Impressões Enganam, as escrita por MyKanon


Capítulo 10
Ela curte antropologia




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Eu não estava convidando a Veridiana para um “encontro”. Só queria ir ao shopping experimentar a típica comida alemã, e ela seria uma ótima guia.

Mas talvez ela fosse muito ingênua para entender isso.

Como eu poderia me explicar sem parecer grosseiro?

Havia quanto tempo ela não recebia um convite para sair? Ou melhor, já havia recebido convites assim?

_ Eu adoraria. Mas estarei ocupada até o horário do almoço... - então desviou seu olhar de mim.

_ Não precisa ser um almoço no horário do almoço. Que tal um café da tarde alemão?

Ela terminou de mastigar vagarosamente  e engoliu.

_ Hum... Bem, se você não tiver nada melhor pra fazer mesmo...

_ Não. Que isso. Então tá. Fica combinado.

_ Hum-hum. - ela concordou.

De repente eu não tinha mais o que dizer. Não queria que ela achasse que eu estava desconcertado, pois não estava. Então pensando rápido, perguntei:

_ E por que sua mãe não escolheu um nome alemão para você?

_ Foi meu pai que escolheu.

Antes de eu poder dizer qualquer outra coisa, ela chamou o garçom e pediu uma salada de frutas com muito mel.

_ Ela queria que eu me chamasse Sabine.

_ Seria um nome bonito. Claro que Veridiana também é! Ambos são bonitos.

_ Hee, obrigada! - ela riu.

Quando a sobremesa chegou, ela a provou como a uma das sete maravilhas gastronômicas.

_ Você devia pedir uma!

_ Não, estou mesmo satisfeito.

_ Às vezes ela me chama de Biene, que é o diminutivo de Sabine.

_ Isso é legal. É como um nome composto, não?

_ Ah, não... É que às vezes ela esquece mesmo que fui batizada como Veridiana.

Foi difícil acreditar que estivesse falando sério, mas então me lembrei da doença da mãe dela. Parecia estar num estágio avançado.

_ Desculpa, não queria deixá-lo sem graça.

_ Não estou! Como ela se chama?

Ela voltou a sorrir quando falou da mãe:

_ Elfriede Bergen.

_ E você herdou pelo menos o sobrenome?

_ Sim, isso sim. Veridiana Bergen.

_ Estou me sentindo tão chinfrim com o meu “Vitor Ferreira”...

_ É bom ser simples e objetivo de vez em quando.

_ Dessa vez sou obrigado a concordar.

_ Hum! Terminei. Já podemos ir, se quiser.

_ Claro.

Ainda tivemos de aguardar o garçom cobrar nossas contas, e então deixamos as mesas.

Depois de voltarmos ao escritório, não a vi mais durante a tarde. No dia seguinte voltamos a almoçar no mesmo lugar, e pensei em perguntar se nosso compromisso ainda estava de pé para o próximo sábado, mas desisti, ia parecer ansiedade de minha parte.

_ Onde você passa suas tarde que eu quase nunca te vejo? - perguntei durante o almoço de sexta.

_ Lembra do portal da qualidade que eu te mostrei?

_ Hum-hum. - confirmei.

_ Então, ele está passando por uma auditoria...

_ Entendi. E como a Marissol é responsável pela qualidade... Onde vocês estão fazendo essa “auditoria”?

_ No 24º. Você não quer assistir uma algum dia?

_ Se o Barasal não me atolasse de trabalho, eu iria com certeza... Mas ultimamente ele anda me enviando tantos e-mails com confirmação de leitura, que ele percebe até quando eu vou ao banheiro.

_ Mas se você disser pra ele que quer assistir à uma reunião da auditoria, tenho certeza que ele não iria se importar. Pode não parecer, mas ele está muito empolgado com o resultado... Coitado do Barasal... Sempre tão inexpressivo...

Ela lamentou com tanta seriedade a falta de emoção do meu chefe, que me fez rir sem pensar.

Não queria que ela desistisse do nosso passeio combinado para o dia seguinte.

Por que queria tanto a companhia dela, sem desejá-la afetivamente?

Isso me fez perceber que eu havia insistido no encontro, até que ela não tivesse alternativa a não ser aceitar, então desistir era totalmente aceitável da parte dela.

_ E, Veri...

Mas parei.

Ela levantou os olhos até mim, aguardando pela continuação.

E eu não continuei. Não imediatamente, o que nos custou cerca de dois minutos nos encarando em silêncio.

_ Nós vamos amanhã? Lá no shopping...

_ Ah... Se você ainda quiser, nós podemos ir.

_ Quero. Já estou com água na boca para experimentar os strudels.

Ela pareceu ficar contente com o meu conhecimento da culinária.

_ Então tá! Tenho certeza que vai gostar.

_ Não duvido. Você acertou com o sushi. Ou talvez eu só tenha o paladar de uma ema, e por isso não seja difícil me fazer gostar de alguma coisa.

Ela meneou a cabeça, achando graça da piada.

Depois de pagarmos a conta, voltamos ao escritório, mas antes de deixarmos o elevador, combinei com ela o horário e o local onde nos encontraríamos no dia seguinte, pois já sabia que ela sumiria novamente como em todas as outras tardes, devido aos seus afazeres.

Concentrei-me no meu trabalho para conseguir terminar tudo antes de ir embora. Não queria levar a preocupação de tarefas inacabadas para casa. Queria estar completamente disponível para minhas outras ocupações.

 

 

*

 

 

Ainda faltava dez minutos para as cinco horas, que era o horário combinado, quando cheguei à entrada principal do shopping.

Coloquei as mãos no bolso da calça jeans, pois queria esquecer o fato que começavam a suar. Olhei para os meus all stars pretos, ainda pensando se tinha sido a melhor escolha. Ela estava acostumada a me ver sempre vestido formalmente, talvez estranhasse.

Alisei as mangas dobradas da camisa que havia colocado por cima da camiseta, numa vã tentativa de me distrair.

_ Oi!

Virei-me bruscamente para trás.

_ Ah, oi! Pensei que chegaria mais tarde...

_ Eu pensei o mesmo sobre você.

Observei-a por alguns instantes. Usava um vestido azul claro, com pequenas flores estampadas. Suas sapatilhas de veludo pareciam ter sido tiradas de uma boneca. Os cabelos estavam soltos, e pareciam estar lisos.

_ Você está bonita... - achei que seria educado dizer.

_ É? - pareceu duvidar.

_ Sim. Claro que não quer dizer que nos outros dias... Bem, e se falarmos de outra coisa? Vejo que já até fez compras!

_ Isso? Ah, é que eu estava procurando esse livro já fazia algum tempo... E acabei encontrando aqui.

_ É mesmo? Sobre o que é? Bem, vamos indo para a praça, enquanto isso?

Ela me acompanhou para a praça de alimentação enquanto me falava de sua nova aquisição:

_ Se chama “O Sagrado”. Fala basicamente pela impressão causada pela religião. O sentimento do mistério que dá base a todas as religiões.

Quando percebeu meu semblante espantado, tentou consertar:

_ Não, não fala sobre o mistério propriamente dito, mas do sentimento que ele inspirava na humanidade desde os tempos antigos, nas várias manifestações da religião...

Ao se dar conta que a minha situação só havia piorado, desistiu:

_ É antropologia. Na verdade não é tão legal assim... É que eu sou um pouco limitada.

_ Não, pelo contrário... Acredito que o limitado seja eu, Veri. Deve ser um assunto e tanto.

Suas feições voltaram a se iluminar:

_ Se quiser, posso emprestá-lo! Você quer?

_ Quem sabe quando você terminar? Assim você me diz se vale a pena.

Era esse o motivo do abismo cultural entre nós...

 

 

*

 

 

_ E então, quer ajuda para escolher? Tipo, alguma tradução? - ela brincou quando o atendente se aproximou para anotar nossos pedidos.

_ Que nada, veja só isso: Por favor, um Sauerkraut com uma Kartoffelnsalat.

Ela ergueu as sobrancelhas surpresa, e pediu o mesmo.

_ Não vai querer carne? - me perguntou, antes de dispensar o garçom.

_ Ah, foi só isso que eu ensaiei...

Depois de rir, ela procurou por alguma coisa no cardápio e pediu uma “Weisswurst” para nós dois.

_ Alguma coisa para beber? - o atendente perguntou.

_ Uma cerveja, claro. Pra você também, né? - confirmei.

_ Hoje não vai dar... Não posso...

_ Ah, então vou tomar um refrigerante. É muito chato beber sozinho.

Ela pediu dois refrigerantes, e então dispensou o rapaz.

Fiquei curioso sobre seus motivos para não beber, mas tive vergonha de perguntar. Talvez fosse por conta de algum remédio...

Enquanto comia, não consegui puxar muito assunto, mas a Veridiana me explicava pacientemente sobre a os pratos que eu havia pedido sem nem saber ao certo o que era.

Chucrute e salada de batatas... E eu achando que tinha pedido algo bem exótico.

Weisswurst que ela havia pedido era uma espécie de salsicha branca, de carne de vitela e porco, duas carnes muito consumidas no país.

Para a sobremesa, pedi um strudel de maçã e ela um tipo de gelatina de frutas com essência vinho.

_ Nossa, essa torta é mesmo incrível! Essa massa é muito fina!

_ Ahan. Eu quase não passo mal com ela.

_ E por que não pediu uma?

_ Prefiro não arriscar... Minhas lactases são temperamentais...

Vendo que eu não entendera a piada, tentou se explicar:

_ São as enzimas que transformam a lactose... São elas que não trabalham direito no meu organismo.

_ Ah, sim. - como se eu acabasse de me lembrar o que eram as “lactases”.

Terminados os doces, pedimos a conta.

_ Não, por favor, eu pago. - pedi quando ela começou a mexer em sua bolsa.

_ Por quê?

_ Oras, fui eu quem convidou...

_ E o que tem?

Ela realmente parecia não ter muita prática com encontros. Ou era muito feminista. Não que eu fosse machista, mas acreditava no equilíbrio entre os dois extremos.

E por que eu pensei na palavra “encontro”?

_ Ah, já que foi ideia minha, deixe-me arcar com as consequências.

_ Então você está me devendo cento e cinquenta e sete reais. Claro, arredondando.

Diante do meu espanto, ela me explicou:

_ Você tem me chamado para almoçar por duas semanas... Se quiser, posso te passar o número da minha conta...

Fiquei sem reação.

_ Bem... Eu...

_ Ah meu Deus... Eu nunca consigo acertar...

_ Acertar o quê?

_ Essas piadas. Me desculpe!

Ela estava tão preocupada que me fez rir. A piada em si realmente fora má sucedida, mas o seu espanto era gracioso.

_ Bom, deixa eu pagar e não falamos mais nisso!

No fim, acabei sendo mais rápido no momento de pegar a conta e só por isso paguei as duas, pois ela ainda não havia concordado.

Ainda achava cedo para terminar aquilo que não era um encontro. Não queria parecer ousado, mas queria convidá-la para outro programa.

O quanto ela entenderia minha proposta para pegar um cinema?

Não queria que ela confundisse as coisas, mas não queria deixá-la ir embora.

Que contraditório...

 

 

Continua

 


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