The Wild Youth escrita por moonshiner


Capítulo 11
You always find another place to go


Notas iniciais do capítulo

Eu diria que eu demorei, mas o fato de eu ter demorado é óbvio demais então nem adianta eu querer me safar dessa vez.
How are you, crianças? A TIA TÁ ÓTIMA
SINAL DO TELECINE TÁ LIBERADO ((APROVEITEM))
TO COMENDO PACAS
TOMANDO ALTOS DRINKS ((NESCAU))
TRABALHANDO NUM PROJETO MASSA
VENDO OS CRUSH NA TV ((DYLAN O'BRIEN, ZAC EFRON, BRANT DAUGHERTY E PRINCIPALMENTE AARON JOHNSON)) e to aqui com vocês
quero dedicar esse capítulo a todos que comentaram - Sr. Caio e Srta. Ann - e dizer que eu fiquei muito, muito, MUITO feliz mesmo



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Maggie

Stump your growing limps and thinking

And you've lost them now you're blinking

And reminding her of him

Oh you steal his features

And your mother is a bleacher

She don't even feel the heat no

She don't even want to speak to you

But you

You always find another place to go

Eu e a Sam dormimos numa cabana de lençóis perto da janela gigante da sala. Foi como ter uma irmã de outra mãe.

Estávamos tentando suprir nossa necessidade de uma família na noite passada, então um refúgio dentro de casa foi o que deu para fazer.

Sam estava dormindo com a cabeça atolada no travesseiro, as madeixas castanhas formando uma aureola felpuda e embaraçada ao redor de seu crânio. Seus olhos estavam fechados em pequenas galáxias sonolentas, com veias finas e roxas serpenteado pela pele. Ela também babava enquanto dormia.

Meus membros pareciam afundar lentamente na terra molhada, cheirando a orvalho. Minha respiração levava meu tronco numa brisa leve, cutucando minha espinha com espasmos de uma noite mal dormida.

A primeira impressão que tive quando abri os olhos foi a de um céu falso implantado bem acima de nossas cabeças. A estampa cerúlea cheia de nuvens fazia parecer que eu estava dormindo de olhos abertos. O céu azul era de tecido e eu agradecia por isso – desde que me entendo por gente, não simpatizo com os dias bonitos. Eles não combinam com meus olhos, não combinam com minhas roupas, não combinam com o meu estado de espirito e muito menos com a minha playlist.

Levantei do chão, o corpo ainda pesado. Balancei os ombros de Sam, o que só a fez soltar um muxoxo e um relincho como o de um cavalo. Sua boca aberta e babada nada disse na segunda vez, então eu desisti.

Minhas costas estavam curvadas quando eu saí da cabana. Além de lençóis com tecidos azuis e vivos, existiam também lençóis floridos colocados no que deveriam ser nossas janelas. Eles eram legais porque davam a impressão de um jardim nascendo ao nosso lado.

Enfiei os pés em pantufas de coelhos que não eram minhas e saí deslizando pelo piso da casa. Os pássaros entoavam uma melodia que em nada condizia com o céu nebuloso do lado de fora. Era poético como Shakespeare em Romeu e Julieta, sendo que deveria ser poético como Edgar Allan Poe em O Corvo.

Ainda deslizando, passei diretamente para a cozinha. Ela vivia arrumada e cheirava a comida congelada e enlatados. Nenhum de nós quatro sabia cozinhar por ali.

Sentei-me a mesa – completamente sozinha – e senti saudades das manhãs alvoroçadas onde fui criada. Meus pais estavam sempre apressados para seus respectivos trabalhos, então, de certa forma, eu estava sempre atrasada para a escola. A casa se tornou um completo silêncio depois de tudo.

De qualquer forma, o meu nomadismo não adiantou de muita coisa, né? Quer dizer, uma família quebrada atrás da outra. Só tem a Sam por aqui.

Eu e ela preenchemos as rachaduras.

Eu ainda estava sozinha quando o ranger das dobradiças começou a encher a casa. Os passos despontaram como o ronronar de um gato – com muito medo de serem percebidos. Se Fosse Tyler, teria de lidar com sua repugnância matutina – eu diria habitual.

Se fosse o tio Daniel, eu teria que fingir não ver a ressaca e os chupões no pescoço. Nada fora do comum.

E aí ele apareceu.

Como sempre, com seus cabelos negros bagunçados pelo rosto como um jovem seguindo uma nova tendência. A barba por fazer cobria suas feições como neve cobre o telhado no Inverno, já que ela estava grisalha em boa parte. Os olhos pareciam poços bem profundos e as bochechas eram duas covas muito bem perfuradas.

O fato de que ele parecia constantemente abalado por – bem, vocês sabem – não era muito uma surpresa. Na verdade, era a coisa mais óbvia e clara acontecendo nos últimos dias.

Às vezes, eu me perguntava se ele era corajoso ou só covarde demais. Corajosos são aqueles que escondem a própria tristeza até provocar um afogamento (ou um surto psicótico). Covardes são aqueles que largam suas filhas a mercê de um manual de sobrevivência pessoal, a mercê de um luto duplo.

Ele caminhou até a pia recolheu uma caneca de café, despejando um monte de café puro e tomando um gole generoso.

Minhas manhãs tinham cheiro de café quando minha mãe costumava levantar para trabalhar e existia um bebê sorrindo pela janela.

Acho que ele não havia me percebido, por isso, pigarreei.

– Maggie?

Acenei com a cabeça e ele me deu um sorriso cansado, até um pouco constrangido. Colocou a caneca de porcelana em cima da mesa e estufou o peito como um pombo pomposo, tentando ricochetear as críticas silenciosas que eu começava a lhe disparar.

– Bom dia. – Falei, a voz meio rouca para a primeira frase do dia.

– O que faz acordada tão cedo? – Perguntou numa tentativa falha de desviar a atenção. Daniel parecia um garotinho sendo pego tomando sorvete antes da hora do almoço.

– Eu estou indo visitar o meu pai daqui a pouco e acordei cedo para arrumar as minhas coisas. – Menti. Quer dizer, era meio verdade. Eu realmente não conseguia dormir direito nos últimos dias, então talvez eu realmente precisasse unir o útil ao agradável. – E você? A noite foi boa? Se divertiu bastante? – Meu tom era um pouquinho mais acusatório do que eu pretendia.

Talvez eu soubesse que ele não sentia um prazer verdadeiro ao fazer aquelas coisas, mas eu não podia evitar a raiva que eu sentia ao depositar todas as memórias da minha mãe em suas olheiras em evidência.

– Não conte para Sam. – Pediu.

Dei de ombros, tentando demonstrar indiferença.

– Não tem problema. – Menti novamente.

Uma hora, o tiro de bancar o adolescente inconsequente de quarenta anos sairia pela culatra e ele sentiria todo o peso nas costas de uma vez só. E não seria problema meu.

Daniel sorriu um sorriso casto e começou a encher a caneca de café novamente. Depois disso, pegou a carteira, enfiou as chaves do carro no bolso e saiu gritando um “tchau” bastante surdo da porta.

Ele não dormiu a noite toda e agora estava indo trabalhar como se fosse um médico cobrindo um plantão. Eu lhe faria torradas com manteiga e bacon como uma boa samaritana se eu já não tivesse perdido aquela imagem de segundo pai que eu costumava ter.

Geralmente, eles – os pais – fazem o papel de crianças perdidas da geração e se escondem atrás de seus filhos como se eles fossem fortalezas que vieram ao mundo com a única intenção de confundir as balas.

Aqueles que supostamente deveriam ser protegidos de verdade.

(E não é certo. Isso não é certo)

Criança nenhuma é obrigada a ver os pais andando por aí como se tivessem se esquecido de tirar o disco do Joy Division do DVD, porque eles estão tristes o tempo inteiro. E nem ao menos fazem questão de disfarçar.

O problema é que nós também estamos tristes o tempo inteiro. A única diferença é que deixamos nossos disfarces indestrutíveis em casa quando vamos aos bares beber até perder nossos fígados, porque é importante que eles estejam impecáveis antes de dizermos boa noite para os nossos pais. E nós nos preocupamos demais com eles para demonstrar que nós também queremos ajuda.

E aí nós secamos seus cabelos, tiramos o vômito do piso e jogamos as garrafas de álcool no lixo. Inclusive, lavamos o sangue das blusas.

No dia seguinte, eles fazem a mesma coisa, sem alterar o repertório. Eles estão ateando fogo em seus interiores por diversão, e seus pulmões são cinzas corrompidas e seus corações são veias rasgadas.

(E nós, as crianças perdidas, estamos nos queimando)

Nenhum filho vem ao mundo com a intenção de se foder sozinho.

A nossa autodestruição está na placenta.

E talvez nos nossos pais.

Menos de meia hora depois, Sam apareceu na cozinha. Estava trajando seu casaco de moletom da Lufa-Lufa e cobrindo os ossinhos magros da clavícula com o tecido grosso. Ela estava tão magra que eu a sentia afundando por dentro de suas roupas.

Os cabelos castanhos claros emolduravam seu rosto – opaco, vazio, insosso e com pele esticada pelos ossos das bochechas.

Ela ainda era uma menina bem bonita, por causa dos olhos azuis tempestuosos e as feições harmoniosas. O tempo só não se lembrava disso. As noites mal dormidas também não.

Ela não me disse bom dia porque dizer bom dia, na humilde opinião de Sam, era uma mentira sorrateira e corriqueira, porque seus dias nunca eram bons e ela se recusava a desejar que o de outra pessoa fosse bom também porque ela estava cagando para o bem-estar alheio. Esses sintomas de ódio matutino perduravam até depois do primeiro tempo de aula.

– Meu pai quer que eu volte para casa hoje. Ele disse que já passei muito tempo por aqui esfriando a cabeça. – Falei, cortando-a de um monólogo de trinta linhas sobre o quanto a humanidade respira sem motivo algum e que todos deveriam brincar de morto ás sete e meia da manhã.

Ela parou por alguns segundos, a faca cheia de manteiga light pairando á milímetros de distância da torrada. Os lábios carnudos se comprimiram numa linha reta e ela me encarou com a expressão fechada, silenciosamente.

– E você vai?

– Nem fodendo. – Falei, meio defensiva.

Na realidade, eu não sabia. Meu pai provavelmente não sabia do vaso sendo arremessado na minha direção, porque minha mãe provavelmente ocultara todos os nossos equívocos na esperança de fazer parecer uma rebelião adolescente bastante comum.

Só que não era e ela me disse que eu deveria ter morrido no lugar do meu irmão, então eu não tinha intenção de voltar para minha cidade natal. Pelo menos, nem tão cedo.

– Só que eu preciso conversar com ele. – Continuei. – Minha mãe disse a ele que eu fugi porque nós brigamos e mandou ele me dar um tempo. Só que ele me deu o tempo de um mês e agora me quer de volta em casa.

Sammy assentiu, colocando a torrada na boca com muito esforço.

– É justo. – Concordou. – Mas... você acha que ele vai te deixar ficar, não é?

Neguei com a cabeça.

– Não faço a mínima ideia. – Respondi com sinceridade. – Sem querer ser rude, mas não crie muitas esperanças.

Os ombros magros e pequenos caíram imperceptivelmente, porque ela tentou disfarçar.

– Tudo bem então. – Conformou-se, apanhando a mochila de cima do balcão e jogando pelo ombro esquerdo.

– Por que está saindo assim tão cedo? – Questionei, vendo que a escola só começava ás oito da manhã.

Ela meu deu um sorriso meio tímido e receoso enquanto engolia um gole de café puríssimo, parecendo se perguntar se me contava ou não.

– Vou me encontrar com o di Angelo. – Respondeu, por fim. Pude notar que suas bochechas afundadas recebiam uma nova tonalidade de rosa a cada segundo. – Ele quer ajeitar as coisas entre nós dois, mas eu meio que não estou afim.

Concordei com a cabeça, sorrindo largamente.

– Vou me fazer de vadia sem coração enquanto esmago todos os sentimentos dele. – Me contou, deslizando os dedos pela madeira envernizada da bancada de maneira quase metódica. – Ele merece.

Abanei a cabeça com negatividade e deixei meu rosto bem aparente, para que ela visse meus olhos se tornando cada vez mais maliciosos.

– Faça o que você quiser, Jamantha. Estarei aqui quando você admitir que estão apaixonados.

No fim da sentença, senti que levaria uma cafeteira na direção da minha cabeça, mas acho que ela estava com preguiça, então apenas se de indiferente e disse:

– Você faz trocadilhos muito ruins com o meu nome.

– E você é trouxa.

Sam parou para rir por alguns segundos enquanto se dirigia até a porta, os all star vermelhos rangendo na madeira, enfiando as chaves nos bolsos e tomando café como se sua vida dependesse disso.

Exatamente como seu pai fizera alguns minutos antes, mas sem medo de ser descoberta.

Ela não tinha nada pelo que se sentir culpada.

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A West Mcall High School ficava na outra calçada, cujo a construção eu encarava minuciosamente sob meus cílios espessos com rímel grudado.

Eu estava com uma mochila nas costas e eventualmente acabaria sendo confundida com alguma novata covarde.

De um lado, os tilintantes adolescentes cristãos, com seus cabelos loiros impecáveis – em topetes e em franjas -, as blusas abotoadas do primeiro botão ao último e as saias até os calcanhares. Uma matilha de lobinhos prepotentes e enraivecidos, com sangue pingando de suas gengivas, mesmo que estivessem sorrindo. Sorrisos resplandecentes, devo lhes dizer.

Do outro lado, onde a grama não era tão verde e o sol não podia chegar com tanto afinco, vinham as crianças alternativas do bairro.

Só que crianças alternativas não andam em bando. Elas andam sozinhas, atravessando o subterrâneo enquanto escutam um disco do Foster The People. E Nate vinha navegando pelas margaridas mortas como um capitão solitário, já que ninguém queria falar com ele nos últimos dias. Quer dizer, quase todo mundo. Eu falava com ele todos os dias dos últimos dias.

Meu coração sentiu vontade de vomitar nos meus pulmões quando ele enfiou as mãos nos bolsos e sorriu para mim, vindo em minha direção com a mochila pendendo no ombro.

(Uma sensação esquisita.)

Vejam bem, não é que eu esteja desenvolvendo uma queda; talvez eu esteja remotamente interessada e gradativamente caindo no sono com ele por perto, mas é totalmente diferente de se apaixonar.

É só que eu sinto atração pelas coisas que ele diz. É só que eu sinto atração pelas músicas que ele escuta. E eu sei que numa concepção bastante deturpada do que é o amor, na mente de algumas pessoas, talvez eu esteja me tornando uma tola apaixonada. Mas eu não estou. De verdade.

E Nate sorriu largamente para mim de novo, um gesto constantemente presente nos seus lábios finos, mas raramente por sinceridade ou coisa do tipo.

Fiquei na ponta dos pés e acenei, vendo-o caminhar na minha direção. Os ombros eretos, o tronco esticado, os cabelos castanhos bagunçados e as sobrancelhas grossas arqueando sua expressão de superioridade.

Ele não se parecia com esses artistas adolescentes e irrealistas de séries adolescentes, que estão constantemente arrumados e bem vestidos. Não era aquele tipo de beleza de uma multidão só – que você vê uma vez durante quinze anos. Era convencional, bagunçada e matutina, como seus pensamentos pela manhã. Era uma beleza que talvez nem todo mundo achasse bonita, mas eu achava.

– Ora, mas que bela surpresa, Magnolia. Vejo que encontrou o caminho para os portões do Inferno. – Falou, referindo-se à escola. Tinha aquele tom de quem está sempre zombando de alguma coisa, e ele sempre estava.

– É. – Respondi, cruzando uma perna sobre a outra. – Não aguentava mais ficar dentro de casa.

E era verdade. Enquanto eles estavam na escola, eu não aguentava mais a minha própria nicotina impregnando a casa, as explosões artificiais dos vídeo games de Tyler e o choramingo incontrolável que vinha dos corredores todas as vezes em que tio Daniel recebia o dia de folga.

– Quer dizer então que para tentar escapar da monotonia caseira, a senhorita veio aos arredores escolares? – Parecia pouco convencido. Na verdade, pouca coisa parecia realmente convencê-lo de verdade.

Ele também fingiu não reparar na mochila estufada nas minhas costas, porque talvez soubesse que eu não gostaria de responder.

Revirei os olhos e remexi os pingentes na minha jaqueta. Era um para cada música favorita.

– Onde estão os outros? – Perguntei, tentando puxar assunto.

Nós começamos a andar pela calçada e ele se importou em responder animadamente, fazendo gestos com as mãos e se esforçando para zoar a atividades extracurricular alheia.

– Os outros vão ficar até mais tarde. Sam e Nico têm bastante Orgulho e Preconceito para ensaiar, Charlie tem bastante Jane Austen para dirigir, Leo está bastante feliz projetando o cenário e Bianca fugiu para se drogar com as amigas lésbicas.

Seus lábios esboçaram um sorriso e ele ajeitou os óculos no rosto. Nate tinha sempre aquela aparência de cinismo quando ameaçava sorrir ou era apenas o meu complexo?

– Então somos só eu e você.

Maneei como quem faz pouco caso e coloquei o meu lábio inferior entre os dentes. Nele haviam várias rachaduras, e nessas rachaduras havia o gosto amargo de todas as coisas que eu estava com vontade de dizer, mas não diria até o dia de reencontro de formandos da West Mcall.

(Coisas como: “vamos dar uns beijos”)

– É, pode ser. – Falei, tentando soar indiferente.

Ele soltou o ar num pigarro e recolheu a tarde agridoce nos pulmões. Era uma das raras vezes em que nenhum de nós dois estava fumando, então a sensação de ter o cheiro de metade do dia – algo como plástico, sapatilhas novas, livros gastos e bolo de carne – ao redor de nossas cabeças era algo completamente distinto, já que na maioria das vezes elas estavam envoltas de um tipo de névoa nociva e mal cheirosa.

Olhar em volta fazia-me sentir náuseas porque eu já estava me acostumando com a ideia de acordar todos os dias e ver aquelas mesmas pessoas e sentir aquele mesmo cheiro.

– Você parece incomodada. – Falou, pegando-me de surpresa.

(Eu estava sempre incomodada com alguma coisa)

“Como você sabe?” eu quis dizer, mas apenas engoli minha saliva até formar ranhos na minha garganta e suspirei.

– Não estou. – Protestei aflita. – Só estou pensativa. Talvez com um pouco de mal humor, mas estou ótima.

– Mas...

– Eu pareço muitas coisas para muitas pessoas. – Falei, com bastante convicção. – Isso não significa que eu seja todas elas de verdade.

Não estava falando sério de verdade, mas eu deixaria ele acreditar que sim.

Nate parecia o tipo de cara que gostava de respostas subjetivas. Quer dizer, ele parecia o tipo de cara que gostava de procurar complexidade nos traços femininos. E não a complexidade convencional, a complexidade conturbada. A doentia, autodestrutiva e talvez meio sociopata. A garota das músicas do Arctic Monkeys pela qual cantar sobre. A Ramona Flowers da vida real.

Sem história, sem destino, sem fé e sem propósitos. Apenas a gata mistério de discos incríveis e olhares felinos que partiria o coração de um garoto sonhador para depois ir embora. O tipo de garota que só existe por causa dos rapazes que estão cansados de suas vidinhas medíocres e querem se apaixonar para ter uma aventura (e várias desventuras).

Na verdade, se por um acaso eu acabasse o torturando do jeito que Piper Mclean fizera, talvez ele arranjasse um motivo para ficar. Porque garotos só querem amor quando é tortura.

Enquanto ele me encarava com seus grandes olhos castanhos e inquilinos, eu bufei e cruzei os braços.

– Estou completamente fodida. – Disparei, num ímpeto.

Nate ajeitou os óculos no rosto e virou-se para mim enquanto andava. Estava tentando mostrar-se vagamente interessado, e talvez ele estivesse mesmo.

– Por que você acha isso? – Quis saber.

Sem que eu percebesse, paramos de ouvir os sons típicos da vida escolar e estávamos nos encaminhando para perto de uma sorveteria no fim da rua, balançando nossas mochilas enquanto andávamos mais ou menos apressadamente.

– Meu pai quer que eu volte para Westfield. – Respondi.

Ele balançou a cabeça copiosamente enquanto me olhava pelos olhos estreitos, formando centelhas de confusão com suas pupilas.

– Ele não sabe que eu e a minha mãe brigamos feio desse. – Contei. – Acha que nós duas simplesmente brigamos e agora eu estou tirando um tempo fora de casa. No dia em que ele ligou para minha mãe tentando saber como eu estava, ela disse que eu tinha ido embora, mas sabia onde eu estava e disse que eu estava bem. Meu pai me ligou, eu expliquei, ele disse que um tempo longe de casa para ampliar os horizontes me faria bem, mas agora ele quer que eu volte e quer que eu volte hoje.

Nate contornou os próprios lábios com a ponta do indicador, procurando saber o que dizer.

– Então quer dizer que esse tempo todo, eu me apaixonei por você e você era apenas uma hóspede? – Brincou.

Ele disse aquilo com bastante naturalidade, mas eu senti minhas bochechas corando de vários tons diferentes de vermelho.

Sorri fraco.

– Mais ou menos. Eu estou tentando convencê-lo de que eu posso ficar aqui. Como um internato ou coisa do tipo. – Disse eu, tentando não soar muito esperançosa. – Posso ir para casa nos finais de semana e nos feriados. Não é tão longe assim, entende?

Nate assentiu, enfiando as mãos nos bolsos como fizera minutos antes.

– E o que pretende? – Perguntou. – Para tentar convencê-lo, digo.

Eu mordi com força o interior da minha bochecha e desejei silenciosamente que o gosto de sangue tivesse todas as respostas. Por fim, eu só dei de ombros e encarei-o como se precisasse de ajuda.

– Acho que só vou fazer um pouco de chantagem emocional ou coisa parecida.

Encarei o brilho lustroso dos meus coturnos novos e fiquei esfregando a ponta da sola no asfalto, esperando que ela arrancasse uma lasca ou coisa do tipo.

– Você ao menos sabe como chegar lá?

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Nate

Well you can try to sink down deeply

And find the children lost at sea

Find the children who discretely

Be killed in infancy

To stop them holding you and screaming

That you'll lose your wildest dreaming

Still reminding me what I feel

How he left without reasons

Acabamos sozinhos dentro do meu carro quando o sol se pôs. Pedi que Maggie explicasse por que estava fugindo da sua família. Passei o resto da tarde procurando motivos para entender o porquê de ela parecer tão perdida, mesmo que não quisesse aparentar.

Eu lembro que no dia em que ela entrou pela janela do meu quarto, eu pensei “bem, eu poderia me apaixonar por ela”. Depois, quando ela reapareceu do outro lado da rua, com uma mochila nas costas e o vento batendo no rosto, eu pensei “poderia facilmente viajar umas estradas com ela”. Agora, enquanto ela escutava Gabrielle Aplin no banco do meu carro e me contava histórias constrangedoras, eu pensei “poderia muito muito muito muito bem mesmo me apaixonar por ela”, de novo.

E é tudo um ciclo bastante vicioso de sentimentos hipotéticos, porque Deus sabe da minha inabilidade em sentir qualquer coisa por qualquer pessoa. Principalmente por alguém novo.

Eu perguntei se ela queria falar com a própria mãe, ela disse que não queria. Ela disse que as duas não se falavam desde a briga. Perguntei o porquê.

Ela me disse que você pode muito bem amar uma pessoa e não querer passar por todos os seus problemas ao lado dela. Disse que amava sua mãe mais do que qualquer coisa no mundo, mas as duas eram incapazes de permanecer juntas dentro de casa sem surtar completamente e atirar os vasos de plantas pelos ares.

– As pessoas têm toda essa coisa de achar que elas precisam superar seus problemas ao lado das pessoas que elas amam, mas amar não significa necessariamente ser útil e prestativo. Eu amo a minha mãe, mas ela é uma louca egoísta para caralho que disse que eu deveria morrer no lugar do meu irmão.

Eu puxei o ar pela boca rapidamente e passei a ponta da língua pelos meus caninos. Não tinha gosto de nada. Exatamente nada para dizer em reconforto.

– E vocês duas não se falam desde então?

Maggie assentiu afirmativamente e ficou passando os dedos pelas veias azuladas de seu braço, parecendo ter vontade de furá-las para ver se voltava a realidade.

– Você acha que eu fui egoísta? - Perguntou.

– Claro que não. - Respondi prontamente. - Tudo bem, eu sou a pior pessoa do mundo para julgar o que é ou não egoísmo, mas, convenhamos, egoísta é uma coisa que você não é.

Ela assentiu largamente, colocando uma mecha loira atrás da orelha.

– Acho que algumas pessoas só acabam se cansando de serem pisadas todos os dias. - Falou. - E quando elas cansam de serem pisadas, elas mandam todo mundo ir se foder, mas todo mundo pensa que a culpa é da vítima porque eles não viram o que estava acontecendo com ela debaixo da sola do sapato. É tipo…

– Tentar culpar uma mulher pelo assédio sexual por causa da roupa dela. - Completei.

– Exatamente! - Ela exclamou, apoiando-se em cima das próprias pernas no banco do carro. - Como tentar culpar a vítima do estupro por causa das roupas curtas.

– Criança nenhuma vem ao mundo na intenção de se foder sozinha. Não é?

Ela me encarou de um jeito engraçado por alguns segundos, como se já tivesse ouvido aquilo antes. Como se aquela frase fosse exatamente como ela se sentia sem conseguir dizer.

Depois, ela apenas franziu o cenho, alisando os braços por cima da jaqueta e tirando lascas do esmalte descascado.

Estávamos entrando por uma estrada tortuosa e esburacada, bem nos interiores da cidade que eu ainda julgava ser Whitmore. Quer dizer, a cidade toda tinha aquele aspecto de cidade pequena - tal como Westfield -, mas ela parecia ainda mais deserta e ainda mais fantasma. E as lojas estavam vazias como se fosse domingo á noite, junto das calçadas com adolescentes cheirando qualquer coisa em becos escondidos, os olhos vermelhos e as roupas puídas. As bocas rachadas e costuradas, as vozes ecoando por um muro suburbano que os escondia da vida real. Ou talvez guardasse demais.

As ruas que eu conhecia costumavam prosseguir plenamente sobre o chão, sem nenhum morro ou desnível, mas aquelas tinham casas enfileiradas corretamente até certo ponto.

No fim da rua, existia um casarão lúgubre e caindo aos pedaços, bem como uma casa monstro ou o hotel mal assombrado criado por Stephen King.

Ficava no topo, guardando nuvens acinzentadas e ninhos de pássaros. Se você subisse o morro sem olhar para trás, você a veria e saberia logo de cara que apenas dois tipos de pessoas podiam morar ali: ninguém ou talvez um escritor lunático. Talvez abrigasse uma família esquisita, como a minha.

Olhei pelo retrovisor e vi que ninguém nos seguia. Nem mesmo uma criança numa bicicleta ou algum skatista mirim.

Não era um dia completamente deprimente, mas talvez a cidade tivesse o deixado daquele jeito.

Estávamos há cinco casas da tal mansão mal assombrada quando Maggie encostou a mão no meu braço e me fez parar o carro.

– Tenho que fazer uma coisa. - Disse ela, num tom baixo e miudinho.

Eu fiquei parado por alguns segundos sem entender necessariamente o que ela queria fazer, mas foi aí que ela abriu a porta do carro e atravessou até o outro lado da rua.

E aí ela começou a gritar. A gritar como se seus pulmões estivessem sendo cuspidos para fora e como se seu crânio fosse explodir a qualquer segundo.

Maggie gritou como se estivesse tentando manter a calma e como se estivesse tentando esquecer algo que nem havia acontecido, e ela só parou quando suas bochechas estavam completamente vermelhas e suas unhas estivessem cravadas nas palmas da mão. Não tinha ninguém por perto para achar esquisito.

Quando ela entrou no carro, eu tentei não dizer nada. Na verdade, eu tentei nem ao menos encarar. Mas não funcionou.

Enquanto eu a olhava com um ponto de interrogação estagnado no meio do meu rosto, ela deu um sorriso de lado e tombou a cabeça para encostar-se no vidro.

– Estou me preparando psicologicamente. - Explicou. - Pode dirigir.

E então eu dirigi por mais uns dois minutos, parando o carro na porta da casa da família Addams.

– Você sabe quem mora aí? - Perguntei enquanto ela saía do carro e levava sua mochila consigo. Saí do carro também.

Maggie confirmou com a cabeça minimamente, como se estivesse com vergonha.

– Meu pai mora aqui. - Respondeu, subindo os degraus de cimento da varanda cheia de poeira. - Ele trabalha demais e ninguém o perturba porque todos têm medo de subir aqui.

Eu sorri e me coloquei ao lado dela, ajeitando os óculos.

– E por um acaso ele é um escritor ou algo do tipo?

Maggie riu bem alto, como se a possibilidade de ter um pai escritor fosse a coisa mais impossível do mundo.

Advogado.

Ele parecia mais interessante na minha cabeça. Sem ofensas nem nada.

Tudo bem. Ele também parece mais legal na minha cabeça, ás vezes.

Eu ri, a fiz sorrir e depois ela tocou a campainha, diminuindo seus dedos a nós esbranquiçados e mordendo-os como uma criança.

Pelo vidro estilhaçado, vi uma silhueta engravatada e quase em boa resolução descendo as escadas e atravessando o carpete da sala de estar. A maçaneta girou e a porta se abriu, dando espaço para um homem calvo e sério, com rugas ao redor dos olhos e estresse nos cantos da boca.

– Magnólia! - Ele disse, num entusiasmo quase ensaiado.

– Pai. - Maggie respondeu.

Ele sorriu pelo rosto cansado, os pés de galinha adornando cada pedaço visível de pele. Não parecia um pai tentando ser moderno, muito menos um pai moderno de verdade. Não se parecia com um pai presente.

Se parecia com um pai que, inconscientemente, abandonava sua família e depositava sua fé em papeladas e toneladas de formulários.

Maggie olhou para nós dois e sofreu de um frêmito, como se tivesse acabado de se lembrar de algo.

– Ah, esse é o Nate.

Eu estendi a mão e deixei que ele a apertasse sem muita animação. Não parecia preocupado com a minha presença ou ao menos incomodado. Era mais como se eu não estivesse lá.

– Aliás, podem entrar. - Falou, abrindo passagem na porta.

Enquanto ele se esforçava para ajeitar o tapete de entrada, bati cautelosamente no ombro de Maggie e me aproximei de seu ouvido:

– Não tem problema se eu ficar?

– Claro que não. Se ele ficar encarando sua cara de drogado ele vai se esquecer de ser um pé no saco.

Eu ri meio amargamente e a segui pela sala de estar, vendo-a se sentar no sofá de frente para a poltrona e imitando seu gesto.

O tal pai da Maggie se sentou de frente pra gente, apoiando os cotovelos nos joelhos e passando a língua pelos lábios. Ele podia ter sido um surfista inconsequente há muito tempo atrás, mas agora toda sua cabeleira dourada havia caído e seu tom de pele apodrecia como uma banana madura demais.

– Então, como foi seu último mês longe de casa? - Perguntou. Seu tom de voz era pretensioso, como se ele quisesse saber os mínimos detalhes do que ela havia feito, não se ela estava bem de verdade.

– Foi bem legal. - A garota assumiu com bastante sinceridade. - Conheci gente nova, fui a algumas festas, fiz amigos. Bem interessante.

Ele concordou com a cabeça e ficou encarando-a por alguns segundos, parecendo procurar os vestígios de uma mentira descabida. Mas achei que ela não estava mentindo sobre a gente, afinal.

– E você, rapaz? Quantos anos você tem?

E depois disso, eu fui respondendo um relatório completo com minhas informações pessoais. Eu tinha sorte com os pais, diferente do Nico.

Minha aparência é a de um rapaz comportado, diferente da dele. Eu uso óculos, camisa xadrez, um sorriso brincalhão no rosto e tenho o dom maravilhoso de conseguir convencer as pessoas com as coisas que eu falo. E, ás vezes (na maioria das vezes), eu não gosto de nenhuma delas. Elas apenas fazem o que eu quero.

Como eu estava fazendo enquanto o pai de Maggie nos contava sobre o trabalho nos últimos meses. Um caminho pelo qual eu havia o conduzido, mas definitivamente não queria saber nada sobre. Apenas balançava a cabeça cinicamente e soltava comentários bem calculados entre uma confissão ou outra.

Maggie estava a ponto de se matar na cadeira ao meu lado.

– Nate, poderia sair? - Perguntou. - Quero falar com o meu pai. A sós.

Ele a olhou com preocupação enquanto eu me levantava, dando de ombros e indo caminhar pelo corredor. As paredes eram finas e a porta estava suficientemente lascada para que eu ouvisse a conversa sem fazer muito esforço.

– Eu quero morar com a Sam. - Ela disse, com bastante cautela.

– Você o que?! - Ele esbravejou, enquanto as gotículas de sua saliva saltavam imaginariamente pela minha cabeça.

Eu podia visualizar seu rosto ficando cada vez mais vermelho e contorcido, como uma pintura recém-nascida sendo atirada no oceano. Borrada. Borrada como o rosto de todos os nossos pais, principalmente quando eles ficavam com ódio da gente.

– Eu… esse mês que eu passei com a Sam e os nossos amigos, eu pensei muito sobre isso, conversei com o pai dela. Ele disse que tudo bem se eu ficasse, só teria que ajudar com algumas despesas. - A garota continuou, tentando manter o tom de voz estável.

Entretanto, eu conseguia sentir sua respiração pesada subindo e descendo pelo seu peito, quase como se ele estivesse pressionado contra o meu.

– Seu irmão morreu há menos de um ano e na primeira oportunidade que você tem você sente vontade de abandonar sua família para viver seu luto perto de estranhos? - Bradou, estendendo um escudo de inflexibilidade e nem ao menos se esforçando para entender.

Odeio familiares.

– Primeiramente, eles não são estranhos, são meus amigos! - Ela gritou como se o fato dele ter nos chamado de estranhos tivesse sido a maior ofensa do mundo. - E eu não sou obrigada a viver um luto perto de vocês. Ele não era seu filho e ela queria que eu tivesse morrido no lugar dele. Ela jogou a porra de um vaso de plantas na minha cara, a ponto de quase me cegar. Você acha realmente que essas são as pessoas que eu considero uma família? Você acha que essas pessoas - senti como se ela não estivesse falando sobre seu pai, muito menos com ele, mas acho que estava - são sãs o suficientes para cuidar de uma adolescente revoltada e confusa como eu? Porque eu sei que é isso o que vocês provavelmente pensam de mim.

Encostei meu ouvido na porta e suspirei. Querida Magnólia, com todo o carinho do mundo, isso é o que eles pensam de todos nós.

Pensei ter ouvido a respiração controlada e difícil de seu pai ecoando pelo vento. Ele devia ter um desses problemas cardíacos de gente velha.

– Você só está confusa. Eu sei como é ter sua idade, mas você ainda é minha filha e ainda tenho responsabilidade sobre você. Vá para o seu quarto, mande aquele garoto para casa e arrume suas coisas.

Um soluço estrangulado ecoou pelos quadros de feições fantasmagóricas da casa, ricocheteando nas paredes e se esvaindo ao chegar na janela. Se eu não estivesse lá para ouvir, talvez ele nunca fosse notado. Porque quando se é apenas uma criança, seus gestos são ignorados se o problema não é grande o suficiente para os seus pais.

– No meu último aniversário, a mamãe viajou para o Caribe e você trabalhou até tarde. - Maggie disse, bem baixinho. Ela era sempre tão firme e descontraída que aquele tom de voz não parecia ser seu. - Se vocês não se lembram do meu aniversário, como vão se lembrar dos meus problemas psicológicos? Como vão se assegurar que eu não vou tomar um monte de pílulas e tentar me matar? Por que vocês acham que eu não faria isso? Por que vocês estão sempre tão ocupados ou tristes para pensar em mim?

Eu até diria que ela estava se fazendo de vítima, mas, naquele momento, não pareceu. Ela parecia uma garota bem triste levantando todas as armas possíveis para conseguir o que queria. Quando você não ganha muita coisa geralmente, manipular as pessoas ao seu redor é uma forma de divertimento. Com uma garota como ela, não era realmente um crime.

Seu pai suspirou longamente e pareceu colocar as mãos nas cinturas.

– Não quero perdoe a sua mãe, só quero que entenda que…

– Seu trabalho é tudo para você e você não tem tempo para mim. - Respondeu com escárnio. - Não tem problema. Eu já entendi.

– Você é tudo para mim, Maggie. Eu te amo mais do que qualquer coisa.

– Eu também te amo, pai. Só não quero estar com você.

– Dito isto, o silênico se instalou pelo resto da casa. Pelo resto da rua, talvez pelo resto do bairro. As vozes se tornaram fantasmas, e as moscas que pousavam na tela da janela se tornaram nefastas e invasoras. Elas não deveriam estar ali porque ninguém deveria.

Ninguém gostaria, eu acho.

Ouvi a escada ranger sob os pés de alguém e o barulho do sofá afundando se fez presente.

Abri a porta numa fresta, coloquei meu nariz para fora e farejei a quietude da sala de estar. O Sr. Pai da Maggie estava jogado no sofá com os pés jogados sobre a mesinha de centro.

Eu me aproximei lentamente, fechando a porta atrás de mim e parando sob a luz de uma luminária que antes eu não havia percebido.

Pigarreei.

– Sim? - Ele falou, se virando.

Talvez quisesse acreditar que eu não sabia nada sobre a recente briga para me contar sua versão deturpada dos fatos, então não posso dizer que ele ficou muito feliz ao ver que eu ainda estava ali.

– Você não a entendeu completamente.

Minha sinceridade pareceu lhe chocar, mas sejamos sinceros: eu não o conhecia e ele não me conhecia. Ser cuidadoso era, ao menos para mim, inútil.

– E e qual seria sua concepção de entender a minha filha completamente, garoto?

Pergunta inválida; eu estava falando da situação, não da filha dele. Pessoas adultas são burras.

– Ela não se encaixa aqui. - Falei. - Você pensa que se forçar a barra vai fazer com que ela se sinta em casa, mas não vai. Ela só vai se sentir pior porque você tirou a única oportunidade que ela tinha de fazer as coisas serem diferentes.

– E o que o senhor sabe sobre isso, rapaz? - Perguntou, me olhando com descrença.

– Eu sou, literalmente, o bastardo da minha família. - Maldito complexo de Jon Snow– Posso dizer que sei como é se sentir um feto indesejado no meio das pessoas que supostamente deveriam te amar, senhor. E não estou dizendo que você não a ama nem nada do tipo. Estou dizendo que você não pode querer que ela simplesmente queira estar com você. O problema não pode ser completamente dela.

Eu gostaria muito de dizer que ele me respondeu alguma coisa de baixo calão, mas ele apenas ficou parado no meio do cômodo como se esperasse um empurrão para perceber que estava prestes a cair.

“Você é um merda, senhor. E se você consegue enxergar isso, você consegue viver com a culpa. Experiência própria.”

Eu admito. Deve ser horrível passar dezesseis anos cuidando de uma menina para então perceber que fez tudo errado e ela não suporta passar os finais de semana com você.

Mas é como queimar uma fênix, se sentir culpado e depois simplesmente não querer que ela renasça das cinzas. De certo modo, é patético.

Passei longos segundos encarando a falta de juventude no rosto dele se tornar cada vez mais apáticas, como se ele estivesse ficando mais velho a cada borrifada de vento que entrava pela a janela quebrada.

– Você é um dos amigos dela? - Perguntou.

Eu assenti.

– Ela deve ser a única que ainda me suporta.

E eu tinha medo que ela conhecesse demais a ponto de passar a me odiar como a maioria das pessoas.

– Seria como um internato. - Ele disse, mais para si mesmo do que para mim. - E não é tom longe assim. Ela pode me visitar sempre que precisar.

Eu concordei.

– E eu posso dar carona.

– Você acha, sinceramente, como um jovem, que isso faria ela se sentir melhor?

Drogas, sexo, eu, a melhor amiga dela, a gangue, as ressacas, as peças de teatro e os feriados esquisitos. Eu acho que faria.

– Sim. - Respondi, soando mais convicto do que quando eu estava pensando nisso.

Ele passou as mãos pela careca brilhante e depois sorriu um sorriso cansado, tipico de pais com filhas adolescentes.

– Traga ela aqui e diga que precisamos conversar sobre a escola.

Eu assenti, sorri largamente ao me virar e sorri ainda mais enquanto eu subia as escadas em direção ao quarto da Maggie. Eu estava feliz porque ela poderia ficar porque talvez eu sentisse um pequeno afeto por ela.

Enquanto eu passava pelo corredor, vi várias portas trancadas e várias fotos em família penduradas com descuido na parede. Talvez fotos em família antes do divórcio dos pais de Maggie.

O irmão dela não estava presente em nenhuma.

Avistei uma luz celestial e azulada escapando pela fechadura da porta. O único ponto vivo e única parte da casa que não parecia estar caindo aos pedaços.

Ouvi seus soluços e esperei eles pararem para eu poder entrar. Quando eu o fiz, ela colocava os cadernos de desenho sobre os lençóis de cavalos saltitantes. Talvez quisesse que um deles a levasse embora dali.

Seu quarto era azul e claro, vazio, apenas com o necessário. Tinha uma cama com ursinhos perto da parede, estantes quase vazias, um guarda-roupa e uma penteadeira. O resto devia estar na mochila.

Limpei a garganta e ela levantou o rosto, os cabelos loiros grudados no rosto avermelhado por causa das lágrimas.

– Eu não posso fazer isso. - Ela disse. - Eu não sou a Sam. Eu não consigo ficar carregando os fardos dos meus pais junto com os meus. Eu não consigo aguentar ficar triste por duas pessoas. - Confessou. - Eu vejo a porra do tio Daniel voltando de manhã todos os dias, e eu sei que não quero passar pela mesma coisa com o meu pai. Ele é ausente, metódico e faz perguntas imbecis. Ele não tem a intenção, mas, Deus! Eu não consigo.

Ela jogou uma boneca de porcelana na parede, para tentar aliviar a tensão. A boneca quebrou e deixou rastros brancos pela parede.

– Eu sei que é uma cidade pequena atrás da outra, uma família fodida atrás da outra, um problema atrás do outro. Mas todas as vezes em que eu pareço ter alguma coisa pela qual não surtar completamente, essa coisa vai embora e eu tenho que ir junto com ela. - Maggie abaixou a cabeça, respirou profundamente e abriu o zíper da mochila de maneira relutante. - Eu estou cansada de fazer e desfazer as malas, Nate.

Eu não sei qual foi a minha expressão naquele momento, mas ela provavelmente foi a mesma que a de um babaca piedoso. Ela queria encontrar um outro útero no qual crescer e eu entendia completamente a sensação. Não podia impedir, muito menos tentar parar o trem.

Sorri de lado, me aproximei dela, coloquei uma mecha de cabelo atrás de sua orelha e fiquei encarando os olhos verdes azulados completamente marejados. As narinas dela se dilatavam porque ela estava tentando não chorar de novo.

– Maggie May, - falei, num tom de voz sereno - você não vai precisar refazer suas malas por um bom tempo.

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Enquanto nós voltávamos para Westfield com as malas definitivas no banco traseiro, Maggie voltou a ser a garota por quem eu poderia me apaixonar um dia.

Eu percebi que ela tinha sardas no nariz e uma marca de nascença no pulso. Eu também percebi que ela parecia feliz como uma pessoa geralmente fica quando chegam as férias.

O tipo de felicidade genuína, sem muitas interrupções. O tipo de felicidade que você não pensa em questionar, porque ela meio que acaba te fazendo feliz também. Ela tinha um sorriso nos lábios carnudos - a primeira coisa que eu reparei quando a conheci - e aquela sorriso valia por muitos que eu já tinha visto.

Maggie estava lá, saindo de uma cidade de merda para engrenar em outra, e o fato dela vir comigo me deixava feliz porque ninguém conhecia Bright Eyes ou Marble Sounds em Westfield.

Eu estava feliz porque ela era o tipo de pessoa por quem eu poderia me apaixonar, mas eu sabia que não o faria. Entretanto, imaginar o sentimento era divertido. No caso de eu precisar dele algum momento.

– Agora que eu não sou mais uma hóspede, você pode se sentir a vontade para se apaixonar por mim.

Eu ri.

– É sério?

– Como quiser.

– Como você sabe que essa possibilidade existe?

– Quantas pessoas que você conhece, conhecem e gostam de Bright Eyes?

“Magnólia era o tipo de garota por quem eu poderia facilmente me apaixonar.

E talvez eu tentasse.”


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Notas finais do capítulo

Desculpem a falta de travessão, meu computador tava de viadagem e depois eu corrijo
PRÓXIMO CAPÍTULO TEM NICAMANTHA E PREVEJO MUITOS TIROS
bjs



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