Amor escrita por Ana C


Capítulo 2
Ressaca


Notas iniciais do capítulo

Do espanhol "resaca", refluxo do mar. O mal-estar da bebedeira é chamado assim pela comparação com a “volta” do mar que tinha baixado.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/578610/chapter/2

Saí de Berlim na noite do dia 22 de dezembro. Queria fazer uma surpresa para meus pais, por isso, não comuniquei a ninguém sobre a minha volta. Bem, a quase ninguém. Apenas Antônio sabia, pois, além de criador da ideia, ele ainda iria me buscar na cidade onde o pouso do meu avião aconteceria, que era a metrópole localizada a cerca de 40 quilômetros de onde morávamos, na qual nós também estudávamos.

Faltavam ainda 45 minutos para o avião decolar quando enviei uma mensagem pela internet para Antônio: “É bom você estar de plantão amanhã, quando eu chegar.”. Menos de um minuto depois, recebi a resposta: “Estarei. Boa viagem.”. Já um pouco emocionada, olhei para os meus amigos que me levaram até ali. Franz e Helene, esta com a pequena Sabine nos braços, e Ralf e Katja. Eu tinha uma dívida eterna de gratidão com cada um deles.

Os dois jovens casais sempre foram muito amigos e costumavam, inclusive, dividir um apartamento. No entanto, com a chegada de Sabine, Franz e Helene foram obrigados a procurar uma nova residência, deixando vago um quarto na casa de Ralf e Katja. Como, na época, eu trabalhava na padaria do pai de Ralf, soube sobre esse fato e aluguei-o. Os donos da casa me acolheram de forma muito hospitaleira e passaram a me incluir nos programas que faziam juntos. O quarteto ganhava, então, duas novas integrantes: Sabine e eu.

Um mês depois, pedi demissão da padaria, passei a dar aulas de português para estrangeiros durante o dia e fazer um curso de alemão à noite. Estava tudo melhorando na minha vida e eu amava, cada dia mais, aquele país.

– Sebastian não vem? – interrompi meus devaneios, questionando Helene.

– Ele disse que viria, mas ontem à noite estava um pouco indisposto.

Pensei em Sebastian. Depois que Helene e Franz arrumaram uma nova casa, um primo da moça foi morar com eles. Ele era americano, mas tinha dupla cidadania alemã e decidiu fazer faculdade no país em que a prima morava. Passou, então, a ser o caçula do grupo, depois de Sabine.

Sebastian sempre demonstrou um interesse por mim, mas demorei a ceder. Não por achá-lo feio, até porque ele tinha os olhos da cor do céu e um sorriso que mais parecia uma pintura, mas eu não desejava me envolver com ninguém. Essa ideia fixa durou apenas dois meses desde a chegada dele, que foi justamente a época em que começamos a namorar. Ele foi meu primeiro namorado. É claro que, antes disso, eu tive outros casos, mas nenhum que frequentasse minha casa, que me chamasse de “amor” e saísse comigo todos os finais de semana.

Apesar de ser três anos mais velha, fui apaixonada por Sebastian durante toda a minha estada na Alemanha. Estava, inclusive, disposta a levá-lo comigo para o Brasil, para conhecer minha família e meus amigos, já que era período de férias. Ele, porém, condenou a volta ao meu país e decidiu romper o namoro. E é claro que eu sabia que a suposta indisposição dele era apenas uma desculpa para não ir se despedir de mim, mas aquilo não tirava a minha vontade de vê-lo pela última vez.

A abertura dos portões de embarque para o meu vôo foi anunciada. Com lágrimas nos olhos, abracei meus amigos, ao som de muitos “venha nos visitar”, “volte logo”, “quem sabe não vamos conhecer o Brasil”, “nós amamos você”. Olhei para eles e abracei cada um. Eu sentiria muita saudade, mas era hora de voltar para a “vida real”.

A viagem foi tranquila, sem turbulências e eu dormi na maior parte do trajeto, afinal, era madrugada. Assim que o avião pousou, despertei-me completamente. O clima tropical já me fazia suar e fui tirando todos os casacos, ansiosa para o reencontro com meus familiares.

Depois que já havia pegado minha mala, procurei por Antônio. Havia muita gente no aeroporto e estava sendo praticamente impossível encontrá-lo.

– Cecília! – ouvi a conhecida voz de Antônio, que foi capaz de me encontrar, mesmo em meio à multidão, me chamando.

– Antônio! – larguei minhas malas no chão e fui correndo abraçá-lo. – Nem acredito que estou aqui novamente!

– Não vou largar de você nunca mais. Que saudade! – ele sussurrou no meu ouvido, me envolvendo num abraço apertado. Confesso que foi muito bom ouvir aquelas palavras sendo pronunciadas em português, ainda mais vindas da boca de um amigo tão especial. Estava acostumada a conversar com todos apenas em alemão.

Depois de respondermos, um ao outro, perguntas que todos fazemos a quem não vemos há tempos, decidimos nos deslocar para nossa cidade. Fomos ao estacionamento e eu esperava encontrar, lá, o Golzinho prateado do pai de Antônio. No entanto, assim que ele apertou as chaves, um carro branco, lindo, teve seu alarme desarmado. Olhei para ele, esperando entender que carro era aquele.

– Estava juntando dinheiro para ir te visitar. Mas você me avisou que voltaria e eu não precisaria mais ir para a Alemanha, então, comprei esse carro. – boquiaberta, tentei discernir se aquilo era verdade. – Brincadeira, ganhei essa belezinha de aniversário. – completou, colocando minhas malas no porta-malas.

Abri a porta do carona e uma onda intensa de perfume feminino invadiu minhas narinas. Resmunguei baixinho.

– Algum problema? – Antônio questionou, fitando-me.

– Quem foi a dama perfumada que teve a honra de andar recentemente em seu carro, cavalheiro? – perguntei, brincando. Ele deu uma risada, como se tivesse certeza que seria aquele o “problema”.

– A Maysa. Fui ontem à pizzaria com os meninos e encontrei-a no posto, quando fui abastecer o carro para vir te buscar. Ela pediu carona e eu levei-a até a casa dela.

– Sei... – murmurei, desconfiada. Ele percebeu minha desconfiança e deu uma gargalhada.

Durante o trajeto, fui contando todas as experiências que eu havia tido na Alemanha. Antônio, interessado, perguntava-me várias coisas a respeito do país e de seus moradores. Satisfeita, eu ia respondendo os seus questionamentos e acrescentando outras informações. Mas omiti o meu namoro com Sebastian, por acreditar que evitaria más impressões da parte dele.

Quando finalmente chegamos e ele parou na porta da minha casa, perguntou se eu estava pronta para entrar. Neguei. Prendi meus cabelos, tentando criar coragem.

– Não adianta tentar adiar, se uma hora você vai ter que entrar. – Antônio falou calmamente.

Respirei fundo e desci do carro. Toquei a campainha da minha casa e, depois de alguns instantes, meu pai abriu a porta. Ficou um tempo olhando-me, incrédulo. Chamou a minha mãe, num grito desafinado e foi correndo me abraçar. Ao me ver, mamãe caiu no choro.

– Como eu senti sua falta! – meu pai falava sem parar.

– É muito bom te ver! Você está linda! Minha filha, que saudade! – mamãe não se cansava de fazer exclamações.

Antônio, vendo aquela cena, limpou a garganta. Nós três dirigimos o olhar a ele.

– Antônio! Como foi capaz de nos esconder isso? – papai ralhou com ele, mas era, é claro, apenas uma brincadeira. Rimos e os dois homens tiraram minhas malas de dentro do carro e levaram-nas para dentro de casa.

Antônio despediu-se de nós e deixou-nos abraçados, curtindo aquele momento.

– Esse ano, você foi nosso presente de Natal. – minha mãe falou e meu pai concordou.

Passei o Natal com a família do meu pai e o Ano Novo com a da minha mãe, como já era costume entre nós. Fui muito mimada por todos os familiares, que se alegraram com minha volta.

Depois de passadas as festas de fim de ano, na primeira semana de janeiro, meus amigos decidiram fazer um churrasco para comemorar a minha volta. Foi em uma chácara e estava lá a minha turma do colegial e alguns amigos desses amigos, alguns que eu nunca nem tinha visto.

A verdade é que eu estava me sentindo sozinha. Todos iam até mim, faziam perguntas superficiais sobre minha viagem, as quais eu já estava cansada de responder, mas se afastavam rapidamente. Até Bruna tinha levado os amigos da faculdade e o namorado, o que me fez ficar um pouco isolada, perdida nos meus pensamentos.

– No que estás a pensar, moça? – Antônio perguntou, sentando-se ao meu lado, com um copo de alguma coisa na mão.

– Em como esse churrasco está tedioso. – respondi, sem nenhum entusiasmo.

– Uau. Que grossa – surpreendeu-se. Virou o líquido do copo de uma vez. – Ah! Vou buscar mais. Quer também?

Falei que sim, mesmo sem fazer ideia do que era aquilo. Era uma forma de fazê-lo voltar para o lugar em que eu estava. Não demorou muito e chegou com dois copos cheios e um sorriso sem-vergonha na cara.

– Toma. – entregou-me o copo. – Então, como você está entediada, vamos dar uma volta pela chácara?

Assenti e saímos do lugar. Bebi um pouco do conteúdo do copo. Era vodka. Enquanto passeávamos, fui contando o que eu havia aprendido sobre história na Alemanha, mas o assunto acabou e o silêncio pairou pelo ar.

– Já mencionei que odeio história? – ele perguntou, rindo. Era uma coisa que costumava me dizer constantemente.

– História é tudo, nós é que somos os autores dela. – argumentei.

– Então. Logo, você não sabe o que acontecerá. Na matemática, sim, e, se você é capaz de chegar ao resultado, é fascinante.

– Eu nunca gostei do que é exato.

– A vida é exata. Matemática é vida. Você sabe que tem um resultado.

– A vida não é exata. O fim dela, sim. Mas a vida, em si, é repleta de incertezas.

– É aí que entra a álgebra. X, Y, Z. Prontos para lhe mostrar um mundo novo, cheio de mistérios.

– Gosto mais das letras que formam palavras.

– Gosto mais de você. – o garoto sorriu, mostrando os dentes alinhados.

Eu não era boba. Percebia que Antônio arrastava asa para mim de vez em quando, mas preferia manter a amizade. Por isso, ao invés de responder, dei um sorrisinho contido e virei o copo de vodka.

– Quero mais. – entreguei o copo na mão dele.

– Tive uma ideia melhor. – ele devolveu-me o copo e deu uma piscadela. – Já volto.

Demorou vários minutos, mas voltou com uma garrafa cheia de vodka. Conversamos muito, por muito tempo. Lá pelo quarto copo, comecei a rir de tudo o que Antônio falava. Depois disso, perdi a noção do tanto que bebi. Até que comecei a sentir tonturas e vontade de vomitar.

– O que foi? – Antônio percebeu que havia alguma coisa errada. Não lembro o que respondi. – Meu Deus! Você tinha comido?

Fiz que não com a cabeça e tudo começou a rodar.

Acordei na manhã seguinte, em minha cama. Minha cabeça doía e meu estômago estava embrulhado. A claridade que entrava pela cortina entreaberta me incomodava. Tentei me recordar do que acontecera, mas era praticamente impossível. Peguei meu celular para olhar as horas. Passava das 10h. Encontrei, também, uma mensagem que Antônio me enviou pela internet.

“Cecília, bom dia! Caso não se lembre, você bebeu excessivamente e de estômago vazio. Por isso, passou mal. Mais especificamente, você desmaiou e eu te levei ao hospital. Aplicaram glicose na sua veia e fiquei lá contigo até que melhorasse. Te levei para casa e seus pais já estavam dormindo. Entrei com você, te ajudei a tomar um banho e se vestir. Ao sair, tranquei a porta por fora e coloquei a chave na caixinha do correio, bem escondida, não esqueça de pegá-la. Como você percebeu pelo meu relato, seus pais não ficaram sabendo de nada, por isso, não se preocupe. Te ligo mais tarde.”

Li e reli aquilo, intrigada. Será que eu falei alguma coisa que não devia? Será que meus pais realmente não perceberam? Será que Antônio aproveitou-se da minha inconsciência para fazer alguma coisa comigo? Esperava que a resposta para todas aquelas perguntas fosse não, assim como esperava que a sensação terrível da ressaca passasse logo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Gostaram? Espero que sim =]



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Amor" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.