The Wild Youth escrita por moonshiner


Capítulo 12
As Arabella


Notas iniciais do capítulo

EU NÃO SEI O QUE DIZER ENTÃO OI
CAPÍTULO NOVO E TAL
DA GOTICA MAIS AMADA DO BRASIL
A NICOLE.
A música é Arabella do Arctic e espero que vocês gostem
A partir do "flashback", o capítulo passa a ser inteiro um flashback. Não coloquei essas partes em itálico pq são grandes demais e seriam cansativo.
AND a brigada familiar dos Lancaster não teve tanto enfoque porque eu quero pensar nisso no capítulo da Sam



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/581987/chapter/12

Nico

Arabella's got a 70's head
But she's a modern lover
It's an exploration, she's made of outer space
And her lips are like the galaxy's edge
And her kiss, the color of a constellation falling into place

Acho que quando você é um artista, janelas fechadas lhe despertam mais imaginação do que as famosas paisagens de praias. Todo aquele lance de fuligem, barulho de motor, crianças brincando no jardim vizinho, a banda de garagem esquisita do cara da frente; você não se concentra com a música do subúrbio, porque a música do subúrbio não é a luz da cidade de Nova Iorque.

Eu sempre pensei que eu seria um pintor melhor se eu me mudasse para a cidade dos artistas tentando entrar em ascensão.

E embora eu não pudesse menosprezar o tricô revolucionário que a senhora sentada no banco sob a minha janela estava fazendo – todo tipo de arte é um tipo de arte, afinal -, os pássaros cantando na soleira me desconcentravam da minha tela.

Me desconcentrava do maxilar da garota que eu estava pintando. Era arriscado desenhar seu rosto, então talvez eu a fizesse sem os olhos.

Eu também estava desenhando sua clavícula, subindo e descendo sob a carne dos ombros. Eu gostava de seus ossos saltados e estava acentuando a espinha, porque sua pele não ficaria borrada de tinta se eu não fizesse um rascunho de seus ossos primeiro.

E agora eu estava despindo sua omoplata e costurando um manto de ouro bronzeado sobre ela, como eu fizera com as maçãs de seu rosto. E funcionava muito bem, porque a partir do momento em que eu não desenhasse os olhos de cigana oblíqua dissimulada, ela não se tornaria indigente. Só não se tornaria uma pessoa que as outras pessoas pudessem reconhecer.

E ela também não se tornaria um rosto insosso por causa disso. Na verdade, ela ficava bonita com a coroa de damas-da-noite adornando o crânio. Porque seus poros futuramente cresceriam num retrato aquarelado e mesmo que suas cavidades oculares estivessem vazias, ela ficaria bonita apenas com o nome numa tela e um colar de margaridas no pescoço. Como Prudence. Porque, no fim das contas, eu estava desenhando uma música dos Beatles que não tinha o nome da música dos Beatles, mas tinha as estrofes das músicas dos Beatles.

E acho que eu teria que me contentar com isso.

Ainda com as mãos sujas de tinta e alguma coisa verde musgo sob as unhas roídas, eu joguei um pano sobre a tela da garota com flores brancas caindo pelos cabelos.

Mais tarde, ela se tornaria a Garota das Pinturas na Parede.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Quando se é um di Angelo, ter uma fama infame é basicamente o seu DNA. Não importa o grau de parentesco, a geração, a forma como você nasceu ou a causa da sua morte. Eventualmente, você vai acabar sendo bastardo, filho de um assassino, ex viciado em heroína e ás vezes um babaca ciumento e vingativo.

Talvez os meus níveis de fama importuna não sejam culpa das outras pessoas, tampouco trágicos numa escala de Romeu e Julieta, mas o pior de tudo ainda é o fato de que eu não tenho ninguém para culpar.

Eu me lembro que o ar livre do lado de fora da lanchoneteestaurante, cheirava a tabaco e batata frita muito engordurada. As únicas pessoas que iam lá nos dias de semana eram alunos desocupados depois das aulas e vagabundos mal - feitores que fumavam mais do que respiravam.

E depois te entregar cinco porções diferentes de ataque cardíaco e obesidade mórbida, eu me dirigi para o lado de dentro. Os adolescentes descolados e ligeiramente viciados ocupavam uma mesa no centro, enquanto Sam – sozinha – tentava memorizar as frases de Elizabeth, descobrindo uma forma de não sentir aversão todas as vezes em que ela lembrava que o Sr. Darcy era eu.

Sam ignorava sucessivamente a minha existência de uma forma admirável, e eu me sentiria grato por isso eternamente. Quer dizer, eu estava evitando fazer contato visual com ela desde o terraço – apesar dela me provocar com piadinhas impróprias em momentos impróprios.

Acho que você não deve espalhar boatos sobre as garotas por quem você tem uma queda, mas não é nada que alguém tenha me ensinado. Então ela mesma o fez.

E enquanto eu limpava o balcão e desfrutava dos trocadilhos vindos da mesa quatorze, Samantha Eaton já não sentia uma necessidade tão latente de me punir. Na realidade, suas punições eram internas, visuais, discretas e muito bem calculadas, na maior parte do tempo. O problema é que 85% da população masculina da West Mcall têm sérias deficiências mentais, e, talvez por isso, o cara que fornecia traficantes nas festas tenha se tornado a chacota dos babacas com jaquetas legais. E os caras das jaquetas legais com as cores da escola estavam jogando pedacinhos de frango frito na minha direção e perguntando se eu não precisava de um agasalho. Jennifer Lawrence.

Eles me chamavam de Jennifer Lawrence, por causa da nudez e tal. Era uma piadinha de bastante mal gosto, mas eu estava mais do que disposto a ignorar.

– Ei, di Angelo! – Isaac Lahey chamou, fazendo metade do seu grupinho de brutamontes virar as cabeças também. Eu sentia vontade de jogar bosta na cara de cada um deles. – Sua mãe sabe que você anda por aí praticando sadomasoquismo ao ar livre?

Suspirei calmamente enquanto escorregava o pano encardido pelo balcão, tentando me concentrar nos arranhões do carvalho.

– Temo que sim. Sua mãe sabe que você vende drogas para alunos do primeiro ano? – Retruquei.

Aquela maldita aura de invencibilidade ao redor de Isaac pareceu rachar uns centímetros e ele lambeu os lábios secos, provavelmente sem ter o que dizer.

– Bom, pelo menos isso me dá dinheiro e eu não preciso ficar trabalhando numa lanchonetezinha fajuta para sustentar a minha família. – Disparou venenosamente, depois de muita dificuldade.

Todos ali estavam cientes da arrogância onipresente de Isaac, mas acho que ninguém quis realmente acreditar que ele tinha dito aquilo.

Quer dizer, pelo menos eu, não fiquei assim tão surpreso. Isaac Lahey estava sempre tentando humilhar as pessoas por causa de onde elas vinham. Isaac Lahey estava sempre tentando ser alguém, passando por cima de um outro alguém.

Olhei para as veias pulsantes no meu braço, provavelmente se enroscando entre a vontade de puxar uma briga e a outra vontade de simplesmente não dizer nada. Os meus músculos estavam tencionados e eu nem ao menos percebi porque estava ocupado demais tentando não perder o emprego.

Os caninos brilhantes de Isaac Lahey agarraram seu lábio inferior rachado e trêmulo, fazendo-me imaginar como seria fazê-lo sentir o gosto do próprio sangue. Mas eu não estava nem perto de me descontrolar completamente. Não ainda.

Sam estava quieta, o roteiro á altura dos olhos e as sobrancelhas curvadas denunciando-a de maneira incrédula. Ela normalmente diria alguma coisa ofensiva e genial para Isaac, fazendo-o sair de fininho. Mas ela não o fez.

Porque indiretamente, eu merecia.

Acho que aqueles caras sentiram medo do filho da moça alcoólatra que namora motoqueiros ter uma arma, pois paralisaram em expectativa atrás do peito estufado de Isaac. Ou talvez não quisessem atrapalhar o showzinho. Sei lá.

Ele ainda tinha a testa vincada, os punhos cerrados, o lábio entre os dentes. Minha fama infame alimentava aquele tipo de cara, e por mais que ele já tivesse absorvido um pouquinho e não estivesse morrendo de fome, eu não o daria uma parte da sobremesa somente por ficar de braços estendidos.

– Eu não tenho interesse em ouvir pessoas cheias de si que usam dinheiro para humilhar as outras, Isaac. – Falei. Minha voz estava mais calma e sombria do que ela normalmente soaria. – Se você sente tanta necessidade assim de aparecer na mídia por arranjar briguinhas onde você não deveria meter o seu nariz, sugiro que se retire.

Isaac soltou seu lábio inferior e nos presenteou com seus caninos livres, novamente. Ele sempre se parecia com um pombo quando estufava o peito daquele jeito, mas acho que ele achava que sua jaqueta serviria de escudo ou coisa parecida.

– Tudo bem, então. – Disse. Sua voz era mínima. – Mas isso só mostra o quanto você é um babaca covarde. E babacas covardes geralmente não conseguem o que eles querem.

Dito isto, ele lançou um olhar significativo para Sam, que fingiu não notar. Em parte, era verdade.

Eu era babaca. Eu não era covarde, mas tomava as decisões erradas na maioria das vezes.

Enquanto eu assentia com indiferença, Isaac e seus amigos recolhiam sua insignificância e suas bolsas caras, pegando a chave da BMW em cima da mesa.

Antes de cruzarem a porta, uma das meninas com cabelo brilhante e mini saia jogou uma nota de dinheiro no chão perto do balcão onde eu estava. O dólar caiu tão ruidosamente no chão que eu quase pude ouvir o escárnio do filho do prefeito arranhando num quadro negro:

Está no chão, onde você costuma estar.

O relance das figuras perfeitas foi desaparecendo aos poucos, junto com as risadas. Nos outros segundos, estávamos sós, eu e a Sammy.

Seu milk shake de chocolate fazia barulho, assim como a sola da bota chutando o pé da mesa e as mordidas incessantes na ponta do canudo.

Ela afastou lentamente os papéis do roteiro do rosto e ficou me encarando disfarçadamente pelas frestas dos olhos cinzentos. Eu não pude entender se ela estava me reprovando ou me analisando para testar se eu estava realmente calmo com tudo aquilo, então eu a encarei de volta sem ter certeza de que eu deveria mostrar resistência.

– Precisa de mais alguma coisa? – Indaguei.

Sam colocou o cabelo atrás da orelha e limpou um bigodinho de leite com a manga da blusa. Seu olhar sobre mim era cético e pouco convencido, mas nada seria tão insolente quanto seu sucessor: o sorriso torto e de dentes perfeitamente brancos e retos.

Ela permaneceu sem dizer nada.

– Minha desgraça te alimenta, não é?

Sua garganta fez um barulho esquisito, como se estivesse rindo e se engasgando ao mesmo tempo.

– Aham. – Confirmou tombando a cabeça para o lado e deixando os cabelos castanhos caírem sobre o rosto. Sua expressão ainda era debochada.

Eu suspirei profundamente e arranhei a bancada. As lasquinhas microscópicas de madeira agarraram atrás das minhas unhas e eu soprei-as com descaso.

– Sabe, eu teria pena de você e ficaria com raiva do Isaac. Caso você não fosse você. – Ironizou finalmente apoiando os papéis em cima da mesa, parando de se esconder atrás dos mesmos.

– Então quer dizer que eu mereci? – Quis saber apesar de já saber a resposta.

– É óbvio. – Confessou ela com sinceridade. – Na maioria das vezes, você merece as coisas ruins que acontecem com você. Não entendo sua surpresa.

Engoli em seco e cravei as unhas com mais força na bancada. Provavelmente tinha uma veia saltitando na minha testa.

– E por que exatamente eu mereço, Srta. Eaton?

– Porque na maioria das vezes, elas são consequências das merdas que você faz ás outras pessoas. – Argumentou.

Assenti com a cabeça e sorri de lado. Eu tinha que concordar.

– E você tem certeza disso?

– Tenho. – Ela disse convictamente.

Eu abaixei a cabeça por alguns segundos e mordi o lábio inferior até sentir gosto de sangue. Acho que eu estava tentando me punir ou coisa parecida.

A teoria toda era bastante válida e eu tinha provas por experiência própria.

Se eu não tivesse dormido com a Sam, eu não teria me apaixonado por ela.

As coisas ruins são consequências das merdas que você faz às outras pessoas. E ás vezes, até a si mesmo.

XXX.

FLASHBACK

Uma semana antes do Natal, 2014

Qualquer pessoa teria se apaixonado por Samantha Lancaster no Inverno.

Era perto do Natal, então as árvores já estavam montadas e enfeitadas. Estava nevando para caralho em Geórgia, uma das raras vezes. A neve alva cobria os telhados, crianças deslizavam pelas montanhas congeladas com seus trenós e flocos de neve espirolavam pela respiração das pessoas toda vez que alguém abria a boca para se queixar do frio.

E Sam estava carregando todo o meu espírito natalino sob a sola das botas felpudas.

Os pais da Sam estavam dando uma festa comemorativa. Tyler havia – finalmente – conseguido arranjar um emprego e estava parando de andar com adolescentes em fliperamas, então eles acharam decente comprar muita bebida e chamar metade da população.

Eu estava sentado no sofá da sala quando Sam se fez presente.

Tudo bem, eu quero deixar duas coisas bem claras:

– Isso não é uma história de amor.

– Eu não sou adepto de descrições românticas.

É só que estava acontecendo um clichê, como quando você acaba de ver um rosto e o Frank Sinatra começa a entoar o coro de uma Nova Iorque apaixonada na sua cabeça. Acontece que você meio que fica apaixonado também. E não é porque aquela garota é um anjo – Deus me livre, não – só é meio impossível embrulhar seu rosto junto de todos os outros rostos bonitos que você já viu.

E eu passei de cara realista para cara apaixonado em apenas alguns segundos.

A residência dos Lancaster se torna um ambiente facilmente habitável por bêbados, caso você empurre o sofá para o canto da sala e encha o jardim com barris de bebida alcoólica. As pessoas estavam explodindo por todos os cantos, como se fosse um evento importante com gente rica, roupas caras, champanhe importado e a Beyoncé se apresentando como convidada especial. Entretanto, era só mais uma das lendárias festas de pessoas velhas que, surpreendentemente, acabavam bem e com ressacas de duas semanas.

Tia Rose e tio Daniel estavam animados. Mais do que o próprio Tyler.

Talvez eu tenha ficado com cara de paspalho quando Sam desceu as escadas. Sei que as pessoas – principalmente seu pai e seu irmão mais velho – haviam percebido, mas eu não pude evitar.

A matriz de sua presença era intergaláctica. Ela poderia estar aqui e disparando contra uma constelação qualquer, em qualquer parte de uma galáxia não muito distante, ao mesmo tempo. E eu sei que as pessoas perceberam porque meus olhos tristes, medíocres e abobados refletiram sua luz de pequena supernova.

Em outras palavras, meus olhos brilharam porque Sam estava gostosa para caralho.

Inclusive, eu estava parado perto do bar quando sua avó apareceu.

Ela não se parecia em nada com Sam, Tyler ou mesmo sua filha, Rose. Era uma senhorinha – ela me mataria se me ouvisse chamando-a de senhorinha – robusta, com pele negra, cabelos escuros, curtos e finos.

Suas sobrancelhas eram tênues e marcantes, deixando seus olhos castanhos brilhantes sempre em evidência. O nariz era grande, os lábios eram grossos, o rosto era leve e divertido e seu corpo nos dava a impressão de uma juventude esbelta não muito distante.

Por algum motivo, o foco da nossa atenção começou a se mover perto do bar e isso a instigou a falar.

– Ela está linda, não está? – Falou, a voz audivelmente rouca e o hálito inebriante de tão alcoolizado.

Assenti veemente, sabendo que aquela frase terminaria num discurso sugestivo sobre eu achar meu amor eterno na filha caçula da família.

– Nunca a vi tentando se soltar em uma festa. – Comentei em seguida, com sinceridade.

Eu não sei se vocês sabem, mas a Sam do passado possuía escrúpulos. Ela tinha até um juramento de celibato, juntamente com o bônus de não se mover com a atual força erótica com a qual se move hoje em dia.

– Ela é uma menina muito divertida, quando se dá o trabalho de ser. – Disse Sonia perto do meu ouvido, fazendo-me sentir os respingos da bebida perto da orelha. Seu hálito impostor conseguiria ser sentido há quilômetros de distância. – Talvez ela até precisasse de alguém para lhe ensinar como se divertir.

E riu sozinha da ambiguidade da frase, o que chegou a ser meio macabro.

Minha voz assumiu um tom defensivo por conta própria.

– E por que você está me dizendo isso. Tipo, agora?

Sonia tirou o copo com soda batizada da minha mão, os olhos cor de nanquim brilhando numa malícia trágica e ao mesmo tempo, cômica.

– Tire a Cinderela do baile para dançar, seu merdinha. – Praticamente cuspiu, jorrando ferozmente mais algumas de suas agradáveis gotas amargas no meu rosto.

Eu fiz uma careta e roubei meu copo de volta.

– Como você sabe que está batizada? E pare de cuspir na minha cara.

– Eu conheço seus antepassados, moleque. – Argumentou com convicção e quase asco na voz. – O que te faz pensar que eu não vou conhecer você?

Eu sorri de volta, tomei um último gole da bebida, larguei o copo numa poltrona qualquer e girei nos calcanhares indo na direção da Sam.

Sonia tinha rugas ao redor dos olhos, problemas na coluna, dinheiro da aposentadoria, a memória da estreia do filme dos Beatles no cinema local e o espírito menos amargurado do que o meu.

Sam estava parada no bar. Segurava um copo vermelho de plástico nas mãos, roçando os lábios escarlate nas bordas brancas e manchando-o de mais vermelho ainda. Tinha um vestido bem curto e apertado contornando sua cintura, quase como um espartilho. Minha mente de garoto de treze anos rapidamente despertou meus hormônios, mas essa é a parte que eu acho melhor não compartilhar. Qualquer coisa sobre ela estava sendo difícil de dizer.

Então, seus cotovelos estavam apoiados no bar. Um bar vazio, só para constar. Não existia garçom, só uma coleção interminável de garrafas enfileiradas junto com as taças de cristal que eram herança de família. Seus olhos estavam vidrados em ninguém. Seus lábios conversavam com embriaguez e sua mente divagava para lugares distintos. Talvez ela estivesse pensando que poderia muito levantar e dançar sozinha, se quisesse.

Eu me aproximei o suficiente para sentir o cheiro de canela com suor, escorrendo vagarosamente pela sua nuca. Sam rapidamente cobriu-se do manto de repúdio.

– O que você quer? – Perguntou num tom insolente. Ela teve que gritar, pois a música estava muito alta. Sua voz enrouqueceu e falhou um pouco.

– Por que você acha que eu quero alguma coisa?

Apoiei meus cotovelos ao lado dos seus, encostando nossos ombros.

Ela ponderou por alguns segundos e depois lambeu os lábios úmidos em formato de coração, sorrindo.

– Você só me procura quando precisa de alguém. – Dito isto, ela se afundou em mais um gole caloroso de vinho. Eu acho que era vinho.

Seu batom estava brilhando como veludo vermelho. Era convidativo e talvez eu não estivesse prestando atenção no resto do rosto. Talvez só os olhos.

Deus, quem eu estou querendo enganar? Eu estava prestando atenção em seus peitos. E nos olhos. E nas maçãs do rosto.

Eu sempre pensei em desenhá-las, afinal de contas.

– Sua vó me mandou vir aqui te chamar para dançar. Só porque você está bonita. – Confessei.

Sam inclinou a cabeça para trás, rindo com escárnio e pousando o copo sobre a madeira com brutalidade. Algumas gotas do vinho se espalharam ao redor.

– Você é um romântico incurável, não é? – Ironizou, olhando-me com um misto de graça e deboche.

– Só um pouco. – Assumi. – Mas temos que concordar que nunca é tarde para uma boa ação.

A garota apenas bateu de ombros com indiferença e voltou a roçar seus lábios ao redor da boca do copo.

I make them good girls go bad, o alto-falante trovejou.

Revirei os olhos até senti-los atrás da minha cabeça.

– Você odeia essa música. – Deduziu Sam, sem nem sequer se virar.

– Odeio. – Concordei, olhando-a de soslaio. – Como você sabe?

Ela engoliu sua bebida com fervor e olhou diretamente para mim, com um certo desfoque nos olhos.

– Você odeia qualquer coisa que seja remotamente feliz. – Disse ela, meio embolada.

– Isso está correto também.

Sam deu um sorriso pomposo e embriagado, rindo em seguida e consequentemente balançando seus ombros, roçando-os perto dos meus.

– Você ainda quer dançar? – Perguntou, num tom mais baixo do que das últimas vezes.

Neguei com a cabeça.

– Eu nem gosto dessa música, segundo você.

Em resposta, ela se levantou, meio cambaleante. Talvez um pouco de tonteira e a agulha do salto enrolando no chão de linóleo porque ela estava começando a ficar meio bêbada. Ironicamente, o copo se esparramou numa poça de cor sanguinolenta.

– Você não gosta. Eu gosto.

Vamos deixar duas coisas bem claras (de novo):

Isso não é uma história de amor.

Não sou adepto de descrições românticas.

Mas Sam movia sua cintura com cautela. Ela tinha o corpo como uma arma, atirando nas pessoas ao redor. E eles estavam tentando silenciar o som. Se você tentar silenciar uma arma fazendo os buracos errados, ela pode explodir na sua mão.

E Sam estava com medo de apertar o próprio gatilho.

A Sam de hoje em dia gosta de subir em mesas, jogar uísque na madeira e acender um isqueiro. A Sam daquela época só tinha vontade de queimar as coisas.

As luzes da sala de estar estavam refletindo em sua pele suada e bronzeada, como uma aurora boreal. E ela jogou os cabelos para o lado de maneira tímida, sorrindo da mesma forma. As pessoas ao redor eram borrões doentes e raquíticos.

Sam era uma nuvem borolenta chovendo sobre si mesma.

Quando a música chegou ao seu refrão, meus ouvidos sangraram simbolicamente e ela me chamou com o indicador.

Estou tentando soar o menos clichê possível, mas aquele momento foi o momento em que minhas mãos agarraram sua cintura e seus braços envolveram meu pescoço.

As outras pessoas eram magras e doentes.

As outras pessoas eram invisíveis.

E nós precisamos dançar juntos por boa parte da noite para eu perceber todas as coisas que eu ainda não havia percebido.

As pessoas estavam olhando e sua pupila dilatava com a proximidade. As cores eclodiram na íris acinzentada e continuaram escorrendo pela pele brilhante e suada.

Eu conseguia ver tudo. Os cravos, as veias, as olheiras arroxeadas. O sorriso no canto dos lábios.

A verdadeira Sam estava eclodindo na cor das íris dilatadas, das pupilas acinzentadas e no suor como espuma de mar. O beijo no canto dos lábios e os poros que se desfaziam em pólvora.

E eu acho que eu estava começando a ficar bêbado também.

XXX.

Estávamos sentados na borda da piscina. Nossos ombros se encostaram novamente, junto com nossos pés, fazendo uma corrente elétrica percorrer pelo meu sistema nervoso.

A neve ainda manchava os telhados das casas. Era branca como a cocaína que Bianca andara fumando no verão passado.

A piscina estava vazia e cheia de balões sobre a neve derretida.

A Lua incolor se parecia com uma mão cadavérica tentando agarrar a penumbra entre os dedos. As estrelas seriam suas sardas, distantes e impregnadas. Envenenadas de Inverno.

– Você não é tão babaca em silêncio. – Disse a Sam, observando meu perfil.

Seu semblante passara de bêbado para relaxado e despreocupado, as bochechas bastante coradas. A maneira como ela tentava alcançar as bexigas para depois estourá-las sob os pés era adorável e irritante ao mesmo tempo.

– Você fica menos insuportável bêbada. – E era verdade.

– Não estou bêbada. – Defendeu-se, chutando uma bexiga cor de rosa na direção contrária. – Estou levemente alterada. É completamente diferente.

– É completamente diferente porque você continua careta. Bêbada, pelo menos, você fica engraçadinha. – Zombei. – Mesmo que não saiba como se divertir naturalmente.

Suas bochechas ficaram ainda mais coradas e ela colocou as mãos na cintura.

– Sei sim! E mesmo que não soubesse, sua concepção de diversão é fumar muita maconha e dormir com todas as pessoas presentes numa festa. Não tenho interesse em disfarçar minha decadência com diversão, muito bem, obrigada. – E dito isto, ela empinou o nariz da forma que sempre fazia quando acabava de dar um fora em alguém.

Tudo bem.

Aquilo me irritava.

Mas continuava adorável.

– Você não é assustadora, Eaton.

Ela permaneceu impassível, mas profundamente ofendida. Dava para ver pelos seus olhos.

– Não queria ser assustadora mesmo.

– Queria sim. Pelo menos um pouquinho.

– Não queria ser assustadora. – Insistiu. – Não quero que as pessoas tenham medo de mim. Só quero que as pessoas me respeitem.

Eu sorri, inclinando a cabeça para vê-la franzir a testa.

– É por isso que você não tirou a roupa naquela vez da praia? – Questionei.

Sam fechou a cara.

– Não tem nada a ver com isso! Não seja machista. – Ela me deu bronca, endireitando a postura. – Eu não tirei a roupa porque eu não quis.

– Isso é uma pena. – Falei. – Mas você não tirou porque não quis ou porque estava com medo do que as pessoas iam pensar?

O silêncio se instalou quando o vento completamente congelante reverbou pelas árvores e pela neve. Sam estava usando um vestido de mangas compridas e tecido grosso, mas mesmo assim se encolheu.

– Agora é um ótimo momento para tentar o cavalheirismo. – Ela disse, referindo-se ao meu casaco.

Dei de ombros.

– Mas nossas bundas já estão completamente congeladas. – Justifiquei.

E estavam mesmo. Não existia motivo nenhum para permanecer do lado de fora, mas permanecemos porque não tínhamos mais o que fazer lá dentro. As pessoas encararam demais. A noite inteira.

Inclusive, a própria Rose.

Sam revirou os olhos.

– Então não podemos entrar?

Eu revirei os olhos dessa vez.

– Não.

– Mas...

– Ok.

Levantei-me num salto e ajudei-a se levantar também. Ela ficou de pé com certa dificuldade e enroscou nossos braços para não cair de novo, pois alegava estar com as pernas bambas.

Voltamos para casa pela porta dos fundos. Minha visão escureceu e as luzes piscantes voltaram a fazer fila em torno das nossas cabeças, junto com a música alta e ruim e o falatório.

Eu devo dizer que a família Lancaster é tão inconstante quanto uma família numa casa de bonecas; eles vestem máscaras, sorriem para fotos, ajeitam as roupas engomadinhas e depois voltam a se atacar profundamente atrás dos reflexos. Pelo menos, Daniel e Tyler eram assim antes do acidente. Tyler, principalmente, nunca mudava.

Eu senti Sammy apertar meu braço quando começou a ver os rastros da catástrofe. Alguns vasos estavam no chão e as pessoas se encabeçavam ao redor de sei lá quem, implorando para que parassem e ao mesmo tempo pedindo mais com o olhar. Nada fora do comum. As pessoas se alimentam da ruína alheia o tempo inteiro.

Entretanto, quando chegamos mais perto, vimos o filete de um soco escapar por entre a silhueta de um cara esquisito e Sam ficou pequena de novo.

Daniel e Tyler terminaram a noite brigando.

A música parou e o grito desesperado de Rose ecoou pelas persianas escancaradas. Estavam se destruindo publicamente, como sempre faziam.

Estavam entrando em colapso porque não sabiam a hora certa de entrar em combustão. Estavam carregando o resto da família com eles.

E Sam estava se escondendo num casulo, Rose estava congelada com as mãos no ar e Sonia havia desmaiado de bêbada alguns segundos antes. Graças ao Bom Deus, porque mais ninguém precisava de um fardo para carregar.

Os dois se afastaram e ficaram se encarando com a respiração ofegante. Daniel tinha cabelos escuros, olheiras ao redor dos olhos e sentia como se tivesse aberto uma cratera no rosto do filho. Tyler tinha um Grand Canyon no meio da cara, barba rala, cabelos escuros, dentes levemente tortos e sangue escorrendo. Eles se olhavam enquanto se destruíam lentamente.

Rose se recompôs e começou a evacuar o local. As pessoas começaram a ir embora, mas não sem antes fazer perguntas. Elas esbarravam na Sam, sem perguntar como ela estava.

Contraditório.

Os quatro mal se aguentaram naquele momento, para falar a verdade.

XXX.

Ela não quis falar sobre aquilo e então pulou o muro.

O vestido se rasgou em partes que não deveria, mas ela não ligou. Os joelhos estavam esfolados, mas ela não ligou também. Tinha marcas de lágrimas ao redor dos olhos de buraco negro e na verdade não dava a mínima.

Eu disse que era só me ligar ou tocar a campainha, mas ela quis pular a janela como eu geralmente fazia nas raras vezes em que queria conversar.

Então estávamos deitados no carpete do meu quarto, os pais dela haviam ido dormir, Tyler saíra de casa, Sonia continuava apagada, minha família estava no interior e compartilhávamos uma garrafa de cerveja na calada da noite.

Tinha quase certeza de ter escutado uma coruja no galho perto da minha janela.

– Por que você não quis ficar com eles essa noite? – Perguntei. O cheiro do cigarro ao redor da minha cabeça era quase palpável. – Quer dizer, eu imagino o motivo, mas você sempre banca a filha querida e altruísta invés de simplesmente surtar. O que aconteceu?

Sam tombou a cabeça para o lado e fechou os olhos. Conseguia ver as pequenas serpentes nadando pelas pálpebras arroxeadas enquanto elas tremiam e Sam respirava pela boca.

– Eu nunca agi desse jeito, você sabe. – Respondeu. – Mas acontece que eu estava tendo uma noite legal e eu estava orgulhosa do meu irmão mais velho, feliz por dançar com você e feliz por poder conversar sem brigar por mais de duas horas seguidas. E eles chegam e simplesmente passam por cima de tudo. Como sempre. Estou exausta das pessoas estragando minhas noites felizes com seus problemas miseráveis.

A garrafa estava entre nós, mas ela pegou e deu um gole generoso e quase egoísta. Traguei o resto do toco do cigarro e joguei-o num cinzeiro improvisado na escrivaninha, na qual apoiávamos a cabeça.

– É justo. – Foi tudo o que eu disse, encarando as covinhas do seu rosto formando um sorriso desmotivado. – Você está bem?

– Um pouco. – Disse, escorrendo a cabeça para perto do meu ombro. – Só estou com raiva. E me sentindo meio culpada. Não costumo tacar o foda-se com muita facilidade, entende? Me preocupo demais com as pessoas.

– Você devia tentar fazer coisas que nunca faz mais vezes. – Sugeri, sorrindo-lhe de canto. – As coisas que você nunca faz se parecem mais com você do que as coisas que você sempre faz.

Suas sobrancelhas perfeitas se arquearam e ela sorriu de novo, mais sinceramente dessa vez. Nossos rostos estavam próximos, embora só estivéssemos conversando. Sua perna estava jogada sobre a minha.

– E quais seriam essas coisas? – Quis sabe, mordendo o canto da boca e olhando meu rosto de maneira curiosa.

Eu suspirei.

– Como, por exemplo, não ligar para as pessoas. Dançar mais em festas, ficar meio bêbada, usar vestidos curtos, falar alto, pular a janela do meu quarto no meio da madrugada, coisas assim. – Listei. Sua cabeça agora estava apoiada no meu ombro. Deslizei minha mão para sua cintura.

Ela gargalhou bem perto do meu ouvido. Eu poderia reclamar, mas ela tinha uma risada gostosa de se ouvir.

– E o que mais?

– Me diz você.

Sam mordeu o lábio, pensativa. Franziu o cenho e batucou os dedos nas próprias pernas, tentando encontrar seus desejos nas pontas das unhas.

– Fumar maconha, beijar meninas, viajar o estado. Coisas assim. – Respondeu.

Confesso que fiquei abalado com a parte do beijar meninas.

Eu soltei um muxoxo atrapalhado, esganiçado e surpreso. Sam sabia o porquê, então ela riu. Seus cabelos estavam começando a cheirar como o meu cigarro porque sua cabeça estava entranhada no meu pescoço, absorvendo o aroma natural da minha pele; nicotina.

– Posso te perguntar mais uma coisa? – Eu disse, bem baixinho.

Nem as corujas estavam ouvindo.

Ela assentiu.

– Senta de frente para mim.

– Isso não é uma pergunta.

– Cala a boca.

E então ela me obedeceu.

Tirou uma mecha de cabelo dos seus olhos acinzentados e ficou me esperando dizer alguma coisa.

– O que você faria caso estivesse em Nova Iorque agora?

– Mas o que isso signifi....

– RESPONDE.

– Dançando para caralho em alguma boate com música ruim.

– Você me decepciona.

– Mas e você?

– Eu estaria pintando alguma coisa ou alguém.

– Até porque sua resposta é muito melhor do que a minha.

Revirei os olhos e encostei minha cabeça na madeira fria.

– Sua vez. – Falei.

– Faça comigo a primeira coisa que vier à cabeça. – Ela disse. Seu olhar era ingênuo, então acho que não havia percebido o duplo sentido da frase, - Qualquer coisa.

Ou talvez tivesse.

– Isso não é uma pergunta.

– Que se foda.

Eu ri.

– Qualquer coisa?

– Aham.

Então eu a beijei.

Pela terceira vez consecutiva, vamos deixar uma coisa bem clara:

Isso não é uma história de amor.

E seus lábios tinham gosto de uma constelação se dissipando ao redor de Netuno. Estou tentando não soar clichê aqui, então apenas direi que aquele foi o momento em que suas mãos agarraram meu pescoço e meus dentes morderam os seus lábios.

Segurei sua cintura diminuta com força e senti sua respiração acelerar, mas não hesitar.

Estava nevando lá fora, mas eu me sentia um inseto atraído pela luz no escuro. Eu me sentia segurando uma faísca crescente na palma das minhas mãos. Eu me sentia prestes a disparar aquele corpo e prestes a atirar em seu subconsciente.

Ela tinha gosto de cerveja, cigarros, inocência e vontade de ser. Ela tinha o gosto de todas aquelas luzes que giravam ao redor dela porque ela era o próprio sol em pessoa.

Ela era linda porque era trágica. E artistas se atraem por tragédias.

Sam começou a ofegar e se afastou lentamente, os olhos fechados e os lábios avermelhados entreabertos. Ela sorriu ao mesmo tempo em que eu encostei a boca atrás de sua orelha.

Percorreu as mãos pelas minhas costas e depois alisou meu pescoço com o anelar.

– Você só não pode contar isso para ninguém. Nem para Bianca. Entendeu? – Sussurrou, aproximando seu rosto novamente e piscando perto dos meus olhos. Seus cílios espessos roçaram as minhas bochechas, que deviam estar quentes e vermelhas como as dela.

– Eu não vou. – Respondi.

Sam sorriu contra os meus lábios e segurou minhas mãos geladas com as suas, que estavam quentes. Senti seus dedos acariciarem os calos e guiarem-nos para suas costas também, como estivera fazendo com as

minhas. Ela me fez agarrar o zíper e descê-lo enquanto inclinava as costas sobre o carpete e me puxava junto.

Seus seios foram se despindo lentamente enquanto eu agarrava as laterais do tecido e o arrancava de sua pele suada.

Eu pairei sobre ela e fiquei encarando a imensidão intergaláctica de seus lábios inchados se juntarem aos meus, as mãos apoiadas no carpete, ao lado de seu corpo, uma de cada lado.

Mordi seu lábio com uma força torturante e senti seus pelos se arrepiarem com os meus.

– Vai ser o nosso segredo, promete?

– Prometo.

E eu não demorei muito a me afundar na Arabella dos meus devaneios novamente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

COMENTEM TÁ



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Wild Youth" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.