O Inferno de Lizzie Horn escrita por Ramone


Capítulo 13
Capítulo 12




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Os cinco dias que se passaram a partir daquele com Zack na sala de Martin foram de total estranha paz e normalidade. Não que Lizzie conhecesse bem esse estado, mas comparado a tudo que ela já tinha vivido, aqueles dias tinham sido tudo menos macabros. Até mesmo os pesadelos pararam de assombrá-la na hora de dormir durante aquele período de tempo.
No dia seguinte à recuperação de Lucy no hospital, ela voltara para casa. Martin a trouxera de carro e expressava sua felicidade para todos da vizinhança. Uma pequena celebração foi feita para a garota, e parte da organização foi de Lizzie, que se responsabilizou pelos deliciosos aperitivos. Aliás, ela havia tomado sem permissão todas as tarefas domésticas para si como forma de “pagar” sua hospedagem da casa de Martin; Não que ele concordasse com isso, mas ela insistira. Não queria se sentir como uma pobre coitada vivendo de caridade na casa dos outros, então além das tarefas domésticas, Lizzie também passou a preparar as refeições e marmita de Martin, tudo antes feito por Lucy, mas que naquele momento ainda não retornara à sua rotina normal. Ela também não pareceu se incomodar com a iniciativa de Lizzie, muito menos sentiu qualquer tipo de ciúmes em ver que a garota começava a tomar mais espaço em sua casa. Os vizinhos já a conheciam, assim como os donos dos estabelecimentos mais próximos, como a padaria, a farmácia e a pizzaria, por exemplo. Todos achavam que ela era filha de uma amiga de Martin que estava ali para cuidar de Lucy, que aos olhos dos outros, ainda se recuperava do recente incidente. A questão é que Lucy sentia-se totalmente recuperada! Seus sentidos e funções estavam em perfeito estado como se nada tivesse acontecido, e isso deixava Lizzie extremamente satisfeita. Chegava a se gabar mentalmente contente por ter feito tão bom trabalho de cura.
Nenhum médico havia presenciado um caso como aquele, ou tinha visto alguém se recuperar perfeitamente rápido depois de retornar a ver. A história de Lucy correu de canto a canto em Trenton, fazendo-a virar um tipo de celebridade da cidade. Até relatos na internet foram divulgados e não demorou muito para que o jornal local e a imprensa mais próxima quisessem comentar sobre o caso na mídia, mas Martin com medo de expor-la e talvez prejudicar sua saúde, fez o máximo para evitar o “assédio”. Lizzie também não tinha muita vontade de acabar saindo acidentalmente em alguma foto ou matéria circulada na mídia com receio de ser reconhecida por alguém do orfanato ou da cidade onde morou antes da morte da mãe. Não achava que alguém a procuraria, mas era melhor evitar. Também não ia querer que lhe fizessem perguntas, ou por algum motivo desconhecido, fossem pesquisar sobre sua vida.

Lucy ainda não tinha tomado conhecimento da procura da mídia, pois naqueles primeiros cinco dias, não havia saído praticamente de casa a pedido do pai. Na maior parte do tempo, Lucy assistia filmes e programas na televisão, experimentava por diversão diversas roupas e maquiagens, se admirava no espelho e todo o tipo de coisa em que o sentido da visão era primordial. Fazer isso insistentemente passou a ser um pouco estranho depois do quarto dia, mas não foi mais estranho quando Lizzie flagrou-a fumando e bebendo vodka. Na primeira vez, ela estava na cozinha e fingiu que não tinha visto Lucy fazendo isso na sala que a mesma não percebera sua presença lá, mas na segunda vez quando estavam sentadas na sala conversando e vendo TV, Lizzie não conseguiu ignorar ao vê-la repetindo o ato.

— Martin não vai gostar se ver isso – comentou timidamente. Lucy esboçou um sorriso de canto e deu outro trago no cigarro.

— Ele não precisa saber Liz, porque eu não vou contar – ela virou-se pra Lizzie com a sobrancelha arqueada – Você vai? – perguntou séria. Lizzie balançou a cabeça negativamente. Lucy sorriu novamente satisfeita, bebericou a vodka e voltou a assistir televisão. Lizzie mordeu o lábio, sentindo-se desconfortável com a situação. Não queria mentir ou omitir para Martin, mas também não queria ficar mal com Lucy. Aliás, a garota tinha todo o direito de curtir a ‘nova’ vida da forma que achava melhor, mesmo que aquele comportamento não fosse ‘o melhor’. Mas pelo menos uma coisa sobre o novo comportamento de Lucy, Lizzie tinha gostado: ter parado com o grupo de orações. Desde a comemoração do retorno de Lucy que Lizzie não via aquelas pessoas, assim como também não presenciou mais a garota orando no altar improvisado na extremidade da sala. Alías, o próprio altar havia sido totalmente rejeitado por Lucy, que assim que voltou pra casa, pediu para ser guardado no quarto de depósito.  Martin relutou no começo, mas pra não brigar e irritar a filha, acabou assentindo.

 

Lizzie nunca sentiu tanto prazer em arrumar a casa ou passar o tempo com Lucy fazendo absolutamente nada, e acabou se fechando naquela rotina, abandonando inconscientemente a  sua busca pelo Raul. E quanto mais Martin demonstrava afeto e agradecimento a ela, mais Lizzie queria se mostrar prestativa. E enquanto ele a elogiava, mais reclamava interiormente sobre Lucy. Logicamente, ele sentia falta da filha que havia morrido antes do seu “renascimento”. A filha que antes era doce, organizada e frágil, se tornara vaidosa, fresca e irritava-se cada vez mais com a prisão domiciliar que Martin inutilmente fazia com ela.



Na quarta noite, depois de chegar do trabalho e jantar, Lizzie esperou Lucy subir para o quarto e chamou Martin na cozinha. Sugeriu que ele enfim a liberasse para sair um pouco, e talvez assim, ela ficasse menos inquieta. Relutante, Martin concordou, pois depois de refletir, percebeu que talvez este fosse a melhor solução diante o novo comportamento rebelde de Lucy. Ela não era criança, nem adolescente! Era uma adulta que acabara de passar por um momento inédito, e que provavelmente, só queria celebrar sua vitória.  
Deste modo, Martin foi até o quarto de Lucy e conversou com a filha. Pediu-lhe perdão por suas restrições e explicou que só estava tentando protegê-la. Abraçaram-se, e só depois que o pai saiu do quarto, que Lucy demonstrou satisfação.

No andar de baixo, Lizzie lavava a louça enquanto conversava com Zack, que como de costume, voltava do pedágio junto com Martin. Era bom ter com quem conversar decentemente no fim do dia, já que Lucy parecia só querer falar sobre assuntos de beleza ou saber das fofocas da vizinhança. Com Zack, Lizzie conseguia conversar sobre música, cinema, noticias do mundo e até sobre esporte. Neste ritmo, ela nem fazia mais questão de fazer perguntas sobre seu passado, e só falavam sobre sua vida por vontade própria, sem pressão ou questionamentos.

— Amanhã é sexta feira e eu não trabalho. Estava querendo ir num lugar bacana aqui em Trenton... Tá a fim de ir comigo? – perguntou quando a ajudava e secar a louça. Lizzie ainda relembrou da última vez que Zack a convidara pra um passeio, mas decidiu deixar de lado e aceitou.

— Vai me dizer que lugar é esse pra eu a menos saber o que vestir?

— Vista o que você sempre veste que tá ótimo. Só fique confortável! – respondeu. Lizzie assentiu. Daquela vez estava mais tranqüila com essa questão de vestuário, pois Lucy havia lhe dado um bocado de roupas desde que voltara. Não eram exatamente no estilo que ela preferia, mas daria um jeito.
Depois de ajudar Lizzie na cozinha, Zack se despediu de Martin e anunciou que iria pra casa. Ela ainda não sabia onde ele morava, mas ele comentara certa vez que não ficava longe.

— Amanhã então, hein! Encontro-te aqui ao meio dia – exclamou segurando a porta.
— Espero que sim! – brincou. Ambos riram e depois Zack saiu. Logo em seguida, Lizzie subiu correndo até o quarto de Lucy no segundo andar. Bateu forte da porta duas vezes até a outra abri-la. Lucy usava uma camisola roxa transparente que exibia o sutiã e a calcinha de renda da mesma cor que usava por baixo. Segurando um cigarro entre os dedos e uma expressão de interrogação, ela perguntou o que Lizzie queria.

— Me ajuda com uma coisinha? – pediu fazendo um gesto de súplica com as mãos e um sorriso malicioso.

 

— O que? – arqueou a sobrancelha desconfiada. Ela deu espaço para Lizzie entrar e as duas sentaram na beira da cama. O quarto de Lucy era o maior da casa, e agora tinha vários recortes de revista e jornal colados nas paredes naturalmente brancas, grande parte deles, eram mulheres bonitas e famosas; Um guarda roupa imenso de madeira clara ficava ao lado da porta, uma cômoda com micro system e uma luminária moderna ficava o lado da cama e uma penteadeira com um grande espelho e diversos produtos de maquiagem ficava do outro lado.

— Você conhece o Zack a muito tempo, Lucy? – perguntou.

— Bem, o conheço a mais de um ano, mas ele tem freqüentado nossa casa com certa freqüência a uns quatro meses eu acho. Por quê?

— Ele me chamou pra acompanhá-lo a um lugar amanhã...

— Você quer dizer que vocês vão ter um tipo de encontro? – Lucy deu uma risadinha e levou o cigarro aos lábios; A fumaça do mesmo acabava indo em direção ao rosto de Lizzie o tempo todo, fazendo-a tossir de leve – Isso já era tão esperado.

— Era? Er, Não sei se posso chamar de encontro. A questão é que eu o Zack talvez tenha alguma coisa com uma garota aí e...

— Ô Liz, posso ser sincera? Sabe o que eu vejo quando olho para o Zack? Um homem. E homens são todos iguais! A diferença é a aparência, e no caso dele, acho que você pode ficar bem tranqüila – interrompeu-a. Lucy falava num tom impaciente, porém engraçado – Quando cega eu já imaginava que ele era bonito, mas nem se compara com a imagem que ele tem de verdade – gargalhou. Lizzie também esboçou um sorriso de canto, mas não deixou de ficar incomodada com o que ela dissera. E mais ainda: Lizzie não entendia como ainda se permitira criar tantas expectativas ou porque estava ali fazendo perguntas daquele tipo à Lucy. O que ela poderia entender? A antiga Lucy não parecia ser a pessoa mais experiente neste tipo de assunto, muito menos especialista de homens.

— Você acha que eu devo ir então, sem problemas?

— Vai garota, mas tenha controle da situação. Não seja bobinha, o que eu acho difícil de você conseguir, mas... Fica de olho aberto. O Zack não tem a melhor das reputações aqui em Trenton – falou com um tom sarcástico, mas misterioso. Lizzie franziu o cenho e viu ali a oportunidade de talvez saber de algo. Do jeito que Lucy falara, alguma coisa a respeito de Zack.

— O que você quer dizer, Lucy? – perguntou curiosa.

— Antes de o Zack fazer essa linha bom moço trabalhando com o meu pai, rolavam muita história por aí sobre algumas coisas que ele fazia. Eu não lembro exatamente o que era, mas Zack definitivamente não tinha nada de rapaz decente. E só olhar bem pra cara dele e você consegue ver isso claramente! – exclamou dando um ultimo trago.

Lizzie queria perguntar mais, fazê-la falar tudo o que ela poderia saber, mas fazer isso seria se mostrar interessada demais, e ela não estava assim. Certo? Era o que ela queria pensar. A questão é que decidiu parar com o assunto a fim de não ficar dando muita importância a qualquer coisa relacionada ao garoto.

— Mas a tal ajuda que tu queria era o quê?

— Queria só um conselho, sabe... De mulher pra mulher – mentiu com um sorriso sem graça. Lizzie na verdade queria a ajuda de Lucy para escolher a roupa que usaria no dia seguinte, mas percebeu que estava se afobando muito, e as palavras de Lucy a respeito dos homens e Zack a fez raciocinar um pouco mais. Ela estava certa sobre tudo, e nada na verdade era uma novidade; Aliás, Zack já havia lhe dado bolo uma vez para ir a outro lugar com Summer que aparentemente tinha ou teve alguma coisa com ele... Lizzie não podia se animar demais. E antes de qualquer coisa: Zack era e continuaria sendo só um amigo!

— Aproveite enquanto conselho é de graça então – brincou. Lizzie riu e se levantou para sair do quarto. Lucy acompanhou-a até a porta pra trancá-la, mas antes de fechar, ela sussurrou perto do ouvido da menina - Cuidado amanhã!
Lizzie encarou-a sem entender, e foi assim, com o rosto bem próximo de Lucy que ela notou que os olhos amendoados da garota tinham algumas manchas vermelhas.

 

No outro dia, Lizzie acordou mais cedo que o normal, mas se negou levantar da cama. Ficou deitada, olhando para o teto, pensando em como seria aquele dia. Afinal, o que havia de especial em sair com o Zack? Porque era tão difícil tornar aquele momento em só mais um dos que aconteceria durante o dia?
O curioso é que não era sobre Zack que Lizzie pensava, mas sobre o passatempo que teriam em si. Não era como se ela ficasse pensando nele e toda a sua aparência atraente, mas sim no que eles fariam, como tudo seria e como o passeio acabaria.
Lizzie ficou na cama pensando por pouco mais de uma hora, e o tempo passou sem que ela percebesse. O despertador que ficava na cômoda ao lado da cama tocou no horário em que ela estava acostumada a acordar: 8:00 hrs.
Finalmente, ela se levantou, foi até o banheiro onde lavou o rosto e escovou os dentes. Vestiu um hobby que veio no monte de roupas doadas por Lucy e desceu até a cozinha para preparar o café da manhã, mas Martin havia se adiantado e já terminava de preparar queijo quente e vitamina de mamão.

— Bom dia! Não vai para o pedágio? – perguntou surpresa. Normalmente, Martin ia trabalhar bem cedinho, antes mesmo de clarear.

— Mudei meu turno hoje com um amigo que eu devia um favor, então eu vou começar no fim da tarde e só volto amanhã de manhã – explicou – Dê uma olhada em Lucy pra mim. Hoje ela deve sair, ver algumas amigas e coisas do tipo. Amanhã você me diz se correu tudo bem, ok? – pediu e Lizzie assentiu. Era engraçado ver como Martin confiara sua filha de 25 anos a uma garota de 18 que nem era da família. Ela ficou orgulhosa.
Ajudou-o a arrumar a mesa para o café, e comeu demoradamente porque Martin começou a conversar, contando-lhe histórias da infância de Lucy. Quando percebeu um rápido silêncio, Lizzie enfiou o que restava do queijo quente na boca e se levantou da mesa antes mesmo de terminar de mastigar. Não queria ser rude, mas estava com certa “pressa”. Ela pretendia manter as tarefas domésticas antes do passeio com Zack, que seria meio dia, portanto, ela tinha poucas horas até lá; Sem falar que ainda precisava se arrumar. Deste modo, ficar papeando no café da manhã com o Martin, por mais gentil e engraçado que ele fosse, não era o melhor programa no momento.

Lucy passara a acordar bem tarde desde que voltara do hospital, portanto não ia precisar tirar a mesa – Trocou o hobby e o baby doll por um conjunto de moletom lilás (também de Lucy) pra arrumar a casa. Varreu e passou pano úmido no chão, espanou os móveis, limpou o banheiro e colocou as roupas sujas na máquina. Quando terminou, Lizzie consultou o relógio e ficou tranqüila ao ver que tinha sido rápida, porém, eficiente – Eram 10 e meia da manhã. Tinha tempo de sobra para se arrumar.
Tomou um demorado banho de banheira, se enrolou na toalha e penteou e secou os cabelos; Usou o desodorante e o perfume que estavam de bobeira no armário do banheiro, que provavelmente eram de Lucy já que aquele era o banheiro do segundo andar, o mesmo em que ela dormia. Quando saiu, deu de cara com a garota que acabava de acordar.

— Bom dia, Lu! – exclamou sorridente. Lucy bocejou – Seu pai não foi trabalhar cedo... Ele está lá embaixo – avisou, olhando em direção à lingerie indecente que a outra usava, como se desaprovasse a idéia de ela aparecer daquele jeito perto do pai. Lucy deu de ombros e desceu, enquanto Lizzie subiu para ‘seu’ quarto no terceiro andar.
Abriu o guarda roupa e jogou na cama todas as roupas que tinha trago consigo na mochila e as que tinha ganhado de Lucy.  A propósito, ela estava bastante acostumada com doações de roupas, já que sobreviveu desta maneira no orfanato. Correu os olhos por todas as peças, lembrando-se de que Zack sugerira que ela usasse o que costumava vestir, mas de forma que ficasse confortável.
Separou algumas peças que gostara de cara, mas no fim, acabou optando por um vestido branco de cetim e tule que Lucy disse ter usado em uma apresentação de canto na antiga igreja que freqüentava. Estranhamente, o vestido não era nada careta, e muito bonito, conquistando Lizzie de primeira.
Agradeceu mentalmente ao fato de ter corpo e altura parecidos com o de Lucy, e ficou contente quando o vestido coube tranquilamente em si. Pegou o pequeno estojo de maquiagem que Lucy havia trocado por um maior e esfumaçou o lápis de olho com sombra preta próximo aos cílios; Para os lábios, passou de leve um batom alaranjado. Não precisava de mais do que isso no rosto.
Quando se olhou no espelho, sorriu ao ver o resultado. Estava bonita e se sentia assim! O vestido de alça leve e fluido que chegava quase aos pés lhe fazia parecer uma espécie de anjo.


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