The Wild Youth escrita por moonshiner


Capítulo 13
Deep Blue, 2014


Notas iniciais do capítulo

******CAPÍTULO DE HOJE EM TERCEIRA PESSOA POR CAUSA DA MUDANÇA DE POV CONSTANTE***********
APARECI
DESCULPEM-ME PELO SUMIÇO, MAS É QUE TAVATDUO UMA MERDA
EU AMO VOCÊS
JURO QUE VOU RESPONDER TODAS OS REVIEWS DEIXADOS ANTERIORMENTE
FIQUEM AÍ COM UMA TRETA MARA
música de hoje: Deep Blue - Arcade Fire
o capí



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We watched the end of the century
Compressed on a tiny screen
A dead star collapsing and we could see
Something was ending
Are you through pretending?
We saw signs in the suburbs

A forma como você captura uma cena em um filme pode fazer toda diferença. A escolha das cores, o jeito como o vermelho pode se sobressair acima de qualquer fundo branco.

Tudo se trata de um detalhe.

E uma sequência de detalhes pode denunciar uma consequência colossal.

Era por isso que a poltrona na qual seu pai sentava-se para ler Tolstói era vermelha. Coincidentemente, vermelho sangue era a cor dos lábios de Esperanza Valdez, e a poltrona estava rasgada porque era velha e desgastada. A poltrona também possuía manchas antigas e provas irrefutáveis na camurça.

Coincidência.

No jardim, tinha um balanço enferrujado sobre as folhas putrefatas. Ele era vermelho, velho e choravaangia feito o bebê de Rosemary toda vez que ele se movia.

Leo abrira a cabeça ao cair daquele balanço porque Nate o empurrara.

O sobretudo rubente jogado sobre o chão de linóleo era de Charlotte, mas ele servia para deixar suas bochechas mais coradas. E estava com ela em alguma foto.

E ela estava sem ele.

A heterocromia solar estava desaparecendo atrás da placa de “pare”

no fim da rua.

“Meu cérebro inflamado era encarnado e distorcido em suas linhas horizontais.

O sangue na cara de Nate era solferino e estava cuspindo suas hemácias pelos poros.

Nate era meu cérebro estourando em púrpura no espelho.”

Mas precisamos de uma introdução. De um prefácio.

Leo Valdez não era um cara sortudo – e a cena inicial de sua cinebiografia provavelmente seria a de um cara franzino tendo sua cabeça chutada para dentro do pescoço.

Na realidade, toda a essência de sua existência orbitava atrás da de seus amigos. E de Piper.

Ele era tipo Plutão. Atrás de um sol. Atrás de uma lua desconhecida.

E Piper Mclean: ela era o Sol.

Era doentio, ele sabia.

Patético, ele sabia.

Miserável, ele sabia.

Mas mortais são só mortais, e talvez eles precisem de cultos. De religiões tão mundanas quanto eles.

De deuses urbanos e gatinhas roubadas por caras mais velhos.

Charlotte jogou as pernas para fora da janela e agarrou os fios da meia-calça preta. Seu peito subia e descia sob a blusa azul turquesa e os mosquitos presentes na atmosfera sobrevoavam sua respiração, como se seu rosto fosse uma cidade vazia.

Estava quente, o suor escorria pela pele e tal. O balanço no quintal sequer se movia devidamente.

Leo perdia seu tempo encarando as aranhas se degolando nas teias grudadas nas rachaduras da parede. O ventilador de teto dançava nervosamente, com suas hélices encardidas e anciãs raspando a tinta descascada.

Ele pensou, caso uma delas se dispusesse a cair, o quão estúpida seria sua morte.

Gracioso nos jornais, com seus cachos ensebados de sangue e a cara amassada. Os dentes quebrados e entranhados no céu da boca, talvez um olho faltando.

Sem overdoses, suicídios altamente líricos, homicídios famosos, serial killers.

O momento mais importante de sua vida (depois de perder a virgindade) seria um nada.

Seria triste, se não fosse cômico.

Pensou também se não seria útil se ausentar da vida enquanto ainda estava deprimido por um pressentimento ruim. E não deveria, porque aquele dia seria o melhor dia.

O melhor dia de sua vida.

Tudo começava por ela, que talvez estivesse picotando as mechas desproporcionais na frente do espelho. Tudo o que vira durante a semana inteira fora um céu caleidoscópico sobre um sistema solar sem graça.

E Arcade Fire, porque ela gostava.

Suéter vermelho, fogos de artificio.

Sangue estourando no espelho – mas antes de sangue estourando no espelho, um beijo queimado de bomba caseira.

Virou-se para Charlotte enquanto a mesma matava insetos com as palmas das mãos. As gotículas de sangue manchavam o alabastro e ela as limpava diretamente nas roupas, para depois reagir:

– Você está me olhando. – Afirmou.

Leo assentiu com a cabeça.

– Estou te olhando. – Concordou – Porque acho que deveríamos fazer algo incrível.

Seus olhos anuviados perduravam no teto mais uma vez, correndo atrás de um filete de luz.

– Defina incrível. – Pediu a garota, voltando a arrancar as linhas da meia calça.

– Tipo fazer cantadas de empoderamento no banquinho do parque.- Respondeu.

Sua voz estava soando pesada e nebulosa, porque talvez o calor, misturado com as nuvens roliças, estivessem invadindo a sala de estar.

– Essa é uma boa ideia. – Admitiu a outra, num tom de voz mais altivo. – Mas eu estou com fome.

Ele assentiu, percebendo que também estava com fome. A ansiedade havia tampado os seus sentidos e suas necessidades.

Seu estômago tremia numa frequência constante, Leo só não sabia se era realmente por fome ou por nervosismo.

A passos lentos e trôpegos, ambos abandonaram a sala de estar, encarando a grande janela. Charlotte tinha uma mordida de mosquito na bochecha.

Esperanza tinha um belo jardim que passava desapercebido pelo céu opaco. As orquídeas vívidas eram, constante e constantemente, apagadas, Leo percebeu.

Muitas delas estavam morrendo.

Morrendo de mortes tão insignificantes quanto as de um homem.

XXX

Charlotte tinha cheiro de brownie queimado nos cabelos castanhos. Enquanto Leo jogava blusas numa pilha com cheiro de naftalina no canto do quarto, ela sorria.

A garota revirou os olhos com impaciência.

– Você parece um daqueles caras do Fashion Police. – Zombou.

Leo franziu o cenho ao dar de cara com uma blusa polo verde musgo.

– Eu preciso estar perfeito. – E voltou a se enfiar dentro do guarda – roupas.

Ela então encarou o pôster do Arcade Fire grudado na parede. Era aquele o grande dia de virar um homem. O dia da transição entre perdedor e “o cara com uma chance”.

Seria aquele o dia de ter o coração partido por alguém?

– Eu aposto que ela nem liga para isso. – Tranquilizou-o, passando as mãos pelos lençóis com estampa de prédios.

– Mas e se reparar? – Perguntou, demorando-se no espelho.

Sua carcaça delgada ilustrava o espelho com um suéter azul exatamente como todos os outros da pilha, só que azul.

Existia tinta vermelha respingada nos adornos do vidro.

– Ela não me parece o tipo de pessoa que fica julgando suas roupas mentalmente. Você deveria relaxar.

E realmente não parecia, porque Charlotte não sabia como Piper ficava quando ela pensava sobre isso. Ela era algo como uma mutação genética entre Cinderela e Homem de Lata.

– Que tipo ela lhe parece, então? – Contornou Leo Valdez, tirando a recente jaqueta jeans puída e jogando-a em outro lugar.

Deitou-se ao lado de Charlotte, na cama.

As infiltrações no teto formavam uma constelação deturpada e magnética aos olhos de Leo, que conseguia ver tinta descascada nas artérias poluídas.

Aos olhos de Charlotte, um profundo céu azul mofado.

– Ela parece o tipo popular e insegura mãos ao mesmo tempo invencível. – Explicou Charlotte, incrivelmente, sem sentir qualquer repulsa em particular. – Muitas pessoas amam, muitas pessoas odeiam. Tipo Blair Waldorf.

– Essa é uma ótima definição. – Admitiu, sorrindo e virando-se para Charlotte.

Leo tinha um rosto élfico pouco confiável. Charlotte tinha olhos grandes, castanhos e agridoces – amargos e gentis, ao mesmo tempo.

– Você acha que ela vai partir meu coração?

– Lógico que vai. Mas por que é tão impossível assim você partir o dela?

Ele riu de novo.

– Vou fingir que é uma alternativa viável, já que estou trabalhando nesse negócio de amor próprio e tal.

O nariz longo e interessante de Charlotte se franziu.

Uma expressão fofinha, Leo diria.

– Em uma situação hipotética – começou, com cautela – eu diria que ter meu coração partido por você não seria assim tão impossível. E isso é uma coisa boa.

Ambos sorriram sorrisos de meia – lua.

– Por aí.

A verdade era que Piper Mclean era um fantasma e uma lenda urbana. Alguns acreditavam e escreviam contos sobre ela. Outros ignoravam e cuspiam em sua lápide imaginária – e uma grande maioria apenas montava um altar.

As infiltrações no teto estavam começando a parecerem alaranjadas. Apenas a heterocromia solar, pensou.

De novo, a heterocromia solar. Laranja no leste e mofo no oeste, sumindo atrás da placa de pare.

XXX

Perto da grade, com seu suéter azul em homenagem à música “Deep Blue”, estava um adolescente esquálido de dezessete anos, com mãos muito trêmulas e uma garganta bastante seca.

– Estava nervoso.

– Sentindo como se seu coração estivesse prestes a sair pelos ouvidos.

A noite resultante de um verão característico fazia um céu semeado de estrelas pairar sobre Westfield.

Leo checou seu relógio e olhou ao redor. O parque de Gavin Burry tinha um grande palco improvisado ao seu centro.

Pessoas (esquisitas) usando roupas (esquisitas) se aglomeravam em torno de um palanque vazio e ajeitavam suas coroas de flores, pinturas tribais e pés descalços sobre a grama verdejante. As luzes psicodélicas nem mesmo estavam ligados. Aquelas pessoas sabiam que eles estavam num show do Arcade Fire e não no Coachella com as irmãs Kardashian?

– Coachella – repetiu em voz alta, rancorosamente – se ao menos fosse Woodstock, mas não. Coachella.

E se encostou contra uma árvore anciã. A árvore de Becca Tobey, e se chamava daquele jeito por ter sido o local de perda de virgindade da garota há alguns séculos. Que sugestivo seria se Piper o encontrasse lá.

– Estou procurando o meu amigo. Ele é baixo, magricela, tem cabelo cacheado, é meio esquisitinho e gagueja ao falar.

Ele se virou quando a menina sorriu um sorriso gentil.

– Jamais foram ditas palavras tão sinceras sobre a minha pessoa. – Disse, ao se aproximar para cumprimentar a garota. – Olá, Piper Mclean.

Ela ajeitou a bolsa debaixo do braço e tirou o cabelo do rosto. Pela primeira vez desde que eles haviam se encontrado na lanchonete e na escola, Leo reparara que ele estava maior e mais proporcional do que da última vez.

Piper se inclinou e lhe deu um beijo na bochecha – que queimou feita uma bomba caseira.

– E aí? – Ela respondeu.

– Eu acho que estou bem. – Respondeu com sinceridade, espalmando as pontas dos dedos pelas extremidades escamosas da árvore. – E você?

Piper assentiu e inflou as bochechas, encarando o horizonte. Parecia um pouco incomodada também. Problemas com os pais? Pressentimentos ruins? Caras mais velhos?

Na pior das hipóteses, Jason Grace?

– Quer saber? Estou ótima. – Disse ela, como se tivesse acabado de tomar aquela decisão. – Você tá afim de achar um lugar agora ou quer ficar por aqui longe do grupinho Hétero Cis da Apropriação Cultural?

Ela estava claramente se referindo ao indivíduo usando um cocar.

– Fiquemos por aqui. Assim eles podem se reproduzir com danças estranhas e nós podemos observar esse milagre da natureza acontecer.

Piper encostou-se sobre a grade e entranhou suas mãos pelas tranças aleatórias enegrecidas. Batia com a sola do sapato no metal atrás de si, num vicio constante e agoniado. Ansioso, ele diria.

– Mal pode esperar para o início do show, não é? – Questionou, um tanto quanto pretensioso.

Ela concordou com a cabeça.

– É, claro. – Esbambeou, apertando a trança nas mãos.

Piper deixava escapar, sob a jaqueta jeans, o tecido branco com “Deep Blue” escrito em azul marinho na barra da blusa. Lhe era familiar.

– Sabe, ano passado, eu e o Nate fomos ao show do Arcade em Atlanta. Ele comprou uma blusa parecida com essa lá. – Contou, sorrindo um pouco. – Foi o melhor dia da minha vida. Nós ficamos bêbados para caralho e nos jogamos na grama enquanto as pessoas esvaziavam o festival e pisoteavam a gente. Eu até tirei uma foto com a banda, porque eles acharam que eu era um mendigo perdido.

Piper sorriu brandamente e deixou a cabeça tombar sobre o ombro, observando-o com tal admiração. E com um brilho esquisito nos olhos caleidoscópicos.

– Vocês são muito amigos, não é?

Leo concordou com a cabeça, orgulhosamente.

– Desde que nos entendemos por gente. Acho que nunca brigamos por nada, realmente. Nem por garotas. Ele é tipo assim, minha alma gêmea.

Piper riu.

– Deus, você é apaixonado pelo seu melhor amigo! – Admirou-se. – Ele sabe disso?

– Partindo da concepção de que eu sou a única pessoa dessa cidade que nunca o mandou para puta que pariu, ele deve saber. – Tripudiou, percebendo que nenhuma movimentação relevante acontecia no palco há mais de uma hora.

Anoitecera de maneira abafada, mas nenhuma luz psicodélica fora acesa desde então.

Os olhos de Piper, como eram um arquétipo bem feito de outras constelações, permaneciam cor de índigo, se dispersando na multidão e clamando por uma notícia desconhecida.

– Eu sei que eles estão demorando, mas você parece meio tensa. – Comentou o garoto, arqueando as sobrancelhas.

Ela engoliu em seco.

– Não é nada. Deixa para lá. – Respondeu, rindo pelo nariz. – Só estou ansiosa para ver Suburban War ao vivo.

– Você tem certeza de que não está nem um pouco ansiosa em me ver? Tipo, quase nada?

E pela segunda vez consecutiva na noite, uma garota de sorriso gentil se materializou nas sombras hipsterianas e colocou as mãos na cintura.

– Surpresa, vadias.

XXX

Os di Angelo tinham fama, como a cidade inteira bem sabia.

Eles tinham sangue italiano – e levemente alterado, por causa das drogas e do álcool e tal.

E entre seus patriarcas, matriarcas, herdeiros e o caralho a quatro, existiam:

Álcoolatras

Drogados

Criminosos

Pais de merda

E os frutos desses pais de merda

Ou o bastardo

Ou o Nate.

O impostor dos Stark, a porra do Jon Snow.

Em sua tenra e indulgente idade, fora abandonado ás margens de uma casa cadavérica, numa cidade em lugar nenhum. Um Rômulo sem o Remo, sem a loba e sem um Império. E, claro: a loba estava bêbada.

E o pai, maldito Don Vito Corleone, comendo prostitutas aleatórias e gastando o dinheiro das fraldas numa passagem para um lugar bem longe dali.

Então, ele era uma criança pelada e vazia, abandonada na vizinhança triste de uma cidade insuportável com pessoas insuportáveis e parentes insuportáveis.

Deus do Céu, ele não gostava de ninguém por ali. Tirando seus irmãos. E seus amigos.

Falando em irmãos, Nico e Bianca sempre tiveram um ao outro. Eles eram gêmeos, afinal. Nathaniel, entretanto, se sentia apenas um intruso tentando entrar numa bolha de proteção escorpiana. Seu leonismo era solitário e prepotente, mas sozinho.

Sempre sozinho.

O filho da amante do pai, com desenhos ignorados, castelinhos de areia menores, bolas de futebol estouradas e tralhas trancadas sob o armário da escada.

Puta que pariu, Nathaniel, você é a porra do Harry Potter.

Vamos partir do prelúdio de que é fácil quando não se tem nada, porque nada pode ser tirado de você, e o instinto sociopata passa a ser de plena compreensão. E era exatamente por isso que ele gostava da sensação de tirar as coisas das outras pessoas:

Não parece tão ruim quando você não é o único miserável no roteiro.

E era exatamente por causa desse instinto sociopata, desse senso de inferioridade e desses transtornos irreparáveis de egoísmo, que Maggie estava espremendo suas omoplatas, esmagando sua clavícula e estourando seu tórax sobre os umbrais da casa.

E aqui, meus amigos, vemos claramente um plano sequência onde a personagem feminina altamente empoderada agride fisicamente seu colega de roteiro trágico.

– VOCÊ NÃO VAI ESTRAGAR TUDO NAQUELE SHOW! – Esbravejou a garota, sem qualquer dificuldade, pressionando seus cotovelos sobre as costelas de Nate.

– AS PESSOAS DEVEM ACHAR QUE VOCÊ ESTÁ ME ESTUPRANDO. OU QUE EU ESTOU TE ESTUPRANDO. OU SEI LÁ. ME LARGA, PELO AMOR DE DEUS! – Num ímpeto, ele se virou, agarrando os braços franzinos e quase albinos da garota e empurrando-a contra a porta de carvalho.

Maggie arregalou os olhos verdes, as bochechas branquelas corando numa intensidade violenta.

– Você não vai estragar o melhor dia da vida do seu melhor amigo. – Ela sussurrou, quase como uma súplica.

– Você não pode me impedir de ir ao show. Você também não pode me impedir de impedir que ele tenha o dia mais falso da vida dele. – Retrucou.

Nenhum dos dois estava gritando, mas as pessoas na rua estavam encarando. Talvez porque a cena parecesse a representação da tensão sexual.

– O dia mais falso porque você quis assim. – Argumentou.

Nate afrouxou seu aperto nas mãos de Maggie no momento em que suas veias começaram a pulsar na testa.

– Você acha que eu quis assim? – Murmurou. Estranhamente, um tom de voz embargado. – Você acha que eu quis que ele se magoasse com a primeira garota por quem ele se apaixonou?

Ela suspirou.

– Se você não quisesse, teria dito para ele assim que esses encontros começaram. Era justo que ele soubesse no ínicio, porque agora você quer agir como o cara que tem que falar ou calar-se para sempre. E você quis assim. Você não foi justo com ele e agora se sente culpado. – Discordou.

Nate sentiu o suor grudar em cada resquício de pele, afastando-se lentamente para que não entrasse em combustão. Seus nervos estavam grudando na consciência e aquela sensação incomodava.

Ele queria que parasse, mas já estava suficientemente envolvido numa cama de gato para se afastar da lã agora.

Passou as mãos pelos cabelos castanhos, ajeitou os óculos, alisou a parte amassada da blusa do Homem – Aranha e suspirou o resto de sua dignidade.

– Eu sei que eu tive a semana inteira para contar – Confessou – mas eu estava com medo. Acredite se quiser.

Apoiou as mãos na pilastra da varanda e resfolegou, porque estava quente para caramba e ele sentia como se não conseguisse respirar por muito tempo.

– Mas qual é o sentido de deixa-lo ter um encontro maravilhoso se eu sei que quando ele vier para casa, terei de contar a história de como eu e a Piper Mclean fodemos gostoso enquanto ele a stalkeava no facebook?

Maggie tirou o cabelo loiro pálido da testa e revirou os olhos.

– Você consegue ser nojento até quando não tem a mínima necessidade de ser nojento. – Queixou-se.

Nate revirou os olhos também.

– Que seja, eu vou até lá. – Sentenciou, virando-se de costas para própria entrada da casa.

Ela cedeu seus ombros curvados e, relutantemente, levantou a voz um pouco:

– Eu vou com você, imbecil. Se você fizer merda, alguém pode tentar amenizar um pouquinho.

XXX

Maggie: Como vai tentando estragar o encontro alheio?

Charlotte: O Leo quer que eu morra.

Maggie: Ótimo.

Charlotte: O show foi cancelado. Se o Nate estiver realmente vindo para contar a verdade, traga-o para o King's mais próximo.

XOXO,

Gossip Girl

Visualizado ás 21:00

Olhares mortais. Atendentes mal-humorados. Olhares desesperados. A famosa torta de climão.

Piper era bonita e todos sabiam disso. Com seus sorrisos brancos, olhos legais, gentileza. Coração sombrio e levemente sedento.

Era um fato: ela fora Miss West Mcall duas vezes e a coroa era sua até mesmo quando ela não estava usando.

Mas sua beleza inestimável estava afugentada e encolhida numa mesa de uma lanchonete, apalpando as batatas fritas e esmagando a pobre lata de refrigerante.

– Então, Charlotte, eu nem sabia que você gostava de Arcade Fire. – Sorriu a tal Rainha da Beleza, tentando dispersar a tensão.

– É. Eu gosto. – Foi tudo o que a outra disse, enrolando o canudo na língua e encostando a cabeça na janela espelhada perto da mesa.

– Há duas semanas atrás você não sabia nem quem era Win Butler. – Contestou Leo, arqueando as sobrancelhas e mordendo um nugget de frango rudemente.

– Mas agora eu sei. – Ela deu de ombros.

Ele enterrou as mãos pelos cabelos e jogou a cabeça para trás, grunhindo numa insatisfação audível e visível. Não que Charlotte estivesse incomodada, é claro.

– Por que você não esperou o próximo show para aparecer? – Questionou miseravelmente.

– Porque esse parece muito mais divertido. – Disse ela, dando um sorriso traiçoeiro.

Charlotte era a única pessoa no mundo que Leo não conseguia imaginar dando aquele sorriso.

– Eu não sei você, mas eu acho que não conseguiria ir a um show de uma banda que eu sequer conheço direito. – Comentou Piper, tamborilando as unhas pela mesa de maneira nervosa. – Me parece meio desesperado.

Charlotte cerrou os olhos e respirou fundo, cruzando os braços.

– Cê num tinha nem que tá aqui, linda.

E antes de qualquer ponto de partida para uma discussão, a porta da lanchonete se abriu e uma luz oscilante, quase lúgubre, começou a encher o ambiente.

Por coincidência ou por destino, a pessoa que entrava com ela era Nate ( e Maggie).

Por algum motivo que ele não conhecia, enquanto Nate se aproximava a passos longos e pesados, sua presença parecia quase sepulcral. Como se a qualquer momento, ele pudesse fazer algo assassino ou triste demais para que a noite continuasse a mesma.

Maggie veio logo atrás, o maxilar trincado e os dedos brancos, de tanto se apertarem ao lado de seu corpo.

O tronco de Charlotte automaticamente se esticou e ele quase não reparou, mas Piper estava se encolhendo.

– Oi. – Ele disse, num tom de voz mínimo e quase inexistente.

– Oi. – Disse Leo, num tom de voz desconfortável. – Por que todo mundo resolveu aparecer essa noite?

Nate pôs as mãos sobre as costas da cadeira e engatou seu dedo num parafuso solto, parecendo querer que a dor de um corte o incentivasse a algo.

– Podemos conversar lá fora? – Ele pediu.

Os lábios de Piper tremularam. Leo não podia ver, porque ela estava quase ás suas costas, mas Maggi e Nate conseguiam. Seus olhos expressavam súplica.

Olhos bonitos, da menina bonita. Olhos que nunca tiveram de pedir nada, mas agora estavam pedindo.

– Hm... claro. – Concordou Valdez, levantando-se da cadeira e seguindo Nate para fora da lanchonete.

A noite continuava abafada, numa tendência esmagadora a parecer um dragão engolindo os cidadãos da cidade. As estrelas formavam os mesmos desenhos dos outros dias, e como Nate nem sequer olhava para cima enquanto chutava uma pedra na calçada, Leo também não se deu o trabalho de decifrá-las. Não era divertido fazer aquilo sozinho.

– Cara, aconteceu alguma coisa? Você chegou aqui do nada, a Maggie tá tensa, você nem falou com as meninas direito. Eu estou preocupado. – Comentou.

Nate apenas levantou a cabeça e encostou-se no letreiro da lanchonete, encarando Leo com um olhar culposo.

– Eu quero muito te contar uma coisa, porque se eu não contar, tudo pode sair do controle. – Começou, num tom assustadoramente taciturno. – Mas eu sei que se eu contar, tudo vai sair do controle do mesmo jeito. E eu não quero isso. Mas eu também não quero continuar mentindo para você.

Leo pestanejou, dando alguns passos para trás, assustado.

– Cara, você tá pegando a minha mãe? – Perguntou, rindo de nervosismo. – Não precisava vir até aqui para me cont...

– Eu e a Piper estamos dormindo juntos faz um tempo. Esclareceu.

O rosto de Leo empalideceu até assumir um tom moribundo.

Ele riu de novo, na esperança de que fosse uma piada – mas Nate não parecia estar brincando.

Nem mesmo um pouco.

Então os séculos começam a passar por você, junto com os carros.

Eles atravessam gerações, atravessam o tempo, atravessam o espaço. E você parece ficar no mesmo lugar onde você parou. Porque se mexer e começar a pensar realmente sobre isso te assusta.

– E por que você resolveu me contar logo agora? – Indagou, balançando a cabeça em confusão.

Leo achava que seus olhos estavam lacrimejando, mas não tinha certeza.

– Porque eu me senti culpado. Porque eu estava com medo de te contar e perder sua amizade. Sabe, eu passei a semana inteira tentando arranjar um jeito de te contar sobre isso, mas eu só me dei conta do que eu estava fazendo quando eu percebi que vocês iriam sair juntos.

Leo riu com certo escarnecimento, certa falta de lucidez.

– Que solidário da sua parte! – Vociferou, afastando-se de Nate mais alguns centímetros. – Obrigada por comer a garota dos meus sonhos e me contar no dia do meu encontro com ela. Você é realmente um ótimo amigo, Nathaniel.

– Eu queria te contar. – Nate tentou explicar, mas seu nervosismo disfarçado de serenidade lhe fazia falar estupidamente baixo. – Mas eu...

– Estava com medo? – Interrompeu, abrindo os braços. – Com medo de me perder? Com medo de arruinar nossa amizade? Me desculpe pela notícia, mas você já arruinou.

Nate se aproximou, um clamor digno de pena expresso em seu olhar.

– Me desculpa. Eu s-sinto muito. Eu sinto muito mesmo. – Gaguejou, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta, encarando Leo com os olhos quase marejados.

Nate sempre escolhia demonstrar sensibilidade quando já estava tudo acabado.

– Eu sinto muito também. Porque eu pensei que eu era a única pessoa no mundo com quem você não bancaria a porra do babaca egoísta do caralho, mas parece que eu estava errado. – Soluçou. – E hoje eu disse para Piper que eu era a única pessoa que ainda não havia te mandado para puta que pariu.

*pausa dramática*

– Vai para puta que te pariu, seu imbecil do caralho! – Trovejou, sentindo como se estivesse cuspindo seus pulmões.

As meninas viraram seus olhares para observar das janelas e eles não pareciam muito felizes.

– Você me odeia.

– Eu não te odeio.

– Odeia.

– Eu odeio as coisas que você faz.

*mais uma pausa dramática*

E então as cores começam a fazer sentido.

Alguns cineastas manipulam suas câmeras e seus cenários para que os mesmos surpreendam os espectadores no final do filme. De um jeito ou de outro.

É assim que alguns usam as cores, Leo achava.

A poltrona vermelha no início do filme pode não fazer muito sentido, até que você descobre a forma como o pai do protagonista batia na mãe dele toda vez que ele tinha seus surtos. E a poltrona estragada e maltratada era apenas uma metáfora para os lábios rasgados e sanguinolentos de Esperanza, num passado não muito distante.

O sobretudo vermelho de Charlotte pode não fazer muito sentido agora, até que as pessoas tiram suas roupas durante o efeito das drogas e tiram fotos dela pelada sem sua permissão. O sobretudo estava nas fotos. Charlotte estava sem ele.

O balanço no quintal era um velho amigo de infância, embora tivesse seus defeitos. Ele rangia, fazia você cair e abrir a cabeça, mas você ainda assim gostava dele. Por causa disso, era difícil se livrar. Você achava.

Púrpura literalmente explodiu nos vidros espelhados da lanchonete, enquanto os nós dos dedos de Leo se desfaziam doloridamente e o nariz de Nate esguichava o licor escarniçado.

Leo havia confrontado Nate, pela primeira vez em sua vida.

Ele havia lhe dado um soco.

E não estava feliz por isso.

Inclusive, ele queria mais.

Então o sangue começou a esguichar novamente sobre o suéter azul e sobre todas as coisas que ele achava que ainda prestavam.

Nate era seu cérebro explodindo no espelho porque Nate era tudo aquilo o que ele odiava e escondia em si mesmo.

Mas dois meteoros estavam colidindo.

E as meninas saíram correndo da lanchonete para conseguir impedir que ele provavelmente o espancasse.

E as coisas estavam turvas.

E o poste era lúgubre feito uma cova, que acendia e apagava o tempo inteiro sem ter certeza de nada.

Então ele foi caminhando, cambaleante, para longe das frustrações e ele pensou o quão triste aquele roteiro se parecia.

Ele pensou que garotas bonitas são a ruína universal.

Ele pensou que aquele roteiro era triste, de novo. E não por causa das garotas; por causa das mentiras.

Se sua vida fosse uma cinebiografia, deveríamos começar do prelúdio: onde Leo soca a cabeça de Nate para dentro do pescoço e depois escolhe um nome para sua tragédia juvenil.

Provavelmente seria Profundamente Triste, 2014.


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Notas finais do capítulo

eu to chorando varias rosa.
comentem.



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