The Wild Youth escrita por moonshiner


Capítulo 17
Actin' like my life's already over


Notas iniciais do capítulo

olaaaaaaaaaaaar
olha eu sou uma babaca irresponsável mas eu juro que a minha ausência tem a ver com a minha saúde mental
não é culpa minha
não posso prometer voltar á ativa agora porque eu não sei se isso vai acontecer mas eu to tentando
musiquinha de hoje: salad days - mac demarco
vcs pediram O CAPITULO É DA BIANCA



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Bianca

Todos os dias são como intermináveis festivais de horror em plena rua movimentada.

Aspiro todo o aroma campestre da manhã prematura e me escondo atrás das folhas das árvores. Os sicômoros são assimétricos e verdejantes de um jeito quase obsceno, fazendo eu me sentir deslocada e levemente anestesiada. Vejo Piper surgir das sombras urbanas dos comércios e das indústrias do centro da cidade. É esquisita essa abertura entre o nosso único parque natural de Westfield e o Merchandising. Não vejo porque não temer que tardiamente eles monopolizem os girassóis e os peixinhos e as pedras e a terra molhada de chuva.

Então, Piper Mclean. Tenho a observado há algumas semanas, descobri que ela gosta de sumir onde as coisas reais se escondem. Eu a encontrei por ironia do destino, quando procurava o prédio do trabalho do meu pai. Talvez ela tenha se tornado mais um dos motivos para eu vir aqui, mas esse não é o ponto.

Eu não a sigo como faço com ele. Só a espero aparecer, ir e vir. É o que torna esse lugar melhor. Mais vivo.

Eu a observei hoje de manhã, na aula de artes. Não sou muito de agir.

As aulas de artes daquele colégio servem para apenas duas coisas além de, pasmem, pintar. Entre os slides de Van Gogh e Boticelli, as tintas baratas evaporando como pedras de gelo multicoloridas e voltando a derreter em carmesim e lilás por causa das pinceladas de pincéis que não são mais virgens, conseguia ver Piper servir de modelo para os amadores bem aventurados.
Ela estava suspensa no ar como um pêndulo de cristal e os outros (os bem aventurados, amadores, religiosos em ascensão) oscilavam ao redor dela como globos de metal.

Ela ia de pele e ossos para pedra e mármore e detalhes super realistas. Eu a observava se remexer na cadeira enquanto o professor a articulava feito essas bonecas extremamente dobráveis. Usava seu cardigan creme como um véu de castidade e o colocava sobre os ombros cansados e desvalidados.
Piper está usando o mesmo cardigan agora.

A garota se senta sobre os próprios pés no gramado, embaixo de uma copa. A luz que entra em melismas solares pelas folhas é a mesma que ricocheteia para que eu possa ver um par de sapatos de bebê em suas mãos. É o terceiro par no terceiro dia. Eu não sei por que são necessários.

Fomos juntas á clinica de aborto. Piper Mclean quer ser muitas coisas, menos mãe.

Desço do tronco da árvore, robusto como a carcaça de um mamute. Deslizo até o lugar onde marquei de encontrá-la. Não sei se ela viu que eu já estava aqui e, de qualquer forma, é melhor que não tenha visto. Me acharia louca.

Caminho até ela, irreverente como uma Rainha Branca. Hoje é um dia primaveril, marcando vinte e cinco graus na previsão. Sob a pele do meu rosto, é glacial.

Pigarreio e toco seu ombro.

— Oi. - Diz, um sorriso um pouco constrangido por ainda estar com os sapatinhos. - Chegou cedo.

— É. Eu tava passando por aqui. - Minto.

Sento-me ao lado dela, cruzando as pernas. Quero perguntar sobre os calçados, mas seria indelicado e eu meio que já sei a resposta.

— Como você tá? - Pergunto.

Piper tira o cabelo amendoado do rosto e sorri com esforço.

— Bem. - Mente. - Pensei que estaria pior.

Limpa a garganta, esticando as pernas magricelas sobre a grama.

— Você não parece bem pra mim.

Ela suspira.

— Mas eu tô. Vou até o ensaio hoje.

— Você não pode ir! - Protesto, parecendo mais protetora do que eu gostaria. - Quer dizer, não ia ser bom pra você. Tipo, os últimos dias têm sido difíceis e... a Lawson é bem babaca. Não acha que seria melhor descansar hoje? A gente pode fazer alguma coisa.

Ela sorri e seus olhos multicoloridos se fecham, formando vincos nas laterais. É adorável.

— Mas como eu poderia faltar sem ser chutada para fora do elenco? Lawson me mataria. - Evidencia, me olhando como se esperasse uma solução.
E de fato eu tenho uma.

— Só preciso falsificar um atestado médico pra você. Fiz um pra mim hoje de manhã. - Digo, orgulhosa e inflando o peito.

Piper ri.

— Mas não seria suspeito se as duas ficassem doentes no mesmo dia?

— Primeiramente, você pensa demais. Segundo, se perguntarem, a gente fala que se passou cachumba se pegando. - Respondo, um tom de voz cômico e soturno.

A garota morde o lábio, tomba a cabeça para o lado, solta uma arfada profunda e depois torna a me olhar sob aqueles cílios anormalmente compridos.

— Tá.
 

 XXX.

(x) atestados falsificados completos

A casa da Piper é provavelmente a coisa mais bonita e viva que eu vejo por aqui há anos. O jardim é límpido como o lar de uma ninfa dos bosques, cheio de mertilos, vasos de cerâmica, um balanço de madeira e uma árvore enorme e delgada na direção da janela do quarto dela.

Ela nos diz para entrar pelos fundos, já que sua avó não pode saber que estamos aqui. Subimos furtivamente pelas escadas, zarpando como flechas no corredor recheado de pinturas dos ancestrais Apache da família Mclean.

Assim que chegamos no quarto, nós deitamos no carpete, o teto do quarto girando como um planetário amador. Leo tinha razão por todas as vezes que reclamou pelos olhos de Piper serem bonitos demais. De fato, eles são.

Praguejo mentalmente.

Ela apoia suas longas pernas de gafanhoto sobre os meus também salientes joelhos, já que estamos deitadas em direções opostas.

— Pode me responder uma coisa? Com sinceridade? - Pergunta, sem me olhar.

— Acho que sim.

Então a garota molha o lábio superior como quem vai subir no palanque presidencial e foca seus olhos em alguma coisa atrás de mim.

— O que eu sou pra você agora?

A pergunta faz meu coração virar um acrobata de primeira categoria. Eu sei que ela não está perguntando o que eu estou pensando bem no fundo do subconsciente, e também sei que não deveria sentir isso mas eu não sei bem o porquê.

— Você é uma amiga. - Digo, tentando ser o mais sincera possível. - Uma pessoa que eu nunca pensei que fosse possível se tornar minha amiga, mas agora é.

Pipes parece satisfeita. Sorrindo, mexendo os dedos do pé como uma criança maravilhada. Eu tinha me esquecido de como é bom deixar alguém feliz por dizer coisas boas e sinceras. Sei lá. Eu geralmente não falo muito (especialmente coisas boas e sinceras).

Num lapso de realidade, ela se apoia nos cotovelos e me encara com os olhos gentis semicerrados.

— Mas e antes? Antes de virarmos amigas?

— Eu te achava uma menina normal. - Respondo, tranquilamente. - Na verdade, eu até te achava um pouco parecida comigo. A menina bonita e popular cheia de segredos, que as pessoas idolatram mas não gostariam de ser nem por um segundo.

Eu a deixo pensativa por longos segundos, provavelmente sem saber se deveria agradecer ou se sentir mal.

— Então você está dizendo que nós somos bonitas, mas temos vidas de merda?

— Basicamente isso.

Supreendentemente, ela explode em risadas.

— Uau. Essa é a coisa mais sincera que já me disseram em anos. - Confessiona, aparentando satisfeita com o meu relato mais uma vez.

Não digo nada. Fico feliz por deixá-la feliz com tão pouco e nada mais. É só isso.

Meu campo de visão se enche com o azul fulgurante do lado de fora da casa. As penas do apanhador de sonhos pendurado na cama, o tulê de uma provável saia de bailarina escapando pela fresta do armário. O quadro de avisos perfeitamente organizado, a penteadeira com conchas coladas aleatóriamente em suas pernas, pés, na moldura do espelho.

Tudo um culminado de coisas perfeitamente calculado para resultar em Piper Mclean, mas essa equação provavelmente deu muito errado. O fato de que talvez ela tivesse que colocar um berço do lado da própria cama me perturba pra caramba.

Ela não está me olhando, então eu a encaro. Meu álibe é um desenho pontilhado da Frida no fundo do quarto, pro caso dela perguntar o que exatamente eu estaria olhando. O resto é só resto.

Sabe, eu sempre achava exagerado quando Leo alegava que ela era, sem sombra de dúvidas, a Rainha da Beleza. E isso ia além do título Miss Westfield que ela havia recebido durante três anos seguidos.

Eu suspiro.

— O que você está pensando? - Pergunta.

Eu realmente não tenho ideia.

— Em nada. - Minto.

XXX.

Depois de sair da casa de Piper, pego um ônibus de volta ao centro da cidade.

Há algo que preciso fazer.

Os "escombros capitalistas" se materializam de volta como ilustrações em alto relevo de um livro distópico, sendo erguidos por luzes bruxuleantes.
Raposas vermelhas. Elas têm visão praticamente noturna e caçam sozinhas.
Quando meus irmãos e eu éramos crianças, nós brincávamos de nos identificar com os animais de um almanaque da vida selvagem. Nico era um corvo, Nate um lobo solitário.

Todos nós sempre fomos muito simbólicos. Eu sempre fui e acho que sempre serei uma esposa. Sempre estive sozinha.

Tem algo extremamente atraente em ser noturna e solitária. Quando as pessoas não podem te enxergar, elas não te procuram. Ninguém gosta de entrar em áreas inóspitas cheias de dejetos.

Então é como se minha plumagem fosse camuflagem, o que é contraditório. Os meninos também gostavam de dizer que eu sou um pavão. Bonita, extravagante. Mas eu sou mais monocromática do que eu aparento.
Apesar dos estigmas, eu estou completamente conformada em ser uma pessoa triste e sozinha. Acho que algumas pessoas simplesmente nascem assim.

Meu pai mora num condomínio de gente relativamente rica daqui. Quer dizer, não existem ricos em Westfield a não ser o prefeito e algumas autoridades duvidosas. Fora isso, é uma cidade pequena comum e humilde. Nossos padrões de luxo são extremamente distorcidos.

Então, é um lugar legal. Perto das coisas, shoppings, restaurantes, farmácias. Coincidentemente, clínicas de aborto.

Essa é a hora quando meu pai está saindo com sua outra filha para levá-la até a aula de violino.

Me infiltro entre os outros pedestres e espero a mágica acontecer no pico da noite mais escura e leitosa do ano, o céu recheado com generosas e deslocadas estrelas.

Então ele sai. Acontece que ás vezes também é um programa de família, então sua mulher também vai junto. Me pergunto se ela sabe que ele abandonara outras duas mulheres grávidas antes dela. Creio que não.

Não me parece uma pessoa ruim, nem uma mãe ruim. É só mais uma vítima.

Os três saem do estacionamento e vão caminhando pelas calçadas movimentadas como se essa parte do mundo fosse só deles e de ninguém mais. Devem conversar sobre o tempo, economia, os resultados dos jogos de seus respectivos times. Estão felizes. Uma família feliz.

Esse é um retrato que eu não reconheço.

 

Oh mama, actin' like my life's already over

Oh dear, act your age and try another year 

[Salad Days, Mac Demarco]


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Notas finais do capítulo

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA



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