Somente à noite escrita por Ys Wanderer


Capítulo 27
Escargots são I.NAD.MIS.SÍ.VEIS!




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Davi

Como você aproveitaria o seu último dia na terra?

Assim como nos filmes, provavelmente você iria para qualquer lugar que tivesse vontade com alguém que você gostasse muito para fazer algo que valesse realmente a pena... Nos filmes tudo seria perfeito e no final da batalha apareceria aquele “FIM” enorme na tela, feito só para esfregar na nossa cara o quanto aquelas pessoas iriam ser eternamente felizes enquanto nós voltaríamos para a nossa cruel e triste realidade.

Mas, e se a realidade começasse a ficar mais interessante do que o faz de conta da ficção?

Bom, eu não estava em um lugar por vontade própria, já que a minha mãe havia me forçado a participar de algo que era tudo, menos o meu aniversário. No entanto, eu estava com alguém que eu gostava muito e provavelmente essa pessoa iria fazer tudo valer muito, muito a pena.

E se a minha mãe fosse me matar hoje eu com certeza iria morrer bem feliz.

— Davi, eu preciso dizer uma coisa muito séria para você — Anna começou a falar e eu voltei para a realidade, pois já havia passado uns bons minutos desde que havíamos entrado na minha casa e ela ainda não tinha dito uma palavra sequer. — É... eu não queria te falar isso assim desse jeito, porém não deu para segurar mais. Por favor, eu espero que você não se ofenda, mas...

Na mesma hora eu fiquei com medo da seriedade dela, já que ela era a parte corajosa de nós dois. Anna era a melhor coisa que havia acontecido na minha vida e eu queria que a minha mãe soubesse disso, soubesse que alguém poderia gostar de mim do jeito que eu sou, sem interesses.  Mas, e se ela tivesse chegado à conclusão de que eu não valia a pena? Ou então tivesse percebido que eu era apenas um garoto cheio de problemas a somar com a vida já tão complicada dela e por isso estivesse prestes a dar meia volta antes de, quem sabe, passar por mais um momento ruim? Havia muitas possibilidades e nenhuma delas era boa.

Insegurança às vezes faz tanto mal quando as próprias certezas.

— Davi? — ela me chamou de volta.

— Ah, sim, pode falar — gaguejei, o ar preso na garganta.

— É que... a sua casa é muito feia por dentro. Tipo, horrorosa mesmo.

— O quê? — eu fiquei no limiar entre rir e fazer uma careta. — Isso é sério? — perguntei não porque me importei com o seu comentário (já que eu e meu pai secretamente também partilhávamos dessa opinião sem que minha mãe soubesse), mas sim porque no meio de tantas coisas para se preocupar o que mais a estava incomodando era a decoração de mau gosto da minha mãe.

— Sim, é sério. Olha só essa porta de entrada. É alta e larga demais, acho que uns dois ou três elefantes conseguem passar aí juntos com suas bundas grandes, sem aperto. E esses lustres...cafoníssimos. Só não mais do que os tapetes, claro, pois esses aí... — ela entortou a boca — são de um mau gosto que eu nunca vi na vida.

— Espera aí! Você está indo conhecer a minha mãe e a sua opinião sobre os tapetes dela é o que mais te preocupa? — eu finalmente ri.

— É — ela respondeu como se fosse a coisa mais natural do mundo. — Eu sei me defender de muitas coisas, mas ainda não aprendi a como agir caso ofenda as paredes de alguém.

Eu confesso que estava morrendo de medo de apresentar Anna para minha mãe. Não por causa dela, mas sim porque Sandra era do tipo preconceituosa assumida e eu nem conseguia imaginar como seria quando ela soubesse tudo sobre a minha namorada. Seria um inferno e ela faria questão de tratar Anna da pior forma possível, principalmente em público. Quando contei para ela que traria alguém para o meu aniversário, Sandra até tentou tirar de mim algum detalhe, mas Anna havia proibido expressamente que eu abrisse a boca sobre a família dela.

 — Anna, ela vai tratar você mal de qualquer jeito. Primeiro porque não sabe nada sobre você e depois porque vai saber coisas sobre você. Não é melhor eu contar logo e...

— Bater de frente com ela não vai dar em nada — Anna me interrompeu. — E se ela gosta de fazer os outros passarem vergonha em público não importa, pois comigo não vai colar — ela piscou. — Eu sou maluca, Davi. Maluca mesmo.

Eu nunca havia visto ninguém com coragem suficiente para enfrentar a dona Sandra.

Mas parece que agora finalmente eu havia encontrado alguém que tinha.

Nós passamos pela sala e levei Anna até onde estava acontecendo a “festa”, o lugar tão animado quanto um velório. Embora o aniversário fosse meu eu não conhecia praticamente ninguém ali, com exceção de alguns poucos e chatos parentes com os quais eu nem mesmo falava direito; e para piorar Maria preferiu ir dormir a me ajudar. Então, apenas fiz umas poucas apresentações, recebi alguns sorrisos falsos e, como não havia mais como evitar, levei Anna até minha mãe.

— Rrrammm, Rrrammm— pigarreei (quase engasguei) para chamar a atenção dela, que de costas arrumava algumas flores, e ela se virou lentamente, os movimentos suaves e calculados de sempre. — Ah, mãe. Eu gostaria que você conhecesse a...

— Então parece que finalmente eu ganhei o direito de conhecer a namorada do meu filho — Sandra disse sem rodeios, me interrompendo, e percebi ela que analisava Anna atentamente sem disfarçar, dos pés à cabeça. — Sou Sandra e você deve ser a... — pausou, como se não conseguisse se lembrar do nome — Anna? — ela ofereceu a sua mão sem sorrir, a frieza dela incrivelmente desconcertante. Anna não a agradara.

Isso era uma certeza.

— É um imenso prazer conhecê-la — Anna devolveu a frieza com sorrisos cínicos e minha mãe crispou os lábios antes de apertarem as mãos. — É uma bela festa, dona Sandra.  Suuuuper animada — disse com ironia perceptível.

— Ah, obrigada — minha mãe piscou, uma respirada profunda. — Só é uma pena que eu tenha ficando sabendo da sua existência há apenas uma semana, do contrário teríamos nos conhecido melhor antes, não é? — ela olhou diretamente para mim, uma advertência muda ali.

— A culpa foi minha, senhora — Anna respondeu completamente segura. — Não é bom fazermos nada com pressa, por isso eu pedi mais tempo para o Davi antes de conhecê-la. Além disso, gosto de ver a cara das pessoas quando estão falando sobre mim, pois a reação de cada um me dá o que preciso saber sobre o seu caráter pessoal.

Ui.

— Interessante — minha mãe arqueou apenas uma sobrancelha e falou. Não para mim e nem para Anna, mas para si mesma.

Um silêncio constrangedor se formou entre nós, mas pareceu que só eu percebera já que as duas ficaram se encarando de um jeito que me deu um nó na barriga. Por sorte ele foi quebrado pela chegada do meu pai, que pelo menos foi legal com Anna e pareceu até feliz por conhecê-la, fazendo elogios e dizendo timidamente o quanto ela era bonita e bem-vinda.  Contudo, qualquer um conseguia perceber que não era ele a figura dominante naquela casa, pois seu jeito era acanhado, a fala mansa, o olhar cansado. Meu pai então fez algumas perguntas nitidamente ensaiadas sobre nós (sondando o terreno para a mulher), me deu dois tapinhas nas costas e pediu licença polidamente pelos dois.

— Bom, fique à vontade. Logo o jantar estará servido. Davi, venha comigo — minha mãe proferiu séria e os dois nos deixaram, os saltos de Sandra batendo fortes contra o chão. E eu apenas respirei fundo, tentando adivinhar como as próximas horas iriam se desenrolar.

Deixei Anna esperando no sofá e os segui. Nós entramos no pequeno escritório do meu pai e antes mesmo de fecharmos a porta ela começou a berrar.

— Diga que você está brincando comigo!

— Isso é sério, mãe?

— Ora, não se faça de idiota. Aquela criatura ali fora não tem o mínimo de postura. Só de olhar para ela é possível perceber que ela não faz parte do nosso meio. Meu Deus, Davi, se a sua intenção é chamar atenção eu te dou os meus parabéns, pois você conseguiu. Conversaremos depois, mas antes disso vá lá fora e acabe com essa brincadeira!

— Sandra...

— Cala a boca, Luis, não se meta. Você não percebe o que o seu filho está fazendo?

— O que eu estou fazendo? Como assim o que eu estou fazendo? Se a senhora acha que tudo no mundo é feito somente para você, por você ou para te atingir está muito enganada. O fato de eu trazer a Anna aqui é porque ela é minha namorada, e eu queria pelo menos uma pessoa que realmente gosta de mim nessa droga de aniversário.

— Então você acha que nós não gostamos de você? — Sandra se mostrou ofendida.

— Esse jantar ridículo que a senhora fez para aquele bando de abutres lá fora só servirá para massagear o seu ego. E eu duvido que em algum momento fui colocado com o algo importante. Estou mentindo?

— Então você traz a primeira coisa que viu pela frente para só para me punir.

— O nome dela é Anna e é melhor você demonstrar respeito, pois eu já estou cansado de tudo isso, cansado dessa sua arrogância. Então, a senhora vai ter que aceitar e ser gentil, ouviu?

— Você nunca falou desse jeito comigo — ela parecia desapontada, mas isso não me comoveu. — Isso só mostra o tipo de gente com que você está se misturando, não precisei de mais de um segundo para perceber isso. Foi ela que te fez ficar assim, aposto, essa garota.

— De certo modo, sim, mãe — eu quase sorri. — A Anna me ensinou muitas coisas e uma delas foi que a minha vida é só minha. Não sua.

— Eu não vou tolerar isso de maneira alguma! Já está na hora de começarmos a mudar algumas coisas.

— Quanto a isso eu concordo — ponderei. — Em relação ao que você faz conosco nessa casa eu penso a mesma coisa.

Não fiquei para ouvir o resto de suas lamentações, pois eu já estava farto daquilo. Apenas me preocupei com Anna e me arrependi de tê-la trazido até ali. Porém, no momento em que ela me olhou e sorriu percebi que valia muito a pena brigar por ela.

— Então?  

— Não foi tão ruim. Acho até que ela gostou de você — menti para amenizar o clima e Anna fez uma careta que duvidava da minha integridade mental.

— É, você tem toda razão. Ela acabou de conhecer a namorada do filho e agiu como se tivesse dando boas-vindas ao Lorde Voldemort.  Se bem que com aquela cara de comensal da morte ela com certeza trataria o “parça” super bem — Anna então riu, mas logo pigarreou e parou. — Desculpe, eu não devia tirar sarro da sua mãe.

— Tudo bem — eu quis rir também, mas fiquei assustado ao perceber que que não conseguia.

De repente, Anna me ignorou e fez uma cara de quem estava pensando profundamente, entortando a cabeça de um lado para o outro. Quando vi para onde olhava percebi que ela encarava fixamente meu tio Alberto, irmão de minha mãe.

— Que bizarro — murmurou.

— O que foi?

— Não sei, Davi. Só tenho a impressão de que eu já vi aquele homem em algum lugar. O rosto dele não me é estranho.

— Com certeza deve ter sido em alguma igreja, pois esse meu tio aí é muito religioso.

— Não, não foi em uma igreja. Essa cara... tenho certeza que que conheço aquelas sobrancelhas.

— Pode ter sido em qualquer lugar, a cidade é pequena. Se você acha que minha mãe vai pirar, então com certeza esse aí vai ter um infarto. Ai, meu Deus, não vai ser fácil — lembrei da discussão e enxuguei o suor das minhas mãos nos bolsos. — Quando sentarmos àquela mesa não vai ser...

— Ué, cadê a coragem que você demonstrou há meia hora atrás quando entrei por aquela porta? — ela voltou a fixar sua atenção em mim. — Melhor, onde foi que você enfiou aquele papo de “eu espero que você seja totalmente e simplesmente você mesma sem mudar nada”? Olha, aquela porta feia e enorme ainda está aberta se você quiser que eu vá.

— Não, não — eu peguei em suas mãos antes que ela as cruzasse. — Eu só estou com medo por você porque... nossa... é a minha mãe. O aniversário é meu, mas no meio de todas essas pessoas você é a única que dá importância a isso. Ela é cruel, Anna, e não sei o que ela vai dizer a você.  Tenho medo que depois de hoje você nunca mais olhe na minha cara.

Sim, eu era medroso. E admitir isso doía mais do que levar uma surra.

— Davi... — fui surpreendido quando ela colocou ambas as mãos carinhosamente em meu rosto e acariciou as minhas bochechas. — Eu fui a criança criada pela avó ex-prostituta e seu amigo travesti/drag queen. Eu já apanhei e já ouvi muito desaforo na minha vida. Não vai ser a primeira vez que eu vou encontrar alguém cheio de preconceitos e nem a última. Então... — ela me deu um beijo leve — segura a onda e deixa de frescura. Já está mais do que na hora de você fazer os seus antepassados ninjas pararem de passar vergonha.

— Nossa, você sabe mesmo como ajudar o emocional de alguém. Já estou até me sentindo mais forte e confiante — debochei.

— Ué, você não sabia que no meu teste vocacional deu psicologia em segundo lugar?

— Segundo? — Anna recomeçara a brincar e eu achei que devia fazer o mesmo. — E o que foi que deu em primeiro?

— Não lembro direito. Mas acho que era algo que tinha a ver com cadáveres, sangue e serras elétricas.

*

Quando sentamos à mesa (depois de minha mãe ter obrigado o meu pai a falar umas palavrinhas) fiquei imaginando como teria sido se eu tivesse aceito a ideia de André de fazer uma festa na casa dele regada a funk-sertanejo, comida picante e muita caipirinha. Provavelmente seria uma noite maravilhosa, com todos felizes, e no dia seguinte teríamos muitas histórias para contar. Porém, minha mãe resolvera fazer esse jantar bizarro e me fez aceitar com o pretexto de que era importante para ela, para o meu pai e mais um monte de blá, blá, blá. Como sempre, eu tinha sido burro o suficiente para acatar as suas ordens e agora eu estava aqui.

Comemorando meus dezessete anos diante de um prato de escargot!

— O que foi, querida? — Sandra, que havia ignorado Anna durante todo o tempo enquanto esperava o melhor momento, começou a atacar assim que a percebeu olhando feio para os pequenos moluscos no prato. Eu nunca nem havia comido aquilo e aquele tipo de comida era meio incomum de ser pedido por ela nos restaurantes, então acho que o exagero foi de propósito, só para impressionar. — Já sei, você nunca viu algo desse tipo, não é? Bem que dá para perceber que você não é familiarizada com coisas requintadas — concluiu.

— Isso aqui? Ah, sim, é claro que eu já vi isso — Anna empurrou o prato sem nenhuma cerimônia. — No jardim da minha avó tem aos montes, uma nojeira só. Eles sobem no muro, nas paredes, põe ovos por toda a parte... Mas como a gente é fino demais para comer esse treco, nós preferimos uma boa picanha mesmo, daquelas com bastante gordura. Já comeu, dona Sandra? — ela devolveu e meu pai apertou os lábios para não rir. — Garanto que a senhora iria gostar muito.

E assim o primeiro round começou!!!!

— Querida... — minha mãe foi ficando vermelha e os outros convidados à mesa começaram a se entreolhar. — Isso aqui é algo especial, feito sobretudo para paladares refinados. Você faz alguma ideia de quanto custa esse “treco”— ela enfatizou a palavra “treco” vagarosamente para que todos escutassem — que você está comendo?

— Bom... — Anna fingiu pensar. — Isso também eu sei. Daria para comprar um montão de picanha.

O tilintar de talheres cessou no mesmo instante em que Anna terminara de falar. E eu sabia que: ou nós iríamos rir muito com o que estava por vir ou tudo iria acabar em um banho de sangue, tipo um episódio daqueles bem fodas de Game of Thrones.

— Meu filho disse que vocês se conheceram no colégio, mas eu não consigo entender. Aquele lugar é caro e refinado, contudo você não parece ser o tipo de pessoa que tem berço o suficiente para estar ali — Sandra bebeu um gole de vinho para se recompor. — Então me diga, querida, como você conseguiu uma proeza dessas? Seus pais pagam a mensalidade com frangos?

As amigas peruas de minha mãe fizeram cara de satisfação, contudo Anna sequer piscou. E eu me perguntei como ela conseguia ser tão inabalável, tão incrível.

— É, a senhora tem razão. Eu não tenho o perfil daquele lugar, já que nem berço eu devo ter tido, e sequer moro com meus pais. Mas se você quer saber foi muito simples, dona Sandra. A minha avó, que é quem me cria, sempre tem um jeito todo especial para que as coisas que ela quer aconteçam. Mas isso não é uma história para ser contada assim à mesa. Vamos manter o respeito, pelo menos por hora.

Sandra não teve resposta, apenas fez um barulho esquisito com o nariz.

— Sua avó deve ser uma mulher muito peculiar então. O que ela faz da vida? Vende quentinhas no semáforo?

— Por um tempo sim, mas agora ela faz algo bem mais divertido. Hoje em dia ela administra a sua própria boate gay.

— Boate... gay? — mamãe arregalou os olhos.

— É, boate gay — Anna repetiu. — É um trabalho cansativo, mas ela consegue dar conta já que que os meninos que moram com a gente e também dançam lá fazem parte da família. — Anna soltou a bomba sorrindo e Sandra deu uma engasgada com o vinho. — É, eu sei, para alguém como você isso deve ser algo difícil de aceitar. Mas seria bom você dar uma passada lá qualquer dia desses para ver um dos nossos shows de transformismo. Recomendo o da Lady Gaga cover, às terças feiras.

— Como. Você. Ousa! — minha mãe se levantou bruscamente e apoiou as mãos na mesa. — Que tipo de criatura é você? Como você pode entrar na minha casa e achar que tem o direito de fazer brincadeiras tão sujas quantos essas?

— Não são brincadeiras — Anna imitou o gesto. Eu tentei levantar também, mas ela colocou a mão no meu ombro e me tranquilizou. — Desapontada por que eu não sou como essas suas amigas idiotas? — com essa fala as peruas cacarejaram como galinhas. — Sim, eu não tenho o dinheiro, nem a beleza, nem a classe que você gostaria que eu tivesse. Na real, eu nem queria estar aqui, eu só vim porque seria muito deprimente o Davi passar o aniversário dele no meio desse monte de cobras sem alguém que o ama de verdade!

Então ela me amava?

— Você não tem o direito de se meter na vida da nossa família!

— Eu tenho sim, pois o Davi é importante demais para mim para que eu fique quieta assistindo você transformá-lo em um robô. E não fui eu quem começou isso, a mal-educada aqui foi você. Sinto muito se os outros ficam calados enquanto você destila o seu veneno, mas eu não costumo aturar esse tipo de coisa.

Ai, meu Deus, ela me ama!

— Menina, é melhor você...

— Se for para me dar lição de moral, seu Luis, é melhor parar — o fato de Anna ter interrompido meu pai, que tentara falar, me fez voltar para a terra. — O senhor parece ser um homem muito bom e muito bacana, mas pelo amor de Deus, deixa de ser banana! — o queixo dele caiu diante de tal afirmação.

— Essa é maior decepção que eu já tive em toda a minha vida! — Sandra tremeu a voz.

— Que bom — eu finalmente me manifestei e todos na mesa me olharam.

— O que foi que você disse?

— Eu disse: que bom, mãe. Espero que a sua decepção lhe mostre o quanto eu me senti a vida inteira. Não aja como se você não tivesse sido decepcionante para mim também.

Nós apenas ficamos nos olhando, magoados, e pela primeira vez na vida vi seus muros quase ruírem. Mas isso durou pouco, pois logo ela se recuperou.

— A nossa família nunca passou por algo do tipo, Davi, nós nunca tivemos um escândalo sequer em toda a nossa existência.  Espero que se sinta orgulhoso por ser o primeiro a manchar o nosso bom nome.

— Que absurdo! Isso é realmente I.NAD.MIS.SÍ.VEL! — meu tio Alberto achou uma brecha para se meter na conversa antes que eu pudesse retrucar. Eu já estava procurando algo para dizer quando percebi que Anna tinha ficado calada, até mesmo um pouco pálida. Meu coração acelerou, pois temi que algo ali no meio da briga a tivesse magoado.

— Tio, é melhor você calar a boca! — a defendi.

— Davi, que falta de respeito é essa? — Sandra repreendeu.

 — Uma garota viver no meio de pessoas promíscuas resulta nisso: uma pessoa sem educação, sem princípios e sem moral. Que Deus abençoe sua alma, garota. Se arrependa antes que você acabe indo para o inferno!

— O que foi que o senhor disse? — Anna repetiu baixinho e todos a olharam. — O que foi mesmo que o senhor disse?

— Eu disse que esse seu comportamento é I.NAD.MIS.SÍ.VEL — ele repetiu. — I.NAD.MIS.SÍ.VEL!

Anna arqueou as sobrancelhas, deu uma respirada funda e arregalou os olhos.

E então começou a rir.

Começou a rir é pouco, ela começou a gargalhar feito uma louca. Todos nós começamos a nos entreolhar e ninguém entendeu mais nada.

— Anna, você está bem? — eu perguntei e ela só fazia rir e rir e rir.

???????

— Se eu estou bem? — respondeu quando recuperou o fôlego. — Se eu estou bem? Eu disse, caramba, eu disse que conhecia essas sobrancelhas de algum lugar — Anna apontou para o meu tio. — Eu já ouvi esse “I.NAD.MIS.SÍ.VEL” uma vez e não teria como esquecer isso nunca!

— Do que você está falando? — meu tio indagou. — O que você quer dizer com isso? O demônio deve estar se apoderando do seu corpo para que você esteja se comportando dessa maneira!

— Demônios se apoderando de corpos deve ser um assunto que você entende bem, não é?

— Ora, sua...

— Ano passado, feriado do dia do trabalho. O carinha que queria realizar um sonho... — Anna o interrompeu — e depois não queria pagar a conta. A calça emprestada porque o tal carinha perdeu a dele...

Meu tio ficou pálido quando Anna terminou de falar. Ele pegou um lenço do bolso e enxugou a testa tantas vezes que eu achei que iria furá-la. E eu só fazia olhar de um lado para o outro enquanto pensava que de algum modo todo mundo tinha enlouquecido.

— Será que alguém pode me dizer o que está acontecendo aqui! — minha mãe berrou. — Alberto, o que ela quer dizer com isso?

— O que eu quero dizer com isso... — Anna dessa vez não riu, apenas fez um cara de satisfação. — é que as pessoas julgam os outros muitas vezes para esconder aquilo que na verdade gostariam de fazer, não é, seu Alberto?

— E isso quer dizer quê? — eu encorajei.

— Que você não é  o primeiro a "manchar" o nome da família, já que eu estou recebendo lição de moral de alguém que passou a noite inteira na boate grudado na Shakira furacão!

 — O quuuuuuuuuê!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Não pode ser!

Será?

Gzus!!!

Minha mãe olhou para o meu tio.

Ele olhou para ela.

E todos olharam para Anna.

E agora que o barraco iria começar de verdade.

 

 

 


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