Hastryn: Ascensão escrita por Dreamy Boy


Capítulo 29
A Família Arshaw


Notas iniciais do capítulo

Capítulo com várias revelações, mostrando mais de um personagem que tava na história desde os primeiros capítulos. Gosto de fazer todos brilharem em algum momento, então chegou a vez dela!

Para saberem mais sobre a localização de Arroway, Durwin, Gwenum, Yedria, Siedronus, Allaren, Fauth, Horgeon e Sarenth, confiram esse mapa: http://prnt.sc/ag2y7j



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Hazel

Uma pequenina criança, com a pele parda  e os cabelos extremamente brancos como a neve nos dias que o inverno invadia Hastryn. Os fios longos desciam até a altura dos braços, sendo conservados nesse tamanho para que não crescessem até os pés. Os olhos dourados cintilavam no escuro, parecidos com as pupilas de um gato travesso.

Essa era a aparência de Hazel Arshaw.

Durante a época do período da escravidão dos pobres em Hastryn, sua família habitava em uma humilde aldeia na cidade de Gwenum, situada a oeste do continente governado pelos Wildshade. Uma cidade pequena quando comparada às outras, porém, com condições econômicas o suficiente para que grande parte da população conseguisse viver bem do comércio e das atividades econômicas que eram realizadas naquela região. Apesar dessa importância, foi das únicas cidades ainda não afetadas pelo regime escravista da época.

A mãe arrumava seus cabelos, usando duas folhas pequenas para deixá-los presos e divididos. Um arco de folhas coloridas foi colocado sobre sua cabeça. O rosto e os braços estavam nus, coloridos com vários tons diferentes que tornavam sua aparência bastante alegre, como a ocasião precisava.

— Está pronta, meu amor.

Aquele povo possuía uma tradição religiosa diferente da de Arroway. Quando alguém completava dez anos, era um forte motivo de comemoração para todos. Celebrações eram feitas em nome dessas crianças e aquela era a vez de Hazel.

Quando liberada, Hazel foi até o rio mais próximo e observou o próprio reflexo nas águas limpas. Tocou no próprio rosto, incrédula com a própria beleza. Sentia uma forte energia positiva, certamente vinda dos deuses nos quais fora acostumada a acreditar desde que era um bebê. As divindades da natureza eram maravilhosas, proporcionando um mundo perfeito que os humanos não souberam cuidar. Em agradecimento a eles, Hazel sempre via o lado bom das coisas, não importasse o quão difícil uma situação fosse. Jamais deixava de acreditar que existia um motivo para tudo o que ocorria. O Supremo Criador sabia o que fazia ao conduzi-los por aquela trajetória repleta de desafios e complicações. Isso os tornava mais fortes e a garota estava apenas começando a fazer parte daquele mundo.

— A partir de hoje, será tratada como uma moça. Seu caminho como mulher começará! — A mãe, que estava ao seu lado, tinha lágrimas escorrendo dos olhos. Abraçou a filha e acariciou seus cabelos. — Estou muito orgulhosa de você.

— Tenho medo de desapontá-la.

— É certo de que não fará isso. Sempre foi uma boa menina, desde a época em que não conseguia andar. Além disso, já estive em seu lugar e compreendo a pressão que essa mudança causa, mas é apenas algo simbólico que nos faz crescer aos olhos dos deuses.

Ela tinha razão.

Hazel era a única filha do casal, amada por ambos e criada com muito afeto. Mesmo possuindo uma família pobre, acreditava que não teria vivido melhor em outro lugar. Gostava do ambiente em que morava e das pessoas com quem convivia.

Aquela era uma noite bonita, cujo céu era repleto das mais variadas constelações que faziam o olhar de qualquer um brilhar quando as visse. A garota um dia aprenderia o nome de todas e compartilharia essas histórias para as crianças do futuro.

A população se reuniu e formou um círculo próximo ao mar. Ao redor deles, tochas altas de madeira foram construídas e acesas, trazendo iluminação à praia. Utilizavam vestimentas semelhantes às dela, representando a alegria existente em seus corações.

— Hoje, estamos aqui para mais um dia de festejar! — exclamava o homem responsável pelos rituais e festas da aldeia. Os cabelos eram curtos e negros, a mesma cor de seus olhos. A pele de todos os nativos era semelhante. — Mais uma vez, celebraremos uma década de vida dos nossos filhos que sobreviveram aos perigos de nossa nação. É o seu dia, Hazel!

Ele a puxou cuidadosamente para o centro da roda. Aqueles que a formavam deram as mãos e fizeram uma ciranda coordenada pelo homem, cantarolando inúmeras canções antigas e rezando aos deuses para abençoarem a vida de Hazel Arshaw.

...

Aos quarenta e sete anos, vivia em um quarto localizado na mansão dos Yorkan. Por ser a antiga ama de leite da Princesa Charlotte, atualmente a principal conselheira e o mais próximo de uma mãe que a jovem poderia ter, a acompanharia em quaisquer lugares que fosse. 

Dentro do cômodo em que dormia, havia uma cama feita de madeira e com um colchão extremamente confortável, diferente do aposento onde ficava hospedada no castelo. As paredes foram pintadas de verde escuro, de modo que as cortinas e tapetes tivessem o mesmo tom. Em um canto, uma mesa foi colocada para que fossem colocadas as refeições ou os papéis e livros da mulher.

Sobre o guarda-roupa, havia quatro pequenas estátuas que representavam as forças elementares divinas. Depois de acordar e antes de adormecer, Hazel conversava com aqueles deuses e pedia para que o dia seguinte fosse melhor que o anterior, mesmo que este houvesse sido bom.

Alguém bateu à porta.

— Espere um instante.

Hazel foi até a cabeceira e retirou uma chave de uma das três gavetas. Em seguida, caminhou até a entrada do cômodo e a abriu. Uma das serviçais a aguardava com uma bandeja de prata nas mãos, certamente com o desjejum da senhora.

A funcionária colocou o objeto sobre a mesa e se retirou, deixando-a sozinha novamente. Hazel se apressou a descobrir qual seria o prato do dia, fechando os olhos e sentindo o delicioso cheiro das uvas frescas utilizadas para preparar o suco. Junto com a bebida, lhe foi servido pão com aveia e cereal. Um prato simples, mas agradável o suficiente para aquela manhã.

Após terminar de comer, tomou um rápido banho e trocou as vestimentas. Foi até a sala de jantar, onde a família se encontrava tomando o desjejum junta. Hazel era convidada para se juntar a eles sempre que sentisse vontade, mas costumava despertar e se alimentar mais cedo do que todos.

— Olá, Hazel. — cumprimentou Charlotte, com um belo sorriso estampado no rosto. A cada dia que se passava, ficava mais linda aos olhos da ama. Principalmente naqueles, em que uma energia alegre havia surgido na jovem com a visita de Katherine Wildshade. — Como está?

— Estou bem. E vocês, meus queridos?

Charlotte balançou a cabeça positivamente. A senhora se juntou a eles, se sentando sobre uma cadeira vazia, ao lado de Elizabeth. Havia cortado recentemente os cabelos da menina, mas estavam crescendo muito rápido e agora se encontravam um pouco abaixo da altura dos ombros.

— Estamos bem também. — Richard respondeu, sem perder o foco na refeição à sua frente. — Graças aos deuses.

— Graças aos deuses. — As crianças ouviam seus ensinamentos sobre a religião e a esperança que deviam manter acesas dentro de si. — Vejo que estão indo bem. Ulrick, permite que seus filhos me acompanhem no templo hoje?

— Com certeza. — O homem piscou para a filha, que retribuiu o gesto. — Charlie, vá também! Aproveite para sair um pouco de casa e aproveitar esse clima delicioso que está lá fora. Ficarei no castelo e não quero que passe o dia inteiro sozinha.

— É uma ótima ideia!

...

O Tempo Sagrado era uma construção enorme, tanto na altura quanto em sua área, feita de pedra na parte mais urbana de Arroway, porém, um pouco distante do centro comercial. Largas escadas cinzentas davam acesso ao portão principal. Na base de seus corrimãos, foram colocados vasos também cinzentos e repletos de diferentes flores.

Em seu interior, pinturas que retratavam os quatro deuses da natureza foram penduradas nas paredes do extenso altar. As imagens tradicionais dos livros históricos. Nas outras, tochas apagadas que seriam acesas quando o dia escurecesse. O vidro utilizado para fazer as janelas era vermelho, a mesma cor dos tapetes que ficavam entre os bancos dourados e conduziam as pessoas até o altar.

Pilastras sustentavam o templo, impedindo que desabasse na cabeça dos fiéis que o frequentavam. No teto, foi esculpida a imagem do que se assemelhava ao paraíso, com humanos e animais convivendo juntos sem que houvesse uma guerra ou um sistema alimentar que os obrigassem a se matar para sobreviver. O mundo pós-morte no qual Hazel acreditava fortemente na existência.

— É belo demais, não é? — A mulher perguntava às crianças que a seguiam. Ulrick não era ligado a religiões, portanto, seus filhos não tinham muito conhecimento daqueles assuntos antes da chegada de Charlotte em suas vidas, apesar de terem ido ao local quando casamentos aconteciam. — Desde que cheguei à cidade, venho aqui quando possuo tempo.

— Sim! — Richard disse, empolgado com a visita. — Lembro que todos os outros existem por causa do Supremo Criador, mas não como aconteceu. Pode nos explicar?

— O Supremo Criador não conseguiria sozinho controlar um mundo tão grandioso como o nosso. Mesmo sendo aquele que comanda tudo, precisava de seres da natureza que tivessem um maior contato com os elementos. Nesse contexto, surgiram os quatro.

Charlotte, aproveitando o diálogo, se pronunciou.

— Havia um ser designado a ser o quinto deus, responsável pelo quinto elemento: a sombra. Entretanto, ele não aceitou a função que lhe foi concedida e, ambiciosamente, tentou roubar o mundo das mãos do Supremo Criador. Graças a essa atitude, foi banido de nosso mundo. Hoje vive no Mundo das Sombras, para onde vão todos aqueles mortos que não são dignos de atravessar as portas do paraíso. 

— Exatamente! Deixando claro também que as trevas começaram a surgir a partir dessa oposição. Por causa desse ato, temos um lado bom e ruim dentro de nós. Devemos seguir sempre o lado bom, sem deixar que as trevas nos tornem pessoas ruins.

 — Se isso não acontecesse, como seria o nosso mundo?

Hazel refletiu por um tempo, pensando no melhor jeito de explicar.

— É uma pergunta que não sabemos responder... As coisas poderiam ser bem diferentes, ou algo poderia também ser feito para que tudo fosse exatamente como é hoje.

Os quatro assistiram ao ritual sagrado realizado por um sacerdote religioso. O homem residia no templo e se dedicava inteiramente aos deuses e a sua fé, sendo obrigado a abrir mão de uma esposa e filhos. Era um dos responsáveis por manter os fiéis crédulos da força divina em suas vidas, reunindo-os para pregar os ensinamentos descritos em documentos antigos e juntos fazerem preces aos deuses para agradecer ou pedir algo.

— Hazel, eu fiz um pedido! — disse Elizabeth, deitando sobre o ombro esquerdo da ama. A mulher ergueu o braço e trouxe a menina para mais perto, aninhando-a. — Desejei que a mamãe estivesse bem.

— Ela com certeza está, e ficou muito feliz em saber que sua filha se importa e sente sua falta. Quer que você continue bem e seja uma pessoa bondosa e feliz. Fará isso por ela, não é?

Lizzie assentiu.

 — Eu também. — afirmou Richard, seguro de si mesmo. Os olhos de Hazel brilharam, pensando na falecida Esther. Não conheceu a primeira esposa de Ulrick, mas soube por Charlie que era uma boa pessoa e lhe entristecia o fato de que deixou duas crianças tão bondosas e gentis ao morrer. — Sinto tanto a falta dela...

Charlie ouvia tudo em silêncio. Compreendia totalmente o sentimento dos enteados, apesar de não ter convivido com a Rainha Lucy. Conhecia a ideia de viver sem uma mãe, mesmo que tivesse a companhia da ama, assim como Rich e Lizzie tinham a sua.

...

Hazel se tornou uma moça bondosa e respeitosa. Aos dezesseis anos, auxiliava os pais no trabalho pesado e sempre oferecia ajuda quando alguém necessitava. Carregava barris pesados repletos de peixes ou frutas colhidos em diversas épocas do ano, com o intuito de juntar a maior quantidade possível de alimentos para o inverno. A produção seria extremamente difícil naquele período, portanto, precisavam de comida suficiente para sobreviver por todos aqueles meses frios e agonizantes.

— Acredito que já temos o suficiente — disse o pai, demonstrando satisfação com a quantidade abastecida na primeira casa. — Devemos consumir de forma adequada para que não falte.

— Sim. — A filha respondeu, apesar de não concordar inteiramente. — Mas posso fazer mais um dia inteiro de colheita, para que não corramos esse risco.

— Não é preciso, meu amor. Já trabalhou bastante para uma moça. Deve se deitar para recuperar as energias.

Hazel compreendia que o homem estava sendo carinhoso, mas detestava aquela visão preconceituosa de que mulheres eram seres frágeis a ponto de não conseguirem trabalhar durante o dia. A jovem mostrou ser capaz disso sem nenhum problema e não compreendia porque outras também não seriam, desde que quisessem e se disponibilizassem a tais tarefas.

Obedeceu ao pai, descansando pelo resto do dia na rede que foi pendurada no interior da casa. Cada um possuía a sua, sendo três delas no total. Não tinham condições e muito menos espaço para colocarem camas ali, sendo obrigados a escolher entre dormir nas redes ou no chão.

As horas se passaram e a noite chegou. Depois de todos estarem em suas devidas moradias se preparando para mais um dia difícil, Hazel ouviu gritos vindos do lado de fora. Curiosa, se levantou da rede e espiou pela janela, encontrando pessoas correndo de um lado para outro, agoniadas e desesperadas.

Quando percebeu a razão do alvoroço, teve a mesma reação.

As casas da aldeia estavam pegando fogo, com alguns de seus habitantes dentro. Homens haviam invadido o local, montados em cavalos de grande porte e com espadas nas mãos, ameaçando a todos e os obrigando a sair de suas residências para não morrerem.

— Acordem! — Hazel gritou e sacudiu os pais, obrigando-os a se levantar e fugir, antes que fosse tarde demais. — Os senhores escravistas chegaram a Gwenum e estão ateando fogo em todas as casas!

Juntaram-se aos outros vizinhos que já se encontravam ajoelhados na rua, com as mãos para baixo de modo que não representassem ameaça aos homens cruéis. A população estava apavorada, pois nunca acontecera nada daquele tipo em todo o tempo em que viveram. Cresciam sendo esquecidos pelas pessoas da área urbana, como se fossem inúteis e não servissem para nada, apesar de serem aqueles que transportavam os produtos alimentícios. Agora, seriam obrigados a passar o resto de suas vidas trabalhando pesado e contra a vontade.

O chefe do grupo desceu de sua montaria e os encarou de frente. Cuspiu no solo, demonstrando desprezo por aquele povo. Hazel tremia de fúria, cerrando os punhos sem que ninguém reparasse. 

— Levaremos todos aqueles que possuem condições físicas para trabalhar. Os jovens, sejam mulheres ou homens, e as crianças também. Podem matar os idosos e deficientes.

— Não! — Os olhos de Hazel se arregalaram. Jamais permitira que assassinassem seus pais daquela forma. Eram humanos de bem, trabalhadores e honestos que não mereciam tamanha punição. Quando um dos capangas se aproximou do pai, Hazel socou seu rosto e lançou sua espada longe, sem medo.

— Vejam só como ela é valente! — Para que saísse de sua frente, ele a empurrou de forma violenta, fazendo com que batesse com as costas no chão duro. — Amarrem esta selvagem!

Hazel não teve tempo de fugir.

Seus braços foram colocados para trás e amarrados com uma corda resistente. Os outros capangas a carregaram para dentro da carroça, onde todas as mulheres e crianças foram colocadas. Os escravos do sexo masculino seriam obrigados a fazer a viagem a pé, pois não havia lugar para todos no interior do veículo.

Quando as portas da carroça se fecharam, a família Arshaw se separou para sempre.

...

Em uma maneira de homenagear a memória e os ensinamentos dos pais, Hazel frequentava o Templo Sagrado quando podia, agradecendo aos deuses por ter sobrevivido a tantas destruições e tragédias ocorridas no passado. A quantidade de crianças e jovens que tinham suas famílias mortas era imensa e a senhora se identificava com cada órfão, fazendo preces para que fossem abençoados e houvesse algo que melhorasse essa situação.

Dentro da carruagem que seguia de volta para a mansão, a ama olhou para a princesa e as crianças, agradecendo em silêncio por ter conseguido uma nova família.


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Notas finais do capítulo

Ela é calada. Ela fala pouco. Ela dá opiniões apenas quando vê espaço e oportunidade para isso.
Mas ela sente também. Ela é um ser humano. Ela também tem uma história
Essa é a nossa Hazel!



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