Amor escrita por Ana C


Capítulo 1
Decisão


Notas iniciais do capítulo

Do latim "decidere", determinar, definir, decidir. A palavra é formada por "de", fora e "caedere", cortar. Muitas vezes uma decisão implica em cortar fora uma das possibilidades.



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Antônio sempre preferiu as ciências exatas, mas nunca teve certeza absoluta de qual rumo seguiria. Estou pensando seriamente em fazer Matemática. Lembro dessas palavras como se tivessem sido pronunciadas no dia anterior, mas foram ditas ainda no segundo ano do Ensino Médio. Por isso, não foi surpresa alguma quando meu amigo decidiu estudar para poder lecionar matemática e física para adolescentes.

Eu, entretanto, surpreendi a todos ao abandonar meu maior sonho – fazer o curso de Letras, e, a exemplo de minha mãe, ser professora – para cursar Jornalismo na universidade da cidade grande próxima ao vilarejo onde nasci e fui criada. Todos diziam que minha decisão havia sido manipulada por um professor de história do Ensino Médio, que insistia em dizer que aquele era o curso próprio para mim. Mas a verdade é que eu queria ser escritora, e sabia que o curso de Letras não forma escritores. Forma estudiosos da língua portuguesa. O mais indicado para aprender a escrever é Jornalismo, que foi o que me impulsionou na hora da decisão.

Todavia, ao fim do primeiro semestre do curso, eu já havia me arrependido. Não devia ter ouvido os conselhos daquele professor. Fui infeliz ao optar por Jornalismo e, por consequência, estava me sentindo infeliz com as demais coisas da minha vida. Comuniquei o fato aos meus pais e, após as férias de junho, tranquei a faculdade.

Eu tinha algum dinheiro guardado, que juntei caso precisasse pagar uma universidade particular. Como passei na pública, o dinheiro continuou parado, no banco. Fiz as contas e decidi usá-lo: comprei uma passagem para a Alemanha. Só de ida. Não sabia quando voltaria, nem onde me hospedaria, mas sabia que eu precisava de um tempo. Um tempo para mim. Um tempo para espairecer.

Não pode, você está louca. Todos falavam a mesma frase. Eu causei brigas na família e entre meus amigos: alguns concordavam com a minha viagem, outros não suportavam ouvir falar sobre o assunto. Eu sabia que era loucura. Tinha acabado de completar 18 anos, não falava a língua mãe do país, nunca antes saíra do Brasil. Mas aquela era uma oportunidade, eu poderia aprender um outro idioma e a viagem, com certeza, traria muitos benefícios para mim. Ninguém me faria mudar de ideia.

E foi o que fiz. Com uma mochila nas costas, puxando uma pesada mala de carrinho e com o coração ainda mais pesado, parti. Era uma terça-feira, no período da manhã. O Sol brilhava, o que já era um grande alívio, pois eu nunca antes andara de avião e estava temendo ter que decolar em um dia chuvoso. A partir daquele momento, eu sabia que tudo ia mudar. Eu respirava ares de mudança. Pela janelinha do avião, vi tudo ficando menor. Meus pais, meus avós, meus amigos, minha cachorrinha de estimação. Eram todos pequenos agora. Mas meus sonhos... Ah, esses estavam enormes.

Quase não dormi durante toda a viagem. A ansiedade fazia parte de mim. Previ que estaria muito frio quando desembarcássemos em Berlim, por isso, levei um casaco comigo. Peguei-me abraçando-o dentro do avião, pois percebi que, nele, havia vestígios do perfume de Antônio. Com certeza sentiria falta daquele aroma... Aliás, sentiria a falta de Antônio em cada um dos dias longe de casa. Abri minha mochila e peguei a foto que ele me dera na última despedida que meus amigos fizeram para mim. Era a primeira foto que tiramos juntos. Ainda tínhamos feições infantis, embora já estivéssemos com uns 16 anos. Ele vestia uma camiseta vermelha e esboçava um sorriso. Eu me apoiava no ombro dele, na ponta dos pés e sorria mostrando os dentes. Aquela foi, por muito tempo, minha foto favorita.

Tentei lembrar-me de quando Antônio entrou na minha vida. Na verdade, fui eu quem entrou na vida dele. Apesar de saber que nossos pais haviam sido bem amigos, foi apenas na quarta série, no ano em que comecei a estudar no colégio onde ele estudava. Primeiramente, achei-o esquisito, com os dentes tortos e o cabelo sempre coberto por um boné azul e branco. Andava de uma forma estranha e tinha a coluna torta. Porém, apenas dois anos depois é que nos aproximamos, o que, felizmente, aproximou também nossos pais, mais uma vez. Não consegui me recordar de que forma isso aconteceu, mas sei que aconteceu. Que era pra acontecer.

Uma voz nos alto-falantes trouxe-me de volta à realidade. Enfim, estávamos na Alemanha. Um lindo tapete branco cobria todo o território. Eu finalmente veria a tão sonhada neve! Senti-me ainda mais ansiosa. Vesti o casaco e, assim que o avião pousou, desci. Encontrei minha mala rolando pela esteira. Peguei-a e saí em busca de informações. Avistei duas mulheres vestidas com o uniforme do aeroporto, uma de meia-idade e outra um pouco mais nova, ambas atrás de um balcão, com uma enorme placa acima delas.

– Com licença, aonde posso encontrar um albergue para me hospedar? – arrisquei, utilizando meu inglês precário.

A moça mais jovem me deu um cartão com o nome de um albergue e afirmou que era só entregar o papel para algum taxista que ele prontamente me levaria ao local. Agradeci e, tremendo de frio, saí pelas ruas, até encontrar um táxi. Meia hora depois, estava no albergue. Tive sorte e consegui uma cama encostada na parede, no quarto coletivo, bem próxima ao pequeno aquecedor que havia no ambiente. Deitada ali, já não sentia tanto frio. Me sentia em casa.

Os dias passaram rapidamente na Alemanha. No início do segundo mês, eu já dominava o idioma e era capaz de me comunicar. Notei que as línguas eram, de fato, minha paixão. E, a cada habitante com quem eu conversava, em sua língua materna, e que me contava um pouco do que sabia sobre sua nação, eu percebia o quão fascinante era a história daquele país. E reparava em como a minha afinidade com a história, em geral, era grande. Foi assim que a etimologia (do grego ethymon, “verdade”) entrou na minha vida. Trata-se do estudo da origem das palavras, e tal disciplina está presente na grade curricular do curso de Letras. E era exatamente isso o que eu queria para a minha vida. Estava pronta para voltar para o Brasil.

Agora, quase um ano depois da minha viagem de ida, encontro-me dentro do avião, prestes a voltar para meu país natal. As incertezas sobre o que me aguarda no território brasileiro são muitas... Mas, novamente, ninguém vai me fazer mudar de ideia.


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Notas finais do capítulo

É apenas o primeiro capítulo, mas espero que tenha agradado =]



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