The Wild Youth escrita por moonshiner


Capítulo 9
Every good girl got to be bad sometimes


Notas iniciais do capítulo

TÁ TARDE PRA CARALHOZÃO NÉ
MAS EU TO AQUI POR AMOR
Digo uma coisa: vingança.

Música do capítulo: https://www.youtube.com/watch?v=GXdb_KvtsA4



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Sam

I wanna be bad sometimes

I wanna be bad

I wanna be bad sometimes

'Cause feeling bad sure sounds good to me

Naquela mesma segunda – feira de Agosto, eu e as meninas fingimos ter vinte um anos de idade para poder beber no restaurantelanchonete central da cidade. Ele tinha uma aparência meio rústica porque era o mais velho de todos os outros; fazia você se sentir um pouco mais maduro e naturalmente mais bêbado por causa do cheiro de vinho constante. Nico, que começou a trabalhar lá no verão passado, estava nos ajudando com a iniciação da Charlotte colocando bebidas quentes no seu chocolate.

– Conseguiiiiiiii!- Levantou os braços em comemoração. Seus lábios estavam sujos de bigodinho de chocolate e a caneca estava vazia. Era a oitava. – Eu tô meio ruim, mas acho que isso é, tipo assim, super normal.

Maggie deitou sua cabeça no ombro de Bianca.

– Você passou oficialmente no teste da Trupe Queria Estar Morta. – Sorriu orgulhosa. – Meus parabéns.

Charlie nos devolveu outro sorriso, dessa vez vitorioso, largando-se na cadeira.

– Você é tão novata quanto eu. – Falou, olhando para Maggie. – Teve que passar por isso também?

Estava falando com um pouco de dificuldade.

Mags negou com a cabeça.

– Na verdade... – Bateu sua caneca de chocolate quente puro sobre a mesa com bastante orgulho. – Eu vim da Rehab direto pra cá.

Charlie ergueu suas sobrancelhas escuras com demasiada dúvida. Eu suspirei, rindo.

– Ela está brincando. – Esclareci. – Ninguém aqui passou as férias numa reabilitação.

Eu e Bianca nos entreolhamos por alguns segundos. Não era verdade, mas nenhuma das calouras precisava saber.

– A diferença, - continuei – é que aqui é pior do que uma reabilitação comandada pela Amy Whinehouse.

Elas riram. Charlotte não parecia mais tão assustada quanto na manhã de ressaca que nos re-conhecemos. Estava começando a seguir nosso ritmo, o que era bastante legal.

Eu me virei para olhar para o balcão. Fazia um tempinho que estava desviando o olhar. A gente tinha se topado bastante enquanto parecíamos tentar fugir um do outro. Estávamos nos topando até mesmo em silêncio.

Nenhum tinha tido a coragem de conversar sobre aquilo até então. O clima ficava estranho, a gente se olhava como se precisasse confessar algo e eu tinha a vaga sensação de que a Bianca sabia de alguma coisa. E a Maggie percebia que eu estava estranha. Até a Charlotte, recentemente iniciada, sabia que tinha algo muito esquisito rolando. Um beijo. Nada com o que me preocupar.

Me levantei e fui até lá sem dizer nada, sentando a sua frente numa daquelas cadeiras de frente para o balcão, as pernas jogadas num banco vazio ao meu lado.

– Oi. – Falei.

– Oi. – Ele respondeu.

Ficamos em silêncio enquanto ele decorava uma taça de sorvete de chocolate com calda de caramelo.

– Olha, aquele beijo de hoje cedo, eu queria dizer...

– Ossos do ofício. – Respondeu rapidamente.

– Desculpa mesmo ter te dado um tapa. – Encolhi os ombros. – Quer dizer, você merece quase todos os dias, mas eu já te dei um soco no olho na frente de todo mundo. Devia ter sido o suficiente.

O engraçado, é que agora que estávamos perto, ele nunca me olhava diretamente. Nunca.

E eu estava sempre observando seu rosto tenso. O maxilar trincado. As bochechas coradas. Os vincos da testa, a boca meio torta.

– Você está bem? – Perguntei.

– Aham. – Respondeu de maneira nada crível, porque, de novo, ele não me encarou em momento nenhum.

Colocou uma cereja no topo do sundae e fez o vidro deslizar na minha direção. Eu sorri.

– Meu jeito de pedir desculpas. – Deu de ombros. – É seu sabor favorito, seria falta de educação recusar. E eu não vou dizer que sinto muito nem todas essas coisas, então só come isso daí e fica quietinha.

Sorri de novo, envolvendo a cereja entre os lábios. Fiz o gosto leve e adocicado explodir na minha boca e depois puxei o cabinho. Mordi o lábio inferior e olhei-o com uma expressão triunfante.

– Você quem manda, chefe.

Nico me olhou com um olhar meio disperso, em parte, atônito.

– Melhor parar. – Advertiu. – As pessoas podem achar que estou flertando com você, o que seria péssimo para minha reputação.

Passei o dedo na cobertura e levei a língua vagarosamente.

– Mas não estamos flertando? – Me fiz de desentendida.

Ele suspirou exasperado e apontou para os olhares inquilinos das minhas amigas na mesa de trás.

– Vai voltar pras suas amigas antes que a Bianca me encha mais o saco do que ela naturalmente faria quando chegarmos em casa. – Seus ombros tornaram a ficar mais tensos e eu me dei por vencida.

– Tudo bem, então. – Me levantei. – Mas você fala como se não quisesse tudo isso aqui.

Gargalhei da sua expressão desesperada e sorri com todos os dentes quando ele suspirou ainda mais alto ás minhas custas. Deus, eu sou má.

Levei a taça do sorvete para minha mesa, toda serelepe.

Charlotte, que tentava pôr mais uma dose escondida dentro do chocolate, foi impedida pelas minhas saudosas mãos quando eu me aproximei.

– Nada disso.

Ela fez um biquinho. Um biquinho com outro bigode. Maggie limpou sua boca como se fosse uma mãe cuidadosa e me encarou pelos cílios.

– Vocês se beijaram hoje. – Não foi uma pergunta. Foi uma dedução.

Tentei evitar o sorvete de chocolate de sair pelo meu nariz. Engasguei.

– Uau. – Falei, quase sem voz.

Ela riu e Bianca riu também. Charlotte estava confusa.

– Que

– Vocês são péssimos tentando esconder o clima. – Estava sorrindo. Sorrindo muito. Como se soubesse o que aconteceria em seguida. - Ele é meu irmão gêmeo mais novo por onze minutos. Eu sei o que passa naquela cabecinha.

– Por que você sempre frisa o fato de vocês serem irmãos? – Maggie questionou. – Vocês têm um tipo de ligação?

– Aham. – Respondemos em uníssono.

Tomei uma colherada assassina do meu sorvete e resolvi pôr as cartas na mesa.

– Olha, a gente se beijou na aula do teatro e não passou disso. – Expliquei. Tentei não deixar nada escapar pela minha testa retorcida. Ela sempre se franzia anormalmente quando eu mentia ou deixava de contar algo.

E Charlotte podia estar semibêbada, mas isso não a impediu de me provocar. Ela me encarava com a cabeça inclinada, os dentinhos da frente levemente mais expostos que os outros. Aquele sorriso que significa: “acho que você está querendo rsrsrsrsrsrsrsrs.”

– Eu não minto tão mal assim. – Minha voz falhou. Tentei reforçar o tom. – Né?

Ficaram em silêncio.

Suspirei, derrotada.

– Foi bom, o que não significa muita coisa. Até o Isaac Lahey beija bem.

Elas assentiram de novo.

Olhei diretamente para porta. Jason Grace. Merda.

O gosto do meu sorvete fazia eu me lembrar do quanto eu queria que as férias chegassem e o verão começasse e eu viajasse pra casa da praia até todo mundo esquecer desses boatos malditos, porque, até quando eu achava estar segura, algum desses imbecis vinha caminhando na minha direção com o intuito de me botar para baixo. Pena que eu sou tão ácida quanto o meu pai me ensinou a ser.

Ele passou perto de mim.

– E aí, Lancaster. – Se abaixou do meu lado, na altura da minha cadeira. – O que acha de sairmos daqui agora para te dar um trato?

Eu gargalhei.

– Um trato. – Balancei a cabeça negativamente, os olhos baixos. – Esses jovens de hoje, nada cavalheiros. Vindo de um cara que bate na namorada, a única coisa vinda de você que me daria um trato seria seu ego enorme me sufocando e me traumatizando durante o sexo.

Virei o rosto rispidamente, na esperança de que ele fosse embora.

As pessoas que estavam perto – porque era fácil odiar o Jason Grace, o que praticamente metade da cidade fazia – sorriram. Minhas amigas se mantiveram num silêncio teatral e deixaram o show acontecer.

Jason tentou se recompor. Tentou tirar do lixo sua dignidade. Inflar o peito de maneira pomposa e estabelecer sua masculinidade. Que seja.

– Ela deve ser tão grande quanto sua fama de...

Charlotte levantou a mão como se pedisse permissão para fazer uma pergunta. Estava tentando se equilibrar, mesmo sentada. Aquilo não daria certo.

– Olha só, se situe, bicha – disparou. Em seguida, ela se levantou, ficando cara a cara com o Jason. Ela era tão alta quanto ele.

As pessoas ainda estavam olhando e se divertindo.

Ela levou o dedo ao indicador como se pedisse um silêncio inexistente de um jeito bem bêbado.

– Não é da sua conta. – Sussurrou, meio alto demais. – Como diria Edgar Allan Poe, o corpo é dela e ela faz o que quiser com ele.– Essa última foi tão extremamente sem lógica que eu comecei a rir quase que imediatamente. – E querido, você não está incluso na lista de futuras transas da Sam. O Nico está, não é Nico? – Ela gritou e ele tentou se esconder atrás do balcão.

Eu queria me esconder em debaixo da mesa.

Ele franziu o cenho. Seus olhos azuis estavam confusos e raivosos.

– Quem é você?

– Seu pior pesadelo. – Respondeu.

Fiquei boquiaberta. E Bianca também. E Maggie também. Nico também. Só que ele parecia grato e seus olhos estavam brilhando de divertimento.

Jason riu alto. Uma risada forçada e escamosa.

– Vocês se defendem em bando? Que bonitinho.

– Eu até abaixaria as calças para ilustrar o quanto eu não dou a mínima, mas você não merece. – Maggie cruzou os braços atrás da cabeça.

– E eu até apontaria sua dignidade no chão, mas já pisaram nela. – Bianca avisou.

– Que se foda. – Virou as costas e saiu andando, não sem antes de ter seus sapatos vomitados por Charlotte.

– Ops. – Colocou a mão sobre a barriga.

Depois do bar, fomos direto para minha casa. Maggie sugeriu que a Charlotte dormisse lá e fosse para escola com a gente.

Sabe, entregar a filha da xerife, bêbada em casa em plena segunda-feira não me parece uma tarefa muito agradável.

Então, enquanto meu pai assistia o jogo de futebol sozinho na sala porque o Tyler nunca ficava com ele, eu me aproximei calmamente e me apoiei nas costas dele.

Virando a cabeça bruscamente, arregalou os olhos e depois gargalhou.

– Deus, você me assustou! – Me deu um beijo na bochecha. – Onde esteve?

– No Grill com as meninas. – Respondi.

Maggie acenou com um sorriso por cima dos meus ombros.

– E, sendo bem diretas, temos que te pedir uma coisa. – Mordi o canto da boca. – Liga pra xerife Campbell e pede pra Charlotte dormir aqui? Por favor?

Ele revirou os olhos e pegou o telefone.

– Eu pensei que era grande coisa.

No fim das contas, ela deixou, o que foi meio surpreendente.

Bianca, que havia escondido Charlotte pelos fundos e levado a garota para o meu banheiro, parecia estar deteriorando quando chegamos lá. Jogou as roupas dela no meu colo e saiu andando.

– Se vira aí. – Falou.

Estava cansada. Cansada demais. Só percebi aquilo quando sentei no chão, ao lado da banheira.

Nenhuma das duas queria ficar com a Charlie fedendo a vômito, o que me ofendeu internamente. Embaixadores da Unicef e suas preocupações com o bem estar de todos.

– Eu nunca mais vou beber assim. Nunca. – Confessou, num tom arrependido.

– É, eu entendo.

– É estranho termos essa conversa? Eu estou pelada e tal.

– Não estamos falando nada demais, Charlie.

– Não mesmo. Mas eu ainda estou bêbada, o que me deixa imprevisível então a qualquer segundo posso começar a falar de sexo e você nem vai perceber, porque eu falo demais e quase nunca respiro durante uma frase, mas eu estou um pouco lenta hoje por causa da bebida e nem sei mais o que eu estou falando então vamos fingir que eu não disse nada em um, dois e três.

– Charlie.

– Oi.

– Relaxa.

– É o que todos dizem. Mas ninguém relaxa de verdade, né?

– Não. Elas só ficam bêbadas.

– Tipo eu.

– Mais ou menos.

– Quando você relaxa?

– Quando eu durmo. – Ou seja, nunca.

Então sim. Eu nunca estava 100% legal com alguma coisa.

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Na manhã, fomos todas juntas para escola, exceto a Maggie. Ela disse que precisava falar com o pai.

Charlie estava de óculos escuros, evitando todo mundo.

Os anúncios do baile de máscaras já estavam espalhados por todos os murais. Seria naquela quarta – feira, já que seria feriado na cidade nos próximos dois dias.

Por algum motivo, eu estava animada. Estava animada pelos vestidos, pela bebida de graça, pela comida e pelas máscaras. Estava animada pela minha vingança e animada para descer triunfalmente pela escada do salão.

Mas a vingança, era ela quem me chamava.

Na terça, eu visitei a Audrey de novo, só que dessa vez, sem o Nico.

Sentei com ela e tomamos chá. Como em todas ás vezes que a gente conversava, correu tudo bem. Os assuntos, interessantes o suficiente para que eu tirasse uma licença da aula de Educação Física.

– Então, como vai você e o Nico? – Perguntou, despretensiosa.

Tombei a cabeça para o lado. Cerrei os olhos. Como estavam as coisas? A gente não se falava e nem se via desde o dia anterior.

– Bem... – Suspirei. – A gente se beijou. E não falou sobre isso. Acho que não falar sobre isso está atrapalhando mais do que evitar o assunto.

Ela concordou avidamente.

– É claro que está. – Estava entusiasmada. – Porque vocês precisam definir a relação de vocês. Sabe, é impossível querer que algo evolua se vocês nem sabem o que é primeiro. Faça ele entender como você se sentiu.

Cocei meu queixo.

– Hm.

Ela arqueou as sobrancelhas ruivas.

– Sam. – Me cutucou. – Espero que não esteja pensando em nada malvado ou pervertido.

Eu ri.

– Você só diz isso porque estamos na escola. Você quer mesmo é me incitar a fazer cagada.

Ela bufou, levantando o mindinho e levando o chá próxima aos lábios.

– Exatamente. Vamos fingir que eu nunca sugeri nada e você vai fazer, hm, merda, sozinha e longe de mim. – Deu de ombros.

– Você é a pior psicóloga do mundo. – Debochei, revirando os olhos.

– E você é a minha paciente mais problemática nessa cidade.

E de fato, eu era mesmo. Mas eu também não era trouxa.

Eu iria perdoá-lo, mas só depois de mostrar que as coisas que você faz têm consequência para todos os lados.

Então, a primeira coisa que eu fiz quando cheguei em casa foi arranjar um vestido. Um vestido preto. Um vestido decotado. Sexy e provocador. Um vestido que atraísse todos os olhares daquela festa.

Bianca se entusiasmou com a notícia de me maquiar. Maggie gargalhou quando soube o que eu iria fazer. Charlotte bateu palmas depois de ouvir. E eu, bem, eu fiquei orgulhosa de mim mesma como nunca havia ficado antes.

Nada melhor para a sanidade do que foder a pessoa que te fodeu e depois levantar uma bandeira branca.

Estávamos deitadas no meu quarto, dissertando. Era errado, mas era por um motivo certo.

– Vamos ser suas fadas madrinhas? – Maggie perguntou, sentando-se na ponta da minha cama. – Que legal.

– É, tipo, de verdade. – Me sentei ao seu lado. – Mas isso é muito cruel. Por isso é legal.

– Eu te impediria, senão fosse justo.

– Eu não impediria porque ele merece. – Bianca se jogou no tapete.

Charlotte deitou a cabeça no meu colo e virou seu rosto para mim.

– Quero ser que nem você quando eu crescer, sabia? – Entortou o nariz de um jeito adorável.

– Bastante lisonjeiro. – Respondi, sorrindo.

Maggie bufou.

– Dá licença. – Empurrou Charlie de cima da cama e depois se deitou no seu lugar. – Estou latindo nesse quintal há cinco anos.

– Ai. – A mini Hepburn reclamou, dando o dedo do meio.

Bianca se apoiou nos braços e levantou a cabeça.

– E eu desde que eu nasci. Literalmente.

Por fim, a discussão foi encerrada.

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Querido Diário que eu simplesmente não tenho,

Estou sentindo um formigamento na ponta dos dedos que fica muito difícil de esconder quando o meu estômago não para de palpitar de ansiedade.

Estou sentada sobre a mesa e ainda são 19h. Cedo demais para os meus padrões naturais, mas já consigo ver o meu alvo noturno ajeitando a gravata no espelho. Chego mais perto quando ele para, para fechar a janela.

Está gostoso para caralho e eu sorrio ao lembrar que terei a chance de me aproveitar. E sorrio ao pensar que estou pensando nisso. E tento parar de pensar desse jeito, mas não parece tão errado. Quer dizer, eu tenho olhos. De verdade.

Ele me encara do outro lado, do quarto dele. Me apoio no parapeito da janela e dou uma piscadinha que ele poderia ver a quilômetros de distância, porque Nico di Angelo nunca deixa detalhe nenhum desse tipo passar.

Ele balança a cabeça com um sorrisinho e fecha a janela. Não me pergunta se quero uma carona porque Bianca já deve ter esclarecido.

ao pensar de novo sobre o sorriso e a cabeça balançando levemente, eu quase desisto dos meus objetivos. Quase.

Eu tenho que me arrumar.

E pegar umas algemas.

Com amor,

A Filha da Puta Mais Gelada da Cidade.

Ou não. Quer dizer, eu sempre exagero mesmo.

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Passei as mãos pela costura ajustada do vestido preto mais uma vez. Era meio curto, colado, decotado e macio. O batom vermelho me fazia parecer mais velha. Mais como a minha mãe do que comigo, inclusive, os cachos. Inclusive, os olhos. O corpo. A pele. Os lábios. Meus trejeitos e a minha voz.

Me perguntei o que ela acharia daquilo. Me perguntei, sutilmente para não assustar, se ela acharia engraçado ou ficaria brava comigo. Me perguntei se ela incentivaria ou impediria.

Coloquei a máscara, virei de costas para o espelho e saí do quarto. Meu pai e Tyler estavam jogando Guitar Hero na sala num daqueles únicos dias de trégua.

Quando eu passei, eles me olharam como se eu fosse outra pessoa. Talvez vissem a minha mãe e talvez vissem outra Sam.

Talvez vissem a Sam de agora, que era mais parecida com a minha mãe do que a Sam que a conhecera um dia.

– Meu Deus. – Tyler parou, boquiaberto. – Você definitivamente não vai sair assim. Quer dizer...

Meu pai deixou a guitarra falsa em cima do sofá e se levantou.

Seus olhos brilhavam e ele sorria como se já tivesse me visto daquele jeito, só que de jeitos diferentes. Em épocas diferentes.

Tirou uma mecha do meu rosto e tocou o meu nariz com, a ponta do indicador.

– Você está linda. Como sua mãe. – Então eu não era a única a pensar daquele jeito. Queria estar bonita como ela, aliás. Todo mundo sempre queria ser como ela. – Deus, estou tão fodido. Você é muita linda. Não arranje um namorado.

Eu ri. Meu pai sempre me fazia rir quando via aquelas coisas.

– Quer que um de nós dois te leve? – Tyler perguntou.

Neguei com a cabeça. Não queria atrapalhar aquele momento com o meu pai. Aquele momento só deles.

– Vou com as meninas. – Expliquei, e um segundo depois, a campainha tocou.

Me inclinei sobre meu pai e lhe dei um beijo na bochecha.

– Tchau. Volto antes de meia – noite – mentira – e vou dormir na casa da Bianca. Tudo bem?

Concordou com a cabeça e me guiou para a porta, colocando a mão nas minhas costas.

Acenei para Ty antes de ir e abri a porta. O ar frio da noite me atingiu em cheio e eu senti vontade de desistir de novo. Entrar no meio das cobertas e colocar um pijama de gatinhos.

Mas agora não tinha como, as meninas, incluindo o Valdez e o Nate, estavam lá fora. E todos os queixos caíram assim que eu pus o meu primeiro salto no jardim.

Bati a porta atrás de mim e me forcei a sorrir.

– Eu sei, eu sei.

Nate tremeu o maxilar.

– Puta...

– Que... – Esse foi Leo.

– Pariu. – O Nate de novo.

Joguei meus cabelos por cima do ombro e caminhei pé ante pé, como aquelas modelos do America’s Next Top Model.

Maggie já estava do lado de fora porque ela saiu antes de mim para pegar as algemas com a Charlotte e comprar alguns cigarros.

– Acho que você acabou de virar minha nova opção sexual. – Bianca sorriu de lado.

– Sou um por cento hétero e noventa e nove por cento Sammy. – Mags entrelaçou nossos braços.

Charlie segurou a mão da Bianca na outra ponta.

– Eu te pegava. Te pegava muito.

– Nate. – Chamei.

Ele estava ocupado degustando nossos decotes. Depois, acordou de um transe.

– Você acha que seu irmão vai me querer?

Ele gargalhou alto, como se fosse uma pergunta muito óbvia.

– É claro. – Beijou minha testa. – Até eu te pegaria. E pegaria muito.

Maggie, que estava com os braços cruzados sobre a jaqueta de couro cheia de pingentes, trocou o peso de um pé para o outro e bufou incomodada.

– ENFIM.

– Enfim. – Concordei com a cabeça, sorrindo pelo canto dos olhos. – Eu tenho a noite inteira para ser a maior vadia de todas, e não, isso não me soa ofensivo.

– Antes vadia do que otária. – Bianca respondeu.

– Temos que brindar isso.

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As luzes estavam piscando, as pessoas dançando, os corredores cheios de pessoas mascaradas se pegando e saltos altos jogados pelo ginásio.

As meninas estavam perdidas no meio da aglomeração e eu não tinha ideia de onde Charlotte e Leo tinham ido parar. E nem a Maggie e o Nate.

Nico não estava muito longe, porque na primeira vez, em muitas festas, ele estava sozinho. Não estava usando máscara, como o resto das pessoas. A gravata afrouxada no peito e os cabelos bagunçados como se nunca tivessem sido penteados antes. E não tinham.

Endireitei minha postura e abri caminho na multidão, tendo que ouvir alguns comentários importunos sobre a minha bunda.

Me aproximei o suficiente para que nossos narizes quase se tocassem. Ele deu um pulinho para trás com tal ousadia contida no movimento e eu simplesmente adorei quando suas bochechas coraram, mesmo que no escuro.

– Hey. – Murmurou.

– Hey. – Sussurrei.

– Como você sabe que sou eu? – Perguntou.

– Do mesmo jeito que você sabe que sou eu. – Respondi.

Ele sorriu de lado e se encostou na parede. Me encostei ao seu lado. A parede gelada arrepiando minhas costas quase nuas.

Ele me olhou, bem de perto. Seus olhos eram escuros. Muito escuros. Tão escuros que a pupila quase se fundia com a íris.

– Você está realmente muito bonita, sabia?

– E você está sendo gentil.

Ficou em silêncio, o peito subindo e descendo bem devagar. A gravata quase caía várias vezes. Ele tomou mais um gole do ponche, que eu tinha certeza estar batizado.

Depois de alguns segundos nada desconfortáveis e até mesmo convenientes, eu me virei e quase toquei sua mão.

– Quer sair daqui? Ir pro terraço ou sei lá o que.

Assentiu. Sorri largamente.

Saímos do ginásio e fomos para a traseira da escola. A escada ficava bem nos fundos e quase nunca estava fechada, mas eu tive que saltar uma cerquinha inútil.

Suspirei aliviada quando olhamos as coisas lá de cima. Parecia muito melhor dali. Maior, mais seguro e mais frio. Eu recusei quando ele me ofereceu o casaco. Gostava de sentir os pelos do meu corpo arrepiando.

Cheguei mais perto do muro, mesmo que morresse de medo de altura. Olhar para baixo e me imaginar caindo sem nenhum motivo aparente tornava tudo muito mais interessante.

– Ei. – Ele chamou, baixinho. Aproximou sua boca do meu ouvido e passou as mãos pelos meus braços.

O papel estava invertido.

– Sim?

– A gente ainda não falou sobre aquilo.

– É. – As luzes da cidade estavam brilhando lá debaixo. Era bonito.

– Quer falar sobre aquilo?

– Você quer?

Arqueou a sobrancelha e olhou para os lados, como se estivesse tentando decidir.

– Eu... eu fui impulsivo. Você disse que não queria, e eu beijei mesmo assim. Desculpa. – Dessa vez, ele se afastou. Sua pele pálida reluzia um brilho fantasmagórico na luz nua e crua.

Mas eu gostava. Ele parecia tão interessante quanto as luzes da cidade. Bem de perto, mais do alto.

– É. – Abaixei a cabeça. – Não foi legal, mas eu já superei. – Mordi meu lábio. – Só tem um probleminha me incomodando bastante desde então.

Ele inclinou a cabeça, para que eu continuasse.

– Eu gostei. Gostei demais daquilo e eu estou me sentindo esquisita. – Virei meu rosto na direção oposta e alguns fios voaram incansavelmente da minha face.

Seus olhos se arregalaram discretamente, meio surpresos.

– É, eu também. – E depois ele riu, meio nervoso, meio feliz, meio surpreso e meio vermelho. Tudo ao mesmo tempo. – Acho que meus treze anos voltaram.

– O que?

– Assuntos mal resolvidos. Lembra quando eu tinha uma queda por você e você me ignorava e jogava tinta na minha cara?

– Quando você me chamava de gorda até eu chorar? Claro.

Ele riu.

– Esse era o meu jeito de dizer que eu gostava de você. E, na época, eu achava muito mais romântico do que simplesmente te tratar bem e comprar flores. – Retrucou.

Eu sorri. Sorri muito.

– Me desculpa não ter notado suas peculiaridades na vida amorosa. Tipo cortar minha trança pela metade. – Curvei as costas.

– Sinto muito ter tido meu braço quebrado por você. – Retorquiu.

– Sinto muito por aquele tapa na segunda – feira.

– Sinto muito sentir ciúmes do Isaac.

Eu tossi o vento gelado que estava entrando nos meus pulmões. Ciúmes? Ele estava com ciúmes?

Ele segurou meu queixo, quase tocando nossos narizes.

– Aquele efeito colateral de ainda ter uma quedinha infantil por alguém. – Respondeu. E estava falando sério.

Meus ombros que deviam relaxar, não relaxaram nem um pouco. E o vento, gelado como a ponta de uma navalha em Westeros, deveria me acalmar. Eu gostava do frio. Só não sabia distinguir se as minhas reações físicas no momento eram por causa da temperatura ou por causa do corpo dele. Que estava muito, muito de perto.

Tipo as luzes da cidade, só que mais quentes.

Minhas mãos foram subindo lentamente pelos seus ombros cobertos, até que uma delas continuou estagnada no mesmo lugar e a outra parou na nuca.

Ele sorriu no meu lábio inferior e aquilo não me irritou como nas últimas vezes. Seu sorriso, digo.

Minhas costas encostaram com leveza no muro atrás de mim e a altura não parecia mais assustadora porque eu não podia vê-la. Eu via a gente. A gente bem de perto, a olho nu e verdade crua. E não parecia mais tão nojento quanto soaria há dois meses atrás.

Eu me movi primeiro, roçando nossos lábios com timidez.

E aí, como eu não sei descrever, ele me beijou. E o ar se tornou quente e frio ao mesmo tempo. E depois ele ficou rarefeito. E depois algumas borboletas foram batendo asinhas negligentes nas minhas costelas, nos meus pulmões e subiram, bem... subiram pro meu coração. E eu odiei adorar aquilo.

Seus lábios captaram o meu naquele jeito clichê e extremamente devorador que todos odeiam dizer que amam. Lentamente, intensamente, gradativamente e com aquela mordida no lábio que faz qualquer um sentir um formigamento maravilhoso na espinha.

Abracei seu pescoço puxei-o pela gravata frouxa em direção ás mesas que ficavam distribuídas por ali. Ela finalmente se desmanchou e caiu no chão, e eu não tive vergonha nenhuma em desabotoar três botões de uma vez.

– Você é bem direta. – Sorriu maliciosamente, me suspendendo no seu colo e passando minhas panturrilhas ao redor de seu quadril. Só depois de tirar a minha máscara eu percebi que ainda estava com ela.

Eu tinha um objetivo antes de chegar ali, não tinha? Um objetivo antes de, sei lá. Beijos no pescoço e as mãos dele dentro do meu vestido.

Ele sentou numa daquelas cadeiras e eu me senti totalmente triunfante ficando por cima.

E ele sorriu.

Sorriu descendo o meu zíper.

Sorriu me beijando.

Sorriu descendo a primeira alça e depois descendo a segunda.

Sorriu quando eu sorri e mordi seu lábio.

Sorriu chupando meu pescoço torturantemente e sorrimos tantas vezes mais que depois de sua blusa voar acima do seu ombro, eu parei de contar.

– Ei. – Sussurrei. Ainda estava naquele dilema dos arrepios. – Tenho uma coisa pra você.

Ele não respondeu, mas concordou com a cabeça.

Tirei a algema do meu coturno – estivera incomodando – e peguei a chave também.

Ele gargalhou.

– Você sabia que isso ia acontecer ou algo do tipo?

– Bem, eu sabia das minhas intenções com você antes mesmo de chegar aqui. – Respondi, colocando seus braços na parte de trás da cadeira.

– Tudo bem, eu já me acostumei com essas suas loucuras. – Falou, enquanto eu algemava seus braços na cadeira.

– E você gosta delas, não gosta? – Arqueei uma sobrancelha.

– É. Porque eu gosto de você. – Rocei nossos narizes de novo e mordi meu próprio lábio dessa vez.

De um jeito bem lento e quase teatral, levantei do seu colo e esperei alguns segundos.

– Você vai fazer um strip-tease ou algo do tipo? – Sua voz parecia embriagada e bem confusa. Mas ele queria que eu ficasse, de verdade.

Sorri de sem que ele visse e subi o zíper e coloquei a chave bem em cima da mesa. Aos poucos, as alças foram subindo, a máscara tampando o meu rosto de novo e o frio foi passando aos poucos.

– Sam?

Eu não me virei.

– Isso não tem graça.

E eu continuei sem me virar.

– Sam!

Desfilei pé ante pé de novo.

– SAM! É SÉRIO!

Me virei rapidamente, fazendo pouco caso.

– Eu sei que é sério. – Dei de ombros. – Assim como foi sério quando você não pestanejou em ter onze anos de novo e tentar me humilhar na frente da escola inteira. Assim como foi sério quando eu aguentei todas aquelas zoações de pessoas que eu nem sequer conhecia. Assim como foi sério quando a escola inteira pareceu ter o prazer de me botar pra baixo por eu ter feito coisas que eu nem fiz. Inclusive, se eu tivesse feito, não teria problema nenhum!

– Eu pensei que você não estivesse mais chateada. – Seu tom de voz era áspero, e ele não esperava que eu ficasse de verdade.

– Eu não sou do tipo que perdoa. – Mentira, eu era. Mas eu simplesmente não queria.

– Volta aqui, por favor... Sam... – Ele implorou.

Ri com todo o escárnio que eu estava guardando oficialmente para aquela situação.

– Aproveite a sua estadia. Te vejo na porra do Inferno.

E aí eu virei as costas de novo.

Os papéis estavam se invertendo.

Eu já não era tão pura quanto no verão passado.

E eu adorava.


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Notas finais do capítulo

CHEGA DE MINA QUE SE DERRETE POR BOY MAGYA E ESQUECE AS CAGADA QUE ELE FEZ
EU PERGUNTEI PRA SAM O QUE ELA TEM A DIZER SOBRE ISSO E É O SEGUINTE:
"Meu nome de drag queen é the shining fucker. Santa no soy e otária muito menos."
RECEBAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAM

Enfim, o que acharam? Eu ri muito escrevendo esse capítulo e me derreti muito na hora dos beijos

Tava pensando em criar o grupo do whats pros leitores, inclusive. Ou do facebook. Falem por comentário ou mp o que vocês acham que eu vou logo vendo se vale a pena
BEJAAAAAAAAAAAO