O Cárcere dos Cooper escrita por _TheDarkMoon


Capítulo 3
Parte Três


Notas iniciais do capítulo

Última parte do conto, espero que tenham desfrutado e que em breve me venham inspirações para que eu possa concluir mais contos de Sherlock.



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Depois disso, convenceu-me a voltar para casa enquanto resolvia os últimos detalhes, prometendo-me que no dia seguinte certamente iria me chamar para finalizarmos o que havíamos começado juntos.

Devo confessar que eu me corroía de curiosidade, pois eu nem ao menos conseguira visualizar o conflito do caso, que dirá a resolução. Quando o dia seguinte finalmente chegou, Sherlock parecia revigorado e dirigimo-nos à loja dos Cooper bem cedo. Mary ainda parecia sonolenta, coçando os olhos e com os lábios projetados para frente.

– Não compreendo, Mr. Holmes. O que pretende? – perguntou enquanto ele lhe ajudava a subir na carruagem.

– Não compreende e ainda assim me acompanha. Assumo que sou uma pessoa confiável. – Sherlock ajeitou o sobretudo e subiu logo atrás dela, deixando-me subir por último.

– Gosto de crer que as coisas não podem piorar. – ela suspirou de forma dolorosa, seus olhos fechados de sono e os lábios rosados.

– Se isso lhe faz sentir melhor, também não sei onde estamos indo. – disse-lhe.

– Ah, faz sim. Obrigada, Doutor Watson. – ela sorriu cobrindo os olhos dos primeiros raios de sol. – Aliás, não vejo meu irmão desde ontem à tarde. Não creio que ele vá se preocupar. – Mary torceu o tecido branco do vestido simples que usava. – George disse que voltaria pela noite. Ele não costuma ir contra sua palavra...

– Não se preocupe. Ele vai se recuperar rápido. – Sherlock disse com o olhar distante e um sorriso no canto dos lábios.

– Sherlock! – ela se alarmou.

– Não se preocupe, já disse.

– Oh, meu Deus... Não queria realmente que nada de mal lhe acontecesse. – seus olhos tornaram-se tristes como os de um cão sozinho e faminto.

– Mary... – Sherlock olhou-lhe e segurou suas mãos, com o rosto gentil. – Acalme-se.

Sherlock sempre tivera algo que encantava as mulheres e as deixava suscetíveis a dizer ou fazer o que ele precisava. Entretanto, ele nunca se envolvera demais e evitava todo e qualquer contato desnecessário. De alguma forma, eu percebia que ele possuía certa afeição pela moça. Talvez por ser tão jovem. Talvez por ser tão cativante. Ou talvez porque o caso em que estava envolvida era extremamente significativo.

Ela suspirou, relaxando o corpo e voltou a se encostar ao banco, olhando a paisagem e imersa em inúmeros e indecifráveis pensamentos. Algumas horas depois, seu corpo enrijeceu de ansiedade e seus olhos se iluminaram de expectativa.

– Mr. Holmes, por favor, se tiver feito o que estou pensando, por favor, me diga. Não deixe que me afogue em expectativas. - seu olhar implorava por respostas.

– Vai ficar tudo bem. – ele lhe tocou o braço e ela pareceu quase não aguentar de euforia com a possibilidade do que tinha como expectativa ser real.

Logo chegamos a uma bela propriedade em uma região rural. Possuía dois andares e era toda feita de madeira rústica pintada de branco que parecia aconchegante. Algumas plantas decoravam a casa e o jardim era incrivelmente colorido. Quando viu o lugar, olhou-nos com um imenso sorriso e com a aura quase explodindo, saltou da carruagem e correu. O vento fazia seus cabelos e saia voarem e seus pés descalços chocavam-se graciosos com a grama.

Por fim, abaixou-se e aconchegou em seu colo a pequena figura que caminhava desajeitada momentos antes. Enquanto descíamos do carro, pudemos ouvir sua gargalhada. Sherlock carregava os sapatos da moça com imensa satisfação no semblante enquanto caminhava até ela. Mary ergueu-se com o menino ainda em seu abraço. Tinha os lábios abertos, como se tentasse dizer algo, mas não conseguisse.

– Apenas desfrute do seu momento. Vamos ficar aqui.

Ela assentiu e caminhou com ele para outra parte do jardim, rindo e tentando conversar com a criança. Sherlock acenou para a mulher loira no batente da porta e começou a caminhar.

– Então...? – comecei, sentindo-me contente e satisfeito por algo que eu nem ao menos entendia.

– Uma boa história. Triste, é inegável. Mas boa.

– Pois o que espera para começar a contá-la? – mostrei-me ansioso.

– Uma moça espanhola se envolve com o filho de um proprietário de terras britânico. Depois de enfrentar a oposição dos Cooper, finalmente conseguem se casar. Passam a morar nesta casa assim que seu esposo herda a riqueza do pai. Poucos meses depois acabou morrendo de algum surto epidêmico. A esposa estava grávida do segundo filho na época e se vê incrivelmente perdida sem o marido. Esforça-se para cuidar ao menos da filha que acabara de nascer enquanto vencia sua tristeza. Mas, em pouco mais de um ano, a soma de sua depressão e complicações corporais causadas por sua última gravidez acaba fazendo-a falecer também. Com tutores pouco presentes, governantas e babás desleixadas, o mais velho acaba por quase criar a menina. Tinham cerca de cinco anos de diferença e laços fortes. Conforme foram crescendo, o rapaz tomou conta dos negócios, e a moça surpreendeu-o com suas aptidões para os negócios. Ainda assim, limitava sua participação e insistia em um casamento oportuno. Porém, conforme encontrava noivos que pareciam bons até demais, o rapaz começou a ter ataques de ciúmes e sempre encontrava defeitos neles. Descobriu que estava apaixonado pela moça. Apesar de esperta, ela também tinha suas ingenuidades como toda jovem e acabou por se deixar levar. Logo, descobriu que estava grávida do próprio irmão com apenas dezessete anos.

– Sherlock, parece terrível. – choquei-me.

– E não é tudo. O irmão espalhou para todos que a moça havia se envolvido com algum trabalhador aleatório, para livrar-se de possíveis especulações. Dessa forma, ninguém mais queria se casar com ela. Mas a moça, que não era boba, conheceu um bom advogado que estava de viagem e conseguiu sua ajuda para comprar uma propriedade no centro de Londres, já que tinha acabado de completar dezoito anos e também era herdeira da herança da família. Tentou convencer o irmão a passar a morar lá com ela, onde poderiam viver juntos sem que ninguém desconfiasse da origem dos dois. Inclusive, sabendo do potencial de seus trabalhadores, sugeriu que ao invés de produzir e comerciar os modestos móveis que normalmente faziam, eles podiam reformar móveis antigos e valiosos. Porém, seu irmão rejeitou tanto as ideias quanto a moça, e se casou com a filha de outro grande proprietário de terras da região. Então, após o nascimento de seu filho, a moça dirigiu-se ao centro da pequena vila e anunciou que seu filho na verdade era de seu irmão. Taxaram-lhe de louca, além de passarem a repudiar a família. A princípio a situação se portara tal como intencionara, pois não fazia nada sem refletir bem, diga-se de passagem. O fato fez com que o irmão tomasse-a e a levasse para Londres, onde ele seguiu suas ideias. Porém, para castigá-la deixou o menino com sua esposa, proibindo-a de vê-lo.

– E os irmãos são George e Mary... – percebi aflito. – Como soube?

– Mary tinha a pele muito bronzeada para ser originária das regiões centrais da Inglaterra, o que indicava morara em região ensolarada e/ou tinha alguma descendência não britânica. Além dos traços, é claro. Além disso, seus quadris eram largos e seus seios consideráveis demais para uma moça de apenas quinze anos europeia. Investiguei seu nome nos cartórios e não havia Mary Cooper condizente com suas características. Então, procurei pelo documento de propriedade de seu estabelecimento e estava no nome de Maria Valentin, o que indica que possuía um nome falso, que tinha origem espanhola e que já devia ser maior de idade.

– Parece genial.

– Os cartórios são os detetives do próprio Estado. Eu não ia desperdiçar o recurso. Aliás, o nome de George Cooper é verdadeiro, a mãe fizera do menino à figura do pai e da menina à sua figura. Típico. Seguindo George e Mary, pude perceber que ele a ameaçava com algo que não estava ao alcance dela, mas estava ao dele. Com um pouco mais de estudo e com a aproximação correta, ela acabou por se abrir e minhas suspeitas se confirmaram: ela tinha um filho. O que me surpreendeu foi o fato de ser fruto de um incesto. Sempre há uma falha nas deduções. Sempre há.

– E as cartas? – perguntei.

– As cartas. – Sherlock sorriu brevemente. – Não se trata de máfia ou qualquer outro assunto criminal. Ela só é uma boa moça e escrevia cartas de amor em nome das pessoas. Dessa forma, distraía-se e auxiliava casais a se formarem. Vai ser a madrinha de muitos casamentos.

– E será a noiva de seu próprio? – questionei melancólico.

– Perfeitamente, Watson. Acredito que o senhor Cooper tenha aprendido a lição, e agora Mary é livre para ficar com seu filho e ter sua vida. Comprei-lhe passagens para a Itália, onde ela poderá ter períodos de descanso e lazer com o menino, e quem sabe se casar com alguém. Depois, voltará para Londres e todos pensarão que a criança é fruto do casamento deles. As pessoas nunca prestam atenção a detalhes, como, por exemplo, um bem significativo que é a idade do menino. Enquanto isso, o advogado que lhe ajudou se associou a ela e poderá administrar seus negócios enquanto estiver fora.

Sherlock parecia bastante orgulhoso com sua resolução, fato que não costumava acontecer. Acredito que a mudança desse caso para os outros era que não tinha a ver com mortes e sim com a vida. Sherlock abrira caminhos para a moça.

– Mr. Holmes! – Mary vinha correndo de mãos dadas com o menino. – Sherlock! – ela parou diante de nós com as bochechas vermelhas e um grande sorriso. – Precisamos conversar sobre o que devo fazer.

– Creio que você sabe muito bem o que...

– Não sei não. – ela interrompeu afoita. – Preciso dos seus detalhes. Venha comigo, por favor.

– Como preferir. – ele tirou o chapéu.

– John, se importaria de ficar com ele um instante? – ela perguntou-me, simpática.

– Não. – respondi incerto.

– Obrigada. – ela o colocou no meu colo, depositando-lhe um beijo na bochecha. – Comporte-se com o Tio Watson.

E logo eles caminharam para a casa. Olhei para o garoto sem ter muita certeza do que fazer.

– Tio? – ele perguntou.

– Eu sou... Amigo da sua mãe. Mas pode me chamar de tio. – me senti bobo por tentar conversar com uma criança como se ela fosse um adulto, mas eu me sentiria muito mais bobo se o tratasse como um bebê.

– Parece com o pai. – ele disse com olhos inteligentes e infantis. O que deixava claro o quanto aprecia com a sua mãe. – Mas o pai é burro.

– E eu sou burro?

– Não. Você é o tio. – ele deu de ombros.

– Obrigado. – disse rindo enquanto o colocava no chão. Ele se abaixou e começou a revirar algumas folhas.

– O que você está fazendo?

– Formiga.

– O que têm elas? – abaixei-me ao seu lado procurando-as.

– Levam pesado. – ele parecia bastante concentrado.

– Você gosta de insetos?

– Não. Apenas formiga.

Sentei-me ao seu lado observando-a e rindo de cada sandice que elas faziam. De repente, ouvi um pigarro.

– Imagino que estejam se divertindo. – Sherlock apareceu atrás de mim.

– Ah, claro. – levantei-me batendo em minhas roupas em uma tentativa frustrada de limpá-las.

– Acredito que Mary... Desculpe... Maria tenha muita coisa para fazer e deve começar logo. Não devemos atrapalhar mais. – disse com a expressão satisfeita.

– Não incomodam de jeito nenhum. Devo muito a ambos e não sei como compensar-lhes. – ela disse com um olhar carinhoso e maternal, enquanto olhava seu primogênito levantar-se.

– Já nos compensou o suficiente.

– Têm certeza que não querem um chá ou café antes de ir?

– Não será necessário. Obrigada. – respondi cortês.

– Então, devemos nos despedir? – ela suspirou. – Dê adeus para nossos amigos, filho.

O menino apertou a mão de Sherlock e a minha, dizendo um breve “Tchau”. Enquanto a moça deu-nos um abraço e um sorriso muito caloroso. Ela era rara demais para Londres, talvez por isso o destino a levasse para fora. Observamos mãe e filho caminharem até a casa, de onde ela acenou ativamente vendo-nos partir.

Depois de algumas horas de viagem na carruagem sem a troca de ao menos uma palavra, fatiguei-me de olhar a expressão curiosa de Sherlock, com um sorriso de canto de boca e a mente agitada entorpecida.

– No que está pensando? – questionei.

– Não há pássaro mais sortudo do que aquele que voa sob as asas da mãe. E não há pássaro mais seguro do que aquele que voa livremente. – deu uma pequena pausa antes de concluir. - Ela está segura agora.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Comentem para que eu possa melhorar no que for possível, por favor.
Muito satisfeita por essa ser a última att do ano. Feliz ano novo!



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