Hastryn: Ascensão escrita por Dreamy Boy


Capítulo 28
Fúria


Notas iniciais do capítulo

Ponto de vista de Lothar Wildshade após os cinco anos decorridos.



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Lothar

Eles respiravam fundo, na tentativa de continuarem vivos em todo aquele cenário de caos e sangue. Corriam de um lado para o outro, evitando que as criaturas demoníacas os transformassem em presas e refeições.

Aquelas eram as Montanhas Assombradas, local que servia de habitat para monstros e animais de vários tipos, como dragões alados e serpes que cuspiam fogo. De acordo com os estudos oferecidos nas instituições escolares para os nobres em Arroway, Lothar sabia que os dragões eram animais que cresciam extremamente rápido e podiam dizimar toda uma população se para isso fossem treinados. Já as serpes eram mais agressivas, sentindo vontade de destruir tudo aquilo que fosse de sua vontade. Entretanto, não existiam mais tantas espécies desses animais a ponto de representar para a população humana a ameaça de tempos antes.

Fogo se espalhava por todos os cantos, pois os predadores perseguiam os invasores com grande fúria e não se importavam com todo o rastro de destruição que causavam. Sabiam que os dois homens eram intrusos e poderiam ser perigosos a seus iguais, portanto, os defendiam com unhas e garras.

— Como vamos fugir? — gritava Ulrick, respirando fundo depois de se esconderem no interior de uma caverna aparentemente estreita, porém larga por dentro. — Estamos cercados!

— Cale essa boca, homem! Nunca fui derrotado antes e nunca serei! — respondeu Lothar, decidido a não ficar muito tempo naquele local e disposto a sair com vida. Em suas mãos, havia a espada que o acompanhou em inúmeras batalhas ocorridas no passado. A mesma arma, mais resistente que muitas outras fabricadas e distribuídas pelo reino. — Jamais duvide de minha força e capacidade.

As feras gritavam do lado de fora. Os berros eram ensurdecedores. Corajosamente, Lothar e Ulrick espionaram a passagem para se certificarem de que era possível sair. Aguardaram até que se afastassem um pouco e pudessem deixar a caverna sem serem queimados. Enfrentariam os monstros como verdadeiros homens e guerreiros, preferindo correr o risco de morrer lutando ao agirem como covardes.

O clima das montanhas era frio e fazia os ossos doerem, mas a chama dos dragões e serpes aquecia todo o local, fazendo todos se sentirem em uma época próxima à do verão. Os períodos quentes de Hastryn eram os mais sofridos, pois os raios solares, quando muito fortes, poderiam trazer doenças às pessoas. Quando o outono se iniciava, toda a população comemorava por ter sobrevivido a mais um verão do ano.

Os dois saíram e as feras tornaram a gritar ao perceberem a fuga. A serpe gigante que tinha deixado de patrulhar a entrada da caverna os seguia, enquanto corriam sem olhar para trás. Escudos eram erguidos para repelir as chamas do animal. As espadas em mãos eram as únicas armas capazes de garantir a sobrevivência dos homens. 

A serpe se assemelhava aos dragões gigantes, mas possuíam apenas duas patas e as asas pareciam com as de morcegos. Eram vermelhas e seus olhos mostravam a energia que emanava das chamas quando a cuspiam. Tinha chifres que se estendiam para trás sobre o pescoço e uma cauda farpada. Aquela era a mãe de filhotes que acabaram de nascer de seus respectivos ovos e faria de tudo para protegê-los de qualquer criatura estranha que se aproximasse.

Uma poderosa rajada de fogo foi lançada e os dois conseguiram desviar, parando encostados em pilastras nos momentos certos. A vestimenta de Lothar foi atingida pelo fogo e, desesperado, o rei tentava apagá-lo.

Depois de muito esforço, conseguiu.

Ulrick ergueu o arco e lançou uma flecha que atingiu diretamente o pescoço do animal, fazendo-o gritar e desviar os olhos para a direção de onde aquilo veio. Lothar correu atrás da serpe enquanto o amigo servia de distração e preparava mais um lançamento.

Quando surgiu a oportunidade perfeita, Lothar cravou a ponta da lâmina em seu pescoço, repetindo o gesto inúmeras vezes até que o monstro finalmente se encontrasse morto aos seus pés.

...

Ulrick Yorkan estava em seu escritório, onde os dois conversavam sobre as atuais situações do reino e as petições feitas pelo povo. Saboreavam em alta dose o vinho servido pelas criadas. Lothar sentia prazer em ingerir aquela bebida e poder passar a vida inteira fazendo isso. O vinho era seu melhor companheiro, sendo capaz de aliviá-lo das tristezas e dos problemas que envolviam o passado e o presente. Não duvidava e muito menos discordava de suas ideias e objetivos, ouvindo calado. Além disso, tinha um delicioso e incomparável sabor.

— Katherine gosta de me provocar... — desabafou, ainda irritado com a atitude insolente da esposa em confrontá-lo no modo como tratava os filhos e, em seguida, partir para visitar a enteada sem que o marido soubesse. Tomou um gole e respirou fundo, tornando a falar. — Essa mulher parece não ter apreço à própria vida. Não tem medo de ser morta.

— Realmente não. A rainha sabe que, no fundo, seu marido não conseguiria matá-la. O senhor pode até não assumir, mas nutre um forte sentimento por sua esposa.

Lothar ficou em silêncio por alguns segundos. Ulrick parecia um oráculo, mostrando mais uma vez conhecer seu rei melhor do que o próprio. Katherine Wildshade era o único ser humano que Lothar conseguiu amar após Lucy. Mesmo com esse sentimento, acreditava que estava traindo a memória de sua primeira mulher, mas precisava de um novo casamento para dar continuidade ao nome da família. E a melhor maneira de um casamento ser feito era através do amor. Entretanto, nem mesmo isso parecia impedir aquela relação de se tornar uma ruína, pois as brigas se intensificavam mais a cada dia.

— É uma verdadeira ingrata! Deveria valorizar a chance que teve de casar com alguém assim. Muitas outras estariam desesperadas e fariam qualquer coisa para terem a coroa de Arroway colocada sobre suas cabeças.

— Katherine é uma mulher que faz de tudo pelos seus filhos, inclusive correr riscos. Está apenas preocupada com a maneira na qual Cedric e Daevon crescerão.

— Está dizendo que não consigo educar meus próprios filhos? — Lothar levantou a voz, pronto para atacar o genro se este utilizasse palavras que fossem ofensivas ou irritantes a seus ouvidos.

— Não, senhor... Estou apenas tentando compreender os dois lados e evitar possíveis desentendimentos.

— Não há o que ser compreendido. Apenas tenha em sua consciência de que estou correto. Pensei que já houvesse aprendido isso em todo o período no qual acompanhou minha trajetória como rei.

Ulrick se calou, demonstrando não concordar com o pensamento do amigo, mas tinha medo de falar mais algo que enfurecesse seu soberano. Era um homem respeitoso, sabendo qual era sua posição diante de Lothar e quando deveria ficar em silêncio.

— Já que estamos discutindo sobre isso... Como está minha filha? — Lothar se viu perguntando de repente, ficando surpreso com a própria atitude. Desde o casamento de Charlotte com Ulrick, algo em todos os dias se arrependia de ter pensado em fazer, sabia que tinha perdido para sempre uma chance de aproximação. Sentia uma grande preocupação pela princesa, mas não demonstrava para ninguém. Evitava procurá-la também, temendo sua reação quando o visse. O desejo de Lothar era que a filha nunca deixasse de morar no castelo, mas sua distância a afastava de todo o estresse que envolvia a política e as fofocas daqueles que os circundavam.

— Bem. — O homem respondeu de forma bastante insegura e o rei percebeu. Lothar engoliu em seco, tentando imaginar o estado da filha após o isolamento. Charlotte também deixou de trabalhar nas enfermarias e o pai decidiu não perguntar o motivo. Além de tudo, Charlie ainda não trouxera nenhum filho ao mundo, o que seria uma situação extremamente assustadora para os Wildshade se não existissem os herdeiros masculinos. Lothar pensava que talvez fosse algo relacionado a isso. — Ficou mais alegre e animada com a visita surpresa da rainha. Desde então, parece outra pessoa.

— Katherine sabe como deixar alguém feliz, mesmo que por pouco tempo.

Era um dom forte. Por mais que a mulher ousasse desafiá-lo sempre, Lothar não conseguia criar forças para matar ou torturar alguém tão apaixonante, como faria com qualquer outro ser humano na face hastryniana. Sua beleza apenas aumentava conforme o passar dos anos, de modo que ainda tinha o mesmo rosto jovem de quando era apenas a moça perdida de quinze anos que chegou amedrontada ao castelo.

Apesar disso, Katherine nunca aparentou odiar o rei pela questão que envolvia o guerreiro Gregory, demonstrando entender que o pai realmente havia se tornado um traidor e sido executado como tal. Isso facilitava a interação entre os dois e a jovem ganhou pontos positivos com o marido. Lothar a considerava a mais leal das mulheres que poderia ter, pois lealdade era algo difícil de encontrar naquelas épocas.

Despachou Ulrick para casa e seguiu pelos corredores do andar em direção ao acesso à sala do trono. Espiou os terrenos por uma das janelas, cuja vista era direta para os campos de treinamento. Viu-se de súbito pensando no passado, quando era uma daquelas pequenas crianças brincando nos pátios e correndo com os outros companheiros de equipe, aprendendo como lutar e reagir nos eventos futuros. Naqueles dias, esse papel era ocupado por Cedric e Daevon. 

Espionou os filhos sem ser notado, ficando escondido atrás de um poste grande de pedra enquanto observava o desenrolar das atividades. Os dois irmãos tinham uma relação de amor e ódio. Em algumas horas, batiam um no outro como inimigos mortais e em seguida estavam abraçados e fazendo pedidos de desculpa. Normalmente Daevon era o que tomava iniciativa para tal gesto. Lothar não gostava da maneira como o filho era bondoso com os outros, pois sabia que futuramente pagaria por isso e sofreria as consequências. Cedric era frio e, na opinião do pai, frieza era algo necessário naquele mundo.

Katherine estava em um dos assentos, assistindo enquanto as crianças se esforçavam para impressioná-la e mostrar seus talentos. Cedric seria um guerreiro nato. A preocupação de Lothar era com Daevon, que não mostrava progresso e detestava os treinamentos.

Seus olhos encontraram os do rei. Ao perceber a presença do marido, se levantou disfarçadamente e caminhou até o homem. Tinha um olhar de fúria.

— Por que essa cara? — Provocou. — Algum demônio invadiu sua cama nessa noite?

— Não, eu a divido todos os dias com um.

Lothar cerrou os punhos e respirou fundo, tentando se manter calmo.

— O que faz aqui? Veio atormentar nosso filho outra vez?

— Pareço estar fazendo isso? Preciso conferir o desempenho dessas crianças quando tenho tempo. Não tente me impedir, senão será punida severamente.

— Como pode perceber, estão se divertindo sem sua presença e estão indo bem. Daevon não se sente seguro em realizar atividades mais violentas e muito menos em sua presença. Por que é tão cruel?

— Você nunca entenderá! Não sabe como é ser visto como um covarde e realmente se sentir como um. De que modo Daevon lidará com essas pessoas no futuro quando não souber manejar uma espada e derrotar seus inimigos? Será tratado como um ninguém, assim como muitos hoje são. Nosso filho tem potencial pra ser o maior herdeiro que Arroway já teve!

— Deve aceitar seu filho do jeito que é, sem querer mudá-lo ou forçá-lo a fazer coisas que não são de sua vontade. Cedric já é o filho que tanto deseja. Por que obrigar Daevon a seguir o mesmo caminho?

Não perceberam que as atividades se encerraram e os gêmeos ouviram parte da discussão. Ambos se aproximaram dos pais, para impedir que houvesse uma catástrofe maior envolvendo os dois. O casal se calou.

— Vamos, queridos. — disse a mãe, se apressando a tirá-los dali. — Precisam se limpar. Estão imundos.

Antes que se retirassem do local, Lothar se impôs.

— Cedric, fique aqui.

Katherine, para evitar brigas na frente dos pequenos, colocou a mão direita sobre o ombro esquerdo de Daevon e fez um gesto para que continuassem sozinhos o trajeto. Foram para o lado de dentro do castelo, para que o menino tomasse um banho.

Lothar e Cedric caminharam por aqueles campos, em um momento exclusivo de pai e filho. De todos os três que possuía, era o único com quem tinha uma boa afinidade e identificação. Sentia-se mal por não ser próximo dos outros dois.

— Papai, posso fazer uma pergunta? — Quando Lothar permitiu, o garoto continuou. — Por que briga tanto com a mamãe? Não seria melhor se isso não acontecesse?

— Às vezes coisas ocorrem sem nossa vontade, criança. Um dia entenderá isso. Por enquanto, quero que tenha a consciência de que está no caminho certo para se tornar um bom homem no futuro. Daevon deveria seguir seus passos.

— Sim, mas ele não sabe lutar.

— Qualquer um pode aprender quando se dedica. — O rei afirmava, relembrando um pouco do passado. Era uma criança extremamente parecida com o filho menor, sentindo medo em tocar na espada para iniciar um duelo. Todavia, cresceu e dominou a prática, tornando-se um lutador reconhecido por todos. Desejava a mesma glória ao pequeno, sem saber o melhor método de mostrar isso. — Não aceito essa fuga da realidade. Quando um inimigo surgir à sua frente, meu filho, não tenha pena de cortar sua cabeça ou lançar uma lâmina em seus olhos, pois ele não pensará duas vezes antes de fazer isso com você.

— Protegerei meu irmão até que ele descubra sua força.

— Essa é uma ótima atitude, rapazinho. Observo que está seguindo bem o que lhe ensino. Nunca deixe que as asneiras ditas pela sua mãe interfiram em sua função como meu sucessor, certo?

— Certo!

Lothar sorriu.

Ambos continuaram andando até chegarem aos bosques, onde o pai passou muitas horas ao lado do garoto. Era uma companhia prazerosa, alguém que se empolgava em saber mais e mais histórias sobre sua vida. E Lothar não via problemas em compartilhá-las, já que este também teria as suas em algum momento.


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Notas finais do capítulo

Estou ansioso pelo próximo capítulo! E vocês?
Terá algo novo, que ninguém foi capaz de imaginar até agora :)



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