Impressões Enganam, as escrita por MyKanon


Capítulo 14
Ela escolhe as melhores palavras




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_ Desligado? Você quer dizer demitido?

Ela confirmou novamente com um aceno de cabeça.

Nesse momento nossos pedidos chegaram, e toda sua atenção desviou-se para seu prato de lentilhas com carne.

Meu apetite minguava gradativamente enquanto eu dava lentas garfadas no prato.

Não que eu não tivesse os conhecimentos específicos para realizar meu trabalho, senão não o estaria realizando. Mas uma prova era uma prova. Eu sempre tinha lapsos de memória em momentos cruciais como esses.

_ Talvez fosse melhor eu não ter dito nada. - ela lamentou-se me encarando consternada.

_ Não, foi mesmo melhor. Eu... Sei lá. Assim eu sei que tenho que me preparar...

_ Hum-hum.

Ela continuou me encarando imóvel. Voltei-me para meu prato.

_ Isso mesmo. - ela confirmou – Prepare-se. Talvez estudando alguma coisa sobre fluxo de navegação. E tudo o mais que você usa...

Ergui os olhos para ela novamente. Dessa vez surpreso. Ela estava mesmo me revelando o conteúdo da prova?

_ N-não disse nada. - ela gaguejou.

Depois voltou a comer.

_ Obrigado, Veri.

_ Eu não fiz nada que mereça agradecimento. Nada mesmo. - negou.

Dei risada e me concentrei em terminar minha refeição e permitir que ela também terminasse a dela.

Quando voltei para minha mesa, pensei em procurar algumas informações sobre o fluxo de navegação que a Veridiana havia me sugerido estudar, mas decidi primeiro terminar meu trabalho.

No fim do dia, constatei decepcionado que não conseguira estudar nada.

 

*

 

_ Bom dia Veri, tudo bem? - cumprimentei parando em sua mesa.

_ Bom dia, Vitor! Tudo bem sim! E com você? - perguntou alegremente.

_ Indo, né. - ergui um punhado de folhas para que ela pudesse ver – Tentando estudar um pouco.

_ Ah, poxa... Não fique nervoso. Tenho certeza que dará tudo certo! - ela levantou uma das mãos fechada em punho.

Mesmo toda minha apreensão não foi suficiente para me impedir de rir.

_ Obrigado. Bem, vou tentar trabalhar e estudar um pouco então... Nos falamos daqui a pouquinho.

_ Hum-hum! - confirmou.

Dirigi-me para a minha mesa e li mais alguns conceitos enquanto meu computador ligava.

Foi difícil me concentrar no trabalho durante toda aquela manhã e cheguei a pensar que talvez fosse mesmo melhor a Veridiana não ter me dito nada...

_ E aí cara, tudo certinho? - perguntou o Robinson ao me encontrar na copa.

_ Beleza. E contigo?

_ Na boa. É trampo isso aí? - apontou para as folhas que eu tinha na mão.

_ Ah, não. É para a prova de amanhã.

_ Ô louco, meu! Tá dedicado hein...

Seria injusto com a Veridiana contar para ele? Ou seria injusto com o Robinson não contar o que eu sabia?

Se ele fosse bem na prova, ótimo.

Se ele fosse mal... Perderia o emprego e eu carregaria aquela culpa até que ele arrumasse outro. Ou talvez por mais tempo ainda.

_ Eu fiquei sabendo que essa prova é decisiva. - decidi contar.

_ Decisiva? - ele me encarou incrédulo – Como?

_ Decisiva, mesmo. Literalmente.

_ Tá dizendo que podemos ser mandados embora se formos mal?

Concordei com um aceno de cabeça.

_ Quem te disse isso?

A pergunta me pegou desprevenido. Não sabia se era bom para ela que ele soubesse.

_ Ouvi por aí.

Ouvi-o soltar um muxoxo de contrariedade, e então me perguntou:

_ E você acredita mesmo nisso?

Minha cara de tacho respondeu que eu já não sabia mais em que acreditar.

_ Eu até acredito que eles queiram testar nossos conhecimentos e tals... Mas eles não fariam isso. No fim, todo mundo vai ficar com dez. A nota mais baixa será oito. Escreve o que estou te dizendo.

_ Por que tanta certeza?

_ Oras, é óbvio meu! Se quisessem mandar alguém embora, não se dariam tanto trabalho. É só burocracia...

Os argumentos de meu colega conseguiram me tranquilizar um pouco. Contudo, eu ainda acreditava na Veridiana. Não poderia ser uma brincadeira, ela teria desmentido. Estaria também sendo enganada?

_ Pelo mal ou pelo bem, eu vou dar uma estudada. Se você também quiser, cai fluxo de navegação. E eu não disse nada, valeu?

Ele concordou com o meu pedido, e o deixei sozinho na copa.

Fiquei tentado a pedir mais informações para a Veridiana quando vi sua cabeça no lugar onde deveria estar: em sua mesa. Mas decidi por me conter. Ela deixara claro que não se sentia confortável por me revelar tais informações.

Já não era mais a prova que me preocupava, mas o mistério que a envolvia. E como eu sempre fora muito expressivo, ela logo notou minha preocupação durante o almoço.

_ Por que você não faz de conta que eu não disse nada? - perguntou inocente.

Talvez pra ela fosse realmente fácil.

_ Ah, me desculpe pela ausência mental. É que... - pensei em confrontar com ela o ponto de vista do Robinson.

A Veridiana não tinha obrigação nenhuma de me contar o que havia contado. Ela havia corrido um risco para me ajudar. Seria injusto tomar por verdadeiras as palavras do Robinson, que nem mesmo tinha consideração por mim.

_ Deixa pra lá vai. - estiquei meu braço por sobre a mesa e alcancei sua mão branca e pequena – E como está o seu serviço?

_ Ele vai bem, obrigada. - sua resposta foi tão solícita que parecia que falávamos de alguém.

_ Você é mesmo uma figura.

Sem saber se podia aceitar como um elogio, sorriu cuidadosamente.

_ Nós vamos sair esse fim de semana?

_ Hum? Ah! É... Se você quiser... Ia ser muito legal... Não é?

Eu ri e concordei. Tudo estava sendo muito legal com ela.

 

*

 

Eram apenas 8:30, mas eu já estava apertando o botão do 24º andar.

Quando o elevador apitou e suas portas se abriram, surpreendi-me com a Veridiana prestes a embarcar.

_ Oi! - as palavras me faltaram por um instante – Bom dia!

_ Bom dia! Hee! - sorriu largamente.

_ Já está indo embora?

_ Ah, sim, não posso ficar... Só vim trazer as provas... - lamentou.

Então que ela sabia o conteúdo, era verdade.

_ Ahn... O que vou fazer sem meu amuleto então?

_ Seu amuleto? Você o esqueceu? - perguntou visivelmente preocupada com seus olhos cinzas arregalados.

_ Não. Ele está indo embora por conta própria... - brinquei.

Ela pensou por alguns instantes até entender a cantada.

_ Oh! - exclamou enquanto corava graciosamente – Ai, Vitor... - depois riu constrangida.

_ Rapidinho!

Puxei-a para dentro do elevador, onde não poderiam nos ver e a beijei rapidamente. Então desembarquei e deixei que ela seguisse sem caminho.

_ Boa sorte com a prova. - ela desejou antes das portas se fecharem.

Caminhei ladeando uma parede de vidro até chegar na porta. Uma jovem muito formal pediu para que eu me sentasse em alguma das poltronas do auditório.

Acomodei-me confortavelmente numa das cadeiras vermelhas e fiquei estudando o ambiente enquanto a hora não chegava.

Era um recinto amplo e claro. Tinha lugar para cerca de cem pessoas, segundo meu rápido cálculo. As pesadas cortinas de veludo azul estavam abertas. Quando se fechavam provavelmente deixavam o ambiente bem escuro.

Enquanto em me perdia no pensamento inútil sobre a luminosidade da sala, um casal bastante barulhento chegou.

Não me surpreendi ao reconhecê-los.

_ Ei, e aí carinha?

Cumprimentei primeiro o Robinson, e em seguida à Dani, pois vieram sentar-se próximos a mim.

_ O Robinson me disse que você falou que poderíamos ser demitidos se não fôssemos muito bem, é verdade?

Felizmente hoje ela estava vestida com bastante pudor.

_ Não sei, Dani. Prefiro não confirmar nada. E nem era uma notícia oficial. Era pra ficar em off. - encarei meu colega significativamente, aborrecido pela indiscrição.

_ Que isso meu. Com a gente não pega nada. Temos de nos unir, não é não? - ele brincou.

_ Hum.

Antes de podermos continuar, a moça que nos recepcionara anunciou o início da prova. Ajeitamo-nos nos nossos lugares e recebemos um caderno de questões.

Depois de ler algumas das perguntas, concluí que não estava muito difícil. Mas a dica da Veridiana havia sido preciosa.

Notei que o Robinson não levava o teste tão a sério. Parecia escolher as respostas aleatoriamente, e logo entregou sua folha.

Somente depois de todos terminarmos fomos autorizados a sair.

_ E então, o que achou? - perguntei ao Robinson quando entramos no elevador.

_ Sinceramente? Nem li algumas das perguntas. Mas as que eu li, respondi com certeza. E você?

_ Ah, imaginei que fosse pior... E você, Dani? - perguntei por educação, pois realmente não tinha muita vontade de conversar com ela.

_ Acho que fui bem. Bem, saberemos em breve, não é mesmo? - deu uma risada despreocupada.

_ Hum-hum. - confirmei.

Nos separamos ao deixar o elevador.

_ Vitor! E então?

A Veridiana sempre surgia de sabe-se lá onde.

_ Nossa, parece que está mais ansiosa que eu! - ri.

_ Ah, me desculpe! Esqueça!

_ Não, de forma alguma, fico feliz! Mas infelizmente eu não sei... Bem, fiz quase todas com certeza, mas nunca se sabe, não é?

_ Hum!

Ela silenciou, mas continuou me encarando como se quisesse algo.

_ Quer me dizer alguma coisa?

_ Não. Você quer que eu diga?

_ Bem, se você quiser... Mas já que você não quer...

_ É que... Eu vou lá buscar as provas para levá-las ao RH.

Então era mesmo sério.

_ Para poder nos contratar ou demitir?

Ela parou de falar, como se eu a houvesse reprovado.

_ Me desculpe Veri, não devo falar essas coisas.

_ Não se preocupe.

Silenciamos novamente. Senti-me de certa forma contente com sua preocupação.

_ Eu...

_ Você... - começamos juntos.

Rimos e nos calamos novamente.

_ Se você quiser... Eu posso te dizer o resultado... Antes... Antes de sair oficialmente. - ela disse muito baixo – Afinal, o RH é sempre tão demorado, não é mesmo? Seria uma tortura... - justificou.

Engoli em seco. Eu ficaria sabendo mais cedo se seria contratado ou demitido.

_ Claro. Assim eu poderia me preparar melhor. - soltei uma ruidosa risada tentando fingir tranquilidade.

_ Só se você estiver falando dos documentos necessários para a contratação! Pois tenho certeza que seu resultado será ótimo!

_ Obrigado, Veri.

Acariciei uma de suas mãos discretamente. Ela me sorriu angelicalmente e retribuiu o carinho.

_ Acho melhor eu ir pra minha mesa. Se não quiser que eu te beije aqui mesmo.

Seus olhos arregalaram-se de susto, e tive de explicar:

_ Brincadeira, Veri.

_ Então tá bom! E... Eu também vou. - ela apontou para as costas com o polegar, depois corrigiu, apontando para a frente com o indicador.

_ Até daqui a pouco.

Fiquei observando-a até as portas do elevador se fecharem.

 

*

 

_ Vitor. - atendi ao telefone.

_ Oi! Sou eu.

_ Ah, oi Veri.

Me dei conta que já passava do meio dia.

_ Podemos nos encontrar na portaria para almoçar?

_ Claro. Estou descendo.

Desliguei o telefone e corri para o elevador.

_ Oi... Nossa, nem vi o tempo passar... Estava com a cabeça tão cheia... - comecei ao encontrá-la na portaria do prédio.

Só então notei que parecia agitada. Esfregava uma mão na outra, e parecia querer dizer algo.

_ Ah, não... - comecei.

_ Não, não! Por favor, não fique chateado! Você foi ótimo!

_ Sério? - desacreditei.

Ela balançou a cabeça positivamente.

_ Mas... Por que está tão tensa?

Ela continuou me encarando em silêncio. Entendi que quando ela fazia isso, era porque estava escolhendo as melhores palavras.

_ Desculpe-me Vitor... Pode me repreender se não gostar do que vou dizer, afinal, fui mesmo atrevida em fazer isso...

_ Em fazer o quê, Veri? - me preocupei.

Ela fez outra pausa, para continuar:

_ Eu acabei checando a dos seus amigos também...

_ Ah! Que bobeira, Veri! Pelo contrário, te agradeço! Acho que eles vão querer saber o resultado...

Ou não. Ela estava apreensiva por causa deles.

_ Eles passaram, não passaram?

_ Ahn... Como vou dizer... Não, Vitor. - em seguida, acrescentou - Nenhum dos dois.

“Oh, shit!” Pensei na hora.

Que staike!

 

Continua


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Notas finais do capítulo

N/A: Cap mega atrasado, por isso, mega longo, hee!! >

Kissus flores!