Anjo da Água escrita por Chris Lima


Capítulo 10
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Então, pessoal, eu para compactar o tamanho da fic, eu juntei os capítulos pequenos em um só. Esse era o antigo cap. 11



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Mosheh abriu os olhos, ele estava um pouco sonolento. O lugar lhe parecia familiar, tentou sentar, mas não consguiu. Sua mente ainda estava confusa, por mais que tentasse se recordar da ultima vez que esteve acordado, falhara. Com aquele esforço, a única coisa que lhe ocorreu foi uma dor absurda em sua cabeça.

Ao perceberem que ele tinha acordado, uma mulher negra, de longos cabelos cacheados e lábios carnudos apareceu esboçando um sorriso lindo.

— Vejo que o senhor melhorou! Quer que eu chame alguém? – ela falou eufórica.

— Não precisa, Aimee – Mosheh respondeu, sua mente ainda estava confusa, mas paulatinamente apresentava melhoras – Como eu vim parar aqui? Não me lembro de nada.

— Na sua ultima noite de batalha, o senhor simplesmente desapareceu! Muitos dos guerreiros que estavam em campo iniciaram uma busca atrás do senhor – Ela olhou para a porta e prendeu a respiração, na tentativa de esconder as lágrimas que insistiam em descer – eles o encontraram muito ferido, sabe? – embora tentasse, foi forçada a pausar novamente, levando sua mão ao rosto, para tapar a boca e segurar o nariz – Você estava dependurado em uma corda de cabeça para baixo.

Uma lágrima desceu do rosto de Aimee, mas imediatamente a limpou para que Mosheh não percebesse. Ela foi apaixonada por aquele homem durante toda sua vida. Seriam as noites que ele passava acordado treinando, a dedicação ao seu dever, enfim, toda a sua personalidade a enfeitiçava. Além disso, ele era extremamente viril e sua a cicatriz era apenas um pequeno detalhe que nunca a incomodou.

Entretanto, aquilo que a seduzia o afastava ao mesmo tempo. Ele nunca deixou nenhuma brecha, sequer uma esperança dos dois juntos. Todo o seu esforço era para um único objetivo: proteger o império. Ele não abria exceções a qualquer que fosse a natureza da distração.

Certo dia, Aimee tomou coragem e foi falar com Mosheh. Deixou-se transparecer totalmente. Todos os medos, sofrimento e angustias que estavam relacionadas ao amor que ela sentia a ele. Era como se estivesse despindo sua alma. Tornou-se completamente vulnerável, ela agora era refém dele.

Mas Mosheh foi insensível e cada palavra que ele pronunciou entrou como diversas espadas em seu coraçã: “vocês, mulheres, são estranhas. Não tenho um pingo de interesse em iniciar uma relação amorosa, nem com você, nem com ninguém”. Ela ainda o escutou resmungando para si mesmo algo como: “Ninguém quer ficar perto de ti! Você tem um nariz enorme, olhos caídos e cabelo da cor de estrume”.

“Nossa”, pensou ela. Imediatamente a moça se arrependeu de ter tentado se aproximar daquele damaso, sentiu vergonha, incômodo, imediatamente saiu de lá. Somente voltou para o forte oito meses depois, completamente casada.

— Eu preciso sair daqui – ele se levantou, sentiu o mundo rodando, suas pernas fraquejaram e ele imediatamente sentou-se novamente. Sentiu uma necessidade ainda maior de esconder-se dentro da cadeira quando percebeu que estava nu.

Aimee ao perceber aquilo pediu perdão e logo saiu da enfermaria.

 ☾☾☾

Mosheh andava pelos corredores do forte, ele estava mancando, sua perna ainda doía muito, sua cabeça e seu tórax estavam enfaixados. Ele estava totalmente acabado. Por várias vezes, enquanto andava, precisou parar para descansar. Em uma dessas paradas ele viu uma garota ruiva ao lado de Jordi.

— Mosheh? – Jordi andou ao seu encontro.

— Quem é aquela? – perguntou o damaso da água, apontando para Sachiel.

— Ela? Você não se lembra?

— Não

— É verdade, quando você foi atacado ainda não conhecia a garota – Então Jordi olhou para trás e sorriu de lado – Isso é uma longa história e você vai adorar escutá-la – disse o damaso.

 ☾☾☾

Ainda estava difícil de assimilar tudo que Jordi acabara de falar. Uma garota? Isso era possível? Durante toda a existência desse império os agentes ativos eram os homens, a sua história fora construída por homens... Uma garota? Mulheres são frágeis! Como uma garota pode chegar a tal ponto? Provavelmente ela morreria em um treinamento. Oh! Quanto trabalho ele terá para tentar ao menos torná-la um pouco ameaçadora.

Isso não está certo, mulheres não nascem para isso. Aquela garota... Será se ela ao menos pesa vinte quilos? Baixa e magra do jeito que é, dificilmente se aproximará disso. Por quê? Por que com ele? Três outros damasos e essa menina se torna justamente sua prodígio? Ele só pode ter ofendido aos deuses para merecer tanto castigo.

Uma garota.

Mosheh levou a mão à face, ele não queria acreditar naquilo. O que os deuses queriam? Qual seria a surpresa agora?

— É melhor você parar de pensar tanto senão ficará louco – Eurípedes falou após acender seu charuto.

— Eu sei, meu irmão, mas como pode? Uma garota?

— Quem entende a vontade dos deuses? Cabe a nós aceitar.

— Quando eu conseguir me movimentar direito, iniciarei as aulas com a menina. Como é mesmo o nome dela?

— Sachiel – ele tragou novamente o charuto – e não é só isso que você precisa saber.

— Diga-me então.

— Nós consultamos os semideuses.

O quê? – Disse Mosheh mais exaltado.

— E a notícia não é boa. O criador tornar-se-á a criatura. Compreendes o que isso quer dizer?

— Não sei ao certo. Os deuses descerão?

☾☾☾

No dia seguinte, Mosheh acordou cedo. Sua perna ainda doía, mas Sachiel precisava ser treinada o quanto antes para estar preparada para essas mudanças. Mas o que ele mais se perguntava era se ele estava preparado para essa mudança.

— Vamos, garota, acorde – ele falou batendo com muita força na porta do aposento da menina.

Ela não respondeu.

Ele tentou mais algumas vezes, porém continuou sem um retorno. Sua paciência estava se esgotando, tempo era precioso para os dois.

— Vamos, abra!

Como não obteve nenhuma resposta, ele forçou a porta de madeira e a arrombou. A menina estava dormindo, com o barulho da porta abrindo ela se assustou e acordou com um pulo. Seus olhos se arregalaram quando viram aquele homem.

Ela estava muito o confusa, o que ele estava fazendo em seu quarto? Afundou em sua cama e tentou se cobrir mais ainda com seu cobertor, porém ele a fitou e interrompeu o que a menina estava tentando fazer.

— Pare aí mesmo! Vejo que está acordada. Espero-te no espaço para treinamento, venha imediatamente.

Sachiel se levantou, não pode nem se banhar. Vestiu uma túnica preta, amarrada com um laço e uma calça de pano por baixo. Desceu para o local destinado a treinamentos e ficou parada como uma estátua.

Ela estava com muito medo, mas, certamente, se o desobedecesse a aquele homem as consequências seriam bem piores. Depois de tanto tempo tentando fugir, ela finalmente aceitou que não tinha escapatória, não seria possível sair de lá. Eles nunca permitiriam. Até porque a culpa de estar lá era dela, quem a mandou nascer justamente do dia que o antigo imperador morreu?  Ninguém a amava por isso.

Quando ela entrou naquele local, lembrou-se da sua primeira vez lá dentro. O corpo desacordado de Mosheh estava no forte há algumas semanas e foi Jordi quem tentou auxiliá-la, mesmo que precariamente. Ela se lembrava que eles falavam do local de treinamento e Sachiel pensava que era mais uma sala com alguns equipamentos de combate. Mas ao entrar lá, percebeu que aquele espaço era diferente.

Embora estivessem no no forte, ele era um compartimento independente. O sol se apresentava de forma majestosa, inúmeras colunas e arcos se dividiam pelo espaço, o espaço era marcado também por um riacho que era alimentado por um canal que vinha de um dos rios do império. A água lá nunca se acumulava, pois diariamente uma parcela significativa saia por causa dos prodígios da água.

Também existiam diversos equipamentos de guerra e locais delimitados para duelos. Havia bonecos de madeira para o treinamento corporal. Tudo aquilo sempre lhe deixava temerosa e dentre tantos objetos, ela se sentia perdida.

— Bom dia, Sachiel – falou Mosheh.

A menina continuou sem falar nada, abaixou seus olhos e ficou brincando com seus dedos descalços. Mosheh interpretou aquilo como insulto. Ele cerrou seus dentes, seu corpo estava tenso e seus punhos se fechavam. Embora tentasse se segurar, por impulso, estapeou o rosto da menina. O impacto fora tão grande que ela por pouco não caiu.

— Bom dia, Sachiel – repetiu o damaso.

— Bom di-dia – respondeu a menina, sua foz era fina e fraca. Aquele esforço feito por sua garganta causou uma leve coceira em seu pescoço e foi preciso ela tossir para poder passar.

— Olha só, você não é muda!

A menina virou o rosto e tentou não manter contato visual com o homem. A aparência dele a assustava muito.

— Quero que uma coisa fique bem clara aqui, Sachiel. Eu não sou seu amigo, sou seu tutor, portanto quero respeito e dedicação total, você terá muito o que aprender aqui, por isso, sempre se mantenha atenta ao que eu digo, entendeu bem?

— Sim senhor – Sachiel respondeu.

— E mais uma coisa, a partir de hoje, tu terás de falar com todos, entendeu bem? Nada de calar-se para o mundo, quem pergunta, quer resposta!

— Sim senhor.

— Pois bem, diga-me o que você aprendeu até agora com seus outros tutores.

A priori, a menina teve dificuldades para falar. Mas após alguns segundos de desespero, as informações fluíam facilmente de sua mente. Tudo era claro e bastante explicado, parecia que ela já conhecia aquilo há séculos. Quando terminou, sentiu-se orgulhosa de si mesma.

— Parece que alguém fez a lição de casa – falou Mosheh.

Aquilo era tudo que ele iria falar. A menina sentiu uma pontada de decepção, pois depois daquela aula que ela deu, esperava, no mínimo, parabéns.

— Agora fique na posição de combate.

A garota de início teve dificuldade para se posicionar. Mas logo conseguiu lembrar do que os outros damasos tinham lhe explicado.

Mosheh continuou.

— Um dos fatores preponderantes para excelência ou o fracasso na domadura é a postura e a sua mente. De inicio, o damaso deve estar com a coluna ereta, sua mente deve estar livre e os braços relaxados, você deve estar totalmente calma deve ocorrer naturalmente, é preciso que você esvazie tudo de sua cabeça e haja serenidade. Caso isso não aconteça, você perderá o controle do elemento e irá acontecer algo parecido com aquela avalanche que acabou matando seu irmão.

Seu irmão.

Sentiu vontade de chorar. Quanta saudade ela tinha daquele menino. Ela sabia que ele estava morto, ela sabia que sua mãe estava morta, mas ela tinha que perguntar novamente, só para ter a certeza. Os outros evitavam falar nesse assunto, aquele não, ele seria direto.

— E minha mãe, como ela morreu?

Mosheh revirou os olhos, ele não estava ali para responder perguntas desse cunho. Porém, abriu uma exceção, ele iria aproveitar para lhe dar outra lição, que ao ver dele, ela tinha esquecido.

— Morreu engasgada com a espada do nosso melhor guerreiro.

Outra onda de tristeza invadiu a menina e ela se lembrou do olhar demoníaco daquele guerreiro.

Ela ainda tinha pesadelos com ele.

— Sachiel, parece que você se esqueceu de algo. Esqueça esse seu passado, aquilo nunca lhe pertenceu! Você nunca teve uma mãe, um pai ou um irmão! Sua verdadeira família está aqui, entendeu bem? Todo o império é sua família e seu dever é proteger  – o homem pausou um pouco e baixou o tom de sua voz – agora mais do que nunca.

Após isso, ele iniciou novamente a sequencia de movimentos e posições para ela dobrar.

— Coluna ereta – disse ele.

— Mas...

— Nada de mais, vamos!

— Está vendo esse balde de água? Tente tirar a água daí.

A menina olhou para a água, manteve sua postura e seus olhos se fixaram na água. Sua mão direita lentamente se elevava, mas ela não queria mover aquela quantidade de água, aquele homem não iria dizer o que ela faria, apenas sua mãe poderia dizer aquilo. Então o que a garota queria que acontecesse se realizou: absolutamente nada se mexeu.

— Não me decepcione, garota, vamos! Eleva essa água, você já fez muito mais que isso!

A menina tentou novamente. E nada aconteceu.

O tutor já estava furioso. Então disse pestanejar:

— A cada tentativa falha, você receberá uma chicotada!

 Ela olhou para o semblante desfigurado pelo ódio daquele homem. Ela não esvaziou mais a mente, passou a pensar no dia em que seus pais morreram. Todo aquela ira, medo, angústia invadiram seu corpo franzino. Elevou sua mão novamente. Passou então a sentir um formigamento em seus dedos e percebeu que sua mão estava mais pesada que o normal.

À medida em que movia sua mão, seus músculos se contraiam com mais força e a água saia do balde. Com a outra mão, ela puxou aquele elemento mais próximo de si, a sua mão direita fez o movimento contrario, formando uma espécie de reta. Ela elevou o máximo que pôde, observou que Uri acabara de chegar ao local.

E ela quis vingar seu cabelo.

Com um sorriso leve em seu rosto, aproximou a água do garoto e tentou chicotear-lhe, no entanto a única coisa que aconteceu foi perder o controle da água e molhar o chão daquele local. Ela se sentiu frustrada, o menino agora olhava para ela, com o olhar de satisfação e desprezo.

— É o máximo que consegue fazer? – Disse ele – quer saber o que impressiona de verdade?

O garoto começou a se mover, suas pernas se abriram lentamente até formar um ângulo de quarenta e cinco graus. Seu corpo também seguia o mesmo movimento, com seus braços, ele fazia movimentos de contração para seu corpo, como se estivesse puxando algo.

Sachiel, repentinamente, sentia frio. Sua mandíbula começou a tremer. Ela ficou mais pálida que o normal, e logo percebeu que o garoto estava retirando o calor do corpo de seu corpo. Mosheh, que analisava tudo, resolveu intervir.

— Chega! A brincadeira dos dois acabou – falou ele.

A intenção de Mosheh era analisar até onde Sachiel conseguiria controlar a água. Nada mal para alguém que começara hoje. A única coisa que lamentou foi a falta de controle no movimento do chicote de água.

 O dia passou rápido, mas fora bastante cansativo. Todo o corpo da menina latejava, ela nunca se exercitou tanto como naquele dia, sua barriga também roncava, pois durante o treino ela não ingeriu nenhum alimento, tampouco bebeu água.

Ela estava exausta.

Mosheh afastou-se um pouco dela e se distraiu em uma conversa com o damaso do fogo. Por alguns minutos, ela tentou decifrar o que tanto falavam, mas desistiu após seu tutor lhe olhar com ar de reprovação.

Feito isso, ela saiu daquele local e se direcionou ao refeitório. Seu corpo implorava por água e alimento. Suas mãos já estavam tremendo e sua visão turva, caso não comesse algo, poderia até desmaiar.

Ela se sentou em um local da mesa que não havia ninguém por perto. Imediatamente fez seu prato e o devorou como se nunca tivesse visto comida. Mas mesmo comendo, sua fome apenas aumentava e uma dor fina, parecendo que iria cortar sua barriga, substituiu a fome.

— Oi, Sachiel – Falou Alec.

— Oi – ela respondeu, mas não olhou para aquele garoto. Queria demonstrar desinteresse naquela conversa, se ela se sentou longe deles era por que ela não queria qualquer contato com eles.

— É muito azar seu, não é mesmo? Você chega no forte depois de oito anos e quando finalmente pode ser treinada, seu tutor quase é morto e passa mais de um ano desacordado.

Mosheh que passara ali por perto escutou o que o garoto havia falado. Até aquele momento ele não tinha ideia do tempo que passara na enfermaria. Em sua mente teria se passado apenas algumas semanas.  Um calafrio percorreu seu corpo, a decepção dominou sua mente.

Mais de um ano.

Por tanto tempo ele se tornou um incapacitado, inútil, imprestável. Sentiu vergonha de si mesmo por ter sido tão fraco e tão impotente. Talvez a culpa daquele declínio do império teria sido dele, pois sempre quis liderar os outros damasos e sua fraqueza era evidente. Sem dúvidas ele levou o império à ruína.

Ele se sentou à mesa e comeu em silêncio. Os outros ao seu redor até tentaram conversar com ele, animá-lo, talvez. Ele visivelmente estava abatido, decepcionado. Sua mente dava mil voltas e nenhuma delas possuía sentido. Quanto desperdício de tempo!

Sachiel estava muito atrasada, pensou ele. A aula que acabara de lecionar fora bastante importante, mas ele sabia que ela ainda estava muito mais atrasada que todos os outros . Então ele decidiu pular algumas fases do treinamento para obter tempo.

Era isso que deveria ser feito, para ele.

— Onde está o Douglas? – ele perguntou.

— Está em seu quarto – Andreas respondeu.

— Pois o chamem! Ele irá duelar com Sachiel.

 


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