Survival Game: O Pesadelo escrita por Catelyn Everdeen Haddock


Capítulo 15
14


Notas iniciais do capítulo

Sai mais um capítulo, só que vai ter muita tensão rolando por ai!

Cat ❤️️



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Pude ver o Karl estirado na neve, com a barriga para baixo. E eu sabia que iria explodir a qualquer momento.

– KARL! - gritou Anne, ao tentar acudir o primo.

Eu estava todo coberto em um misto de raiva e angústia. Apesar de todas essas críticas que fazem ao nosso respeito e pela minha explosão para com o Karl, senti que agi errado. Ou fugia ou berrava bem na sua cara. Optei pelo soco. Tudo que me resta é contar até que a raiva passe.

1... 2... 3... 4...

E assim por diante.

Moe me amparava, tentava me acalmar, mas eu não parava de repreender a mim mesmo por ter agredido um colega que nunca o via antes e que criticava desde que eu cheguei do reality. E ainda por cima era o primo da minha então namorada. Me comprometi a ajudá-lo a se levantar e caminhar para a enfermaria da escola, mas não esperava de que fosse surpreendido por um murro na lateral do meu nariz, fazendo me desequilibrar e cair na neve de bruços. Antes disso, visualizei um corte na bochecha direita.

Saí da órbita. Fui para um espaço salpicado de estrelas, mas dava para respirar. De repente sinto uma dor forte no nariz e um líquido quente escorre para fora. Ao tocar, vejo sangue que saía do nariz. Só de pensar na intensidade da força do punho de Karl, era provável de que o meu nariz esteja fraturado.

Ouvi a Anne gritar o meu nome e sinto dois braços do Moe me ajudando a me levantar, mas a dor no nariz aumenta, cada vez que inspiro com o ar gelado e o sangue gela embaixo dele.

Nesse instante, o misto de raiva e angústia se torna um único sentimento: a raiva, o revanchismo. Pressiono os dentes com tanta força que sinto que a briga vai ser pra valer. Me desvencilho dos braços do Moe e avanço para cima de Karl, não mais me importando se ele é ou não primo da Anne. Nós dois caímos e rolamos na neve, com socos, tapas e pontapés. Vários alunos se aglomeram em nossa volta gritando "Briga! Briga! Briga!". Enquanto a maioria ovaciona, alguns nos filmam com os seus celulares, só para enviarem para as redes sociais ou para o YouTube. Ah, mas eu espero isso sair, porque eu vou enlouquecer e serei o próximo a fugir daqui.

Bato, chuto e soco, mas levo pancadas na barriga, chute nas canelas e soco na lateral da cabeça. À medida que bato, mais dor eu sinto em toda parte do corpo, mas se acentua no nariz, que não parava de sangrar. Repentinamente, ouço um apito vindo do outro lado do pátio, apesar das ovações dos colegas. Braços se enroscam no meu e me apartam de Karl, que continua se debatendo nos funcionários da escola. Entretanto, ainda reajo. Anne e Moe me ajudam na separação de Karl.

– VAMOS PARANDO COM ESSA BADERNA AGORA! - gritou sr. Bronstein, um supervisor ruivo e magro, cujo bigode é bem aparado. Se postou entre nós para apartar essa briga. Pelo apito no qual está preso a um cordão no pescoço, pude jurar que o dono do som fosse ele.

– Estou avisando, Heinrich Holger - arquejou Karl, apontando o indicador para mim, embora as mãos o estejam segurando. - Um dia você vai saber a verdade que o reality esconde. Você vai sofrer muito. Está sendo avisado!

– Cale essa boca - gritei, ainda me debatendo. - Você não sabe o que está dizendo!

– Você um dia vai saber a verdade do jogo sujo que os nazistas estão fazendo com vocês - reagiu Karl. - Eles estão por trás do desaparecimento dos vencedores das edições anteriores!

Mas o sr. Bronstein perdeu a paciência com Karl.

– Já chega, Karl! Você foi muito longe demais com essa sua suposição sobre o reality. Detenção, hoje à tarde!

– Todo dia é sempre a mesma coisa - reclamou Karl, sendo escoltado pelos dois rapazes que saíam do pátio em direção ao prédio.

Meu nariz ardia com a gélida brisa. Anne estava me segurando, enquanto Moe encarava os curiosos que estavam plantados no local. O sr. Bronstein voltou o rosto para mim.

– Você está bem, sr. Holger? - perguntou, ao me ver desengonçado da briga. Sacudo a cabeça, ao tentar estancar o sangramento que teimava em continuar no meu nariz. E se virou para os curiosos que terminavam de filmar em seus celulares. - E vocês aí, circulando, que o show acabou. Direto para os seus afazeres.

O pessoal lastimaram a minha atitude. Ainda cismam que eu mereço ser paparicado, ainda se fosse pelo supervisor rígido da escola. Antes de ser sorteado, de vez em quando levava broncas dele ao chegar atrasado (a inspetora é bem pior que ele!). Mas hoje me surpreendi com a sua expressão complacente.

– Precisa ir para a enfermaria - sr. Bronstein me sugeriu, ao notar que o sangue ainda saía do nariz, à medida que eu tentava estancar. - A hemorragia pode piorar com o frio e você pode até ter problemas no nariz.

Mas reluto.

– Não, não precisa, sr. Bronstein - falei. - Eu estou bem.

– O sr. Bronstein tem razão - Anne afirmou. - Karl tem punho de ferro, por pouco ele não estraçalhava o seu nariz.

– Eu os guiarei até lá - assegurou o supervisor.

Fiquei com uma certa relutância, mas concordei. Anne foi me escoltando, quando o sr. Bronstein notou a presença de Moe comigo.

– O que você está fazendo aqui, sr. Zimmermann? - perguntou.

– Eu ainda sou amigo dele - Moe balbuciou, temendo com a reação do supervisor.

– Bom, se você continua sendo amigo dele, então pode vir - assentiu, o que me deixou impressionado. Moe assentiu e nos seguiu até a enfermaria da escola.

***

O lugar não era tão grande coisa, mas era muito pequeno. A enfermaria da escola era na verdade uma sala retangular, quase quadrada, tinha uma maca em frente à janela, ocupando uma das extremidades da sala, na outra, uma escrivaninha e duas cadeiras de visitantes. No meio, havia armário de remédios, curativos e outros fármacos, escorado à parede. A enfermaria ficava no térreo, bem no final do corredor principal.

Eu estava deitado na maca, quando a enfermeira pôs dois pequenos cilindros de algodão em cada narina, a fim de estancar a hemorragia, depois de limpar o sangue debaixo do nariz. Ele estava vermelho e o dorso, inchado.

– Um murro e tanto, heim? - indagou a enfermeira. Eu não pude sacudir a cabeça por causa do algodão nas minhas narinas. - Não é a primeira vez que vejo feridas assim. A intensidade da força do punho de Karl poderia ter quebrado o dorso do seu nariz.

– Eu conheço o meu primo - Anne comentou. Corri os olhos até a sua voz, que estava do meu lado esquerdo, junto com a enfermeira. - Uma vez dado soco em alguém, é comum causar inchaços e fraturas. Com o Heinrich foi raro.

O dorso do meu nariz não parava de doer, uma vez que eu respirasse, ainda se o franzisse.

– Mas no final ele sempre se arrepende - continuou Anne. - Ao que parece, ele estava tentando dizer alguma coisa para a gente.

A enfermeira parou de executar o serviço.

– Que coisa? - indagou.

– Ele disse que o reality escondia um segredo e que esse segredo é a chave do mistério do desaparecimento dos vencedores das últimas edições e poderia afetar tanto a mim como a ele - comentou Anne.

– Ele falou que podemos esquecer de nós mesmos, devido ao estresse pós-reality - acrescentei, com dificuldade para falar por conta dos cilindros de algodão no nariz.

A enfermeira compreendeu o caso.

– Ele disse que esse estresse implicou no desaparecimento súbito dos vencedores das edições passadas - continuei. Anne e Moe me ouviam atentamente.

– Eu li uma vez no jornal sobre o caso do Johann Lunhoff - disse a enfermeira. - A matéria dizia que ele sofria de um colapso nervoso desde que venceu a 63ª edição.

– Eu o vi no Oktoberfest passado - comentei. - Ele parecia meio atordoado. Talvez aquela expressão seja um dos efeitos pós-reality.

– É claro - a enfermeira concordou - Todos os vencedores das edições passadas também sofreram esses efeitos. Mas todos eles sofreram a mesma coisa que você está sofrendo: a ignorância e a perda de boa parte dos seus amigos. E foi isso que deve tê-los motivado a fugir daqui.

Eu fiquei meio desconfiado. Entendi perfeitamente o que eles passaram durante as edições e em todos os programas, boa parte deles evaporaram de repente e pequenina parcela deles ainda assistem aqui.

Olhei de relance para a Anne e Moe. Ela estava um pouco apreensiva com o assunto do mistério e ele mordiscava o lábio inferior. Se isso persistir, o mistério vai virar uma verdadeira intriga. Suspeito de que o Karl esteja certo.

– Já posso tirar os algodões? - perguntei, pois nem vi o tempo passar que, a essa altura, a aula já teria começado.

– Tire-os - a enfermeira pediu. Quando os tirei, cada extremidade estava manchada de sangue. Já não sentia mais sangrar, mas a dor era acentuada no nariz. - Levante-se - e levantei e me apoiei sobre os cotovelos. - Sente sangrar?

Balancei negativamente a cabeça.

– Só o nariz que dói - acrescentei.

A enfermeira concordou e foi até o frigobar que ficava do lado oposto do armário de remédios e de lá tirou um saco de gelo do tamanho de um punho. Me forneceu.

– É para aliviar a dor - disse a enfermeira.

Sorri e disse:

– Obrigado.

***

Fui liberado de volta para a sala de aula, ainda que faltassem poucos minutos para o intervalo acabar. Me deparei com a sala vazia, além de mim e fui direto para a minha carteira, lá atrás. Não me importo se o vídeo da minha briga com o Karl vazar na internet, o que eu quero é ter mais tempo para mim. Na verdade, eu sinto falta da antiga vida que levei, ainda com as amizades e na hora de ser selecionado me deram todo o apoio. Mas agora mudou.

Boa parte mudou.

Me recostei na carteira e fitei a paisagem da janela. Seria bom se pudesse voltar no tempo e que o destino não me afetasse, mas fui obrigado a segui-lo. A cada dia que passa, fica mais difícil de se adaptar à nova vida. Nunca fui adepto de mudanças, ainda mais ligeiras. Mas essa foi a mais do que ligeira na minha vida.

Meu nariz doía menos, mas a reação era lentamente dolorosa e isso faz com que eu me acostume com a dor. O toque de recolher soou e alvoroços e passos pelo corredor aumentavam gradativamente. Avisto o Moe entrar em sala e vir em minha direção, seguido de outros que se dispersavam. Ele se sentou na cadeira na minha frente e virou o tronco para mim.

– Como é que você está? - perguntou. Nos separamos no corredor antes de eu ir para a sala.

– Estou bem agora que você chegou - digo.

– Sei, mas se prepare para a bomba, porque você está em maus lençóis - previu Moe, com um ar sombrio.

– Como assim? - quis entender.

– Todo mundo aclamou o Karl como o mártir da causa e as meninas te chamaram de esnobe.

Fiquei perplexo.

– Não estou entendendo - repliquei.

– Eu matutei pelo pátio, quando encontrei as gêmeas Linz com um grupinho de garotas da outra classe e disseram que você foi insano e aquela atitude foi típica do programa - comentou. - Paulatinamente, você foi "infectado" pelo bigodudo.

– Para com isso, Moe - me invoquei. - Até você?

– Mas é a pura verdade, Heinrich - replicou. - Olha, você é meu amigo, mas eu estou começando a entender o que o Karl estava tentando dizer naquele momento.

Enruguei o cenho.

– Que o desaparecimento dos vencedores pode sido motivado pelas normas do reality - continuou. - E que isso pode afetar a você e à Anne.

– Mas ele foi longe demais com isso - e suspirei. - Mas não pude controlar a minha reação.

Moe parecia me entender agora. Delicadamente, pôs a mão escura sobre a minha, clara. Olhei para as duas mãos, uma em cima da outra. Lembrei claramente do conceito de igualdade racial. Ah, como eu queria que essa discriminação acabasse de uma vez.

– Você não agiu certo - disse ele, com os dedos envolvendo a lateral da palma da minha mão. - Mas foi o necessário.


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