Hastryn: Ascensão escrita por Dreamy Boy


Capítulo 2
I - A Filha Esperançosa


Notas iniciais do capítulo

Idades:
Gregory: 39 anos.
Katherine: 15 anos.
Evelyn: 15 anos.
Lothar: 33 anos.
Charlotte: 12 anos.
Arthur: Não-Informado.
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Meu nome é Katherine.
Tenho uma irmã gêmea. Fazemos parte de uma população quase que invisível.
Não somos princesas e nem descendentes de famílias nobres. Mas também temos uma história. Uma história que acreditamos ser grandiosa.
Uma história que vale a pena ser compartilhada.



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Hastryn: Ascensão (Parte I) - Doze Anos Depois...

Katherine

Durante a última década, Arroway foi se tornando um verdadeiro reino de caos. Nas mãos do Rei Lothar, ficava cada vez mais violento, diferente do período de governo de seu pai, que era considerado um bom monarca. Phillip era conhecido por ser generoso, dedicado, leal e, acima de tudo, extremamente preocupado com a questão dos cidadãos do norte. Fazia o possível para melhorar as suas vidas, mas seu filho era o oposto disso. Lothar Wildshade era imensamente bárbaro e cruel.

As irmãs gêmeas Katherine e Evelyn tinham o costume de ouvir o pai contar histórias sobre aquele rei, relatando que nem sempre fora um homem mau, mas um fato marcara para sempre sua vida e o enlouquecera, tirando completamente o juízo que lhe restava. Desde então, passou a não dar a devida importância às necessidades da sociedade nortenha e muito menos às de Charlotte, a única filha e herdeira. As meninas tinham apenas três anos quando a princesa nasceu, portanto, não chegaram a conhecer o lado bondoso de Lothar. Passados doze anos desde então, agora tinham quinze.

A família Muirden residia em um vilarejo situado na costa norte da fortaleza, próximo aos mares, em terras um pouco distantes do palácio real. Uma área reservada exclusivamente para aqueles que não possuíam condições financeiras suficientes para comprar ou alugar um abrigo na zona urbana e comercial de Arroway, onde existiam melhores chances de trabalho, sustento e sobrevivência. A população era grande, e as desigualdades entre as pessoas também.

Gregory, que sempre sonhou em uma vida melhor para si e as amadas filhas, arriscava-se anualmente ao se inscrever para o torneio sangrento organizado pelo próprio rei, feito nas arenas colossais construídas pelos antigos governantes. Torneios de espada, machados e outros tipos de armas, nos quais inúmeros guerreiros batalhavam até a morte em diferentes partidas até que somente um vencesse a competição. Nos três anos em que houve o torneio, o nome de Gregory nunca havia sido selecionado, mas o homem era insistente e sempre voltava a registrá-lo no ano seguinte.

Desta vez, porém, o resultado foi diferente, pois finalmente tinha sido convocado a participar. O pai era tudo o que restava da família das gêmeas, principalmente após a morte da querida mãe que as criou com muito amor. Por conta disso, Katherine sempre abominou qualquer tipo de violência e detestava essas competições. Para ela, vidas não deveriam ser desperdiçadas de forma rude, para somente diversão daqueles sanguinários e bárbaros homens que berravam, cuspiam e gargalhavam com cabeças arrancadas, corações perfurados e gargantas degoladas. Era revoltante a situação em que o pai se envolvia, cogitando a própria morte em busca de um futuro melhor para os três.

— Papai, o senhor não deveria ter feito isso! — disse a gêmea caçula, diante da descoberta. Sempre que o nome de Gregory não aparecia na seleção, Katherine agradecia aos deuses e pedia para que fizessem o pai desistir daquela insanidade. — O que acontecerá conosco caso não volte vivo para casa?

— Kath... — O pai beijou a testa da filha, abraçando-a em seguida. — Se há uma coisa que aprendi nessa vida, é que devemos ser confiantes de que a vitória será nossa. Tenho treinado muito por bastante tempo e agora tenho a oportunidade de mostrar minhas capacidades. Precisamos ter fé de que conseguiremos.

— Mas o senhor corre perigo e não podemos perdê-lo!

— No mundo em que vivemos, aquele que é corajoso será lembrado como tal. Pessoas como nós nunca podem ter medo desses desafios e um dia você entenderá isso. Rezo aos deuses para que vocês tenham uma vida muitíssimo melhor do que a minha, e preciso trabalhar para que esse sonho seja realizado.

Era uma decisão já tomada. Não existia absolutamente nada que Katherine pudesse fazer para impedi-la, mesmo que não se importasse com nada daquilo e quisesse apenas viver junto do pai até morrer. O nome de Gregory já estava assinado e rezar era a única solução que restava à jovem. Portanto, diariamente se sentava com a irmã e, antes do início de uma luta, ambas pediam aos deuses para terem piedade do homem e o deixassem vivo até o fim.

Admiradoras de sua coragem, as moças estavam sempre presentes em todos os duelos ocorridos, oferecendo apoio e força, sem permitir que o pavor fosse maior que a chama da esperança acesa em seus corações.

A resistência de Greg era imensa. Prova disso foi a sua vitória em todas as batalhas nas quais participou, escapando por pouco da morte em algumas. A cada adversário caído aos pés do guerreiro, o homem fazia uma reza pedindo para que sua alma fosse salva e purificada. Uma tradição que era mantida por poucos, ao contrário dos outros oponentes, que matavam lentamente e esbanjavam alegria diante de corpos esquartejados e sangue escorrendo de suas espadas.

...

O dia da grande final aguardada por todos finalmente chegou.

Katherine e Evelyn, assim como a população que acompanhava as lutas a todo vapor, estavam tomadas de profunda ansiedade e emoção. As irmãs andavam de mãos dadas em meio à multidão para não se perderem entre as pessoas que se juntavam ao redor.

Havia uma desordem total no acesso para a entrada. Um aglomerado de cidadãos pertencentes a todos os tipos de classes sociais e econômicas se reunia, indo em direção aos assentos de pedra que circundavam o largo campo onde seria feita a atividade. As gêmeas tomavam cuidado para não serem derrubadas ou até mesmo pisoteadas, pois os espectadores apressados empurravam uns aos outros para abrirem passagem.

Seguravam as saias de seus respectivos vestidos enquanto subiam degrau por degrau de uma larga escadaria à procura de espaços vazios nos assentos. As pessoas se espremiam para que todos coubessem naqueles espaços e evitassem brigas.

— Ali é ideal. — Evelyn sussurrou, segurando firmemente a mão de Kath, puxando-a para perto de si e passando por alguns que já se encontravam sentados e protestavam, reclamando da demora. — Não sei como essas pessoas gostam tanto de locais assim.

— Confesso que também não. — Ela respondeu, no mesmo tom, para que os outros não ouvissem os comentários que estava prestes a dizer. — São uns malucos e desocupados, mas não devemos expor a nossa opinião em voz alta, pois poderemos sofrer sérias consequências.

— É verdade. — Evelyn falou, direcionando seu olhar ao centro, onde duas figuras distantes e minúsculas aos seus olhos se posicionavam uma de frente para a outra. As gêmeas reconheceram o pai, vestindo uma armadura enferrujada e antiga que um dia fora de prata brilhante. O manto e a pena do elmo tinham uma tonalidade escura de azul. Katherine se orgulhava ao observar a postura do guerreiro, demonstrando força e potência.

— Gregory Muirden! — gritou o guarda responsável por iniciar a atividade. Com o chamado, grande parte da população próxima às irmãs aplaudiu e gritou seu nome, asseverando apoio e favorecimento. Vibrante, Kath sorriu, estando certa de que o pai estava feliz naquele instante, sentindo-se mais seguro de que venceria mais um embate. Greg fez uma reverência ao povo em um gesto de agradecimento.

— Arthur Hulwing! — O oponente era conhecido por sua agressividade e brutalidade durante os combates armados, o que era uma personalidade completamente antagônica à de Greg. Alto, corpulento e de armadura dourada com detalhes avermelhados. Ouvindo seu nome, o corpo da jovem tremeu e os pelos de seus braços se eriçaram. Com os aplausos, era perceptível que a torcida por Hulwing era inferior que a de Muirden, porém, isso não a deixou encorajada.

— Evelyn, tenho muito medo. E se o papai não conseguir sobreviver a esse monstro? — Suas palavras desesperadoras foram ditas sem controle e em alto tom, sem se importar com quem as ouvisse. — Sabemos o que Arthur faz quando está irritado.

— Kath, siga o conselho que têm me oferecido quando estou precisando ser otimista e acreditar mais nas costas. Tenha fé! Ele sobreviveu até aqui e vai retornar forte para nós duas.

Naquele momento, Katherine não sabia mais o que era ter fé. Estava tomada por um intenso pessimismo, que nem mesmo ela era capaz de compreender. Talvez fossem apenas os pensamentos negativos que se passavam pela sua mente ao imaginar um mundo sem Gregory.

Com a perda da mãe, sentiu um imenso pedaço de seu coração sendo arrancado à força. Ainda que continuasse sendo criada com muito amor, ninguém havia preenchido aquele vazio que se formou. Beatrice era única na arte de contar historias e fazer desenhos para as pequenas filhas. A mulher tinha um tom doce de voz, sempre cantando músicas de ninar que as faziam adormecer rapidamente em dias difíceis, como os de chuva. Kath demorou a superar o medo do escuro, enquanto Evelyn se tornou uma moça retraída e com dificuldades para demonstrar sentimentos.

— Irmã, posso segurar a sua mão quando começar?

A mais velha direcionou um olhar de comoção a ela, tomando a iniciativa de segurá-la, no instante em que o alto som de uma trompa silenciou a todos e chamou a atenção para os finalistas. A bandeira negra com a insígnia de Arroway estampada em seu tecido foi balançada e o embate se iniciou.

Os oponentes se afastaram e caminharam em direções opostas, cada um se preparando à sua maneira e planejando seus golpes. A platéia começou a berrar. Katherine os encarou com o olhar, localizando Lothar Wildshade a uma grande distância de onde a jovem ficou. O rei estava sobre um trono de pedra colocado propositalmente para ele, com uma taça repleta de vinho em mãos. Ingeria rapidamente o líquido, obrigando o criado a servir mais em todas as vezes nas quais o recipiente era esvaziado. Ela tremeu de ódio ao observar aquela cena, relembrando as histórias que o envolviam e eram contadas desde garotinha.  Tinha muitos motivos para odiá-lo.

“Deplorável! Esse inferno precisa chegar ao fim logo. Lothar não é alguém competente para governar esse reino tão grande. Que os deuses queiram que sua vida não se prolongue por muito tempo... Por culpa desse desgraçado, muitos inocentes foram mortos e outros ainda serão. Por favor, que meu pai não seja um desses.”

Arthur foi o primeiro a atacar, aproximando-se e desferindo um golpe com sua longa e extensa espada na direção de Gregory, que desviou ligeiramente e, evitando um próximo, atacou o mais novo com o cotovelo e o derrubou a certa distância. Brandiu a espada e caminhou para matá-lo, mas este foi mais rápido e girou o corpo para a lateral, distanciando-se o suficiente para que recuperasse o equilíbrio.

Voltando a ficar de pé, correu e foi alcançado. Muirden atacava com muita rapidez e sem deixar que o inimigo tivesse chance de defesa, evitando o surgimento de novos ataques. Um destes movimentos acertou de raspão o ombro de Hulwing e abriu um corte nessa região. O rapaz grunhiu, mas não demorou a recuperar as energias.

As lâminas se chocavam.

Os reflexos eram vertiginosos conforme o prolongar da dança. O rapaz, após várias tentativas falhadas, teve sua oportunidade de derrubar o pai de Katherine com uma rasteira. Quando isso ocorreu, as irmãs se levantaram e Evelyn gritou o mais alto que pôde:

— Papai, resista! Acreditamos em você!

— Estão nos atrapalhando, suas ratinhas! Saiam da frente! — berrou uma senhora de idade localizada nos assentos detrás, utilizando uma bengala para acertá-las nas costas. Decidindo não causar mais problemas, ignoraram a idosa e voltaram a se sentar.

Muirden gritou quando foi acertado e Katherine fechou os olhos, preferindo não ver o restante daquela cena. Sua intuição poderia estar correta e, a partir daquele dia, passariam a ser órfãs. Apoiou a cabeça no ombro da irmã e chorou.

— Ele está reagindo! — Evelyn não desistiria facilmente. — Está lutando por nós!

Parou de chorar, voltando a se concentrar na arena.

Cambaleante, Greg ficou de pé e a dança continuou. A plateia vibrava de diversão e os torcedores selvagens batiam uns nos outros de punhos fechados, comemorando o desenrolar da luta. O suor destes tornava o ambiente abafado e com péssimo odor, fazendo Kath prender a respiração para não vomitar.

Greg começava a ficar fraco e mancava ao andar. Seus gestos foram ficando um pouco mais lentos e fracos, enquanto o adversário se defendia e preparava o bote, como uma cobra aguardando a hora correta para engolir a presa.

Hulwing se esquivou de mais uma investida, em seguida acertando o mais velho nas costas. A dor que Greg sentiu era imensa e seu corpo caiu sem reação sobre o solo quente. Em posição pronta, Arthur aguardou que este voltasse a lutar, mas isso não ocorreu. Portanto, concluiu que seu ataque fora fatal para o homem.

Em comemoração a isso, o finalista se virou aos torcedores, que bateram palmas e disseram seu nome. Retirou o elmo, mostrando um grande sorriso, saltitando e erguendo as mãos com as armas em punho, sentindo orgulho de ter tirado mais uma vida. Chorando, Katherine tremia compulsivamente, sendo tomada por uma mistura de sentimentos ruins perante todos. Raiva, ódio, desprezo. Juntas, essas sensações a tornavam capaz de assassinar um homem caso a chance surgisse.

Subitamente, as vozes cessaram e um silêncio preencheu todo o local. As anteriormente alegres e empolgadas expressões deram lugar a assustadas, preocupadas, pois foi descoberto que a batalha ainda não havia chegado ao fim. Paralisada, Kath secou os olhos e percebeu que ainda não deveria lamentar.

Quando o guerreiro se virou para trás, era tarde demais. Com um sorriso triunfante e, ao mesmo tempo, aliviado, ela viu o pai usar suas últimas forças para levantar a espada e decepar a cabeça do suposto vencedor, separando-a de seu corpo, garantindo a sua conquista na acirrada competição.

...

Elas o auxiliaram a se dirigir às enfermarias quando os cidadãos saíram de seu caminho e permitiram o acesso até o centro da arena. Katherine e Evelyn desceram as escadas com pressa e cada uma segurou o pai em um lado diferente. Tiveram a ajuda de dois seguranças que indicaram o trajeto mais curto até o local desejado.

As enfermeiras estancaram seus ferimentos e o paciente permaneceu adormecido por horas. As filhas aguardaram até que este despertasse, para que pudessem conversar em paz e decidir como seria a vida dos três dali para frente.

— Eu disse que juntos conseguiríamos... — Katherine ouviu o pai dizer enquanto observava, através das janelas, coelhos correndo uns atrás dos outros pelas áreas arborizadas. Uma vista extremamente calma depois de um dia extremamente tenebroso. — Prometi que voltaria vivo para vocês, não é?

— Acontece que isso não era algo que dependia somente do senhor! — Evelyn protestou, enfim expondo o seu verdadeiro posicionamento diante daquela situação difícil. Kath acreditava que a irmã ainda não havia se pronunciado antes para não piorar um momento que era horrível para os Muirden. — Ficamos preocupadas e aterrorizadas. Mesmo que agora consigamos prêmios e mais prêmios, jamais deveria ter se arriscado e se inscrito naquele torneio desgraçado!

— Sei que corri grande perigo, mas não foi um gesto impensado. — Greg levou a mão direita aos cabelos da filha e em seguida enxugou suas lágrimas. — Muitos pais se arriscam para garantir condições melhores a seus filhos. Por que comigo deveria ser diferente? Que tipo de pai eu seria? Quero que saiba que fiz tudo por vocês, minhas princesas, e agora seremos recompensados por isso.

— Não podíamos perdê-lo por nada nesse mundo!

Kath permanecia inerte, relembrando os sorrisos cruéis do rei ao assistir à cena da batalha. Jamais havia visto Lothar com tanto foco como naquele dia. Era uma visão capaz de lhe causar arrepios e trazer pesadelos à noite. Desejava nunca cruzar o caminho daquele monstro, como afirmaram os boatos. Katherine não sabia se as histórias eram verídicas, mas temia qualquer aproximação do homem.

Olhou para a família com carinho. Mesmo com a sobrevivência do pai, não conseguia se sentir feliz e satisfeita. Tinha medo do que viria pela frente, pensando que Gregory poderia sofrer como talvez aquela mulher tenha sofrido, pois, com toda a certeza, estaria mais próximo de Lothar desde aquela vitória. O prêmio daquele torneio era, por causa das grandes habilidades de um guerreiro mostradas em batalha, tornar o vencedor um membro legítimo da Segurança do Rei.


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Notas finais do capítulo

Vcs gostaram? Quero a sincera opinião :3