O Mistério de Fordland escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 1
Mudança de Rumo


Notas iniciais do capítulo

Esse é um capítulo bem introdutório, mais para apresentar os personagens e a história ao leitor. Espero que gostem! =)



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– Então, quem quer brincar de adivinhação? – Perguntei, mais para quebrar o silêncio do que por vontade de jogar.

Ouço Natália bufar ruidosamente no banco atrás do meu.

– Ah, claro, porque não? – responde ela, com falsa alegria na voz – Podíamos também dar as mãos e cantar cantigas de roda, que tal? Afinal, não é como se eu pudesse estar fazendo coisa melhor na minha primeira manhã de férias, como, por exemplo, dormir.

Eu suspiro e afundo no banco, desanimada. Está mesmo cedo demais para lidar com o sarcasmo da Natália. Mas afinal, eu meio que pedi por isso.

No banco ao lado do meu, Lucas tira o fone de ouvido e olha para trás.

– Uau, estamos de mau humor, hein? – ele exclama, erguendo as sobrancelhas – Porque você precisa ser sempre tão negativa, Nat?

Com isso, Natália soltou mais um bufo, desta vez mais alto e ruidoso que o anterior.

– Bem, vamos ver – começa ela, e eu afundo ainda mais no banco, preparando-me para a lista de reclamações que escutei por toda a manhã – Eu, que odeio mato, bicho, moscas e afins, fui praticamente arrastada para essa estúpida excursão escolar para um sítio lá no fim do mundo. Vou perder duas semanas de férias no meio do mato. Então, tive que acordar às cinco da manhã para pegar o maldito ônibus. Mas, como era de se esperar, ficamos quase uma hora empacados na casa da Heloísa, o que fez com que nós atrasássemos e pegássemos o pior ônibus da excursão. Como se não bastasse, o combustível acaba no meio da estrada, e ficamos meia hora presos em um posto de gasolina. Aliás, que tipo de motorista é esse, que não abastece o ônibus antes de uma viagem? Ele é débil mental, por acaso? Enfim, além de tudo isso, estamos há horas andando nesta estrada que aposto que nunca viu asfalto na vida, e está chovendo. Isto está bom para você, ou quer mais?

Lucas arregalou os olhos para mim, que apenas dei de ombros. Afinal, ele estava tão acostumado aos ataques de fúria da Natália quanto eu. O melhor a fazer, nessas horas, é não provocar e deixar que ela se acalme.

– Tudo bem, talvez você tenha alguns motivos para ser negativa – continuou Lucas, cautelosamente. – Mas vamos lá, Nat. Ânimo! O lugar não pode ser tão ruim assim. Meu primo foi no ano passado e adorou, voltou só falando coisas boas da viagem.

Lancei um olhar agradecido ao Lucas. De todos os meus amigos, ele foi o que mais se mostrou animado para essa excursão, sem reclamar nenhuma vez de todos os imprevistos que aconteceram durante a viagem.

– E, só pra constar, não é um sítio, é um Hotel Fazenda – eu disse – E eu já te mostrei o panfleto com as fotos, Nat. O lugar é lindo, tem piscina, lago com pedalinhos, e eles até nos ensinam a passear a cavalo!

– Pois eu preferia passar as férias em um lugar menos rural – retrucou ela – Além disso, estamos nessa maré de azar desde de manhã cedo. Aposto que é uma espécie de sinal divino, nos avisando que essa viagem é a maior furada.

– Qual é, Nat, você está exagerando. Tivemos só uns probleminhas durante a viagem. Tenho certeza de que tudo vai melhorar quando chegarmos lá. – disse Lucas, sem tirar os olhos de seu joguinho de celular.

Eu suspirei, derrotada. A Natália era mesmo meio exagerada, mas eu tinha que admitir que aquela viagem não havia começado nada bem. Eu não podia culpa-la por estar aborrecida. Mas ainda assim...

– Você sabe muito bem o motivo de eu ter sugerido essa viagem, Nat – eu disse – E pare de falar assim tão alto, vai acordar a Helô!

– E quem disse que ela está dormindo? – retrucou Natália – Ela está é grudada nesse fone de ouvido desde que saímos da cidade. E no último volume, consigo ouvir as músicas melosas dela daqui.

Com isso, eu me ajoelhei em cima do banco, para poder olhar para o banco de trás, e constatei que Natália estava certa. Heloísa estava com a cabeça encostada na janela, observando a paisagem chuvosa com uma expressão perdida. Seu cabelo loiro fazia uma cortina sobre seu rosto. Os fones estavam firmemente presos ao ouvido, e eu podia apostar que ela havia escolhido a playlist mais triste que tinha para escutar.

Estava explicado o porquê de ela ter insistido tanto em ficar na janela.

– Helô... – falei, dando uma sacudida no ombro dela para chamar-lhe a atenção. Ela fez que não ouviu. Dei um suspiro impaciente, e arranquei um dos seus fones de ouvido. – Heloísa!

Lentamente, Helô virou seu rosto para mim, os olhos azuis piscando inocentemente.

– Ah, oi Laís – disse, como se eu fosse uma conhecida que ela por acaso encontrara no meio da rua – O que foi?

– Hum, é... – a visão daquele rosto triste me deixou tão desconcertada que soltei a primeira coisa que me veio a cabeça: - Quer brincar de adivinhação?

Helô soltou um suspiro pesado, do tipo porque-eu-tenho-que-carregar-o-peso-do-mundo-em-minhas-costas.

– Agora estou meio cansada. – ela disse. E parecia mesmo. Já vi pacientes terminais com mais disposição do que ela. – Talvez mais tarde, tudo bem?

Ela me deu um pequeno sorriso e novamente pôs o fone de ouvido, voltando a encarar a janela.

Foi a minha vez de soltar um suspiro de cansaço. Olhei para a Nat, que só deu de ombros e me encarou com um olhar impotente, como se dissesse “O que se pode fazer?”

Escorreguei de volta no meu banco, desanimada. O principal motivo de eu ter sugerido esta viagem foi para animar a Heloísa. Ela andava bem para baixo ultimamente, desde que terminara seu namoro de mais de dois anos.

E foi um término bem traumático. Estávamos todos na festa de aniversário de uma colega de turma, e já tinha um tempo que o Adriano, o então namorado da Helô, tinha sumido. Ela já estava morrendo de preocupação, então todos saímos para procura-lo. Felizmente, encontramos ele são e salvo. Infelizmente, ele estava são e salvo nos braços de uma garota do terceiro ano.

Então, não só o namoro da Helô terminou de um jeito horrível, como também foi assistido por uma festa inteira. Foi motivo de fofoca no colégio por semanas, até a Natália ameaçar costurar a boca de todo mundo que ficasse falando. Como a Nat consegue ser bem assustadora quando quer, pouco a pouco, os boatos pararam.

Mas, desde então, a Helô vêm agido como se alguém houvesse morrido. Ou melhor, como se ela houvesse morrido. Só sai de casa para ir à escola, não recebe os amigos e recusa todos os nossos convites para sair. Por isso, tive a ideia de leva-la nessa excursão. Um tempo longe do estresse da cidade – e do Adriano – Poderia fazer bem a ela.

Nós quatro éramos vizinhos e amigos desde pequenos. Fazíamos de tudo para ajudar e apoiar uns aos outros. Por esse motivo Lucas e Natália concordaram em participar dessa viagem, sem surtar (muito).

Porém, até agora meu plano parecia não estar surtindo muito efeito. A empolgação da Helô por aquela viagem era zero. Nós praticamente tivemos que arrancá-la da cama hoje de manhã. Por isso, nos atrasamos e tivemos que pegar o último e mais detonado ônibus da excursão. E isso havia sido apenas o início da maré de azar daquela manhã.

Olhei em volta. Os outros três ônibus haviam ido lotados, e todos os nossos outros amigos estavam neles. No nosso, no entanto, haviam cerca de apenas uma dúzia de pessoas, todas desconhecidas pra mim.

A “adulta responsável” por nós era a professora Bárbara, de literatura. Ela devia ter no máximo um metro e meio de altura e parecia um passarinho, com suas roupas largas no corpo magro e o cabelo loiro preso em um coque. Ela supostamente deveria tomar conta da gente e cuidar para que não façamos nenhuma bagunça, mas neste exato momento está sentada na primeira fileira do ônibus, imersa em um livro e alheia ao resto do mundo.

Logo atrás dela, havia um casal de irmãos, os quais o Lucas apelidara de “gêmeos Burton” porque eles realmente pareciam personagens saídos de um filme do Tim Burton. Ambos eram muito, muito pálidos e tinham cabelos muito, muito pretos, o que formava um contraste, no mínimo, chamativo. Tinham olhos grandes e castanho-escuros que se destacavam no rosto pálido. O menino tinha algumas sardas no rosto, o que quebrava um pouco a palidez, e usava óculos de aro redondo, estilo Harry Potter. Mas a menina realmente era um pouco assustadora. Os dois usavam casaco e luvas, embora não estivesse nem perto de fazer frio.

Os dois estudavam na minha sala desde o início do ano, mas eu ainda não havia gravado os nomes deles. Os dois eram bem estranhos, não falavam com ninguém a não ser eles mesmos, o que gerava bastante cochichos e boatos da parte dos outros alunos. Olhei para eles. A menina tirava um cochilo contra a janela, enquanto o garoto parecia entretido ouvindo música no fone de ouvido. Ele e a Helô provavelmente se dariam bem.

Ouvi uma gargalhada na parte de trás do ônibus, e desviei meus olhos para lá. Nos fundos do ônibus estava o que parecia ser o único grupo animado ali dentro. Meia dúzia de alunos, quatro meninos e duas meninas, passaram a viagem inteira rindo, conversando e cantando musiquinhas desafinadas.

Eu não os conhecia muito bem, pois eram de outra sala, mas não podia deixar de sentir um pouco de inveja deles. Meu lado do ônibus estava tão animado quanto um funeral.

Passei um tempo observando-os. Uma das meninas, de longos e volumosos cabelos castanhos, estava sentada no colo de um dos meninos, um cara moreno grandalhão com pinta de lutador de MMA, que parecia estar muito satisfeito por ter a menina em seu colo. Tudo o que eu conseguia pensar era que, se o ônibus passasse por cima de uma pedra ou desse uma freada brusca, a queda dela não ia ser nada bonita.

O grandalhão lutador de MMA sussurrou alguma coisa no ouvido da menina, que deu uma gargalhada meio histérica, ressoando em todo o ônibus, o que fez com que a Natália bufasse novamente.

– Meu Deus, esse pessoal nunca cala a boca, não? – resmungou ela – Eles não param de tagarelar a viagem toda!

– Você só está com inveja porque eles tem comida, e nós não – retrucou Lucas, sorrindo, desviando os olhos de seu joguinho por um instante.

– Ah, quer saber? Tô mesmo. Dá pra sentir o cheiro dos biscoitos deles daqui!

– Bem, não é culpa nossa se você acabou com toda a comida em menos de meia hora. – eu disse.

Nós três havíamos comprado pacotes de Ruffles, Doritos e Cheetos para durarem a viagem inteira, e Natália havia acabado com mais da metade em quinze minutos. Eu e Lucas mal conseguimos ver a cor da comida, e a Heloísa recusou todas as guloseimas que oferecemos a ela.

O grupo de trás soltou mais uma gargalhada.

– Se você está assim com tanta fome, porque não pede comida para eles? – sugeriu Lucas.

– Eu, não. Não vou mendigar comida de quem não conheço. Sem falar que esse ônibus está sacudindo todo, eu cairia de cara no chão se tentasse me levantar.

Ignorando os resmungos da Natália, voltei meu olhar para trás, novamente. Minha intenção era pedir para um deles passar uns biscoitos para ver se finalmente conseguia sossegar a Nat, mas minha voz morreu ao notar outra pessoa no ônibus, alguém que eu não havia notado antes.

Algumas fileiras a frente do grupo de trás, havia um garoto. Estava sentado sozinho, e olhava para a paisagem chuvosa da janela com uma expressão séria, como se a chuva fosse alguma espécie de ameaça. Tinha cabelos castanho-escuros espessos e olhos cinzentos assustadores. Usava umas roupas esquisitas, casaco e botas de couro, e estava agarrado a uma mochila preta como se sua vida dependesse disto.

Eu nunca havia visto esse garoto na escola, e eu estudava lá desde criança, conhecia todo mundo. E, por mais estranho que isso possa parecer, podia jurar que ele não estava no ônibus no início da viagem.

Certo, aquilo era no mínimo estranho. Virei para o Lucas, com a testa franzida, e o cutuquei até conseguir tirá-lo do transe com o jogo do celular.

– Você já viu esse garoto antes? – perguntei a ele, indicando discretamente o lugar onde o garoto estava sentado.

Ele olhou na direção que eu apontava, franzindo a testa ligeiramente.

– Que garoto? – perguntou, voltando a me encarar, com uma expressão confusa.

Franzi o cenho, imaginando se ele estava ficando míope ou fazendo algum tipo de brincadeira.

– Como assim, que garoto? Aquele garoto, sentado duas fileiras na frente do grupinho barulhento. Alto, vestindo umas roupas estranhas, é bem fácil de notar.

Lucas franziu a testa e mais uma vez voltou a olhar para trás. Quando tornou a me olhar, sua expressão era preocupada.

–Laís, não tem nenhum garoto lá atrás – ele falou, me olhando com uma expressão estranha. – Isso é alguma brincadeira?

Virei para trás, impaciente, resmungando sobre a lerdeza do Lucas, quando congelei ao ver que o local onde o garoto se encontrava agora estava vazio. Não havia nenhum sinal dele.

Arregalei os olhos, olhando em volta. Talvez o garoto houvesse mudado de lugar, sei lá. Mas, ao varrer os olhos pelo ônibus, constatei que ele não estava em lugar nenhum. Como se nunca houvesse estado ali.

Tentando manter a expressão tranquila, voltei-me novamente para Lucas, que ainda me encarava com se eu estivesse maluca.

– Hum, então... – murmurei – Acho que acabei cochilando um pouco e sonhei com esse garoto. Que bizarro, né? – dei uma risadinha forçada. A última coisa de que eu precisava era de que meu melhor amigo pensasse que eu estou maluca e tendo alucinações.

Lucas não parecia muito convencido, e fez menção de dizer alguma coisa, mas sua fala foi interrompida por um forte trovão que sacudiu as janelas do ônibus. Aparentemente, a chuva lá fora aumentara bastante.

Lucas voltou seu olhar para janela, para o meu alívio, e franziu o cenho.

– Que estranho essa chuva toda nessa época do ano – murmurou ele – Não costuma chover tanto assim. E ainda tem toda essa neblina...

– Neblina? – repeti, franzindo as sobrancelhas. Num impulso, me debrucei sobre o Lucas – que emitiu um protesto abafado – para chegar até a janela.

Estava bem embaçada, então precisei esfregar o vidro para conseguir ver alguma coisa. Lucas tinha razão. Uma camada espessa de neblina grudava-se às rodas do ônibus, quase como se estivesse nos seguindo.

Mas o mais estranho não era isso. Ainda estávamos naquela estrada de terra batida, e havíamos entrado nela havia horas. Não havia nenhum sinal de que estávamos chegando ao Hotel, ou a qualquer outro lugar. Além disso, o céu estava totalmente nublado, de modo a não dar nenhuma pista da hora do dia em que estávamos.

– Lucas – perguntei, sentindo um frio incômodo no estômago – Que horas são?

Lucas checou seu relógio de pulso com alguma dificuldade, considerando que eu ainda estava em cima dele. Quando o fez, seus olhos se arregalaram.

– Nossa! Já são quase duas da tarde! – exclamou – Não me admira que a Nat esteja com tanta fome. Nem paramos para almoçar ainda.

Arregalei os olhos. Duas da tarde? A previsão de chegada ao hotel era meio dia! Mesmo com o atraso, já devíamos ter chegado lá.

– Sabe aquele mapa que você baixou na internet anteontem? – perguntei a ele – Abra. Quero ver uma coisa.

Lucas franziu a testa, mas não discutiu. Rapidamente, abriu o mapa no celular e me passou.

Pra minha sorte, Lucas era uma das pessoas mais metódicas do mundo. Ele nunca viajava para lugar nenhum sem saber tudo sobre ele, e isso incluía o trajeto. Por isso, ele acabou baixando um mapa online da nossa rota até o Hotel.

Examinei o mapa por alguns segundos, e logo pude constatar que a minha teoria estava certa. Meu coração começou a bater em um ritmo acelerado e nervoso.

– Lucas – eu disse – Olha isso.

Ele se debruçou junto a mim, e eu mostrei para ele as estradas no mapa.

– Nós deveríamos estar aqui – disse, apontando para um ponto no celular – De acordo com o mapa, o caminho para o Hotel Fazenda é esta estrada aqui, a que passa por Santa Bárbara. Se tivéssemos ido por esse caminho, já teríamos chegado até lá. Mas não estamos. Na verdade, nem consigo achar a estrada onde estamos no mapa.

Lucas arregalou os olhos, e tomou o celular da minha mão para examinar o mapa mais atentamente. Quando terminou, olhou para mim com uma expressão alarmada.

– Isso provavelmente não vai ajudar muito – ele disse – Mas parece que, de acordo com o mapa, a estrada em que estamos sequer existe.

Uma sensação crescente de pânico começou a tomar conta de mim. Rapidamente, chequei meu próprio celular. Sem sinal. Como eu iria falar com os meus pais? Com certeza eles estavam preocupados, já que eu prometera ligar assim que chegasse ao hotel. Olhei para o Lucas com os olhos arregalados, como quem diz “E agora?”.

– Devíamos falar com a professora – ele sugeriu, incerto – Ela deve saber o que fazer.

Eu tinha sérias dúvidas de que a professora Bárbara pudesse nos ajudar de alguma forma, mas, como não tínhamos muita opção, concordei. Nós dois levantamos.

Virei-me para avisar a Nat e a Helô que estávamos indo falar com a professora. Natália só resmungou algo ininteligível; parecia estar mais dormindo que acordada. Heloísa continua olhando para a janela, distraída, alheia a tudo a sua volta.

Cambaleando, eu e o Lucas fomos até a professora. A estrada estava pior do que imaginei. Tivemos que nos apoiar um no outro para chegarmos até ela, que continuava imersa em sua leitura. Curiosa, me inclinei para checar o título do livro: Viagem ao Centro da Terra, de Júlio Verne.

– Hum, com licença – murmurei. Ela sequer piscou. – Hum, professora? – Sacudi a mão na frente de seu rosto, meio impacientemente.

Nossa professora de literatura piscou, confusa, e em seguida levantou o olhar para nós, abrindo um sorriso, embora seus olhos ainda parecessem um tanto distraídos.

– Oh, olá – ela exclamou. Eu podia apostar que ela não sabia nossos nomes, mesmo sendo nossa professora desde o início do ano. – Como posso ajuda-los?

Eu e Lucas nos entreolhamos, cada um incentivando o outro silenciosamente a falar. Me senti em uma apresentação de escola.

Por fim, Lucas pigarreou:

– Então, professora, nós estávamos checando o mapa, e, hum, parece que pegamos o caminho errado para o Hotel. Será que a senhora poderia falar com o motorista, e talvez, pedir para que pegue a estrada certa?

Olhamos para a professora, esperançosos, mas ela já havia baixado os olhos para seu livro novamente, sem dar o menor sinal de que estava prestando atenção em nós.

– Ah, sim, claro, claro – murmurou ela, distraidamente – Vou fazer isso agora mesmo.

Lancei um olhar desanimado para Lucas. Eu já imaginava que ela não seria de grande ajuda.

Lucas, porém, não tinha desistido. Me encarou com um olhar determinado, e disse:

– Vamos falar com o motorista. – Falou, seguindo em direção à cabine, não me dando alternativa senão segui-lo.

– Mas afinal, que tipo de motorista erra tanto assim o caminho, e não percebe? – questionei, quando chegamos até a cabine – Eles supostamente são pagos para nos levar até o Hotel em segurança.

Lucas deu de ombros, parecendo confuso.

– Talvez ele tenha se confundido com toda essa neblina. – disse, dando uma batidinha na porta.

Ninguém respondeu. Nós dois nos entreolhamos, e, dando de ombros, Lucas abriu a porta e entrou. Após um segundo de hesitação, eu o segui. Péssima ideia. Assim que entramos na cabine, eu provavelmente levei o primeiro susto daquele dia.

O motorista olhava fixamente para a janela, os olhos vidrados, parecendo em transe. Suas mãos pressionavam o volante com tanta força que suas juntas estavam brancas. Ele parecia murmurar alguma coisa, tão baixo que eu não conseguia entender o que dizia.

Olhei para Lucas, paralisada. Ele parecia em choque, tão assustado quanto eu.

Engolindo em seco, tomei coragem e caminhei até ele. Respirei fundo, e tentei chamar sua atenção:

– Com licença – falei, quase sem voz – Moço? Olá?

Ele voltou a murmurar baixinho, mas dessa vez eu estava perto o suficiente para entender:

– A cidade condenada nos chama – murmurou ele – Perto. Estamos muito perto agora. A cidade condenada está nos chamando.

Aquilo não fez com que a sensação de pânico na boca do meu estômago melhorasse. Tentando ignorar os tremores, agarrei o ombro do motorista e o sacudi com a maior força possível.

– Ei! – falei, um pouco mais alto do que esperava – Acorde!

Com aquilo, o motorista piscou, como se despertasse de um transe. Ele olhou em volta, primeiro para a janela, confuso, depois para mim e Lucas, que havia se aproximado e colocado a mão protetoramente no meu ombro.

– Que diabos... – ele murmurou, parecendo perdido.

– Nós viemos aqui porque achamos que o senhor pegou o caminho errado – disse Lucas, olhando para o homem com desconfiança. – Viemos avisar o senhor. Parece que estamos em uma estrada desconhecida.

Ainda aturdido, o homem semicerrou os olhos para olhar a janela, e seus olhos subitamente se arregalaram.

– Santo Deus – ele murmurou, balançando a cabeça – Parece que tomamos mesmo uma rota diferente. Sequer sei precisar onde estamos. Mas como... Eu sequer me lembro de ter vindo parar aqui!

Apesar de ainda estar apavorada com a cena anterior, não pude deixar de sentir um pouco de pena do homem. Ele realmente parecia estar confuso.

Lucas deve ter sentido a mesma coisa, porque tentou aliviar a situação:

– O senhor provavelmente se confundiu com a neblina.

O motorista assentiu, sem parecer muito seguro. Com um suspiro, esfregou a mão na testa:

– Bem, terei de dar um jeito de voltar à estrada certa. Terei de fazer um desvio enorme, mas não há outra maneira. Já perdemos muito tempo de viagem!

Suspirei, aliviada. Ainda bem. Aquela estrada nebulosa estava começando a me dar nos nervos.

No entanto, assim que o motorista pôs a mão na embreagem, o motor emitiu um ronco alto e um som engasgado. O ônibus vacilou, e eu teria caído de cara no chão se Lucas não tivesse me segurado.

– O que foi isso? – ele perguntou, me colocando de volta no lugar. Seu rosto estava vermelho como um tomate.

– Algum problema no motor – respondeu o motorista, com preocupação. Ah vá, jura? Pensei. – Não sei o que é, mas acho que vamos ter de parar. Não é seguro continuar na estrada se o ônibus está com defeito.

O quê? – exclamei, a voz aguda pelo pânico. – Como assim, parar? Não tem nada por aqui! Vamos ficar encalhados no meio do nada!

– Espera – disse Lucas, inclinando-se em direção à janela e semicerrando os olhos. – Tem alguma coisa ali na frente.

Segui o olhar dele, estreitando os olhos para ver melhor. Ao fazer isso, vi que a neblina pareceu se dispersar para os lados, revelando uma velha placa de madeira que dizia: Bem vindo à Fordland.

Alguma coisa naquela placa fez com que um arrepio gelado percorresse minha espinha.

– Uma cidade – exclamou Lucas, com animação – Podemos pedir ajuda aí.

Eu não estava tão certa disso. Meus instintos diziam para mandar que o motorista desse meia-volta e saísse dali o mais rápido possível, mas tentei me manter calma. Afinal, não tínhamos condições de continuar dirigindo com o ônibus naquele estado. Precisávamos de ajuda.

Além do mais, o que poderia dar errado?


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Notas finais do capítulo

Eu sei, ficou extremamente longo, mas ficaria estranho se eu dividisse em dois. Anyway, espero que tenham gostado! Deixem seus comentários! =) Ah, só uma curiosidade: Esse nome, Fordland, foi inspirado na cidade fantasma Fordlândia, no interior do estado do Pará. Esta cidade e a cidade da minha história não tem nada em comum, na verdade, só peguei o nome emprestado. Mas achei que seria interessante para vocês saberem.Até o próximo capítulo!=)



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