Hastryn: Ascensão escrita por Dreamy Boy


Capítulo 3
A Princesa de Arroway


Notas iniciais do capítulo

Idades:
Charlotte - 12 anos.
Lothar - 33 anos.
Hazel - 41 anos.

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Sou Charlotte, a filha única do Rei Lothar e da falecida Rainha Lucy.
Sou a herdeira de Arroway, mas, ao mesmo tempo, não sinto que nada é meu.
E também não me sinto parte desse todo.
Explicarei as razões.



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Charlotte

A pintura da Rainha Lucy já estava ficando envelhecida e precisava ser renovada pelos artistas responsáveis pelas pinturas penduradas nas paredes dos cômodos que formavam o castelo. Seria feita outra releitura de uma grande obra artística conhecida por toda a nação do norte. Réplicas e mais réplicas foram espalhadas pelo reino, sendo penduradas nas casas daqueles que idolatravam e sentiam falta da tão amada soberana e do período em que esta vivia.

Na imagem, a jovem mulher era retratada sentada sobre um trono constituído da melhor madeira encontrada nas árvores da região, mesmo que os tronos oficiais fossem feitos com a utilização de pedras. Tinha os cabelos louros brilhantes presos em uma trança, pele branca como o leite e um vestido verde-esmeralda que combinava com a cintilante coloração de seus olhos. Seu rosto tinha as feições extremamente delicadas, exatamente como todos que a viram a descreviam. Alguns livros colocavam Lucy como uma figura de enorme importância na história de Hastryn do Norte.

Charlotte sentia orgulho por ser fruto de alguém como a rainha.

Suas fisionomias não eram muito parecidas. Charlotte tinha os cabelos louros, mas estes tinham uma tonicidade mais aproximada do branco do que do dourado, e seus olhos eram castanhos como os do pai. Quando via o belo rosto da mulher, a princesa pensava sobre tudo o que tinha acontecido e a culpa que carregava desce seu nascimento. Culpa por ter tirado uma vida. Lothar sentia grande prazer em lembrá-la disso em quase todos os momentos em que a via.

“Está vendo essa imagem? Era a mulher que a trouxe ao mundo. A grande rainha que jamais teremos novamente. Esta foi a mulher que você assassinou por ter nascido!”

Eram as palavras duras do homem. Refletindo sobre elas, fitou o próprio reflexo no espelho circular localizado em seu aposento. Quando via a si mesma, ficava entristecida, pois se sentia feia e não gostava da pessoa que era.

— Deve enxergar a beleza que há em você, assim como eu enxergo. — dizia constantemente Hazel, com sua voz doce. A mulher havia sido a ama de leite de Charlotte enquanto esta era um pequeno bebê, sendo o mais próximo de mãe e família que a princesa poderia ter. Certamente, uma das pessoas mais importantes em sua vida. Jamais desejaria se distanciar dela. — Mesmo tão jovem, com apenas doze anos, possui um coração tão puro, preocupado com as pessoas que vivem na cidade e com o futuro de nosso reino.

— Se ao menos elas valorizassem isso... — Charlie estava convencida da verdade, mas ficava feliz ao sentir que havia alguém que realmente se importava consigo quando a via mal. — Nada me fará pensar diferente a meu respeito. Sei que sou responsável pela loucura do rei e pelas suas maldades de hoje.

— Você era um bebê! — Hazel não costumava discordar ou confrontar Lothar, mas falava daquela forma para conscientizar a criança sobre os fatos. — Os deuses tiveram motivo para levá-la naquele momento. Você não tinha controle sobre absolutamente nada e era tão pequenina... Não poderia fazer mal a ninguém! Até mesmo os animais ficam mais alegres quando a veem e não sentem medo de sua presença. Aqueles que não são caçados, é claro.

Ela riu.

Hazel estava certa. Nos bosques, criaturas como esquilos e coelhos gostavam da presença de Charlie e alguns até mesmo corriam e brincavam com ela. A garota não tinha muito o hábito de caçar, mas, quando o fazia, era para oferecer carne aos pobres e praticar um pouco, caos um dia suas habilidades fossem necessárias.

— Talvez a senhora tenha razão, afinal... — sabia que não adiantava permanecer com o assunto, portanto, fingiu concordar com tudo o que era dito e decidiu conversar sobre outras situações. — Sabe, Hazel, estava pensando em algo?

— O que? — Hazel ergueu uma sobrancelha e passou a mão direita sobre os cabelos brancos. Sua expressão assumiu um tom falso de seriedade. — Quando faz essa carinha, sei que não é algo que preste. Tenho até receio de saber do que se trata e de qual será a invenção de agora.

— Podemos visitar o Elliot amanhã? — seus olhos brilharam, esperançosos com uma resposta positiva vinda da mulher, como um gato miando ao pedir comida. Entretanto, ao ouvir o pedido, Hazel apenas se afastou e a encarou de maneira verdadeiramente séria. O sorriso sumiu da face da menina.

— Pensei que já houvéssemos conversado sobre isso. É melhor para todos que não o vejamos mais. Você está mais do que ciente dos riscos que corremos ao sairmos escondidas do castelo e não avisarmos ao rei para onde irmos.

Realmente estava ciente, mas já conseguiram escapar das mãos de Lothar inúmeras vezes e Charlotte ainda mantinha dentro de si certo otimismo de que daquela vez não seria diferente. Todavia, compreendia o ponto de vista da ama acima de tudo, conhecendo o modo horrível que o pai lidava com as pessoas que trabalhavam dele e dependiam disso para sobreviver, além daquelas que infringiam suas ordens. A princesa odiava a ignorância e o desrespeito, desejando ter a capacidade de um dia enfrentar seu pai de igual para igual.

— É deprimente ficar presa nessa torre todos os dias! Não tenho mais amigos para me divertir e preciso fingir ser comportada como as outras meninas de minha idade para sair de vez em quando e caçar. Não gosto de ser um fantoche e odeio quando as pessoas me olham feio ou cochicham pelas minhas costas quando ando pelos pátios. Elliot era o único que não fazia isso!

— Pensa que gosto de vê-la aprisionada? É justamente por esse motivo que não nos arriscaremos, pois não queremos que a situação piore e Lothar proíba até mesmo a mim de visitá-la. Elliot pode ser morto caso sejamos flagradas. Sei que sabe disto.

Percebendo que a mulher estava irredutível, preferiu desistir do que tentar novamente e iniciar uma longa e irritante discussão que poderia facilmente ser evitada. Conseguiria outra forma de rever o amigo e matar a saudade que apertava em seu coração.

...

No dia seguinte, despertou antes do amanhecer devido a tamanha ansiedade. Abriu as cortinas e preparou as vestimentas e agasalhos para a fuga, pois aproveitaria o fato de ainda estarem no toque de recolher para deixar o castelo sem que a percebessem. A qualquer instante, Hazel subiria as escadas e poderia aparecer à sua procura. Se não estivesse completamente preparada e não descesse a torre a tempo, perderia a chance de sair.

Esperou até a hora dos guardas noturnos trocarem de posto com os diurnos. Sua porta não ficava trancada, mas a menina sempre dormia naquele horário e os homens não viram problemas em fechar os cadeados. Sempre a impediam de sair sem a companhia da ama ou do rei.

Aproveitando a brecha, Charlotte desceu os degraus na ponta dos pés atrás deles e se esgueirou nas paredes para não ser vista. Cortou caminho por uma porta logo depois da descida no corretor, conseguindo sair daquele andar.

Enquanto finalmente caminhava com calma, relembrou do dia em que conheceu Elliot. Foi algo que permaneceu em sua memória e jamais seria esquecido. A importância daquele momento em sua vida era imensa e certamente seria passada para as próximas gerações no futuro.

...

Anos atrás, quando era mais nova, a princesa brincava com outras crianças no reino. Corria alegremente pelos jardins e pulando nas piscinas em dias de muito calor. No entanto, com o tempo, o comportamento selvagem do rei foi fazendo os pais afastarem suas crianças da filha de um homem tão perigoso. A própria Charlotte tinha medo de toda aquela brutalidade, mas aprendeu a controlar a demonstração desses sentimentos em público. Deixava tudo para quando estivesse sozinha e pudesse desabar em seu quarto.

Em uma tarde de primavera, andava de mãos dadas com Hazel, sua única companhia. Estavam nas florestas calmas distantes do palácio, que eram muitas e circundavam a cidade grande, algumas sendo de acesso proibido, com grandes e imagináveis perigos que ninguém conhecia ao certo.

As duas fizeram muitas trilhas, descobrindo locais que não sabiam da existência, por não terem o costume de explorar áreas muito longes de sua rota diária. Costumavam criar seus próprios nomes para aqueles lugares, ignorando os originais. Uma atividade ao mesmo tempo criativa e divertida. Brincavam também de se esconder, mas os esconderijos normalmente não passavam de árvores ou pedras de grande porta e altura. Hazel se sentia uma verdadeira criança ao lado de Charlie, o que trazia boas energias acompanhadas de muita alegria e satisfação.

— Meus pés estão ficando doloridos... Precisamos parar um pouco.

Depois de tanto correr e caminhar, a ama começou a se sentir cansada e se sentou sobre um troco de árvore. Respirava fundo, mas gostava daqueles momentos únicos entre as duas. Quando Charlotte fosse uma adulta, teriam muitas lembranças inesquecíveis e histórias para contar. Sentiriam falta.

Estavam em uma clareira. Nela, havia caminhos de pedra que conduziam a inúmeras direções. Uma delas era um riacho a oeste, onde um veado adulto bebia sua água. Era um belo animal, mas algo chamou ainda mais a atenção da garota.

Deixando a senhora um pouco para trás, uma alta e circular divisória de arbustos parecia ter simplesmente surgido sobre a grama. Deu a volta por ela, descobrindo uma pequena entrada que era estreita mas aberta o suficiente para passar. Pessoas altas demais teriam dificuldade de acesso, mas também não era impossível que conseguissem. Ao atravessar a divisória, Charlie percebeu que se tratava de algo semelhante a um labirinto, pois também havia muros de grama no interior da área circular, com fendas capazes de aproximá-la cada vez mais do centro.

Deu algumas voltas até se localizar e saber como retornar. Quando chegou ao centro, encontrou um alto poço construído à base de pedras. Reconheceu o mesmo de imagens encontradas em livros na biblioteca do castelo, acreditando ser o Poço dos Desejos. Como um local daqueles poderia ter sido esquecido pela sociedade nortenha? Era maravilhoso!

“Incrível! Cada detalhe é exatamente como foi descrito nas páginas. Será que as lendas sobre suas propriedades mágicas também são verdadeiras?”

A menina apoiou as mãos sobre a borda circular, usando-as como equilíbrio, pois sua altura não era o suficiente para ver o fundo sem se pendurar. Feito isso, viu que a água era completamente limpa e as muitas moedas lançadas lá dentro eram visíveis a seus olhos. Distraída, ficou encarando os objetos brilhantemente dourados, com um tom forte que fazia seus olhos brilharem de admiração.

Subitamente, ouviu passos e se assustou. Em um ato brusco em reação, um de seus braços acidentalmente deslizou para a parte de dentro e prejudicou seu equilíbrio.

O sujeito misterioso, que ela ainda não tivera a oportunidade de ver, correu e a segurou pela cintura, impedindo que ocorresse uma queda que resultaria em morte. Virando-se para trás, Charlotte encontrou um garoto de aparência completamente distinta daqueles que costumavam andar pelo palácio. Tinha os cabelos cachados castanhos claros descabelados e roupas simples e sujas de areia, mas não deixava de ser bonito. Seus olhos eram pretos.

— Você... me salvou. — Charlie respirava, sem acreditar no que havia acabado de acontecer. Poderia estar morta, se o menino não fosse rápido. — Vou ser eternamente grata por isso! Qual o seu nome?

— Me chamo Elliot. É um prazer conhecê-la, princesa.

Incerta, não soube se deveria encarar aquele título como um elogio. Detestava ser vista como a filha do rei, pois nunca sabia quando as pessoas se importavam verdadeiramente. Entretanto, Elliot não parecia ter nenhum interesse além do simples fato de estar ajudando qualquer pessoa que precisasse. Charlotte teve a impressão de que, se fosse uma menina camponesa desconhecida, teria sido salva do mesmo jeito.

Isso a fez sorrir.

...

Desde então, resolveu dar uma chance a Elliot e conhecê-lo melhor. Tornaram-se melhores amigos, passando a se encontrar em bosques e aproveitando juntos de Hazel algumas manhãs e tardes. Lothar, quando descobriu da existência desse laço através de fofocas e mexericos das pessoas da corte, ameaçou matar o menino caso continuassem se vendo. Para protegê-lo, Charlie cortou o contato.

Todavia, a menina não suportava mais a saudade.

Acidentalmente, encontrou Hazel em um pátio onde jamais esperaria ser vista. Após ter sido flagrada, teve vontade de correr na direção oposta e se esconder novamente no quarto, mas não tinha como evitar. Agora, a única maneira de ver Elliot seria implorando pela permissão da ama.

— Por favor, que seja a última vez.

Hazel tinha a mesma expressão séria e preocupada de antes. Olhou ao redor, procurando saber se havia alguém escondido e pronto para espalhar notícias ao rei. Estavam sozinhas.

— Nunca mais o veremos a partir de hoje, está ouvindo? Terá que se despedir dele rapidamente, avisando que não será mais possível manter a amizade. Não podemos ficar muito tempo lá, pois cada instante que passarmos conversando será perigoso para nós três. Lothar não terá pena de nos castigar e creio que saiba disso muito bem.

— Sei que é uma atitude imatura... mas não consigo suportar a ideia de ser obrigada a me afastar!

— Terá que aguentar depois desse último encontro. — Hazel era medonha quando precisava ser. Criou a princesa com muita disciplina e Charlotte se orgulhava disso. Aquela era uma mãe melhor que muitas outras, que largavam suas filhas à mercê dos perigos e viviam se importando somente com riquezas e títulos, usando-as para seduzirem homens mais velhos e usufruírem de suas fortunas através de casamentos e alianças.

Ambas foram para os estábulos e escolheram a égua Lacey, a favorita de Charlie, para cavalgar. O animal havia crescido juntamente com a princesa, com quem teve forte empatia desde que se olharam pela primeira vez. Era uma criatura com pelo bege e crina preta brilhante, bem cuidado e extremamente veloz em suas viagens, o que era necessário naquela manhã.


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Notas finais do capítulo

Mais uma protagonista sendo mostrada pra vcs. Espero que tenham gostado da história dela :3