Survival Game: O Pesadelo escrita por Catelyn Everdeen Haddock


Capítulo 6
05


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal,
Esse é um capitulo longo e, como prometido, pus a parte da viagem dos dois. Mas é só o inicio. O desenrolar vai ser no próximo capitulo, ok?
Bjos da Cat ❤



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Nem fazia ideia de onde eu estava. Só sei que eu estava no meu quarto o tempo todo, mas não fazia ideia de quanto tempo eu passei dormindo. De tanto pensar na viagem, eu apaguei no sono. Consultei o relógio de pulso. Cinco e vinte e cinco da tarde. O céu, apesar de estar nublado, os raios de sol aparecem fracos pela janela. Ouço gritos de crianças brincando pela rua, mas não me levanto.

Depois de aproximadamente dois minutos, me levanto da cama. Vejo o meu cabelo desgrenhado, de tanto dormir. Eu ainda estava de tênis. Nem fazia questão de tirá-los, a não ser em ocasiões especiais no frio, como tomar um banho bem quentinho. E foi isso que eu fiz. Além de tomar banho e me arrumar, fui até a sala de estar, mas não havia ninguém por lá, até eu ouvir uma voz feminina vindo lá de cima. Do sótão. Resolvi ir até lá.

A nova casa não tem escadas, mas no final do corredor, há um espelho enorme escondendo um pequeno botão vermelho redondo, cujo diâmetro deve medir mais ou menos 1 metro. Afastei o espelho de lado, apertei o botão e a aparente parede se abriu como uma porta de um elevador, revelando escada que leva ao sótão. À medida que fui subindo, dava para reconhecer a voz. Era da Elise, enquanto remexia o baú revestido de couro marrom, cujos pregos eram de latão sujo com o tempo.

O sótão cheirava a poeira, mofo e a antigüidade. À medida que fui me aproximando de Elise, a curiosidade emergia de mim a qualquer custo. Ela estava lá, sentada no chão, debruçada ao baú, enquanto folheava um livro, que nada mais era do que um diário. Era um diário de alguns anos, cuja capa era dura, preta e a lombada era vermelha. Inclinei o tronco para visualizar mais de perto, sem Elise dar conta de que estou aqui. As folhas estavam amareladas com o tempo, mas tudo estava escrito nelas. A letra cursiva era linda. A curiosidade começou a despertar em mim, quando Elise se contorceu de susto.

– Heinrich! Que susto! - reclama ela, ao me olhar pálida. - Pensei que fosse a mamãe.

– Calma, eu não vou contar para ninguém que estamos aqui. - a tranqüilizei. - Aliás, nenhum de nós deveria estar aqui. E onde está a mamãe?

– A mamãe foi a uma reunião do clube feminino e o papai ainda está trabalhando na livraria. - ela respondeu. - Mas você não sabia?

– Eu acabei dormindo, mas não fazia ideia do tempo. - completei com uma risada. - E o que é isso?

– É um... - antes que ela pudesse me dizer, ouvi a voz da Anne lá de baixo.

– HEINRICH! - ela gritou.

Nós dois ficamos paralisados com o grito. Até pensei que fosse a minha mãe ou meu pai que tivesse chegado. Talvez os dois. Mas Elise voltou a respirar, enquanto eu fiquei lívido.

– Pelo menos é a Anne. - retrucou a minha irmã. Ao ver o meu semblante pálido e petrificado, ela perguntou: - Alguma dificuldade?

– Não foi nada, Elise - balbuciei, voltando ao normal. - Pensei que fossem os nossos pais.

Com isso, me levantei e me retirei do sótão, descendo à escada e fui ter com a Anne, que estava toda recolhida do frio. Demos um selinho, enquanto ela indagava:

– Seus pais estão aqui?

– Não, apenas a minha irmã e eu - respondo imediatamente, como se fosse óbvio. - Obviamente.

Anne sorri, enquanto pego o cachecol e o agasalho.

– Não se importa de darmos um passeio?

– Os meus pais não estão aqui - retruco, me preocupando com a reação deles ao derem por minha falta. - Meu pai está trabalhando, a mãe está na cidade, então... - Elise me interrompe.

– Eu dou conta da casa sozinha - ela aparece de supetão. - Já sou bem grandinha para isso.

Me virei para a sua direção, ainda preocupado.

– Você conhece a reação da mamãe, ela vai reclamar comigo se eu te deixar sozinha em casa. Lembra da última vez?

– Daquela em que quase toco fogo na casa?

Anne riu. Para mim foi um desastre ter deixado a Elise em casa, quando ainda morávamos na antiga casa, dois anos antes de eu entrar para o reality, eu saí para correr com os amigos da vizinhança, quando de repente vejo fumaças saindo de uma das janelas da sala. Me desesperei e fui até lá, quando a fumaça vinha da cozinha. Elise estava sozinha lá, com a fumaça vindo do microondas em chamas. E o pior que as fagulhas atingiram a parte de baixo da porta do armário, queimando até a parte ficar carbonizada. Isso aconteceu porque Elise pôs filme metálico envolvendo um refratário de torta de carne. Mas ela era muito pequena para aprender Física, sobre as ondas eletromagnéticas e os princípios da reflexão. Os meus pais brigaram comigo e o meu castigo foi comprar uma porta semelhante do armário com o dinheiro da minha mesada.

– E que custou o meu dinheiro da mesada? - interroguei. - Claro que sim.

– Mas eu não tive culpa. - ela responde na defensiva, franzindo o cenho. - Você me deixou sozinha para sair com os seus amigos e a mamãe brigou com você, depois disso.

Depois virei o rosto para a Anne, com uma das sobrancelhas arqueadas.

– Não faz mal esperar os seus pais chegarem. - ela conclui, com um sorrisinho torto.

– Vindo de você eu acredito. - finalizo, retribuindo o sorrisinho.

***

Já em casa, o clima é outro. Um clima bem aconchegante daria para animar completamente uma família reunida e amigos. Elise regressou ao sótão, me deixando sozinho com a Anne, que olhava os quadros da família. Ouvi sua voz soar até os meus ouvidos:

– Oh, que gracinha! - ela apreciou uma das fotografias.

Fiquei curioso que fui logo ter com ela. Anne estava observando uma foto minha segurando a minha irmãzinha de um ano, de quando eu era pequeno.

– São vocês dois na foto? - ela perguntou. Eu assenti

– Elise tinha um ano de idade aí. - respondi, apontando o indicador no rostinho rechonchudo dela.

Anne umedeceu o lábio, ao virar os olhos azuis para mim. Fiquei um pouco tímido ao vê-la tão bonita e gelada por conta do inverno. Ficamos de frente um pro outro, no tapete da sala de estar, cada um com o sorriso torto. Começo a aproximar o lábio do dela e ambos acabam se encostando. Do aparente selinho, vira um beijo de verdade. Anne enrosca os seus braços na minha nuca, aos poucos. Eu envolvo os meus na sua cintura. Aprecio o momento, como se o amanhã deixasse de existir. O momento agora é esse.

Vejo o céu ainda nublado, com os raios de sol fracos. Sinto seus lábios se afastarem dos meus. Volto os meus olhos para os da Anne. Ficamos parados de frente ao outro. E esvazio um pouco a mente. Aquela ideia "superprotetora" de ficar em casa fazendo companhia ao irmão mais novo até que pode ser divertido, desde que procure algo diferente de se fazer, ou monótono que goste de fazer. Ouço a porta principal destrancar e abrir. Era o meu pai voltando da livraria. Elise desceu como uma flecha para os braços dele.

– Papai! - os dois se abraçaram.

– Filha! Heinrich! - disse, ao virar os olhos para mim, enquanto segurava Elise no colo. - Como vocês estão?

– Estamos bem, pai - ela respondeu, sorridente. - e a mamãe?

– Ela ainda está na reunião - só agora ele notou a presença da Anne aqui. - Anne, a srta. Gaertner conversou com a sua tia a respeito da viagem de vocês dois?

– Já conversaram - ela assentiu. - e eu só vim aqui para Heinrich e eu darmos uma volta pela cidade.

Os olhos do meu pai brilharam. Fiquei corado com isso. Queria que fosse o mesmo da minha mãe. Tenho dezesseis anos, Elise tem doze.

– E imaginem o primeiro romance que vocês tiveram, quando estavam ao vivo, no reality. - ele se lembrou, fazendo com que eu ficasse ainda mais vermelho do que antes. - Vocês foram feitos um pro outro, portanto, estão liberados.

Voltei à coloração normal. (Me pintem de bege claro que eu estou vermelho.) Então, nos entreolhamos e a puxei em direção à porta principal. Enquanto eu vestia o agasalho e enrolava o cachecol no pescoço, comecei a puxar um papinho:

– Pai, o que é que a minha mãe diria, se fosse ela no seu lugar?

Meu pai refletiu por alguns segundos.

– Ela diria a mesma coisa - ponderou ele, com um sorriso escancarado. - Só falaria para a Anne cuidar de você ou lhe trazer de volta, caso apanhar resfriado.

Mordi o lábio, sorrindo.

– Mas não se preocupe, sr. Holger - Anne assegurou, sorrindo. - deixarei o seu filho sob o meu cuidado.

– Pode me chamar de Kurt - disse ele, abrindo um sorriso na cara. - e divirtam-se vocês dois.

– Valeu, pai - me despeço dele.

O sol estava se pondo, dando uma bela tonalidade de azul claro nas nuvens e uma tonalidade rósea no céu parcialmente descoberto. Os postes começaram a iluminar o crepúsculo e crianças de mais ou menos 10 anos brincavam de ciranda em volta da fogueira. Isso me fez lembrar a minha infância, a primeira vez que eu conheci Edith, quando ela implorava para Winston descer da árvore. Pobre Winston. Mordisco o lábio. As crianças entoavam uma canção, que fez o meu coração amolecer de sensibilidade:

Lindos campos verdes
Suas copas a farfalhar,
Das suas árvores a rodear
Em suas gramas macias e verdes...

Me deu a ideia não só de primavera, mas de um lugar bem melhor. Sempre matutei sobre o paraíso e como seria, se chegasse a minha hora. E até agora penso nos meus amigos do reality mortos, vivendo bem melhor neste lugar. Lindos campos verdes, suas copas a farfalhar..., cantarolo em minha mente, quando do nada, a Anne canta:

Lindos campos verdes
A verdejar ao pôr-do-sol,
À luz do luar
A entoar ao nascer do sol.

Nas ondas dos mares,
Na orla do rio,
Além das colinas e
Além dos lares,
À meia-noite, ao meio-dia,
Tudo será uma revoada de mariposas
Livres e sem destino a encarar...

Ela tem uma voz tão serena e linda. Estranhei. Afinal, onde ela aprendeu a cantar essa cantiga? Arqueei uma das sobrancelhas ao olhar para ela.

– Como você sabia o restante da letra? - perguntei, incrédulo.

Anne deu de ombros.

– Aprendi com a minha mãe - Anne respondeu, soando suave. - Foi duas semanas antes dela e do meu pai embarcarem para o Rio de Janeiro, quando na volta, o transatlântico naufragou no meio do Atlântico. Passei a cantar inúmeras vezes, cada vez que eu sentia falta deles. Eu sentia os meus pais bem perto de mim.

Mordisco o lábio inferior. Olho de soslaio para o seu rosto, de onde saía um filete de lágrima. Eu também sinto o pesar dos pais dela, imagina ela, que foi um golpe no peito. Eram tudo para ela. A meu ver, a Anne pode até ter superado a morte dos pais, mas não se inconformou com isso. Hitler II dilacerou o seu coração. Era por isso que ela está confiando em mim para manter o segredo guardado a sete chaves. Sem querer, solto a minha voz, solene:

– Canta quando se sente sozinha, não é?

Anne assentiu.

– E é por isso que eu tenho a minha tia, o meu primo - e depois olhou para mim, esperançosa. - e a você.

Estufei o peito e esbugalhei o olhar ao ouvir aquilo que saiu da sua boca. Como eu pude ser tão idiota? Eu não esperava disso. E eu vivia correndo atrás dela, mas não tinha coragem em declarar o quanto eu estava apaixonado por ela. Relaxei os pulmões e sorri de admiração. As crianças continuavam a cantar lá no fundo, enquanto marchavam de mãos dadas em volta da fogueira.

– E pensar que pulei a fogueira e quase queimei o meu traseiro - deixei escapar uma bobagem. Deixe de ser idiota, Heinrich, ralhei comigo mesmo.

Anne riu e eu a olhei de relance, fazendo a mesma coisa que ela.

– E como aquelas crianças brincam sem parar, sem se importar com a Guerra que mata os homens... - ela continuou.

– Mas elas nem sabem o que é guerra - pondero. - A essa altura, elas ainda não entendem.

– É o führer que está fazendo a cabeça delas - replica. - aquelas crianças são filhos de pais arianos.

– E filhos de judeus deverão enfrentar o dia mais temeroso deles. - concluo, ao me lembrar do Dia da Seleção. Fico de soslaio a Anne e inclino a cabeça para o seu lado e me aproximo de sua orelha, parcialmente escondida pela madeixa loira escura natural. Sibilo: - E fomos purificados pelo reality.

– Faz cócegas - sussurra ela, quase rindo e volta a olhar para mim, encostando o lábio no meu.

Passo as mãos sobre a sua cintura, enquanto ela passa os seus sobre a minha nuca, encoberta pelo cachecol. Vivo a vida, enquanto posso, enquanto é tempo. Precisamos nos agarrar a alguém que amamos, de modo que nos proteja do frio, que é um dos principais carrascos daqueles que perecem nos Campos de Concentração. "Lindos campos verdes...". A música passou a ecoar na minha cabeça.

***

Chegamos à estação ferroviária na manhã seguinte. Elise segurava a minha mão esquerda com muita força, como no dia da minha ida ao suplício do reality. Eu tremelicava de nervosismo, mas um tremelico que é fácil de controlar. Falei com Edith via torpedo. Ao invés de estar chorando, como no dia, ficou feliz por termos que viajar pela Alemanha, tipo, "ganhar o mundo".

Chegamos à primeira plataforma, onde o trem exclusivo estava à nossa espera. Ele era exuberante, com a lataria vermelha em verniz e com o emblema da Suástica Nazista. Quase nunca tiro a minha do pescoço, por mais que eu sentisse cócegas nas clavículas. Seguro a alça da minha mochila por sobre o ombro e admiro o trem Maglev. Chegou a hora, sussurro a mim mesmo.

E lá estavam a Marni, Helmut, os seguranças e... Margot?! Só de vê-la num piscar de olhos, me deu alegria. Sempre conversei com ela via telefone e emails. Ainda lembro da primeira vez que a vi, quando ela me falou de Panem, que outrora foi a América do Norte. O curioso foi que, além que ser neutro na Guerra, Panem é uma potência em quarentena, nacionalista e totalitarista. E ainda temo que a Alemanha saia do mapa, se ela vencer.

– MARGOT! - gritei, para que ela me visse, enquanto ela conversava com o primo dentro do vagão.

Para a minha surpresa, ela me viu de imediato. A vi saindo do vagão para me abraçar. Mas não vejo a Anne em lugar nenhum da estação. "Ela se atrasou?", suspeitei, pois ela sempre foi pontual na escola. Fiquei com uma pontada de frustração, só arrepiar o pelo.

– Heinrich - Margot estava trajando um casaco 7/8 xadrez índigo e uma boina azul jazia em sua cabeça. - Chegou na hora. A Anne foi bem mais pontual do que de costume.

Anne foi pontual do que de costume? Franzi o cenho. Ela deve ter chegado aqui mais cedo. Fiz um gesto para poder subir no trem.

Entrei vagarosamente no vagão destinado a nós. Joguei a mochila sobre o sofá e explorei o compartimento. Um sofá imenso carmim dividido em três partes ocupava a outra extremidade do vagão. No centro havia uma pirâmide de iguarias. Cupcakes, dounuts, pretzels, pãezinhos doces, falafeis (bolinhos fritos de grão-de-bico) e bolinhos de cereja, ocupam da base ao topo da pirâmide, respectivamente. Me deixei levar pelas iguarias e fui marchando em direção às variedades das iguarias, quando, na hora em que peguei um bolinho de cereja, tudo ficou fora de visão. Tudo preto. Não conseguia mais visualizar nada.

– Advinha quem é? - uma voz feminina fala, fazendo cócegas na minha nuca. Essa voz me é familiar. Anne.

– É uma garota que eu conheci, desde a escola, no momento em que fomos sorteados para a 64ª edição. - respondi na virada.

Ela retirou as mãos normalmente. Nem imagino como vamos enfrentar essa viagem e ainda, se formos ameaçados de morte por aqueles que não se conformavam com a perda dos seus amigos, eu nem sei se sairíamos dessa ilesos.


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Notas finais do capítulo

Eu não sou muito de compor canções, mas só a escrevi para tornar o capitulo mais excitado, ok?
Se gostaram, nos vemos nos reviews.
Bjos da Cat❤



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