The Wild Youth escrita por moonshiner


Capítulo 16
When you're younger


Notas iniciais do capítulo

POR ONDE ANDA RAMONA LOPES? UM BEIJO, RAMONA LOPES.
gente olha eu demoro d+ pra postar mesmo e eu queria poder explicar o pq mas é q eu n me sinto mto confortável desculpa mesmo assim
eu espero muito que eu ainda consiga me sentir bem o suficiente pra escrever pq eu amo demais the wild youth e amo demais vcs e não importa quianto tempo passe, eu não esqueci de vcs e nem pretendo
principalmente não esqueci meu compromisso comigo mesma e essa história
xoxoxo
musiquinha d ehoje
no more home, no more love - soko



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/581987/chapter/16

Maggie

Estamos indo para escola, Charlotte e eu. Sam está de ressaca e deprimida demais para sair de casa. Eu disse a ela que vai ficar tudo bem, mas ela só resmungou e tirou um pedaço de lã fumegado de dentro dos nós do cabelo, depois voltou a dormir. Ela estava com a mesma roupa de ontem.

Então Charlotte dirige até o Mcall, e eu vejo todo esse mar de asfalto íngreme, rodas sujas de barro, e calçados de loja de departamento assobiando um réquiem urbano ás oito da manhã, passando por mercadinhos, mercearías, farmácias e Starbuck's claustrofóbicos.

Charlotte, que usa seus óculos de grau fundo de garrafa pela primeira vez desde que chegou aqui, ultrapassa mais uma placa de "pare" e eu começo a calcular o quanto falta para ela perder sua carteira.

Eu me viro para o lado, gritando com a voz entrecortada pelo vento:

— Onde estão suas lentes de contato?!

Ela gira bruscamente o volante, raspando na cerca da casa da família Hathaway.

— Eu as perdi ontem de noite. - Responde, arregalando os olhos.

De supetão, nós damos um solavanco e somos catapultadas em direção ao estacionamento da escola, desviando de um vão de cimento e parando desajeitadamente ao lado do carro de Isaac Millstone.

— Puta merda. - Murmuro.

Charlie tira as mãos do volante e o motor do carro morre imediatamente.

— Então, parece que eu não te matei ainda.

Nego com a cabeça, sorrindo frouxo.

— Infelizmente, não. - Digo, apertando a alça de couro da minha bolsa contra o ombro.

XXX.

Charlotte e Sam me disseram que, caso eu quisesse me encontrar com a editora do jornal da escola depois da aula de química, eu deveria seguir pelo corredor de azulejos amarelos, até a última porta. Fica quase no subterrâneo do colégio, ao lado do armário de limpeza.A porta já está aberta quando eu me aproximo, então não preciso bater. E na verdade, acho que não gostaria.

A sala inteira é rodeada de um anil doentio, com rachaduras nas paredes e excesso de poeira no painel de avisos. O tom deprimente, pálido e rancoroso não me surpreende do serviço ter sido quase cancelado umas mil vezes desde que a professora mitológica demais para existir de verdade apareceu por aqui. Isso aqui nem sequer tem janelas.

E quando digo que ela é mitológica, quero dizer em todos os sentidos. Ninguém nunca a vê desde que ela foi presa e parou de lecionar Literatura 1 para o Ensino Médio. Ela tem uma ficha criminal maior do que a do vendedor de narcóticos do segundo ano, mas Westfield não acha que isso a desqualifica para viver no meio de um bando de adolescentes completamente volúveis e problemáticos. Só acham que isso a deixa num nível inferior ao da, por exemplo, Sra. Lawson.

E ninguém sabe exatamente o que ela fez. Só sabem que foi ilegal.
Os computadores por aqui são antigos, regidos por um monte de carcaças amareladas e monitores maiores que a minha cabeça. Só existe uma única máquina de escrever, que eu não vejo, mas ouço sendo tamborilada aos nervos.

Quando eu me aproximo para perto de uma mesa improvisada, perto da soleira da janela, juntando fios tênues de luz amarelo-mijo (refletindo com a cor mais ou menos sépia da parede), eu me deparo com uma Olivetti azul e relativamente conservada.

A datilógrafa, uma jovem mulher com cabelos castanhos acobreados e olhos cor de âmbar como os de uma raposa. Quando ela passa a língua pelos lábios finos e estreita o olhar como se estivesse esperando para dar o bote na próxima palavra, se parece com um réptil. Num sentido soturno e meio ameaçador.

Bato com os nós dos dedos na parede ao nosso lado, esperando que ela vire para me olhar. E ela o faz.

Indiferente, no entanto. Parecendo uma nova iorquina, entortando o maxilar como se eu fosse mais alguma pessoa de terno que ela encontra todo dia indo para o trabalho em Manhattan. Ou um rato saindo do esgoto.

— Boa tarde. - Digo, pigarreando logo em seguida. - Me disseram que eu te encontraria aqui.

— O que você quer?

— O jornal da escola. - Explico, bastante convicta. Em relação a dialógos tensos e persuasão, sempre tive um talento natural.

Ela pressiona as têmporas, as garras excessivamente felinas pintadas num branco aperolado.

Algo parece brilhar em seu olhar esmeralda de anjo de cerâmica - algo como esperança e desafio.

— Tá. Senta aí. - Fala, indicando um caixote cor de vinho com a cabeça.

Sento-me, apoiando minha bolsa do meu lado. Junto minhas mãos sobre o colo, tentando não me importar com as lascas de tinta mal pintada e descascada espetando minha bunda.

Então, enquanto ela me analisa criteriosamente (as pupílas de gato persa se perdendo na minha palidez dourada e nos meus dentes da frente meio separados, os cabelos loiros mais curtos de um lado e a pinta exagerada no pesocoço).

Questiono se isso me dá um ar de excêntricidade que a faz querer me contratar.

Num movimento automático catalisador de nervosismo, arranco um pedaço de esmalte azul prateado, como se fosse um pedaço de granito rachando uma floresta no meio.

— Qual seu nome?

— Maggie.

— Seu nome verdadeiro.

— Magnólia.

— Magnólia? Só Magnólia?

— Sim.

A verdade é que eu deveria me chamar Julia, como a música dos Beatles. 
Sinto que se caso eu pergunte seu nome de volta, ela não vai me responder. Então apenas faço uma anotação mental:

"Drew Barrymore em Donnie Darko".

Essa é ela.

Ou posso simplesmente chamá-la de Raposa.

(Gosto de Raposa. Soa exótico).

Raposa suspira.

— Por que você quer escrever para o nosso jornal? - E diz isso num tom de entusiasmo coletivo, como se não fôssemos as únicas naquela sala interessadas em escrever por horas e gastar dinheiro do orçamento escolar com matérias que as pessoas precisam, mas não querem ler.

Como se fôssemos uma enorme corporativa.

Eu tento articular algo inteligente. Algo que não soe genérico, nem pretensioso demais. Algo sincero. Preciso de uma atividade extra-curricular para parar de vegetar enquanto meus amigos fazem algo útil. Preciso de algo sem importância que me faça entrar em alguma faculdade, mesmo que eu não faça o tipo do tipo de pessoa que se forma e usa terninho.

Então eu faço completamente o oposto. Eu respondo de uma maneira oportunista.

— Porque eu quero cursar jornalismo na Duke e preciso que algo conste no meu currículo. - Respondo, vendo um grande painél em vermelho berrar "ERRADO" atrás de mim.

Resposta sincera, mas errada.

Raposa permanece inexpressiva, com seu rosto cor de mármore formando as linhas de expressão de uma estátua dinamarquesa vitoriana.

— Eu poderia muito bem te dispensar agora, mas preciso provar para o meu pai que consigo colocar pelo menos uma cabecinha desse fim de mundo para funcionar. - Declara, apoiando o queixo nas mãos, entediada. - Então traga alguma coisa interessante amanhã para minha mesa e nós podemos conversar. Falou?

— Tá bom. O.k.

— Agora sai daqui. Quero ficar sozinha.

                                                    XXX.

 

Sento-me na beira da calçada, vendo uma moça de pescoço longo, olhos graúdos brotando das cavidades profundas e dentes acavalados se debruçar sobre a cerca do quintal. Ela despeja água sobre as tulipas amarelas perfeitamente suburbanas e domésticas.

Apoio-me num orelhão, sentindo as elevações do tronco vermelho descerem num morrinho pela minha coluna. É uma tarde e tanto, considerando que tardes ensolaradas em Westfield são quase inexistentes.

Um Vista Cruiser passa com o motor ronronando, como um gato. Desaparece na esquina seguinte, onde crianças púbedes com uniformes de escola particular cruzam a faixa branca com o auxílio de um guarda.

Elas também evaporam no minuto seguinte, levantando fumaça e poeira cinzenta sobre o pomar da minha mais nova vizinha temporária, Petúnia Dursley.

Estou perto do colégio, o que quer dizer que Petúnia Dursley é, na verdade, Adora Hathaway, esposa do nosso diretor. Nós não sabemos por que ela usa o nome de solteira, mas todo mundo sempre diz que ela vai se divorciar. Todo mundo sempre diz muitas coisas sobre mulheres não tradicionais em cidades pequenas.

(O que não faz muito sentido, já que ela está esperando um bebê sob aquele avental rosa de jardineira caseira).

Termino de mastigar meu Pic 'n' Mix, amassando a embalagem e enfiando-a no fundo da mochila.

O céu se parece com uma pintura feita á oléo - pincelada com dedos -, colada com tiras de Strawberry Lace atirando-se para lá e para cá.

— O que você está fazendo aqui sozinha? - Pergunta alguém, que reconheço ser a voz de Leo Valdez.

Ele alisa os suspensórios e tira fuligem do rosto, provavelmente porque estava trabalhando com os holofotes e ventiladores do cenário da peça (e todos tiveram a capacidade de explodir pela manhã).

(Não podemos contar com o orçamento da West Mcall).

— Ah, você sabe. Espairecendo. - Respondo, meio incerta.

Leo assente, tirando um maço de cigarros do bolso. Você sabe, ele não tem o fenótipo de fumante e também não acho que queira ser um, é só um gesto automático que você desenvolve quando todos os seus amigos fumam.
Quando ele acende o cigarro, consigo ver uma flor em formato de doença pulmonar crescer até chegar em suas costelas, dando a volta em um diagrama (uma flor de lótus).

— Você está bem? - Pergunta, sentando-se ao meu lado.

Uma mariposa passa zunindo pelos meus olhos e ouvidos, assemelhando-se a um dente de leão bagunçado e flutuante.
Faço que sim com a cabeça, esperando que ele não pergunte nada do gênero novamente.

— E você?

Leo é mais sincero do que eu: balança a cabeça e dá um sorriso a contragosto, soprando a fumaça do cigarro na direção contrária.

— Você ainda não está falando com o Nate, não é? - Fico parada, esperando ele apresentar alguma reação.

— Você gosta de brownies? - Ele pergunta.

Eu faço que sim.

XXX.

Esperanza Valdez tem o rosto latino coberto de queimaduras solares e sardas cor de cobre salpicadas do nariz ás bochechas, das bochechas ás têmporas, das têmporas ao pescoço e do pescoço ao dorso.

Ela é bonita, com seus olhos cor de âmbar vulcânicos fazendo-a parecer com uma versão pitoresca e mundana da Frida Kahlo. Menos extravagante, talvez sem cicatrizes ou barras de aço, talvez sem telas ou Diego, mas com algum tipo de tragédia que a faz ficar acordar todas ás noites. Posso ver pelas bolsas arroxeadas sob seus olhos.

Ela põe pratos brancos de porcelana sobre a mesa e coloca algumas xícaras decoradas também, depois chá gelado numa jarra adorável e antiquada. Em seguida, uma travessa convidativa de brownies com calda de chocolate.
Percebo suas mãos calejadas e alguns dedos tortos quando ela coloca o liquído verde cheio de vapor dentro do recipiente, provavelmente percebendo meu olhar de curiosidade não intencional.

Esperanza senta com a gente, e nós conversamos durante horas. Sobre bandas canadenses dos anos noventa, sobre culinária tailandesa, sobre feminismo, artistas renascentistas e coisas que pessoas falam em primeiros encontros para impressionar, mas das quais ela parece saber perfeitamente o que dizer e como dizer.

Não sei porque estou aqui, mas a possibilidade de Leo sentir pena de mim não me incomoda (e isso me pega completamente de surpresa).
É esquisito ver uma casa que tenha realmente uma mãe, porque a maioria de nós já perdeu esse luxo.

Nossas mães nos odeiam. Ou estão mortas. Ou bebendo demais e chegando em casa pela manhã. Ou trabalhando muito e querendo que sejamos coisas que não somos. Ou tudo ao mesmo tempo, em ordem cronológica.
Mas tudo soa tão, tão esquisito. Nossa essência vital morre antes que possamos soletrar p - a - r - t - o i - n - d - e - s - e - j - a - d - o.

Você não devia casar, ter filhos, um emprego, um apartamento, dois cachorros e só então ficar órfão? De um jeito que você não sinta realmente as vacâncias. Quando você não for se sentir tão sozinho.
Mas o útero apodrece e você precisa aprender a viver fora dele (como uma borboleta).
         

XXX.

É a primeira vez que choro de verdade desde que cheguei aqui. Com olhos marejados, lânguidos de algum tipo de fogo liquído pegajoso. Cavo pelas fechaduras do papel de parede maçante e cinzento, como se ele fosse um escafandro e eu estivesse tentando libertar várias lagartas ao mesmo tempo.

Começo a ver verde musgo surgir como células podres, que grudam sob minhas unhas, e eu não sei dizer se é alguma tinta antiga que estava por baixo ou o mofo que tio Daniel tirou hoje do sotão. Provavelmente os dois.
A janela abre sozinha quando um vento temperamental do sudeste dos Estados Unidos aparece inrrompendo pelas árvores, carregando dentes de leão invisíveis e terra batida do jardim.

Daqui, consigo ver Maria di Angelo queimando coisas com um litrão de álcool na grama da própria casa. No varal, para ser mais especifíca. Mas ela se ajoelha sobre os esverdeado das plantas - incrivelmente bem cuidadas e vivas - e começa a observar impiedosamente todo aquele algodão e seda se tornar chumbinho e voar para bem longe.

É uma faca de dois gumes: ela pode estar se livrando de tudo porque está seguindo em frente, ou pode estar se livrando de tudo porque é triste ter que olhar para as roupas de mais uma decepção masculina no próprio guarda roupa.

Mas eu escolho a carta da primeira opção. A que tem um bobo da corte sorrindo, com letras escamosas e cursivas em vermelho.

Veja bem, estou tentando tornar as coisas mais divertidas por aqui. Redecorando meu útero, arrancando as trompas como se fossem papéis de parede (e de fato, elas são).

Sou a nova filha adotiva de um viúvo

Irmã postiça de uma meio-órfã tão problemática quanto eu

Tenho um nome esquisito na certidão

O lado esquerdo do meu cabelo é maior que o direito

E gosto de bandas esquisitas e cantoras que pensam que são aliens.

(Sou uma otimista pessimista).

Porque eu concordo que você pode encontrar um novo lar, mas ele provavelmente vai ser tão potencialmente problemático quanto o posterior, caso contrário, você nunca mais se sentirá em casa novamente.

Ouço alguém bater na porta, e automáticamente presumo ser Sam. Ela tem sido muito gentil ultimamente, você sabe. Trazendo chá, dando conselhos, me consolando sobre o fato de que talvez o lado direito do meu cabelo não demore tanto a crescer, mesmo que eu não me incomode tanto assim com ele. Cestinhas de vime com pãezinhos, geléias de damasco. E eu não a culpo.
Talvez eu fizesse o mesmo caso fosse o contrário, mas é só sufocante ás vezes. Quando todo mundo faz tanto esforço por você.

Tento secar os meus olhos o máximo possível. Com os antebraços, é claro, porque minhas mãos estão cheias de poeira e ácaros.

Só que, para minha surpresa - ou nem tanto, sei lá -, quando a porta se abre, quem segura uma cesta de vime é Nate e não Sam.

Ele entra no quarto como se eu não estivesse chorando com meio quilo de sujeira nas mãos e a deixa nos pés do colchão, que não está coberto por nenhum lençól ou edredom ou manta, então tem aquela cor anil doentia (de novo) que me faz querer vomitar.

— Olá. - Diz, fechando a porta atrás de si e sentando-se no parapeito da janela que é perto da cama, provavelmente tão escorado no vidro quanto garotos deveriam estar. Você sabe, é perigoso, caso eles compartilhem coisas da Nihilist Memes.

— Oi. - Respondo, sentindo-me ridícula por fungar.

— Sam me mandou trazer seu lanche. - Nate aponta a cesta de vime com a cabeça, dando um sorriso de canto. - Como ela está se saindo como mãe substituta? Mais legal do que a outra?

E então ele para, se punindo silenciosamente por sentir que disse a coisa mais estúpida do mundo.

— Meu Deus, eu sinto muito. Eu sou um babaca ás vezes.

— É verdade. - Concordo, sem me importar realmente que ele tenha dito algo idiota. Não é uma das minhas prioridades ficar brava com Nathaniel ultimamente.

(Parece que todo mundo está fazendo isso).

— Desculpa. - Ele pede mais uma vez, fazendo uma careta.

— Não é uma coisa que você está acostumado a dizer, não é? - Questiono, arqueando uma sobrancelha.

Não quero acusá-lo de nada, muito menos dar algum sermão ou coisa do tipo. É só uma piada justa, a julgar pelo contexto.

Suas linhas de expressão começam a marcar seu rosto como letras em hebraico cravadas na pele, corando suas bochechas magras com tanta intensidade que desconfio se o resto do sangue em seu corpo não fez o favor de secar.

Eu rio.

— Eu pediria desculpas, mas foi engraçado. - Confesso, dando de ombros.
Ele enterra as mãos nos bolsos, os cabelos cor de avelã caindo sobre os olhos castanhos, tímidos pela primeira vez desde que cheguei aqui.

— Foi mal. - Murmura Nate, levantando-se de onde estava e caminhando em minha direção.

O lugar no qual estamos agora é um cenário pré-apocalíptico. Como se eu tivesse tentado fugir de mutações genéticas cavando buracos nas paredes mas só sobrevivi o suficiente para poder arrancar o papéis de parede. Metade de um cavalo texano dança sob as minhas unhas descascadas agora, mas mesmo que talvez não seja o local essencial para o meu romance imaginário acontecer, seus olhos grandes fazem parecer como se estivéssemos sendo dissecados em uma espaço-nave e como se isso fosse completamente fascinante.

Gosto dessa sensação.

— Tudo bem. - Respondo, depois de longos segundos encarando-o sob as longas persianas de cílios grudados e molhados. - Mas acho que você não chegou numa boa hora. O que você tem pra mim aí?

Ele indica a cesta trançada novamente, mas não parece saber.

— Sei lá. Bolinhos? - Arrisca, olhando para mim procurando por confirmação. - Soube que é o que a Sam tem te trazido todo dia.

— É. Mas eu não estou com fome. - Caminho por entre a trilha de gesso que eu acabei deixando no chão e sento-me na ponta da cama ao seu lado, segurando a manga solta do meu cardigan azul piscina.

O garoto torna a me olhar com suas incríveis orbes astronômicas brilhando nas cavidades. Nate também tem cílios maravilhosamente espessos emoldurando seu rosto, mas esses são escuros e autoafirmativos, enquanto os meus são quase translúcidos. Por isso, fico surpresa quando ele consegue localizar um justamente em minha bochecha molhada.

Provavelmente perdida na imensidão oca das minhas únicas três sardas em constelação das Três Marias. Imediatamente, é como se minhas lágrimas formassem poças de limonada doce descendo pelos meus ossos. Coaguladas e incômodas. Meus lábios rachados de um verão ressecado encontram caminho nos meus caninos salientes e eu o agarro como se fosse a última coisa na qual eu pudesse me prender, sentindo seu dedo de réptil venenoso segurar o meu pequeno fio ocular entre o indicador e o polegar.

Quase não consigo vê-lo, mas ele está lá.

Nate arqueia a sobrancelha bagunçada.

— Você estava chorando?

— Estava. E não precisa fazer a sonsa. É óbvio que você percebeu.

Ele sorri educadamente e repousa uma mão sobre os meus cabelos picotados de Cherrie Curie, amaciando minha franja duvidosa.

— Acho que não é necessário perguntar.

— Não é.

— Quer falar sobre isso?

— Não.

Nós paramos de falar e meu cílio continua fragmentado em suas digitais, tão profundamente quanto um pedaço solto de DNA. Mais uma vez, as pupílas refletindo os nossos poucos movimentos. Mais uma vez, flores apodrecendo em meu estômago e matando uma savana inteirinha com navalhas e dardos soníferos.

Mais uma vez. E de novo, e de novo, e de novo enquanto ficamos em silêncio. Eu nunca entendi exatamente qual a relação de associar o amor com elementos da natureza.

É como se eu estivesse sofrendo um desmatamento por lama tóxica. Como se meu sangue estivesse se misturando com entulhos e pele arrancada de animal e botas de caçadores e espingardas. Não é confortável. É assustador.

— Quer fazer um pedido? - Pergunta, de supetão.
Eu rio um pouco e percebo que meus caninos estavam apertando minha carne com muita força. O suficiente para sentir o gosto de sangue prematuro.

— Uau. Isso é bem... Sentimental.

Ele não responde, mas continua sorrindo de lado. Percebo que seus caninos são tão aparentes quanto os meus.

— Era uma coisa que a Maria fazia comigo quando eu era criança. Sei que é difícil de acreditar, mas ela conseguia ser... Maternal ás vezes.

Não é tão díficil assim de acreditar porque não acho que ela é uma pessoa ruim de verdade. Só mais uma vítima.

Balanço a cabeça em confirmação, esperando que ele continue. Nate se aproxima de mim na cama e o colchão afunda um pouco sob seu peso, fazendo-o ficar o mais perto possível do meu tamanho. Suas costas se curvam desleixadamente e ele ajeita os óculos de grau, olhando-me através de suas lentes embaçadas.

— O que eu devo fazer?

— Feche os olhos. Faça o pedido silenciosamente. Sopre o cílio.

— É ainda mais gay do que eu imaginava.

— Só... cala a boca e faz.

O.k.

Eu fecho os olhos. Sinto minhas veias serpenteando sozinhas pelas pálpebras. Roxas e protuberantes, escondendo minhas retinas céticas.

Não existe chance disso dar certo. Não existe motivo pelo qual eu faria um desses desejos. Seria egoísmo escolher só algumas razões. Seria triste imaginar quantas outras ocasiões eu teria que desperdiçar para ser feliz com a minha criadora, seja lá onde ela esteja, esperando um cílio ser soprado para fazê-la mudar de ideia.

Eu não sei se eu sinto muita coisa, mas tudo o que eu sinto certamente não é bom. Meus sentimentos vêm acompanhados de flashes e apagões e lampiões mentais explodindo enquanto eu me esforço o máximo para me lembrar do que eu sou atualmente. Deve ser por isso que soprar ou não o cílio não vai mudar absolutamente nada. Deve ser por isso que eu o sopro, sentindo meu peito esvaziar como se nunca tivesse estado lá. Alguns órgãos, sangue, tórax e ossos, mas nada de sentimentos.

Ainda não abro os olhos. Não sei o que desejei.

(Vai ficar tudo bem? Meu estado é temporário? As pessoas não conseguem odiar por muito tempo. Uma mãe consegue odiar uma filha?)

Eu começo a me degradar. E escorrer, pra dentro desse ralo.

Quando eu abro os olhos, enxergo o quarto através de uma lupa. E as cores parecem cinzentas. E a poeira se torna abundante como um milhão de desertos acumulados no meu carpete. E eu posso ver Nate com mais clareza.
Ele quer que eu tenha feito um pedido. Ele quer que eu me sinta bem, e eu consigo enxergar isso quando seu sorriso frouxo toma conta de seu rosto novamente.

— E então? - Pergunta, a excitação em sua voz fazendo com que eu me sinta pelo menos um pouco melhor do que estava antes.

— Não posso contar o que desejei, ou então não vai se realizar.

— Não é como se você acreditasse nisso, de qualquer forma. - Responde, dando de ombros.

— É verdade. - Confirmo, juntando minhas mãos sobre o colo. - Mas mesmo assim você se preocupou em tentar eu fazer me sentir melhor. Então estou tentando fingir que vou fazer dar certo.

O di Ângelo mais novo atrofia os próprios ombros, demonstrando sua falsa modéstia. Ele lambe os lábios finos e rachados.

— Bem, eu acho que eu te devo essa. E mais outras mil. Na verdade, você ainda merece um cílio. - Nate pisca num espasmo, como se lhe doesse profundamente admitir que alguém está em dívida com ele por mais de um sorvete de casquinha. - Mas eu vou guardar os próximos para quando você sentir que realmente acredita nessa porcaria.

Eu rio. Ele ri. Nós nos encaramos. Gostaria de ter algo para o qual ele pudesse desejar no momento. Gostaria de ser algo que ele desejaria num futuro próximo.

— Então você vai precisar guardar esse cílio para sempre.

— Não acho que esse seja realmente o problema.

 

Nós ficamos em silêncio. O quarto tem cheiro de bolinhos.

XXX.

Minha versão de cidade noturna que nunca dorme é um pouco mais deprimente e menos poluída do que as versões boêmias e amorais das outras cidades mais famosas. Isso daqui é Westfield. O máximo que nós conseguimos foi uma estrada de tijolos amarelos e uma cabine telefônica estilo britânica, então eu encaro o resto da madrugada dentro dela enquanto os vidros se tornam fumê de sereno e frio.

São três e meia da manhã e eu não consigo dormir.

São três e meia da manhã e eu arranquei os rolos de uma velha fita cassete que me faz querer arrancar as minhas tripas também. Nela, eu ando de bicicleta enquanto meus pais assopram bolinhas de sabão e meus cabelos iguais em ambos os lados sobressaltam e meus ombros magros e pequenos e meu pai acena com a filmadora nas mãos porque eu estou mandando muito bem. Isso é o que eu gosto de chamar de gatilho.

Eu sinto que meu cílio não vai voar realmente até eu falar com ela depois de dois meses, dias infinitos, semanas inestimáveis e horas inacabadas. Mas eu não tenho coragem de ligá-la direto do telefone residencial, porque eu não sei se vou conseguir falar mas á essa altura já vai ser tarde demais porque meu pai lhe deu nosso número. Se ela se der conta de que sou eu e eu fraquejar, o que ela vai pensar? E se ela não quiser me atender?

É completamente desonesto ligar de um orelhão no meio da noite, mas eu ainda acho que eu não vou conseguir dormir se não fizer isso.

Então eu ligo.

E eu espero na linha durante minutos antes dela atender e ela realmente atende:

— Alô? Quem é?

Só que eu fico com medo e acabo enterrando a porra do telefone no gancho novamente. E eu perco uma moeda.

Mas eu não consigo falar. E acho que eu nunca conseguirei.

Minha mãe me assusta. Meu pai também.

Minha família me abortou espontâneamente e eu tenho medo de todos eles. Sem excessão. Como se fossem mortos tentando me arrancar da cama durante a noite.

E de fato eles são.

E de certa forma, eles estão mortos.
Na minha cabeça.

Eu me encaro no vidro esfumaçado enquanto tento me reconhecer sob as minhas olheiras.

 

"Quando foi a última vez que você desejou algo só para você? Quando foi a última vez que você se sentiu parte de uma família de verdade? Quantas vezes alguém já te deixou enjoado só de ter que pensar no quão destrutiva sua casa pode ser? Você já se sentiu assim?
Quando foi que você soprou um cílio sem precisar nas milhares de coisas que você deveria consertar mas que não são necessariamente sua culpa?"

[...]

 

And i just can't recall
How i did it before
Love is much bigger
When you're younger
Just have to learn it all again. -
Soko, No More Home, No More Love

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

então gentes
esses dois últimos capítulos foram os mais leves (na minha opinião) porque não tiveram muitos conflitos como os outros geralmente têm e voces conheceram um pouco da realidade que vocês já sabem dos personagens
eu percebi que tava tudo mto ship ship ship acontecendo rapído demais e the wild youth não devia ser só sobre isso ♥
espero q vcs tenham gostado mesmo sendo capítulos "parados" e espero que vcs ainda me amem obg

(te amo maggie toma seu presentinho atrasado vc é meu mozao)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Wild Youth" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.