A Bruxa escrita por Victoria van Bruyn


Capítulo 1
Uma tempestade. Uma casa. Uma bruxa.


Notas iniciais do capítulo

Bom, como não muita coisa a dizer, só lhes desejo uma boa leitura o/



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Antes de tudo, dedico esta história para a bruxa/macumbeira/feiticeira “çedussaum” mais legal que existe, a senhorita Yasmin Dias

A Bruxa

Algum lugar ao sul da França, 1510

Chovia terrivelmente naquela noite. Uma torrente de água caía do céu e o vento enlouquecido só piorava tudo aquilo. Algumas árvores finas balançavam violentamente e as casas mais simples, de teto de palha, só por um milagre não teriam suas coberturas arrancadas.

Adam lamentou sua sorte. De tantas outras noites limpas, o padre o havia enviado para aquela missão justo na noite de uma tempestade inacreditavelmente feroz. Mas é claro, segundo o padre Basile, aquilo era uma provação divina. E ele já estava até acreditando que andar por um bom tempo à noite, sem iluminação alguma e encharcado até os ossos deveria levá-lo, certamente, ao céu.

Porém, o que importava não era a caminhada, mas sim o objetivo final: matar, ou ao menos capturar, a bruxa que habitava por aquela região.

Nas últimas semanas, o povo nas vilas das redondezas estava em alvoraço por causa da suposta incidência de uma bruxa por ali, que teria feito uma mulher morrer dando à luz a uma criança morta e matado metade dos porcos e ovelhas por doença. Assim, o padre que chefiava a igreja naquela região havia pedido, em segredo, que Adam, um homem jovem e piedoso, pusesse fim a todo aquele alarde matando a bruxa e eliminando mais uma amante do demônio.

“Essa mulher nefasta tem uma residência na região, mas distante da visão do povo. Tua missão é eliminar essa praga do demônio e trazer a paz para a região de novo”

E ali estava ele, andando no frio e na chuva atrás da residência dessa mulher. Estava muito bem preparado: uma corrente com um crucifixo escondido por baixo da roupa, facas nas botas, e pistolas, uma bíblia e um frasco de água benta presos no cinto de couro e escondidos pelo manto.

Alguns minutos depois surpreendeu-se ao ver uma grande e suntuosa mansão à sua frente: jurava que há pouco não havia quase nada há sua frente. As luzes lá de dentro podiam ser vistas pelas janelas de vidro.

Por um segundo passou-lhe pela cabeça que aquela poderia ser a tal residência da bruxa, mas logo descartou o pensamento. Com certeza essa amante do demônio viveria numa caverna, escondida de tudo e todos, ou numa casa de madeira com teto de palha simples. As mulheres pobres normalmente eram as que se misturavam com forças malignas, tentadas pela ambição.

Andou pelo caminho enlameado em direção à residência. Um gato preto sibilou para ele, mas Adam apenas cuspiu no animal e fez um sinal da cruz: aqueles animais davam uma má sorte horrível.

Bateu três vezes na porta de madeira maciça da casa. Pouco depois, com um rangido lamentoso, esta se abriu, embora ele não tivesse visto nenhum criado fazendo essa tarefa, apenas a dona da casa à sua frente.

Era uma mulher muito bela, certamente. Parecia estar apenas no início dos trinta, mas não possuí ruga alguma, apenas um ar de experiência e sabedoria. A pele era branca como leite, típico de senhoras de alta classe que pouco saíam de casa, e contrastava com o cabelo castanho escuro, cuja maior parte estava escondida pelo capelo decorado. Os olhos eram afiados como a ponta de um punhal e os lábios eram cheios e vermelhos. Vestia-se muito bem, trajando um vestido de veludo vermelho-escuro com mangas ornamentadas com peles e saia que abria-se para revelar uma saia de baixo feita de brocado dourado. Uma gargantilha de ouro adornava seu pescoço. Poderia ser a esposa de um mercador rico, mas como não havia nenhum sinal do marido desta, ele supôs que ela seria uma viúva, que enriqueceu tomando posse do que o falecido esposo tinha.

— Olá, andarilho — a mulher cumprimentou-o, com um sorriso que revelava os dentes incomumente brancos. — Antes que eu esqueça, me chamo Aliénor. Você precisa de alguma ajuda?

— S-sim, minha senhora — Adam respondeu, fazendo uma reverência logo em seguida. — Me chamo Adam, e sou um cidadão de Toulouse. Estava de passagem pela região quando a chuva começou a cair. Se for possível, poderia me oferecer alguma hospedagem ou abrigo? Eu posso pagar, se quiser — falou a verdade enquanto fazia seu pedido, apenas omitindo seu objetivo naquelas terras.

— Abrigo? É claro que posso oferecer! Tenho alguns quartos de hóspedes vazios.

— Obrigada, minha senhora. Que Deus lhe abençoe.

Havia um cabide logo após a porta, onde ele colocou o manto ensopado. A mulher percebeu os vários itens no cinto, mas nada disse.

— Esses são tempos difíceis, minha senhora. É necessário se prevenir contra ladrões e assaltantes de beira de estrada.

— Mas de que necessidade seriam uma bíblia e frascos de água?

— Nunca se sabe quando vamos nos deparar com demônios ou bruxas, não é mesmo?

Aliénor assentiu, séria.

— Certamente. Gostaria de me acompanhar para jantar? Você parece estar faminto — perguntou, novamente sorrindo.

— Se isso não incomodar a senhora...

— Não vai, deixe de preocupação. É bom ter alguma companhia diferente para a refeição. Conversar com criados ignorantes às vezes se torna chato, sabe?

— Nunca tive muitos criados.

— Entendo. É custoso ter eles. Mas isso não importa agora: uma das criadas vai ver algumas roupas secas para você.

A mulher, com a voz autoritária, chamou uma jovem em roupas simples.

— Marie, veja para esse desafortunado viajante uns trajes limpos e secos.

A sala de jantar era tão magnífica quanto o resto da mansão, com paredes altas e decoradas, piso de madeira polida e bem mobiliada, além de ter uma grande lareira de pedra branca, com o fogo lá dentro crepitando e fornecendo um calor muitíssimo acolhedor.

Aliénor estava na ponta da longa mesa de madeira sólida, indicando para que Adam se sentasse na outra ponta. Este estava se sentindo bem melhor, em um lugar quente e com roupas secas e de qualidade. Por um segundo perguntou-se se aquelas não eram roupas do antigo marido dela, mas preferiu não verbalizar essa pergunta.

Em seguida os criados trouxeram vinho e comida, já servidos em taças e pratos de materiais caros. Trouxeram também garfos junto às facas e colheres, que Adam estranhou muito.

— Suponho que nunca tenha usado garfos, certo? Peguei o costume de usá-los com meu segundo marido. Ele era de Florença, sabia?

— Realmente, não estou acostumado a usar esse tipo de talher...

Ela assentiu de forma compreensiva. Novamente, ele notou o quão bonita a mulher era, possuidora de uma beleza que dificilmente se esgotaria com a passagem dos anos.

— Não é difícil aprender a usar um garfo. Pode ser meio estranho no início, mas depois notamos que é bem mais prático e limpo para se alimentar.

Tentou comer um pouco usando os talheres. Realmente, aos poucos ele percebia que era muito melhor que comer com as mãos, além de a refeição estar esplêndida.

Enquanto Adam comia com certa voracidade, Aliénor apenas mordiscava a comida. Parecia sem fome. Bebericava o vinho, e insistia que ele o provasse. E este era doce e saboroso, porém um pouco forte. Forte demais para que pudesse estar pronto na manhã seguinte para cumprir seu objetivo. Mas a simpatia dela ainda assim o fez beber muito.

E eles conversaram muito. A dama contou que, em seu primeiro casamento, era muito jovem e casara com um homem bem mais velho. Esse morreu de uma doença desconhecida, contou. Depois disso se casara mais duas vezes. Em todos não teve filhos, ou pelo menos não citou-os. Dentre outros assuntos, ela falou que, em seu tempo em Florença e nas regiões próximas, conhecera muitos artistas talentosos, como Leonardo da Vinci. Adam não tinha a mínima idéia sobre quem ela estava falando, mas assentiu em concordância quando ela falou do quão bom esse Leonardo era.

Adam também falou um pouco sobre ele. Era filho de um proprietário de terras, não de grande importância, mas com uma quantia de riquezas suficientes para criar os filhos com um certo conforto. Falou que era casado e grande amigo do padre da cidade onde morava. Mas sempre que ia falar sobre sua missão ali, mudava de assunto.

Porém, o vinho aos poucos o deixava mais descuidado, até que não se importou em falar sobre a caça a uma bruxa quando essa perguntou o porquê dele estar sozinho na estrada durante uma tempestade.

— Uma bruxa? Por que estaria caçando uma?

— Ora, elas são amantes do demônio, devem desaparecer do mundo! E esta causou vários problemas na região.

— Quais tipos de problemas?

— Minha senhora, ela fez uma mulher parir um natimorto e jogou uma praga em nossos porcos e ovelhas.

Aliénor gargalhou alto, o deixando assustado.

— Então agora toda a sorte de acontecimentos ruins é culpa de uma bruxa? Ah, como se nós fizéssemos coisas desse tipo!

— “Nós”? — Adam indagou, se sentindo mais sóbrio.

A mulher sorriu de forma intimidadora.

— Eu ainda não havia lhe dito isso?

— Dito o quê?

— Que você entrou na casa certa para cumprir seu objetivo, meu caro.

Ele sentiu-se totalmente sóbrio e congelado quando ela disse aquilo. Cruzou os dedos da mão enquanto pegava uma pistola com a outra.

— Tu és ferro, eu sou aço. Tu és o diabo, e eu te embaço — recitou o que normalmente se dizia para afastar uma bruxa.

Ela apenas riu, debochada, dele.

— Acha mesmo que umas simples palavras iriam fazer algo contra mim? Que eu iria virar fumaça? Queimar até a morte? Que grande tolo você é.

Adam levantou-se da cadeira e atirou com a pistola. Aliénor desviou-se tão facilmente a ponto de tornar aquilo quase ridículo.

— Bom, você está querendo piorar a situação, não é mesmo? Eu nada de errado fiz nessa região. Talvez eu tenha acelerado a morte do meu primeiro marido e causado o acidente do terceiro, mas isso são coisas do passado, não é mesmo?

Ele ignorou-a e pegou a bíblia, recitando um dos salmos. Também pegou outra pistola com a mão livre.

— Ora, não dificulte as coisas. Posso lhe dar hospedagem até o amanhecer para depois você voltar à vila e dizer que nada achou, desde que largue essa arma.

— Não! — gritou. — Você é um ser maligno, amante do demônio!

— Continue assim, e irá desejar nunca ter nascido.

Adam disparou uma segunda vez, com um estrondo terrível. O projétil era certo de acertar a mulher, mas ela apenas ergueu as mãos mais rápido que ele julgaria possível e uma barreira invisível estilhaçou-o.

— Eu avisei — apenas disse isso.

Ela levantou-se calmamente de seu assento, parando em seguida para ajeitar as saias. Adam queria fugir, mas uma força invisível parecia firmar seus pés no chão. Aliénor começou a ir, em passos lentos e suaves, na direção dele.

Ele ainda tentou atirar uma das facas que estava nas botas, mas foi tomado por tremor. A mulher poderia ser bela, mas era assustadora quando queria. Parecia uma víbora humana.

— Há tempos vocês, pessoas ignorantes e com medo da própria sombra, perseguem as tais bruxas. Claro, bruxas existem e eu sou uma. Mas amantes do demônio? Menos, por favor!

Ele permaneceu quieto, apenas tremendo diante da aura assustadora que ela emanava. As chamas da lareira pareciam mais altas.

— A verdade é que vocês têm medo do desconhecido. Tudo que não conhecem ou não compreendem vocês já taxam como demoníaco, pagão. E como se não bastasse isso, vocês colocam na cabeça que precisam exterminar tais tipos de coisas. Nós ameaçamos tanto assim sua única e incontestável fé?

Ela ergueu o queixo dele com uma das mãos.

— Não vai dizer nada, meu caro. Nenhum recadinho para a próxima viúva da região?

Adam arregalou os olhos.

— Não... por favor, não me mate! Em nome do Senhor!

— Eu lhe dei a oportunidade de partir em segurança. E eu realmente poderia apenas enxotá-lo de minha casa, como o cão sarnento que é, mas acho que você merece saber o que acontece quando se mexe com uma bruxa de verdade.

— N-não, não, não...

— Sim, sim e sim! — ela rebateu, sorrindo. — Agora saiba como é sofrer como minhas irmãs sofreram nas mãos da maldita inquisição.

E naquela noite, os gritos agonizantes do homem puderam ser ouvidos há quilômetros de distância, mas como a tempestade continuava forte,os camponeses diziam uns para os outros que era apenas o vento.

Apenas o vento.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado da história. Esse foi um tema que adorei escrever sobre *-*
Se há algum anacronismo ou erro histórico, me perdoem, pois fiz rápido essa história. Mas não hesitem em avisar.
Bjs, Vic.
Obs.: Yasmin, espero que coração que você tenha gostado



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