Impressões Enganam, as escrita por MyKanon


Capítulo 17
Ela confia no meu trabalho




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Acordei na manhã seguinte incomodado com os fortes raios solares invadindo o quarto.

Se eu não estivesse de ressaca, não teria sido tão incômodo.

Espreguicei-me demoradamente, mas isso não foi suficiente para despertar a Veridiana que dormia enroscada no meu braço.

Observei-a ressonar, com o semblante totalmente tranquilo, enquanto me lembrava da nossa madrugada nem de longe tranquila.

Coloquei uma mecha de seu cabelo loiro para trás da orelha e achei que a tivesse acordado, mas ela só se virou para o outro lado e pareceu adormecer mais profundamente ainda.

Ri achando graça de seu repouso absoluto.

Acariciei seu ombro descoberto e decidi aproveitar a manhã ali mesmo.

Acabei por também adormecer. Despertei muito tempo depois e me surpreendi ao constatar as horas e descobrir que havia cochilado por mais duas horas.

E a Veridiana continuava ferrada no sono.

Recordei-me de quando ela dissera que havia ocasiões em que podia dormir por até 24 horas seguidas... Essa não seria uma daquelas, seria?

Essa possibilidade me assustou um pouco. Era como ter alguém em coma nos braços...

Mas não me assustou mais que ao voltar a fitá-la, encontrar com seus grandes olhos cinzas me encarando.

Ela tinha esse dom de ser imprevisível e incomum quando menos se esperava. Por que não podia despertar se espreguiçando e se anunciando ao invés de fazê-lo em completo silêncio e me encarando como se estivesse sufocando?

_ B-bom dia, Veri.

Ela abriu um grande sorriso e me respondeu com outro cumprimento. Em seguida, sentou-se na cama, tomando o cuidado de manter-se coberta com o lençol.

Não havia necessidade. Não tinha nada ali que eu não tivesse visto. Ou que não tivesse aprovado.

Inclinei-me até ela e lhe beijei os lábios.

_ E então, animada para começar o dia?

_ Ahn... - ela procurou pelo visor do relógio – Sim... Pronta para começar a ir embora.

Ela tinha razão. Até nos aprontarmos, só teríamos tempo para almoçar antes de acabar nosso período.

_ Não tem problema. O que curtimos já valeu muito a pena! Tô certo ou tô errado?

Seu rosto se tingiu de um rosado encantador e ela balançou a cabeça positivamente. Puxei-a para perto de mim e beijei novamente seus pequenos lábios, dessa vez com um pouco menos de recato...

*

Falamos pouco na viagem de volta, e quando assumi a direção, a Veridiana outra vez adormeceu. Eu já tinha ouvido dizer que o sono não era cumulativo, mas no caso da Veridiana, a história era bem outra...

_ Quer entrar e descansar um pouco antes de ir embora? - cochichei em seu ouvido para despertá-la.

Já estávamos parados no portão da minha casa.

_ Hum? Ah! Já? Não! Não precisa se incomodar! Me desculpe... Eu dormi!

_ Você está cansada. Essa semana deve ter sido mesmo nervosa...

_ Sim... Mas não é nada perto da que está por vir... - ela pareceu se perder em pensamentos.

_ É mesmo? E o que é que está por vir?

_ Muito trabalho... A Marissol vai para a Alemanha esta semana... Tenho que deixar tudo na mais perfeita ordem.

_ Ah é mesmo? Vai ficar quanto tempo lá?

_ É indeterminado...

_ Mas, e você? - perguntei quase alarmado.

Ela riu delicadamente e respondeu:

_ Ela vai deixar tudo que era dela, Vitor.

Suspirei aliviado e depois senti vergonha ao notar que ela havia percebido.

_ Hee! Obrigada por se importar Vitor! E, bem, acho que é hora de ir... Amanhã o dia vai começar bem cedo pra mim!

_ Claro. Nos encontramos amanhã.

Peguei minha mochila no banco traseiro e desci do carro. Ela deixou o banco de passageiro e passou para o de motorista.

Despedi-me com um beijo e a observei se afastar.

Essa semana eu deveria me controlar e deixar que trabalhasse em paz. Parecia mesmo estar sobrecarregada.

E com a transferência da Marissol para a Alemanha, seria possível que a Veridiana assumisse seu lugar?

Era bem provável, afinal, não conhecia mais ninguém que trabalhasse na qualidade...

Uau... A Veridiana não era fraca não.

*

Empurrei a porta de vidro com certo desânimo ao chegar na segunda-feira. Mas meu humor logo melhorou ao avistar um conhecido casaco cor de rosa sobre uma cadeira em frente à minha baia.

Deixei sob seu teclado uma dobradura no formato de uma rosa e me ajeitei em meu lugar.

Senti-me extremamente vulnerável com esse gesto, e cogitei a possibilidade de tirar aquela porcaria de lá, mas ela chegou antes de eu poder tomar uma decisão.

_ Oh! - ouvi-a exclamar do outro lado da divisória – Mas que lindo!

Sorri silenciosamente, mas não me manifestei.

_ E essa não morre... Pois minhas flores sempre morrem mais rápido que as demais... Eu sempre esqueço de regá-las...

Ela não havia se levantado para falar comigo, mas eu sabia que se dirigia a mim.

_ Alfons, bitte. - ouvi-a dizer.

Estranhei. Parecia estar ao telefone (certamente com algum alemão), mas como era possível? Ela havia me presenteado com o seu logo que eu começara a trabalhar ao seu lado...

_ Ist Marissol. - depois de alguns segundos, finalizou - Ok. Ich warte.

Finalmente ela se levantou, ainda segurando a flor de papel nas mãos.

_ Muito obrigada Vitor... - então arregalando os olhos, perguntou – Digo, foi você, não foi?

Sem conter o riso, fiz que sim com a cabeça.

_ Ah, que bom... Eu... Eu tenho que ir falar com o seu chefe agora... Bem, já volto.

Desajeitadamente, deixou seu lugar, com a lembrança ainda nas mãos. Parecia extremamente agitada. A folgada da Marissol parecia ter deixado tudo em suas costas, a julgar pela breve conversa que tivera ao telefone.

Voltei a meus afazeres, mas a chegada de um e-mail de meu chefe me chamou a atenção.

De: Carlos Barasal

Para: Vitor Ferreira

Bom dia Vitor.

Meu telefone está em uso, por isso este e-mail. Poderia comparecer à minha sala por um minuto?

Att,

Carlos Barasal

Fiquei em dúvida entre responder ou ir diretamente falar com ele. Como a ansiedade me consumia, bloqueei meu computador no mesmo minuto e fui até sua sala.

Dei duas batidas na porta e aguardei ser recebido.

Ouvi uma voz feminina lá dentro, e estranhei reconhecer a Veridiana.

_ E então, tudo bem Vitor?

Até me assustei quando meu chefe abriu a porta.

_ Tudo sim sr. Barasal.

_ Eu só precisava falar um minuto com você. Pode se sentar.

Ele me deu passagem e indicou a cadeira em frente à sua mesa. Reconheci o topo da cabeça da Marissol sentada em sua cadeira. Estava de costas para nós.

Falava rapidamente e eu jurava estar irritada.

_ Nie! Ich werde jetzt sprechen! Wir sind für eine lange Zeit warten!

Meu chefe puxou outra cadeira de visita e sentou-se ao meu lado.

_ Parece que você já está ciente sobre nossa reformulação da qualidade.

Senti-me um tanto constrangido. A Veridiana estava falando para ele sobre o que me contava?

_ Ahn... Ouvi alguma coisa.

Nesse momento, a Veridiana virou-se para nós e pareceu surpreender-se com a minha presença.

_ Einen moment... - apertou um botão que julguei ser o mute e perguntou – Vitor?

_ Eu o chamei para falar sobre a vaga. - justificou-se o Barasal.

_ Ahn, claro... Bem... Eu... Já estou terminando. - disse sem jeito – Está um pouco complicado... Hee!

_ Fique à vontade. Serei rápido com ele. - informou o Barasal.

Ainda pouco à vontade, apertou outra vez o botão e voltou a falar com seu interlocutor. Dessa vez um pouco mais calma.

_ A Marissol está sendo roubada da nossa sede brasileira. Esta é a verdade. - ele riu descontraidamente e então prosseguiu – E você foi muito bem em seus testes... Queria saber se estaria disposto a trabalhar numa área nova. Posso lhe garantir que a gestão da qualidade é muito gratificante.

Não tinha muito tempo que eu tinha iniciado minha vida profissional, mas já havia descoberto que “gratificante” no mundo corporativo significava “rentável”.

E além de tudo, eu poderia trabalhar com a Veridiana. Se ela fosse assumir um cargo de maior responsabilidade, era certo que precisaria de um auxiliar.

_ Adoraria. Fico feliz por ter sido indicado.

_ Pois muito bem. Eu também fico feliz. Obrigado Vitor. - apertando minha mão, levantou-se, obrigando-me a fazer o mesmo – Será que você poderia começar auditando aquele projeto que você entregou na semana passada? Preciso saber se o cronograma está em dia e se os apontamentos estão em ordem...

À essa altura, eu já estava sendo empurrado porta à fora.

Eu tinha uma ligeira noção sobre cronogramas e apontamentos de hora, mas não tinha certeza se era o suficiente para uma auditoria.

Mas eu não podia demonstrar tamanha incapacidade. Se fosse necessário, eu aprenderia naquela manhã tudo que fosse necessário sobre gestão de projetos para entregar aquele raio de auditoria.

_ Sim, posso sim.

_ Ótimo. Ah, e não esqueça de trazer sua carteira profissional amanhã. Sua efetivação já foi aprovada.

Ele estava quase fechando a porta quando inconscientemente perguntei:

_ Eu receberei um aumento?

_ O dobro está bom pra você?

Mas antes que eu pudesse responder, ele já havia fechado a porta.

Era inegável que estavam todos mais histéricos que o habitual.

Fiquei mais alguns segundos ali parado diante de sua porta branca até me dar conta de que o trabalho me esperava. Aos montes.

No entanto, não conseguia evitar a empolgação crescente.

Eu havia sido efetivado. Finalmente eu havia sido efetivado. Meu esforço fora reconhecido e meu salário dobrado!

E além de tudo, trabalharia com a Veridiana. O que mais eu poderia querer?

Talvez não pegar nenhuma DP na faculdade... Era só o que faltava para que todos meus objetivos fossem atingidos.

Tá certo que nada daquilo teria sido possível se não fosse a indicação da Veridiana, mas ela não seria tão inconsequente para misturar as coisas. Se ela havia me indicado, era porque confiava no meu trabalho. Não colocaria sua credibilidade em risco por causa de uma paixão... Ela não era desse tipo.

Voltando ao meu lugar, comecei a fazer o que meu chefe havia me pedido, algumas vezes quebrando a cabeça para descobrir o quê exatamente eu devia levar em consideração ou não. Então me lembrei do portal da qualidade que um dia a Veridiana havia me apresentado, e sem hesitar, o acessei. Foi de grande ajuda, como uma espécie de tutorial.

_ Veri! Que bom que você voltou... Queria muito te agradecer. - comecei, enquanto me dirigia à sua mesa.

_ Me agradecer? Pelo quê?

_ Pela... - Mas então me dei conta de que talvez ela não se sentisse à vontade em falar sobre o assunto – Por ter me apresentado o portal. Está ajudando pra caramba.

_ Ah! Imagina! Fico feliz por ter gostado! - sorriu angelicalmente.

_ Ora ora, vejo que não resistiu e arranjou outro! - indiquei o aparelho telefônico sobre sua mesa.

_ Puxa... Eu bem que tentei, mas foi inevitável... Ainda mais com essa... Mudança toda...

_ Eu entendo... Bem, faltam apenas cinco minutos para o meio dia... Você vai poder sair para almoçar agora?

_ Uhn... Bem... Na verdade... Eu não poderei ir com você hoje, Vitor... Estou esperando alguém...

Quem?” Foi a primeira indagação que me veio à mente, mas eu não podia ser tão inoportuno. Estava claro que era algo relacionado ao trabalho, ainda mais em um período tão turbulento.

_ Sem problemas. Então vou deixá-la trabalhar em paz. Parece que é o que mais precisa.

_ Você ajuda.

Fiz cara de interrogação.

_ Quando preciso de um pouco de paz... Você ajuda nisso. - ela corou.

Sempre corava com muita facilidade.

_ Sério? Que coincidência.

Ela riu, brincando com a barra de sua saia plissada, constrangida para me encarar.

_ Hey! Veja só quem eu finalmente encontrei!

Instantaneamente virei-me para ver quem falava, mas não parecia ser ninguém que eu conhecesse.

Um homem alto e forte aproximou-se de nós, segurando uma maleta de couro que parecia abrigar um notebook.

Apesar de sua vestimenta formal com terno e gravata, muito me lembrava os surfistas que encontrava nas praias desertas que eu gostava de frequentar.

Tinha a pele bronzeada e os cabelos curtos queimados pelo sol.

_ A mais bela das consultoras de TI!

Sem me cumprimentar, ou mesmo notar minha presença, dirigiu-se até a Veridiana e estendeu sua mão para ela.

Corando ainda mais, ela o cumprimentou, e diferente do que eu esperava, ele beijou o dorso de sua mão.

_ Deixa de besteira, Richard. - pediu envergonhada.

Não soube dizer o que senti naquele momento. Mas algo relacionado a não querer que ninguém além de mim a fizesse corar de constrangimento.

_ Mal via a hora de sair daquela masmorra! - dizendo isso, afrouxou o nó da gravata azul e a arrancou. - Vamos indo?

_ Claro. Ah, Richard, este é o Vitor, que vai ajudar na qualidade agora.

_ Prazer, meu jovem.

Cumprimentei-o a contra-gosto. Ele havia fingido não me notar até aquele momento.

_ Que tal irmos agora? - ele insistiu.

_ Ah, sim. Até mais tarde, Vitor.

Ele a conduziu para fora, guiando-a pela cintura.

Não foi uma das cenas mais agradáveis do meu dia. Um cara boa pinta, bem sucedido e irritantemente galanteador levando minha namorada pela cintura para dentro de um elevador vazio...

Espere aí, minha o quê?

Continua


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Notas finais do capítulo

*
N/A: Gente, estou numa fase muito boa... Terminando tudo que tinha pendente.
O próximo cap será o último! D=