A Bailarina escrita por Layla Glêz


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Bem, após muitos meses de ponderação, decidi revisar e postar aqui uma história antiga... Bem velhinha mesmo. Datada de 2010, baseada na música Bandolins de Oswaldo Montenegro e na velha caixinha de música da minha avó. Apreciem sem moderação ;)



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Do sutil tocar de sapatilhas, fez-se a música. E o corpo dela era harpa, a ressoar a melodia em movimentos leves. Suavidade angelical encarnada em ossos, tendões, músculos e órgãos - a mover-se.

O vento era maestro, envolvendo a plateia vazia em febril levitação, brincava de brindar ao silêncio e o Silêncio era letra, cantada pelo coro de luz e mansidão. Interpretava o tilintar de seus sentimentos puros deixando a música reger sua arte, ascendendo em inimaginável beleza e descendo em inimaginável suavidade... Era a musa e a poetisa.

E no palco ela era estrela.

A seda fina e alva era cobertor e tecia-se ao seu redor, protegendo-a como uma mãe ao filho, adornando as curvas como neblina a encobrir a beleza das montanhas. Esvoaçando ao lhe envolver a pele. O tecido dançava com ela, seguia seus passos, acompanhava seus gestos, mimetizava sua magia. A lua sorria-lhe com encanto, adorando o anjo a bailar no telhado, entretendo-se com sua habilidade naquela arte de se expressar sem palavras ou entonações... Ela encantava simplesmente por andar.

E na noite ela era só.

Não era teatro, o palco de sua singela apresentação, o assoalho não era composto de grossas toras perfeitamente lisas, nem envernizado, nem tinha nada de luxuoso ou perene. Apenas cimento batido. Não contava com detalhes arquitetônicos elaborados encantando os olhos, ou saciando o sabor de ver o que a mente deseja. Tinha tão e somente com uma estrutura de madeira e concreto, localizada nas cinzas e no pó, nos contornos, na beirada, na periferia de onde todos queriam sair e ninguém deseja chegar.

E na pobreza ela era alento.

A natureza morta era cenário, pintada com poeira, suor e fumaça envolvendo a construção corroída pelo ácido dos tempos, canto onde as idades e anos eram iguais em sua diferença. Não existia inocência, apenas fome; não existia infância, apenas sede.

E em destaque ela era pueril.

E do grito fez-se chama, da vela surgiu o fogo, consumindo tudo apressadamente. Destruindo o pouco que fora construído, arrebatando sonhos, miragens, vidas.

E na madeira ele era sedento.

O crepitar lhe serviu de batida, ritmando seus passos marcados, dando-lhes norte a seguir em seu cirandar. Os gritos e o alvoroço cantarolavam acordes na frieza altiva da noite, traziam energia ao seu dançar.

E no calor ela era beleza.

O vermelho devorou as toras, partindo-as sem misericórdia, rompeu as vigas sem piedade e ascendeu, sem a suavidade do levitar. Andar por andar, alimentava-se do concreto, das explosões e dos tombares. Digerindo as moradas. Nele lançaram água, mas no primeiro contato ela dissipou-se em fumaça e de nada adiantou, ele continuava a subir em força e brutalidade.

E na calada ele era desperto.

As sirenes anunciaram o ápice, indicaram o auge de seu compor melódico e valsado. As cordas da harpa que era seu corpo vibravam febris e desesperadas, mas não havia desespero em sua face; contraditória a todo o seu cenário a ruir ela estava em paz.

E no barulho ela era calma.

O fogo chegou ao telhado e sem hesitar invadiu o palco, como se exigisse para si o papel da ninfa que bailava, não havia clemência em sua atuação. Não era ator, acostumado a interpretar papéis. Das folhas apenas conhecia o gosto e as cinzas dos dejetos. A beleza lhe era indiferente.

E no queimar ele era cego.

Primeiro, rasgou-lhe a seda, despiu-lhe o corpo, enquanto ela bailava indiferente a sua brutalidade - talvez em protesto, talvez em inocência. Depois a beleza fez-se exótica. E eroticamente ele usou de suas línguas-labaredas para lamber-lhe o corpo - languidamente. Membro a membro devorou-a como miserável, satisfez-se em sua pele como esfomeado, tomou para si a sua carne - e dela se banqueteou. Apalpando-lhe coxas e seios, sentindo verdadeiro prazer ao vê-la desfalecer em seu caloroso abraço...

E nos escombros ela tornou-se cinzas.

Para que na manhã seguinte fosse apenas uma notícia, um número, uma vítima do incêndio que devastara a zona pobre da cidade. Uma reles bailarina consumida pelas chamas.


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Notas finais do capítulo

Bem, se chegou até aqui, faça desta autora feliz e deixe seu comentário! :3
Se achar que merece, fico honrada com uma recomendação... ♥