Somente à noite escrita por Ys Wanderer


Capítulo 13
Paixões à meia-noite




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— Oi, Anna?

— Oi.

— Tudo bem?

— Tudo — respondi. Fiquei olhando para a criatura na minha frente e ele apenas balançou a cabeça para cima e para baixo como se estivesse com vergonha. — Então...

— Então o quê?

— Fala logo o que você quer, André! — eu sentenciei. Ele então olhou de um lado para o outro e, tirando um papel do bolso, se aproximou cochichando.

— Bom, é que hoje é o último dia de aula antes das férias de julho...

— Aham.

— E eu e a Andressa vamos ficar separados durante esse mês...

— Aham...

— Porque vamos ter que viajar cada um com as suas famílias...

— Aham.

— Para de dizer aham, Anna!

— Aham — respondi e ele me olhou feio.

— Continuando — André estendeu o papel para que eu olhasse —, eu queria entregar isso a ela para que ela se lembrasse de mim durante esse tempo.

— Own, que lindo! — disse enquanto apertava as bochechas dele. — Quem diria, realmente os brutos também podem amar!

— Cala essa boca! — ele mandou, rindo, e eu roubei o sanduíche que ele estava comendo.

— Então, Don Juan, você quer que eu entregue isso a ela para você?

— Não, eu queria que você desse... uma corrigida, sabe? Eu acho que tá bom, mas pode ser que tenha algum errinho.

Abri o papel e nele estava escrito um poema. A letra era até bonitinha, mas o conteúdo...

“com A escrevo andressa. e também escrevo amor.

espero que o tempo passe rápido pra mim poder te beijar.

e quando agente se encontrar eu vou roubar o sol pra mim poder te dar.

Fasso esse poema pra você linda de todo o meu coração.

Beijos do seu gato.”

— E então? Tá bom? — ele perguntou. — Você acha que ela vai gostar?

— Ahh...

Em minha opinião era horrendo... Mas também romântico. E fofo. E saber que ele gostava da minha amiga tanto quanto ela gostava dele me deixou muito feliz.

— A Andressa vai adorar — falei com sinceridade. — Mas você precisa arrumar isso aqui — peguei uma caneta e comecei a circular os erros —: coloque letras maiúsculas aqui e aqui, troque esse “mim” por “eu”, esse “fasso” por “faço” e separe a palavra “linda” por vírgulas. E separe também esse “a” da palavra “gente’ em “agente”, ok?

— Ok. Mas você não acha que eu devo escrever mais alguma coisa?

— Não precisa! — articulei rápido antes que ele escrevesse mais alguma proeza. — Só isso já está ótimo — devolvi o papel e o André o analisou compenetrado.

— Pô, valeu! — ele bagunçou meus cabelos e saiu todo contente. Pensei então que pelo menos a falta de cérebro do garoto era compensada pela quantidade de músculos e bondade.

Andressa havia tido sorte.

Porém, depois de analisar o ocorrido, percebi que amor era mesmo uma tosqueira. Ele fazia até os mais durões amolecerem e por causa disso bati três vezes na madeira para afastar esse tipo de encosto de mim.

Deus me livre, eu é que não queria ficar suspirando pelos cantos feito uma idiota...

*

— E então, quais os planos de vocês para julho? — Andressa perguntou animadamente para mim e Davi. Nós três estávamos na quadra comendo batata frita com refrigerante enquanto esperávamos por André, que ainda estava tentando fazer alguma atividade para conseguir nota.

— Eu vou ficar em casa dormindo até tarde, ouvindo música, olhando para o teto, comendo besteira e coçando o meu saco — respondi.

— Eca, Anna, que coisa nojenta de se dizer — ela reclamou e eu gargalhei. — Você precisa ser mais educada, sabia? Uma dama jamais deve dizer coisas desse tipo.

Tomei um gole de refrigerante e arrotei alto. Davi riu e Andressa ficou horrorizada.

— Desisto de você, sua selvagem das cavernas — ela proferiu, indignada. — Então, Davi, e você? — ela indagou fingindo que não falava mais comigo. — Vai fazer o quê?

Percebi que Davi fez uma careta e respirou fundo antes de responder.

— Eu vou ter que viajar com a minha família — ele falou com a voz nada animada. Agora que eu sabia de alguns dos seus problemas imaginei que uma viagem de férias em família, melhor dizendo, com a mãe dele, não seria algo para se comemorar. Ele me olhou e deu de ombros. Andressa não percebeu nada.

— Eu vou viajar para a Bahia — ela contou. — Vou curtir umas micaretas e voltar toda bronzeada.

— Você? Bronzeada? Vai voltar parecendo um camarão, isso sim — eu ri.

— Olha, nem todo mundo tem a sorte de nascer com essa sua pele de caramelo, ok? Mas eu vou fazer o possível e o impossível para ficar pelo menos com a cor da Juliana Paes — Andressa se defendeu.

— Vai lá, Gabriela, cravo e canela — debochei e ela me bateu. — Aí! Do jeito que você fala parece até que nem vai sentir saudades do André.

— Claro que eu vou — Andressa suspirou com tristeza ao se lembrar do tempo em que ficariam separados. — Por isso tenho mais é que aproveitar meu boy magia — logo riu e então recolheu suas coisas rapidamente. — Vou atrás dele.

Então, tão rápido quanto havia ido embora, ela voltou.

— Galera, por que a gente não sai amanhã para nos despedirmos direito?

— Não sei — falei enquanto pensava se seria uma boa ideia. — Para onde?

— Pode ser um cineminha.

— Hum... — pensei, repensei, e a resposta era não, mas a cara de gato escaldado da Andressa me fez concordar. — Ok, por mim tudo bem — revirei os olhos, derrotada.

— E que você, Davi, o que acha?

— É... Pode ser — ele respondeu.

— Beleza! Depois combinamos tudo por mensagem — Andressa deu um beijo no meu rosto e voltou a borboletear. Quando ela já estava longe, Davi respirou fundo.

— Nossa, Anna, quanta energia ela tem.

— Nem me fale.

— Então, você acha que vai ser legal?

— Bom, imagine quatro malucos andando juntos — respondi. — Agora tire suas próprias conclusões — eu ri e ele me acompanhou.

Bom.

Imagine quatro malucos andando juntos?

*

Eu, como sempre, fui a primeira a chegar ao cinema do shopping. Só depois de vinte minutos, mais o menos, é que Davi deu o ar de sua graça, e o casal de pombinhos demorou ainda mais para aparecer.

Só por causa disso a minha paciência já estava cinquenta por cento menor.

— Pô, eu moro lá onde Judas perdeu as botas e mesmo assim nunca me atraso para nada — reclamei quando estávamos todos juntos. Andressa e Davi abriram a boca para dar desculpas, mas eu fiz cara feia. — Se virem agora para pagar a minha entrada. E eu quero o maior balde de pipoca que tiver aqui! — sentenciei.

— Tudo bem, a gente paga — Andressa riu. — Mas e aí, já escolheu o filme?

— Já — respondi mostrando o cartaz atrás de mim com um enorme sorriso. Andressa fez um barulho equivalente a um ganido.

A maldição da serra elétrica: demônios andantes? — ela questionou. — Você quer que a gente veja isso?

— Claro que sim! — respondi efusivamente. — Eu estou louca para ver a mocinha ser partida ao meio enquanto o mocinho é banhado em seu sangue...

— Eu não quero assistir a esse negócio não — André, com toda a sua coragem, se manifestou contra. — Não que eu tenha medo...

— Sei — disse irônica. — Então o que sugerem?

— A gente pode ver aquele — Davi apontou para um cartaz de uma animação infantil. Parecia engraçado, no entanto era bobo demais, pois havia um peixe vestido de palhaço e cercado de camarões com violões.

Dê-me paciência, senhor.

— Negativo — Andressa falou com determinação. — Vamos ver algo mais adulto, mais quente... e mais romântico! Fiquem aí que eu vou comprar os ingressos — ela mal acabou de anunciar e sumiu na bilheteria.

— Tem certeza que é uma boa ideia deixar que ela escolha? — Davi perguntou e eu apenas dei de ombros.

Claro que era uma péssima ideia.

Ficamos esperando por Andressa, torcendo para que ela escolhesse algo legal. Enfim ela voltou e entregou uma entrada para cada um de nós, contudo, no momento em que eu vi o nome do filme, quase tive um treco.

Paixões à meia-noite? — repeti fazendo careta. — Que porra é essa?

— Ah, é maravilhoso! Conta a linda história de amor entre um vampiro e uma humana excluída socialmente, sabe?...

— Não brinca — debochei. — Que original...

— Ai, Anna, você reclama de tudo — ela devolveu. — Veja só como os garotos estão felizes!

André estava aliviado por não ter que assistir a um massacre sangrento e Davi... o coitado não tinha para onde correr.

— É, felizes da vida — disse cheia de ironia. E de tristeza.

Não seria daquela vez que eu ia ver um cara serrando alguém...

Entramos na sala de cinema no horário estabelecido e a minha única alegria no momento era o balde de pipoca amanteigada tamanho “extra big fome” que Davi havia me dado de presente. A sala foi enchendo de adolescentes na faixa dos quatorze anos – acompanhadas de suas irmãs ou primas mais velhas – e assim que o filme iniciou e o galã apareceu elas começaram a dar gritinhos e a se abanarem.

— Eduardo?

— Sim, Donatella?

— Eu sei o que você é — a mocinha dizia com uma voz esganiçada.

— Pois diga para mim, Donatella — o mocinho pediu fazendo uma careta.

— Você... é um vampiro — ela sussurrou.

— Então, agora que você sabe meu segredo terei que te matar...

— Não faça isso, Eduardo. Eu amo você... mesmo que só tenhamos nos visto duas vezes...

.

— Pelo amor de Deus, esse galã está com a mesma cara de dor de barriga que a gente fica quando come a feijoada da Dona Lurdes! — opinei depois de assistir a cena.

Opinei alto demais.

O cinema inteiro, pelo menos os que estavam ali à força, caiu na gargalhada. Davi e André fizeram parte dos que riram e Andressa se encolheu na cadeira, morrendo de vergonha.

— Shhh — algumas meninas disseram emburradas e eu revirei os olhos. Tive vontade de jogar pipoca nelas, mas eu não acabaria com algo tão precioso assim de graça.

Pouco a pouco a situação foi se normalizado e fez-se silêncio novamente. A minha pipoca acabou e eu ainda dei uns dois cochilos, até que de repente o filme ficou um pouco mais interessante: como todo filme de romance tem uma cota de caras suados sem camisa, apareceu uma espécie de clã de caçadores lindos de morrer, bronzeados e nus da cintura para cima. Conchito iria adorar, ainda mais quando eles se armaram com arcos e machados.

— Até que enfim apareceu alguém com testosterona nesse filme! — eu disse novamente e todos riram. André acabou se engasgando com a pipoca e tossiu feito um maluco, enquanto Andressa batia nas costas dele. Foi um estardalhaço e começou a baixaria, várias meninas enraivecidas conosco porque estávamos atrapalhando o “sonho” delas. Um carinha apareceu com uma lanterna e disse que se aprontássemos mais alguma seríamos expulsos. Fomos vaiados por algumas meninas e eu joguei a pipoca de Davi na cabeça delas.

— Anna, eu vou te matar! — Andressa, que já estava mais do que fula comigo, disse furiosa. Segurei o riso para não contrariá-la e resolvi ficar quieta.

Mas não por muito tempo.

De repente, quase no final do filme, a situação ficou constrangedora. A mocinha, que passara o filme inteiro com vergonha de beijar o mocinho só porque era "virgem", de repente protagonizou uma cena de sexo digna de sites pornográficos. A menina começou a gemer, gritar, e a se retorcer de uma forma estranha, e muitas mães na plateia ficaram horrorizadas.

— Caramba! — André disse todo contente. — Eita, cena boa!

— Cala a boca, André! — Andressa interveio e nessa hora o povo estava mais do que rindo.

— É de gente quieta que eu tenho medo — falei já me divertindo muito. — Isso tudo é porque ela queria ser freira. Imagine se não quisesse?

Davi começou a rir quando eu disse isso, mas era uma risada muito engraçada. Eu nunca havia visto ele rindo dessa forma, parecia um gato asmático engasgado com uma bola de pelo. Era tão horrível que eu não aguentei e comecei a rir também, logo contagiando todo o cinema. Minha barriga começou a doer e eu não conseguia parar mais, parecia que havíamos sido possuídos pelo ritmo “ragatanga”. André tentou falar algo, mas não conseguia nem respirar, e até Andressa não resistiu e entrou na onda.

— Fora daqui! — o tiozinho da lanterna berrou enfurecido. — Vocês não têm um pingo de respeito pela sétima arte!

— Só se for a arte do kamasutr... — tentei dizer, mas Andressa enfiou pipoca na minha boca e me impediu de terminar a frase. Davi estava tendo espasmos ao meu lado e tive que ajudá-lo a se levantar, e enquanto íamos saindo – morrendo de gargalhar – percebi algumas pessoas enxugando lágrimas dos olhos.

— Façam o favor de não voltarem nunca mais! — o tiozinho pronunciou alto e fechou a entrada com força. Nós quatro então nos olhamos sérios e explodimos mais uma vez, parecendo quatro malucos porque não dizíamos nada, apenas emitíamos grunhidos. Respirei fundo inúmeras vezes e contei até dez para ver se me acalmava, no entanto, só consegui falar novamente após sentar no chão.

— Davi, que diabos de risada era aquela? — perguntei enquanto me abanava.

— Não sei dizer o que aconteceu comigo — respondeu ainda rindo. — Mas você devia parar de falar essas coisas engraçadas...

— Eu não acredito que pagamos esse mico! — Andressa exclamou quando se recuperou. — Alguém me explica o que aconteceu lá dentro?

— Gente, eu adoro vocês — André colocou o braço ao redor de Davi. — Vocês são... — risos — a melhor turma... — um engasgo — que eu já tive... — mais risos — na vida!

— A melhor? A pior, isso sim! — Andressa disse, mas não era sério. — Meu Deus, expulsos do cinema! Que vergonha...

— Vergonha nada — falei recuperando o fôlego. — Ah, confessa que você achou foi divertido.

— Isso eu não vou dizer — ela riu. — E agora, o que a gente faz?

— Vamos comer — Davi deu a ideia e eu aprovei. — Pode deixar que hoje é por minha conta.

— Muita coragem a sua dizer isso perto da Anna. Espero que tenha trazido bastante grana, porque essa daí come mais do que um ex-presidiário — André advertiu e levou um tabefe no pescoço.

Então nós quatro fomos embora dali ainda achando graça de toda a situação. E nesse momento eu percebi o quanto gostava daquelas pessoas, pessoas que faziam até mesmo uma expulsão de um lugar público ser uma das coisas mais divertidas que já haviam acontecido comigo. Olhei para Davi e ele estava tão diferente, nem parecia aquele bicho do mato dos primeiros dias em que o havia conhecido, se escondendo e andando de cabeça baixa. Agora ele ria alto e dizia bobagens, como se a vida estivesse retornando pouco a pouco para ele.

E para mim também.

“Vocês são a melhor turma que eu já tive na vida”, André dissera.

E eu não podia discordar disso em hipótese alguma.

.

— Tchau, Coelha — me despedi usando o seu apelido e ela me abraçou forte. Nós havíamos acabado de detonar cachorros quentes numa barraca e agora ela tinha que ir porque acordaria cedo no dia seguinte para viajar. — Espero que tenha juízo e tome cuidado com o calor dos corpos humanos em êxtase sob o efeito do axé.

— Que história é essa de corpos humanos em êxtase? — André perguntou e rimos.

— Nada não, André — Andressa balançou a cabeça com divertimento. — Anna, pode ficar despreocupada. E saiba que eu vou morrer de saudade de você.

— Você é chata, mas vou sentir saudade também — devolvi o abraço. Abracei André também e ele beijou o topo da minha cabeça, para logo depois ir cumprimentar Davi.

— Bye, amiga. E boas férias para vocês dois. Ah, e vou dar uma ligadinha lá da Bahia para saber como anda a vida de vocês. Tchau, Davi, aproveite a sua viagem — ela jogou um beijo para ele e saiu saltitante, de mãos dadas com o seu namorado. Fiquei os observando até chegarem ao fim da esquina e assim que eles sumiram de vista suspirei.

Era a primeira vez na vida que eu tinha amigos de verdade.

— Eu gosto deles — me surpreendi com a frase que Davi deixara escapar agora que estávamos só nós dois.

— Eu também. E eles gostam muito de você também, Davi — falei enquanto caminhávamos.

— Pois é... — ele riu sem graça. — Estranho isso.

— Isso o quê?

— Isso — respondeu. Davi sorria sem mostrar os dentes e então eu entendi o que ele queria dizer.

“Isso” no caso significava amizade.

— Vou sentir falta deles durante as férias — deixei escapar enquanto chutava uma pedrinha.

— Eu também vou, já me acostumei com o jeito de cada um deles. E com o seu.

— Com o meu?

— É... — ele cruzou os braços. — No começo eu achei que você tinha um parafuso a menos.

— E agora? — perguntei.

— Agora eu tenho certeza — Davi respondeu e acabamos gargalhando.

— Você fala como se fosse um cara normal.

— Acho que por isso a gente se dá tão bem. Gente anormal atrai gente anormal.

— Isso é você quem está dizendo — levantei as mãos em sinal de rendição. — Mas confesso que vou sentir falta da sua companhia.

— Sério?

— Sério. Mas só um pouquinho — juntei o polegar e o indicador deixando um espaço mínimo entre eles.

— Eu também vou sentir sua falta — ele disse meio envergonhado e eu percebi que adorava quando ele ficava assim. — Vai ser um mês bem difícil...

— Você tem mesmo que viajar? Você não pode ficar?

— Eu poderia, mas essa é uma discussão que eu quero evitar. Além do mais, vou poder ver um dos meus tios e ele é legal o suficiente para fazer valer a pena umas férias ruins.

— Por que ao invés de já achar que essas férias já estão fadadas a ser ruins você não mete a cara e faz delas as melhores da sua vida? — questionei.

— Se eu ficasse aqui com você até que poderiam ser — Davi disse tão rapidamente que provavelmente mal teve tempo de pensar no que estava dizendo. — Aposto... que ia ser bem... legal — gaguejou e eu sorri.

Parei de caminhar quando percebi que era ali que eu deveria ficar. Davi seguiria o caminho oposto ao meu e foi esquisito sentir um aperto no peito e uma saudade antecipada, pois fora diferente do que eu senti ao me despedir dos meus outros amigos.

Na verdade, era mais intenso até do que uma simples despedida.

— Eu gostaria que você ficasse — falei com sinceridade. Davi parou também e ficamos frente a frente. — Vou ficar por aqui sem fazer nada e acho que você serviria para alguma coisa — brinquei e ele riu.

O filho da mãe era lindo sorrindo e eu evitei pensar nisso.

— Infelizmente eu não posso, já está tudo arrumado — ele falou um pouco triste. — Mas se eu pudesse juro que ficaria.

— Quando você vai?

— Daqui a cinco dias.

— Cinco dias? Então ainda temos tempo.

— Não posso sair de casa até a viagem. Meus pais estão loucos por causa disso e depois de amanhã eles vão receber uns amigos para jantar. Fora que ainda não arrumei nada na minha mala. Isso significa então que eu não vou ter sossego.

— Poxa... — suspirei. — Então acho que é tchau, não é?

— É... — ele disse e então ficamos nos olhando por um longo tempo. — Posso te dar um abraço de despedida? — Davi perguntou com timidez e eu sorri.

— Não.

— Não? — ele repetiu sem graça.

— Não. Só vou te dar um abraço quando nos despedirmos de verdade. Então, se você quiser, vai ter que me ver mais uma vez antes de ir — eu disse e ele deu um meio sorriso.

— Não tenho como sair, Anna. Tenho que arrumar minhas coisas, a casa vai estar cheia de gente e de crianças, vou ter que bancar o ajudante e ainda fingir que estou muito feliz. Se eu sumir vou ser assassinado.

— Se vira, foge. Faz alguma coisa contra as regras ao menos uma vez na vida — disse cruzando os braços. — Se você for meu amigo de verdade vai dar um jeito.

— Você não liga a mínima para nada, não é? — ele devolveu o argumento com divertimento.

— Não. Nem um pouco.

— Bom — ele respirou fundo e estendeu a mão para mim. — Então tchau, Anna. Até a próxima.

—Até — eu apertei a mão dele e sorrimos juntos. — Nos vemos daqui a um mês. Ou daqui a cinco dias.

— Sabe, Anna, às vezes eu me pergunto o que teria acontecido se a gente nunca tivesse se esbarrado naquele corredor e você nunca tivesse pedido informações para mim.

— Simples — respondi. — Você agora não teria uma amiga tão linda.

— Quanto a isso eu concordo — ele articulou rapidamente e eu fiquei meio... meio sem graça. — Agora eu preciso mesmo ir. Tchau, Anna.

— Tchau — eu repeti e ele foi embora sem dizer mais nada.

Torci para que ele desse um jeito de sair de casa e a gente pudesse conversar ao menos mais uma vez, pois cada dia eu gostava mais de estar com ele. Minha avó e Conchito eram incríveis, mas não tinham a minha idade. Andressa e André eram maravilhosos, sabiam sobre a minha vida e até achavam tudo muito interessante, mas ainda assim eu não sentia com eles a mesma conexão que eu sentia com Davi. Com ele, parecia que as coisas iam fluindo naturalmente e de um jeito ou de outro a gente se entendia.

Refiz então a mesma pergunta sobre “o que teria acontecido se a gente nunca tivesse se esbarrado naquele corredor e eu nunca tivesse pedido informações para ele?”

A resposta era simples.

Eu não estaria tão feliz.


 


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