E quem não gostaria? escrita por Sophia Snape


Capítulo 1
A apresentação


Notas iniciais do capítulo

Pra você, Amanda!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/578945/chapter/1

– Professor Snape. – cumprimentou a jovem, esforçando-se ao máximo para não sorrir.

O homem, contudo, limitou sua resposta a um levantar de sobrancelhas.

– Já que não há maneiras de evitar tamanho desconforto, imagino que queira começar de uma vez, Granger. – sua voz ecoou pelas paredes de pedra até os ouvidos de Hermione, fazendo-a pensar se algum dia ele perderia o tom. – Granger, a guerra a deixou surda por acaso? Comece! – ‘Pelo visto não’, pensou ela, suspirando.

Algo no modo como ela reunia os pergaminhos e os organizava sobre a mesa também teve algum impacto sobre a mente de Severo. O simples fato de preparar a apresentação era motivo de uma total compenetração, que o mestre de poções teve que perguntar internamente se algum dia ela perderia a pose de sabe-tudo.

– Estou pronta, senhor. – falou ela, tentando não transparecer o nervosismo.

A voz de Snape era ainda mais cortante quando respondeu.

– Estou esperando isso há eras, Senhorita. Comece.

E assim ela o fez. Muito timidamente no início, apreensiva e receosa, mas ainda assim, firme em seu propósito. A expressão dele era impassível; nem o tão habitual levantar de sobrancelhas aconteceu enquanto ela falava. Então, em algum momento, a jovem decidiu que pior não poderia ficar, e sem se preocupar falou com paixão sobre a teoria que vinha desenvolvendo há meses.

Quatro anos haviam se passado desde a Batalha Final, e Hermione acabou surpreendendo a todos ao mudar o rumo de seus estudos para dedicar-se à Poções. Seus projetos no Ministério foram mantidos, mas ela percebeu que o burocratismo político não era algo que a agradava; ela poderia aguentar um pouco ao definir novas propostas para os seus programas, mas definitivamente odiaria ter que conviver com tanta enrolação mais que uma hora por dia.

E apesar do medo de mudar tudo que, até então, parecia tão certo, Hermione Granger quis arriscar. Mesmo depois dos estudos já findados, ela decidiu voltar e se dedicar ao ramo que já a havia conquistado nos tempos de escola. O aroma das poções, o borbulhar das misturas improváveis, o resultado quase milagroso de cada uma delas... Tudo era instigante, com exceção apenas do professor. Sim, detestável na opinião da bruxa. Um herói de guerra? Ela não iria tão longe. Arrogante? Ela não se limitaria com um eufemismo. Brilhante? Sim, infelizmente ele era e não havia nada que se pudesse fazer quanto isso.

– Portanto, senhor, se alterarmos o material do caldeirão a poção só ferverá quando a Acônito estiver quase no ponto. Eu fiz algumas análises e, nos caldeirões convencionais, passa da medida ideal. Isso porque os demais ingredientes precisam de mais tempo em fogo alto. – e com movimentos rápidos, ela separou dois pergaminhos e deu a volta na bancada, de modo a ficar do lado do professor – Aqui, veja! É uma planta muito, muito sensível, e ela não pode ficar tanto tempo cozinhando; tampouco pode ser cozida separadamente. Então, comecei a pensar na propriedade dos caldeirões e cheguei à conclusão de que, se trocado o material, pode dar certo.

– E como explica a proporcionalidade do cozimento, Granger? – perguntou ele, levemente curioso – O problema persiste, não? A diferença é que os outros ingredientes irão demorar mais tempo para estarem no ponto...

– Sim, sim, pensei nisso. – interrompeu ela, não percebendo o olhar irritado dele – Se pegarmos um caldeirão de estanho, por exemplo, a lentidão no processor de fervura fará com que todos os ingredientes alcancem seu estado ideal para solução de maneira muito igual. A diferença, de acordo com meus cálculos, será tão pequena que poderá ser facilmente descartada. – concluiu, com os olhos vibrando em expectativa.

– E com isso... – instigou ele.

– Com isso aproveitaremos mais as propriedades da planta, que é o ingrediente principal. E se a aproveitarmos mais, os efeitos serão mais intensos e duradouros para quem for tomá-la.

‘Merlin, é brilhante! E pode dar certo.’, pensou ele. Mas seu comentário não chegou nem perto do que ele realmente achava.

– Sua teoria é... aceitável. – e nesse momento Hermione lembrou-se de que podia respirar – Contudo, Granger, devo perguntar porque escolheu desenvolver sua pesquisa aqui. Existem outros mestres, caso não saiba.

– Eu sei, senhor. Mas é que todos pareciam estar mais interessados no fato de eu ser amiga do Harry e fazer parte do Trio de Ouro. E, bem... o senhor jamais diria que alguma coisa é aceitável se não fosse verdade. – a última frase saiu tão sussurrada que ele questionou se realmente tinha escutado aquilo, mas antes de pensar sobre isso a jovem bruxa continuou – De qualquer maneira, eu não imaginei que o senhor pudesse aceitar. Mas... – hesitou.

– Mas... –

– A professora McGonalgall...

– Sim, claro, Minerva tinha que estar metida nisso. – cortou bruscamente, massageando as têmporas. - Devo admitir que a teoria pode funcionar, mas se quiser realmente trabalhar aqui terá que fazer o que eu disser sem pestanejar. – ‘De volta aos tempos de escola’, ela pensou.

– Sim, claro! Eu prometo. – ela respondeu, sem saber ao certo o limite dessa obediência.

– Dentro deste laboratório, sou seu mentor. E faremos as coisas do meu jeito. Ficaremos de oito até o meio dia trabalhando na poção, parando apenas para almoçar. E depois retornaremos e ficaremos até as seis da tarde. Será um ritmo intenso, Granger, mas não quero prolongar muito essa pesquisa. E em nenhuma hipótese deverá vir aqui fora dos horários estabelecidos. – ele pontuava tão entusiasticamente suas condições que Hermione pensou que a qualquer momento ele as desenharia no quadro – Fui claro?

– Mais do que isso seria impossível, senhor. – e foi mais forte que ela fazer um comentário atravessado sobre a postura superior dele. Mas o que poderia ser feito? O homem estava ainda mais insuportável.

– Respostas assim não serão toleradas, menina irritante. – sibilou ele, fazendo Hermione repensar se tudo aquilo era realmente uma boa ideia. Mas o ódio quando ele mencionou ‘menina irritante’ cresceu dentro dela, e tudo o que a bruxa queria naquele momento era provar que a irritante sabe-tudo havia ficado para trás e que, definitivamente, ela não tinha mais nada de menina.

– Quando começamos? – perguntou ela, vestindo sua melhor pose de indiferença.

– Amanhã. – respondeu laconicamente – Esteja aqui as oito em ponto. Atrasos não serão tolerados. Se eu tiver que esperá-la por três minutos além do combinado, esqueça.

A vontade de Hermione era de azarar o homem! De dizer o quão grosseiro ele era e desferir socos em cada adjetivo, pontuando-os. Mas ela conteve-se com a realidade dos fatos – de que ele era insuportável mesmo – e com um assentimento mudo saiu a passos largos do laboratório.

Apesar das circunstancias, Hermione estava feliz de estar de volta à Hogwarts. Era sua verdadeira casa no mundo bruxo, o único lugar em que ela se sentia totalmente à vontade depois da casa dos pais. A jovem estava feliz por saber que poderia mergulhar em seus livros novamente, testando cada uma de suas teorias. É como se as coisas começassem a fazer sentido.

Há poucos meses ela se pegou pensando sobre onde estava indo sua vida. Apesar de muito prestigiada em seus feitos, era como se tudo estivesse no piloto automático. E Hermione Granger não agia assim. Sua vivacidade era o que a definia – tanto para o bem quanto para o mau. Era assim desde que ela se entendia por gente – bruxa ou trouxa.

E enquanto discorria sobre sua teoria, mesmo que sob o olhar assombroso de Snape, Hermione estava feliz. Como há muito tempo não se sentia, na verdade. A pressão pós-guerra fez com que todos vivessem sob constante estado de felicidade, como se derrotar Voldemort fosse o bastante para um estado de alegria eterna. Não era assim. Chega a hora que as pessoas precisam encontrar seus caminhos de volta, e assim todos fizeram. Harry e Gina recém casados; Rony entrando para um time de Quadribol; Luna sendo Luna, só que aumentando suas fronteiras em busca de coisas mais exóticas; Molly sendo a mãe calorosa de sempre; Minerva como diretora (merecidamente); enfim, todos estavam alcançando alguma coisa. Mas Hermione estava, e talvez isso soe absurdo para alguém sempre decidida como ela, perdida.

Mas trabalhar com Snape a fazia sentir-se Hermione de novo. Ele a irritava, sim, mas também a desafiava. E ela adorava isso. Trabalhar com ele era deliciosamente frustrante, e Hermione gostava cada vez mais do tempo que passava naquela sala.

***

– Não vai dar certo se fizer assim.

– Mas se fizermos do jeito tradicional não será inovador. – replicou ela, inspirando para dar uma resposta gentil.

– Algumas coisas existem até hoje porque funcionam, Granger. – ‘Assim como seu método medieval de se vestir?!’, pensou ela, irritada. – Por mais que a senhorita tenha derrotado o Lorde das Trevas e, portanto, possa ser considerada uma bruxa poderosa, ainda não é capaz de me matar pelo olhar. Portanto, sugiro que concentre toda essa energia na poção que, em poucos minutos, vai dar errado. – e com o sorriso sarcástico de sempre e a leveza habitual de movimentos, ele caminhou até a outra bancada, fazendo Hermione se desconcentrar momentaneamente da poção a sua frente.

Em poucos segundos de contato com a planta e a pele de Hermione já apresentava várias queimaduras. Mas foi a respiração ofegante que chamou a atenção de Severo, que rapidamente já estava envolvendo a bruxa com seu braço e conduzindo-a para uma cadeira.

– Droga, Granger! O que você fez? – sua voz soava diferente, assustada talvez. Mas Hermione não conseguia se concentrar nisso, tampouco, já que depois de um tempo a voz dele foi ficando distante... Até se desligar de vez.

Minutos mais tarde e Hermione ainda sentia as mãos dele apertando as suas. Ela abriu um olho, depois outro, e se deparou com aquela imensidão negra olhando-a intensamente.

– Eu disse que não daria certo. – mas a voz de Snape não era irônica ou maldosa, era apenas divertida.

– Cala a boca. – resmungou ela, sem energia para falar mais.

– É uma poção perigosa, Senhorita Granger. Não deveria ter se distraído.

‘Como ele ousa falar isso se foi exatamente ele quem me irritou?!’

– A culpa foi sua – e apesar da voz baixa, quase sussurrante, Severo percebeu a irritação nela.

– Considere como parte do aprendizado. Por mais que eu a irrite, não-se-distraia. Merlin me ajude ter que aguentar seus amigos idiotas querendo explicações sobre sua morte. – disse ele, com traços de algum mau-humor que não conseguia vingar. Ele simplesmente não queria soar tão insuportável vendo-a tão frágil.

– Obrigada, professor. – ela murmurou, sentindo-se levemente envergonhada ao perceber que estava em alguma parte dos aposentos dele. E fazendo menção de se levantar, ele a impediu com um sonoro ‘Não’.

– Madame Pomfrey virá vê-la para garantir que não há nenhum indício de veneno em seu corpo – explicou Snape, e ante a expressão insatisfeita de Hermione ele completou – Essa cara não funciona comigo, Senhorita Granger. Enrugue sua testa o quanto quiser, mas não vai sair daqui até que Pomfrey a libere. – finalizou, resoluto.

– Mas...

– Sem ‘mas’. Não quero vê-la caindo sobre as poções já testadas.

– E sobre “E em nenhuma hipótese deverá vir aqui fora dos horários estabelecidos”?! – questionou ela, provocando-o.

– Ainda estamos dentro do horário. – respondeu, entrando na brincadeira.

– Mas já são quase seis... Vai me expulsar depois disso?

– Evidente que sim. – retrucou ele, com os olhos negros brilhando com algum divertimento contido.

Algo no olhar dos dois ficou diferente. Após o diálogo atravessado, em que ambos sabiam que não estava carregado de ofensas, eles ficaram se olhando por muito tempo. Provavelmente pensando o que os levou até ali, até aquela intimidade em que se permitiam provocar um ao outro.

***

Seis meses já haviam se passado desde o fatídico acidente, e após incontáveis tentativas, caldeirões explodidos, ingredientes perdidos e horas extrapoladas, estava feito. E estava muito bem feito, por sinal. Hermione estava tão bem vista pela elite intelectual do mundo bruxo que, se quisesse, não precisaria cursar nenhuma aula para garantir um título de mestre em poções. Mas era Hermione Granger, e nenhuma oportunidade de estudar seria desperdiçada.

– Já sabe para onde vai, Senhorita Granger? – perguntou ele, com uma voz diferente daquela que Hermione costumava ouvir. Tinha um quê de pesar, um quê de curiosidade.

– Não... – suspirou ela, fazendo-o parar para encará-la.

– As propostas são tantas assim? – provocou ele, fazendo-a dar um tapinha em seu braço. Em ocasiões como esta Snape se perguntava se ela tinha alguma noção do perigo. Mas não, ela não tinha. Não com ele, pelo menos.

– Não seja rude. – descartou ela, sorrindo. – Eu só... – hesitou.

– Só... – incentivou ele.

– Não é nada. – murmurou, desviando o olhar para o chão.

– Granger, isso é ainda mais irritante que sua mão levantada na sala de aula. – ela rolou os olhos.

– Eu não queria sair de Hogwarts, não queria que outra pessoa me ensinasse. Por alguma razão obscura e ilógica eu... aprecio seus ensinamentos. – seu rosto era de um vermelho vivo, e Snape simplesmente estagnou com o elogio indireto da moça. Quando Hermione finalmente criou coragem para encará-lo, encontrou os olhos deles exalando um misto de emoções que ela nunca cogitou ver.

– Vocês estão aí! – exclamou Minerva – Estou esperando uma oportunidade para falar com vocês durante toda a semana. Aliás, finalmente saíram daquele laboratório! – e com relutância, os olhares se desgrudaram para recair na bruxa afobada.

– Aconteceu algo, professora?

– É sobre o baile – começou Minerva, fazendo Snape bufar enquanto ela lhe lançava um olhar reprovador – Quero que vocês dois estejam presentes.

– Sinto muito, Minerva, mas está fora de cogitação...

– ... e é claro que farão esse pequeno favor, já que a maior parte dos holofotes estão sobre vocês. – continuou a professora, ignorando completamente o mestre de poções – Não posso responder perguntas sobre uma descoberta que não é minha, ora essa!

– Tudo bem, professora, estaremos lá. – concordou Hermione, rindo da clara insatisfação de Severo.

– O que?! – exclamou Snape, ao mesmo tempo em que Minerva sorriu abertamente.

– Obrigada, minha querida. Será um baile importante para Hogwarts, e talvez possamos deixar as marcas da guerra de vez das paredes dessa escola. – sua voz era nostálgica e seu olhar pesaroso, mas não o suficiente para convencer Severo. O que não fazia muita diferença, de qualquer maneira, já que as duas bruxas tagarelavam sem parar sobre o tal baile como se ele não estivesse presente.

– Desculpe interromper a conversa tediosa de vocês duas, mas talvez queiram saber que nem sob uma Imperius eu iria a esse baile idiota.

– Severo, eles querem saber sobre a pesquisa que desenvolveu com a Senhorita Granger – pontuou a diretora – O baile é tradicional, mas convenhamos, esse ano todos querem ver vocês dois. – e diante a carranca de Snape, ela continuou – Não pode ser tão difícil assim acompanhar uma jovem como Hermione, bonita e inteligente.

– Professora... – interrompeu Hermione, completamente corada, enquanto Snape se remexia desconfortável.

– Não seja boba, merece cada um desses elogios. – e entre o olhar doce para Hermione e um vitorioso para Snape ela saiu, deixando duas pessoas completamente constrangidas para trás.

– Não deveria ter dado corda a ela, Granger. Agora arque com as consequências sozinha. – provocou ele, deixando-a pra trás.

– Mas Snape... – retrucou ela, alcançando-o – O senhor não pode me deixar sozinha com todas aquelas pessoas curiosas.

– Então não vá. – simplificou ele, sem vacilar na voz que soava indiferente.

– Mas a professa McGonagall...

– ... vai sobreviver se faltarmos. – interrompeu.

Hermione já estava ficando nervosa com tudo aquilo. O que custava ir ao baile, afinal? Será que ela era assim tão irritante que ele não suportava a ideia de acompanhá-la por alguns minutos?

– Porque você é tão inflexível? – e sua voz era tão firme quanto a dele, e seus braços cruzados sobre o peito legendavam que ela estava (muito) brava.

– Acontece, Granger – disse, aproximando-se de Hermione – que vivi boa parte da minha vida seguindo as imposições de outras pessoas. E eu não quero viver isso de novo.

– Pelos céus, Snape, estamos falando só de um baile! Minerva não está tentando te coagir nem nada do tipo.

– Granger, ela pode ser pior que Dumbledore. Não a subestime.

Quando Severo começou a caminhar novamente, Hermione sentiu uma vontade incontrolável de saber por quê era tão difícil ceder um pouco. Milhões de perguntas começaram a bombardear sua mente naqueles poucos segundos em que Snape se virou para ir embora até sua voz se manifestar naquele silêncio. ‘Será que é sobre mim? Ou será que é pelo fato de ele odiar bailes? Mas e se for somente pela minha companhia?’.

– Eu sou tão irritante assim? – e ele parou quando a voz doce ecoou pelas paredes frias.

– O que disse?

– É tão difícil assim me acompanhar em um maldito baile?

– Granger...

– Só por alguns minutos...

Ela nem sabia porque estava insistindo, só que de alguma forma a presença dele estava se tornando não só agradável, mas necessária. Hermione queria ele saísse, queria fazê-lo sorrir, queria tornar a vida dele melhor.

– ... e então eu te deixo em paz.

– Faz alguma diferença para você? O que eu penso sobre o seu jeito? – e pela não resposta dela, Snape apenas sussurrou em meio ao suspiro – Foi o que imaginei. Agora se me der licença, senhorita.

Hermione não sabia o que estava fazendo; tampouco Severo entendia o que fora toda aquela conversa de perguntas respondidas com outras perguntas. Mas de uma coisa tanto ele quanto ela sabiam: Hermione sentia que Snape era importante e que, sim, fazia toda a diferença; assim como o mestre de poções queria que fizesse diferença para a jovem castanha, queria ser importante para ela.

– Sim... – a monossílaba veio um pouco trêmula, um pouco assustada, mas foi suficiente para ele parar – Sim, Snape, faz toda a diferença. – e quando ela ameaçou sair, a voz rouca a pegou de surpresa.

– Eu vou ao estúpido baile com você. Não se atrase.

...

Hermione estava nervosa. Mas era para estar? Ela ia ao baile com ele, sim. Só que era algo apenas profissional, certo? Não. Ela estava atraída por ele, por Severo Snape.

– Merlin... – sussurrou, chocada – estou esperando que ele goste do que vou estar vestindo? Estou desejando estar atraente para ele? – só que era mais do que isso: ela estava desejando-o.

***

Quando Hermione desceu as escadas que davam para o Grande Salão, sentiu-se em seu quarto ano novamente. Não pela menina, mas pelo nervosismo.

Snape estava de costas, conversando formalmente com alguém, até perceber os olhares para a escada. Quando ele a avistou, não se surpreendeu com beleza dela – já tinha notado – mas com a confirmação do que ele tão veementemente negava: ele a queria. E, por Merlin, queria muito. Pelos breves segundos em que a observou, Severo se imaginou correndo até ela e pegando-a no colo, levando-a diretamente para os seus aposentos, para enfim colocá-la na cama e fazê-la sua. Mas muito provavelmente ele seria repelido por fazer algo assim, e teve que engolir em seco e recobrar a compostura para dirigir-se até ela.

E, deuses, ela estava maravilhosa. Tão radiante quanto no dia-a-dia – e ele imaginou que isso não era possível. Ironicamente, o vestido era preto – e Snape decidiu que a cor lhe caía muito bem, obrigada. Ela estava elegante e graciosa, fazendo-o desligar-se completamente da imagem ‘Hermione aluna’ que por vezes ainda o incomodava. A única coisa que Severo realmente lamentou foi o fato de ver os cachos domados num coque, mas ele logo foi levado pela ideia de soltá-lo com um único puxão e o penteado lhe agradou profundamente.

– Atrasada, Senhorita Granger – foi a única mísera frase que ele soltou quando estendeu a mão para ela.

– Agradável como sempre, professor Snape. – retrucou, tão maliciosa e decidida que ele não pode fazer nada para conter um pequeno, quase imperceptível, sorriso. Mas quando ela rompeu a distância e enroscou o braço no dele, a vontade de respondê-la maliciosamente passou. Todas as suas energias simplesmente se direcionaram em manter o mantra “não se envolva com a garota, não a carregue até o seu quarto, não a beije, seja indiferente e, principalmente, não-se-apaixone”.

– Professor, tudo bem? – perguntou Hermione, suavemente, apertando um pouco mais o braço de Snape.

‘Merlin, garota, não aperte tanto o meu braço, não-aperte!’, ele implorava mentalmente. ‘Será que ela estúpida a ponto de não perceber?’.

– Severo e Hermione! Que bom vê-los! – exclamou Minerva. E pela primeira vez Snape ficou muito feliz em vê-la. Pela primeira vez ela havia chegado no momento oportuno.

– Minerva... – cumprimentou formalmente, enquanto Hermione esbanjava um de seus sorrisos radiantes.

– Vão para a pista, os professores devem abrir a valsa. Só estávamos esperando vocês...

– ... mas professora! – tentou Hermione, com medo de expor Snape a uma situação que ele não queria.

– Estamos logo atrás de você, Minerva. – interrompeu de maneira arrastada, surpreendendo a jovem bruxa.

– Esplêndido! – aclamou a diretora, tão feliz que irritou Severo.

– O que você está fazendo? – sussurrou Hermione, confusa, quando Minerva deu as costas.

– Achou que ia me arrastar para um baile tedioso e não arcaria com as consequências? – perguntou malicioso – Vai ter que dançar com o professor mais odiado de Hogwarts, senhorita Granger – e colocando-se em posição de dança, ele a conduziu.

E como a conduziu! Seus passos eram calculados, sim, mas leves. Hermione sentiu-se flutuar. A sensação dos braços dele no seu corpo era deliciosa, e ela queria desesperadamente ficar mais próxima, sentir o corpo dele sem aquela infinidade de roupas.

Em algum momento da dança, Hermione perdeu-se entre as imagens de Severo a beijando e Severo tirando seu vestido e acabou trocando os pés. No momento em que ele a segurou, ela desejou ser salva por ele sempre. E mais do que isso, ela desejou salvá-lo também; Hermione queria estar com Severo, e não por uma noite, e não só pelo sexo – embora, pensou ela, ‘deva ser transcendental, julgando apenas pelo modo como ele me segura’ – mas por tudo. Por ser quem ele é, por ser um homem profundo e muito, muito especial. “Por Deus, estou me apaixonando por ele?”, ela se perguntou em pensamento, e foi quando a valsa parou de tocar; a resposta veio tão rápida e certa quando ele se afastou que Hermione ficou sem ação. Ela não queria que ele soltasse, mas não só agora. Ela não queria que ele soltasse nunca.

– Se você quer me punir por tê-lo trazido até aqui – sussurrou ela, reunindo coragem sabe-se lá de onde – sugiro que deva pensar em algo melhor. Eu gostei muito de dançar com você. E dançaria de novo... Severo. Muitas vezes, na verdade. – e o deixou.

‘Chocado’ seria a palavra mais ideal para descrever Severo naquele momento, ao ser deixado na pista enquanto outros casais a preenchiam. Poucas vezes alguém o havia deixado sem fala daquela maneira; na verdade, ele nem mesmo se lembrava se isso já tinha acontecido alguma vez. ‘Merlin, ela falou meu nome? E é delicioso ouvir da boca dela. Maldito inferno! Eu preciso sair daqui!’.

– Severo! Quando vai nos explicar sobre seu mais novo projeto? – a voz era conhecida, mas ele não tinha a mínima vontade de se virar.

E achando que estava seguro do lado de fora, deparou-se justamente com a pessoa que queria fugir – ou prender-se?

– Você tinha razão – ela soltou, sem se virar para ele – não deveria ter insistido para me acompanhar nesse baile.

– Não gostou da minha companhia, então? – a voz geralmente firme vacilou um pouco.

– Eu acho que... – ela hesitou, enfim virando-se para encará-lo – eu gostei até demais – e sem medir as consequências, Hermione aproximou-se mais e mais, até ficar tão perto de Severo que podia sentir o cheiro dele. ‘Nossa, ele sempre foi alto assim?’, questionou-se ela, fazendo a coragem dar lugar para um pouco de insegurança. Mas ela não se quis se intimidar mais, e o provocou passando seus lábios nos dele, esperando que ele a rejeitasse. Mas ele não o fez. Só que de maneira frustrante Snape não fez mais nada. Então Hermione mandou pro inferno todas as barreiras e o beijou. A sensação de beijá-lo era deliciosa, e ficou ainda mais delicioso quando ele retribuiu, fechando-a em seus braços cumpridos.

Ofegantes e de testas coladas, nenhum dos dois sabia o que dizer. De maneira idiota, era Snape quem estava profundamente submetido à timidez Ele nunca havia beijado uma mulher, não pelo menos nesses termos; seus encontros sexuais eram restritos à Travessa do Tranco, em troca de alguns galeões. E de qualquer forma, já fazia um bom tempo que ele sucumbira aos prazeres. Mas agora era completamente diferente, e ele não tinha ideia do que fazer. Nunca havia cortejado uma mulher antes, então... o que seria agora? E, pior, como ele expressaria que queria beijá-la de novo – e de novo, de novo... e sempre, sem parecer estúpido?

– Hermione... – ainda assim ele tentou, mesmo sabendo que não conseguiria falar nada coerente.

– Não precisa falar nada. Eu beijei você, e depois você retribuiu. Não vamos estragar isso. – pediu ela, daquele jeito doce e firme que só ela sabia fazer. O jeito dela o acalmava de alguma forma, ao mesmo tempo em que o irritava profundamente também. E ele adorava a ideia de poder respondê-la sabendo que não a magoaria com seu sarcasmo, porque ela provavelmente teria uma resposta melhor.

– Está insinuando que eu acabaria com o momento? – e enfim ele havia cedido. Ela não estava pedindo nenhuma explicação; só estava pedindo que aquele momento fosse tão intenso quanto o beijo.

– Não estou insinuando... – respondeu ela, sorrindo tanto pela conversa atravessada quanto pela abertura silenciosa dele.

– Então o que eu tenho que fazer para continuar calado? – e sua voz sussurrando próximo ao ouvido, escorregando o hálito quente pelo pescoço, fez Hermione se entregar de vez.

– Só... continue me beijando.

– O que iria acontecer dali pra frente eles não faziam ideia, ou melhor, eles faziam alguma...

– Seus aposentos ou os meus? – perguntou Hermione, parando para respirar – ou suspirar?

– Poderia fazer aqui mesmo...

– Severo! - repreendeu ela, mas ciente de que, sim, poderia mesmo ser ali.

– Masmorras.

Infelizmente, ambos pensaram, teriam que se soltar para chegarem até os aposentos de Severo de maneira civilizada. E talvez o caminho longo os tenha feito pensar na loucura que tinha acontecido a pouco, pois a medida que o destino ia se aproximando e o silêncio tendia à tortura, eles se perguntaram mentalmente se era realmente a coisa certa a se fazer.

Hermione olhou de relance para o homem que caminhava ao seu lado. Ela via a tensão nele, mesmo que totalmente mascarada na indiferença habitual. Mas Hermione o conhecia, e sabia o que cada movimento dele significava. E então teve a certeza de que o queria. Queria fazê-lo se render, queria fazer parte da vida dele.

– Algum problema, senhorita Granger? – ele perguntou, meio grosseiro, para disfarçar sua preocupação.

– Não... – ela respondeu, suave, fazendo-o parar. Lentamente, sua mão fina e quente alcançou o rosto de Severo, fazendo-o tremer com o toque íntimo e extremamente carinhoso.

– Você tem... certeza? – suspirou, temendo a resposta, temendo tanto pelo ‘sim’ quanto pelo ‘não’ – Hermione...

– Eu quero isso... eu quero você. – e os olhos profundos se abriram para captar a sinceridade nas palavras da jovem. E como, por Merlin, ele poderia negar? Ele não queria negar! Ele a queria. E não deixaria a chance de finalmente ser feliz passar.

Retribuindo o carinho, ele colocou o rosto dela entre as mãos e depositou um beijo na testa, depois um leve selinho na boca. Aproximando seu corpo para mais perto do dela, ele a conduziu até a parede, pressionando-a, enquanto distribuí-a beijos ao longo do pescoço.

– Você é louca. – murmurou.

– Huum... – foi a única palavra que ela conseguiu soltar, perdendo-se nas carícias dele e fazendo-o soltar uma risada abafada.

– Quarto? – ele finalmente perguntou.

– Por favor...

E os aposentos frios de Severo, cujas paredes viram muito sofrimento e culpa e dor e escuridão, foram enfim preenchidos pelo calor dos olhos castanhos de Hermione. Snape não só aprendeu a receber carinho, mas a se permitir ser feliz. Da mesma forma que a jovem bruxa entendeu o que era estar com alguém – e a gostar muito disso. Afinal, quem não gostaria?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E quem não gostaria? É o Severo, poxa!