumo.

—Ele estava no motel!

—Isso não o culpa pela morte dela, quanto mais pelas outras quatro.

Lestrade passa a mão pelo cabelo nervosamente.

—Tínhamos certeza de que era ele!

—Mas e Barbara Chapman?

—O que tem ela?

—Ela foi morta no dia em que Knight deu entrada em Pentonville. A não ser que ele saiba como sair de sua cela, escapar de uma das prisões mais seguras do mundo sem ser notado, encontrar e matar uma moça, retornar a prisão e à sua cela, tudo isso no intervalo da troca de câmeras, que dá no máximo 5 minutos, eu creio que você errou. E agora temos Margareth Plummer e mais três corpos para provar minha tese.

—Eu não tenho como explicar isso... Talvez seja um seguidor, um imitador que admire o trabalho dele...

Sherlock junta as sobrancelhas, cerrando os olhos e fazendo expressão de incredulidade.

—Você está falando asneira e o pior é que você sabe disso... Se algo não pode ser explicado então não aconteceu.

—Eu precisava prendê-lo.

—Você o mandou para a cadeia por um crime que ele não cometeu.

—Ele é um assassino, Sherlock, de qualquer forma ele matou pessoas!

—Mas não aquelas pessoas.

—Não importa!

—Importa sim! — Sherlock levanta a voz. — Vocês se convenceram de que haviam pegado o homem certo, relaxaram e perderam tempo. Daí com o assassinato seguinte vocês viram o erro, mas não voltaram atrás, continuaram com a mentira, e você chegou a retirar o caso de Barbara Chapman do dossiê para que eu não soubesse sobre Knight. Bem, você foi um pouco descuidado, pois os documentos de Leslie Whysley também o citam. Você se atrasou e atrasou a mim, que poderia estar muito mais perto da solução do caso se não fosse seu orgulho ridículo.

—Não foi por orgulho, eu juro! Eu... Eu precisava prendê-lo... — murmura Lestrade. — Consegue imaginar como é encarar a personificação do Mal? Uma criatura sem sentimentos, cruel, e pior que isso, perfeita. Não havia furos, eu sabia que era ele em seus cinco assassinatos, tanto que os coloquei na ficha, mas... Sabíamos os nomes, os lugares, o método, menos o motivo, mas sabíamos o suficiente para ter certeza de que era ele. O problema é que não se faz nada sem provas, e ele era simplesmente caprichoso demais para nos deixar pistas palpáveis, e suposições não mandam ninguém para a cadeia. Eu estava com as mãos amarradas. Daí eu vi uma possibilidade, em Leslie Whysley. Podia ser ele, foi um tiro no escuro. Eu errei, mas pelo menos tirei das ruas um monstro, e agora podemos tirar outro monstro, se você me ajudar... Não está do lado dele, não é?

—Eu não tenho lado. Na verdade, tenho meu próprio lado. E no momento você não está nele.

Sherlock se levanta, deixando a sala. Lestrade o observa ir, imaginando como seria ter Sherlock Holmes como inimigo.

***

Violet abriu os olhos numa tomada de fôlego. Todo seu corpo sacudiu, e ela encarou o teto, sentindo sua visão falhar e pintar tudo ao seu redor de roxo, verde e depois laranja. Seu corpo estava estático, vibrando com adrenalina, e seus lábios tremiam. Ela quis chorar, seus olhos chegaram a marejar-se, mas ela sentiu alguém se aproximar e o medo a fez congelar. Esperava ver a face mais horrível do mundo. Mas quando a pessoa ajoelhou-se à sua frente, Violet viu os olhos mais gentis com que já se deparara. Não reconheceu quem era, mas sentiu-se bem mais calma ao fitá-lo.

—Boa noite. — a pessoa disse. A voz foi reconhecida. John Watson. — Pesadelo?

Violet tentou se erguer, e John amparou-a até que ela se endireitasse e encostasse-se aos travesseiros. Ela balançou a cabeça.

—Sim.

—Passou?

John falara como os pais normalmente falam. Sentara-se ao lado dela, e não parecia com pressa. Passou rapidamente pela cabeça de Violet que ele daria um ótimo pai.

Ela aquiesceu novamente. Ainda sentia o gosto do sangue em sua boca, e o mesmo líquido pingando de suas mãos. Tivera um sonho terrível, e preferia não falar dele com ninguém.

—Eles não param... — ela disse baixinho.

—Eles não vão parar. — disse John. — Sei disso. Sabe, também passei por circunstâncias traumáticas.

—Crime?

—Guerra. Faz quase quatro anos, mas eu ainda sonho com as explosões, os gritos, os tiros. E olha que eu era apenas um médico.

Ela esfrega os olhos, suspirando.

—Nem mesmo diminui?

John une as mãos sobre o colo.

—A frequência diminui sim. No início você sonha o tempo todo, é desesperador. Você fica com medo de dormir. Mas passa, e com o tempo você aprende a lidar com isso. Você dorme, sonha, acorda assustado, mas aí percebe a realidade à sua volta e dorme de novo. Vira quase uma rotina. Creio que eles vão diminuindo até acabar.

Ela baixa a cabeça, olhando os próprios pés, que por algum motivo, estavam descalços.

—Mas... E se... A realidade for igual ao pesadelo?

—Nos sonhos você não tem escolha. Você é empurrado precipício abaixo. Mas aqui nós escolhemos para onde vamos. Aqui podemos lutar. Por isso prefiro a realidade.

—Sim, mas, se você não gosta da realidade não dá para acordar e ir para outra.

—Por que ir para outra? — disse John, com um terno sorriso. — O problema vai te seguir se não for resolvido. Ele te segue até nos sonhos. Não é bem melhor se livrar dele aqui em vez de ficar fugindo?

Violet sorriu de leve. Realmente, John Watson era sábio. Não tão inteligente quanto Sherlock, obviamente, mas possuidor de uma sabedoria muito tênue, e rara na maioria das pessoas. Uma sabedoria que surge do nada, e que existe em pessoas humildes o suficiente para não reconhecerem que são sábios. Uma sabedoria que não sabe que existe. E aquele foi o último incentivo de que Violet precisava para permanecer viva.

—Obrigado, Sr. Watson.

—Me chame John... — ele cerra os olhos. — Como me reconheceu?

—Sua voz.

—É um bom truque. — ele riu. — Hmm, posso te perguntar por que está aqui?

Violet olhou ao redor. Até agora não notara onde estava. Viu-se no apartamento de Sherlock, no sofá dele e com uma coberta que certamente era dele. Pensou. Ela desmaiara na ponte. Provavelmente Sherlock a carregara de lá, mas por que não a levara para sua própria casa?

—Ahn... — ela sorriu sem graça.

—O que aconteceu? — perguntou John. — Algo ruim?

Violet emudeceu. O que diria a ele?

“Bem, John, eu, no meu maior momento de desespero, tentei me matar pulando de uma ponte. Não sei exatamente por que eu quis logo pular de uma ponte, sendo que há maneiras mais rápidas e menos dolorosas de se matar. Sou retardada. Seu amigo Sherlock me impediu, conversamos brevemente, brigamos na maior parte, eu desmaiei estupidamente e por motivos desconhecidos ele me trouxe para cá... Hmm, melhor não.”

—Eu... Passei mal no Barts.

—Ah, sim.

—Tive de reconhecer... O corpo da Lisa... Por que os legistas não foram capazes de descobrir quem era mesmo estudando todos os seus órgãos e os policiais não acharam mais ninguém que ela conhecia para fazer isso... — ela retomou o fôlego. Falara tão rápido aquela última frase que nem tivera tempo de respirar. — Então eu fui.

—Sinto muito.

—Tudo bem.

—Vamos encontrá-lo, Violet. — afirmou John. — Sherlock vai encontrá-lo.

—Vocês todos têm tanta certeza disso.

—Bem, eu já o vi resolver crimes quase impossíveis. — John sorri. — Nada é impossível para aquela mente. E ele adora isso. Adora colocar aquela cabeça para trabalhar e desvendar quebra-cabeças. É como uma criança com seu brinquedo predileto.

—É um pouco mórbido. — ela disse. — Gostar de crimes... Alguns são horrorosos.

John dá de ombros.

—Não acho que ele gosta do crime. Ele gosta de resolvê-lo. Gosta do mistério. Gosta da adrenalina de ter que capturar um bandido. E tem um sangue de barata incrível para estudar cenas de crime, enquanto os policiais vomitam pela calçada ele passeia para lá e para cá na maior tranquilidade. E resolve o caso. Por isso confio nele... Ele sabe o que faz.

—Quero muito que você tenha razão... Ele realmente sabe desvendar pessoas... — ela suspira. — Mas é melhor eu ir embora, não pega bem eu dormir na casa do meu detetive particular.

Ela se levanta, na ponta dos pés, primeiro vai tomar um copo d’água, depois começa a olhar debaixo dos móveis. John se levanta, observando-a rapidamente, daí vê um celular antigo sobre a mesinha de centro da sala. Pega-o, sorrindo nostalgicamente.

—Eu já tive um desses.

—Ele é meu. — ela disse, ainda olhando debaixo dos móveis. — John, você viu um par de coturnos por aí?

—Ele tem um botãozinho só para acessar mensagens... Bem melhor que esses de agora que não tem sequer um mísero botão.

—John, você viu...

—Você recebeu uma nova mensagem. Hoje à tarde.

—Alguém me mandou mensagem?

—Você está procurando o quê?

—Meus coturnos, não posso sair daqui descalça.

—Com certeza Sherlock não sumiu com eles, não são provas circunstanciais, devem estar por aí. — John abre a mensagem. — Sophie... Ué... Mas o que... Margareth?

Violet se endireita, vendo John ler algo em seu celular.

—John, você está olhando minhas mensagens? — ela perguntou, sem agressividade.

John Watson a encarou, seu cenho não muito agradável.

—Quem mandou essa mensagem?

Violet vai até ele, pegando o celular e lendo o que havia na tela. No mesmo instante sua respiração acelerou, assim como os batimentos de seu coração.

—O que é isso? — ela disse com voz trêmula. — O que isso quer dizer?

—Quem te mandou isso, Violet?

—Eu. — ela levanta os olhos para John, estática. Sua mão se abre inconscientemente, deixando o celular escorregar de seus dedos e cair no chão. — Eu mandei.

—Como assim?

—É o número do celular que eu perdi... O celular que estava na minha bolsa... A bolsa que estava comigo naquela noite... — ela cobre os lábios com as mãos. Jamais John vira tamanho pânico no rosto de uma mulher. — Meu Deus, John...

—Por favor, fique calma.

—Foi ele!

—Respire devagar.

—É ele, John! É ele! Ele me mandou uma mensagem! Ele me mandou...

John a abraçou. Fez isso por pura bondade. E em completa inocência. Ela era uma completa estranha, ele sabia disso. Mas ela precisava daquilo, algo terrível acontecera, mais um numa fileira interminável de acontecimentos terríveis na vida daquela moça, portanto com certeza ela estava precisando de um abraço e de alguém que lhe dissesse que tudo ficaria bem.

—Está tudo bem... — ele disse, ouvindo-a chorar. — Vai ficar tudo bem.

—John? — Mary surgira na porta, com uma expressão interrogativa no rosto e uma sacola de brownies na mão. Parecia não entender aquela cena. Mas logo sua expressão passou para espantada. — Oh, Deus, é ela?

—Ele mandou uma mensagem...

—Quem?

—O assassino. — disse John, vendo Mary cobrir a boca com uma das mãos. — O assassino mandou uma mensagem. — ele olhou pela janela, ainda abraçando Violet, que soluçava. — Que Deus nos ajude...


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