Versão Alice

Ao ver minha família hoje, sempre pensava na família em que há muito tempo atrás tive. É horrível apenas ver borrões do que se viveu quando humana, não saber ao certo o porquê e nem por quem foi transformada.

Todos tinham uma história, todos tinham um passado, e ali... apenas eu não tinha. Era normal querer saber um pouco mais sobre a sua vida. Mas era difícil para que eu conseguisse entender os borrões que estavam em minha mente.

Algumas partes era distintas, como: estar em um lugar escuro, onde apenas uma porta era aberta e um feixe de luz invadia o local em que estava; a dor que sentia que se assemelhava com dor causada por choques.

Tudo era tão ruim, doloroso e horrível. Por quê? Havia tantas perguntas na minha mente que queriam ser respondidas, tantos questionamentos. Porém nada poderia ser feito, eu não lembrava e tudo que eu mais queria era isso. Lembrar.

— Querida, o que tanto está pensando aí, hein? — Esme passou por mim e colocou o vaso com as flores que havia acabado de colher em cima da mesa.

— Ah, nada... — sorri amarelo. Não iria ficar reclamando para as pessoas sobre a minha vida, ainda mais para Esme, a mulher que me acolheu e que eu a considero como uma mãe.

— Hmm, acha que me engana, menina? — ri. A Esme tinha um grande senso de humor e seu sorriso era contagiante. — Conte pra mim o que há de errado.

Ela se sentou ao meu lado e eu deitei minha cabeça em seu colo. Fechei os olhos, sentindo Esme acariciar meu cabelo levemente.

— Ah, Esme, é que eu gostaria de saber um pouco mais sobre mim mesma, sabe? Eu gostaria de saber quem eu sou de verdade.

— E você não sabe? Bom, eu sei quem você é e não precisei procurar em lugar nenhum para descobrir — sorri.

— Esme, você não vale — cruzei os braços e fiquei emburrada. — E não é disto que estou falando.

— Por que não vale? Eu conheço todas as minhas crianças e não procurei em lugar nenhum.

— Esme, é que eu... Eu me sinto meio perdida. Meio sem saber quem realmente sou; como me tornei uma vampira; onde eu estava antes; que vida eu tinha... Eu me sinto sem uma história.

— Eu entendo, meu bem. É normal que você queira saber mais sobre você, mas com o tempo as nossas memórias vão se apagando. E na nossa vida humana, nós não temos a memória tão boa quanto uma máquina.

— Você se lembra de tudo, não lembra? Se lembra da sua vida humana; de quando era criança, de seus parentes, das pessoas que conheceu, das sensações que teve, de tudo que viveu, não lembra? — Esme deu um sorriso triste e eu me arrependi de ter perguntando.

— Eu lembro sim, querida. Lembro até demais.

— Desculpe — sussurrei. Se eu pudesse estaria corada de vergonha, que furo.

— Oh, meu bem! Não precisa se desculpar — ela sorriu e eu me sentei para fitá-la. — Existem certas coisas que eu queria muito esquecer e outras que eu gostaria muito de lembrar. Mas eu tenho pensado e aproveitado somente o meu presente e futuro. E também, não posso somente esquecer o que me foi ruim e apenas me lembrar da parte boa. Quem dera pudesse escolher, não é? — ela deu uma risadinha.

— Mas... Você se lembra do seu passado, apesar de ele não ser só felicidades. Sabe como ele foi, mas e eu? Eu não sei nada sobre mim.

— Você sabe quem você é, meu anjo. Sabe que tem um homem maravilhoso, que ele te ama; que tem mais quatro vampiros adolescentes que te amam muito e que você é a irmã mais nova deles. Você sabe que tem um bonitão loiro que te considera “a princesinha do papai” — eu ri junto com ela e após isso ela concluiu. — E sabe que tem a mim, que te ama e vai estar do seu lado sempre.

— Eu sei que tenho todos vocês e sou muito grata por isso. Amo todos vocês também, muito — abracei-a. — Todos têm uma história, boa ou ruim, mas eu não tenho nada além de borrões e flashes.

— Minha pequena, você não vai poder viver no passado, para quê se importar tanto? O presente você está vivendo e o futuro ainda viverá, porque você não se preocupa mais com eles? E quem sabe, lá na frente, não tem algo guardadinho pra você? Nunca se sabe, não é? — a esperança e o otimismo de Esme são suas melhores qualidades.

— Admiro muito o seu otimismo, Esme.

— Não é otimismo, é a verdade. Eu sempre imaginei ter uma vida feliz com um marido que me amasse de verdade. Minha primeira experiência com um homem não chegou nem perto disso, contudo sempre idealizei um futuro melhor. E agora, apesar dos momentos ruins, tenho hoje um marido maravilhoso, que eu amo mais do que qualquer coisa e uma família perfeita.

— Eu já tenho o Jasper, e o amo muito. Tenho uma família e sou muito feliz com o meu presente, e o futuro... Bom, ele eu posso ver — rimos. — Mas eu tenho curiosidade sobre meu passado. Tenho duvidas...

— Mas por que insistir tanto no passado, se podemos aproveitar o presente e o futuro? E também, para encontrar o passado, hoje em dia, não é mais tão complicado.

— É verdade, você está certa.

— Ela costuma sempre estar certa. Gostaria de saber essa receita — Carlisle disse abrindo a porta, sorrimos.

— Isso não é verdade, amor — ele lhe deu um beijo no rosto e fez o mesmo comigo.

— Olá, meninas — Ele colocou sua maleta sobre a mesa e se sentou no sofá da frente. — O que fazem?

— Bom, estamos conversando sobre o passado — Carlisle se ajeitou no sofá assim que Esme falou.

— Sobre o passado?

— É, Alice gostaria de lembrar-se do seu próprio passado.

— Oh, nossas memórias são perdidas com tempo. Então, não se lembrar de algo é normal.

— Carlisle, eu só me lembro de flashes e borrões.

— E por que isso te incomoda tanto?

— Porque eu não tenho uma história — abaixei a cabeça.

— Mas é claro que você tem, Alice. E não precisa do passado pra isso. Sua história é feita no presente, no aqui e agora.

— Foi o que eu disse a ela, amor.

— Todos tem um passado, menos eu.

— Nem sempre o passado é o que queremos, meu anjo. Mas sim, o que a vida nos deu. E se seu passado é somente flashes e borrões, foi esse que a vida lhe deu e futuramente vai deixar eles mais claros.

— Será?

— Você deve deixar de ser tão pessimista e... — Esme disse, mas foi interrompida por Carlisle.

— Aprender a ser otimista como Esme — nós rimos.

— Dê tempo ao tempo. Não fomos feitos para viver na escuridão. Um dia o sol aparece e nos trás a visão que um dia foi tomado pela escuridão.

— E podemos brilhar! — brinquei.

— Já está entrando no clima, é bem por aí.

Todos nós rimos e passamos o dia conversando, até que todo o resto da família chegasse.

Aprendi nesta conversa com Esme, que não é o nosso passado que nos faz quem somos ou o que irá definir nosso presente e nosso futuro. Quem faz nosso presente e nosso futuro somos nós mesmos. E não precisamos partir das lembranças para idealizar um futuro melhor.

Pude ver também que, independente do que aconteçam, as coisas só acabam verdadeiramente quando acabam bem. E nos faz ver tudo que precisamos e desejamos, de uma forma ou de outra.