Mãos Misteriosas escrita por Almofadinhas


Capítulo 1
Capítulo Unico




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Ela mexia seu pescoço com uma suavidade oposta ao jazz que tocava no fundo da sala. Logo em seguida, erguia sua mão e colocava o cigarro em sua boca, como quem saboreava um vinho de safra rara.

Eu tinha chegado ao bar não fazia vinte minutos. E com a dor de cabeça de um dia cansativo, não havia parado para observar o lugar. De repente eu pensei “o que estou fazendo? Já fui demitido incontáveis vezes, não posso me dar ao luxo de curtir a fossa mais uma vez.”

Enquanto refletia a situação comigo mesmo, passei a dar uma volta com o olhar no ambiente em que estava. Era um bar pouco movimentado, com luzes fracas, o nome do mesmo já era autoexplicativo: Vintage Bar.

A música de fundo, geralmente um jazz melancólico para combinar com os rostos pensativos e bocas caladas que se encontravam ali. Nesse momento, fiquei atônito em perceber aquilo. Havia no mínimo doze pessoas e nenhuma delas, nenhuma, estava ao lado de ninguém, conversando. Exceto os que assim como eu estavam no balcão, e assim, tiravam algumas palavras com o garçom. Foi observando essas pessoas que meu olhar se estendeu além, e então eu a vi.

Estava sentada com as pernas cruzadas, um coque frouxo desenhando sua feminilidade, um batom vermelho forte o suficiente para tornar o lugar mais luminoso, estranhas luvas calçadas em sua mão e em uma delas, um cigarro, ao estilo parisiense. Era a visão mais exótica, intrigante e ainda assim bela, daquele lugar. Enquanto soltava a fumaça de sua boca, fitava algum rabisco do balcão com o interesse de quem assiste a uma opera. Por um momento, tentei adivinhar o que se passava na mente de um ser tão notável como aquele. Eu, reles humano escravizado pelo sistema, que no máximo lia o jornal da esquina e os outdoors da avenida, de repente estava ali como quem assiste uma peça de teatro shakespeariano ou contempla a obra de um gênio, pela primeira vez.

Tentei olhar algumas vezes para o meu copo, para o garçom a minha frente, para o balcão de madeira envelhecida, ou mesmo para os dedos finos e delicados de uma mulher em um quadro. Mas nada parecia tão mágico, complexo ou artístico , quanto olhar aquela mulher, suas luvas e seu cigarro.

Quando ela notou que eu a observava , manteve seu olhar sobre mim por alguns instantes, com um estranho interesse e depois, simplesmente sorriu. E então voltou ao seu ritual. Logo pensei “Uau, certamente já estou bêbado!”

Tudo estava parecendo uma encenação. Nada mudava com o passar dos minutos, e ninguém mais naquele bar parecia sentir o mesmo que eu. Ninguem se atrevia a olhar a única mulher do lugar. E ela tinha sorrido para mim! Tive que pensar em alguma coisa a partir dali. Então de súbito, parei de beber uísque e gastei o dinheiro que tinha no bolso, pedindo o drinque mais sofisticado do lugar, para mim e para a mulher de batom vermelho e luvas nas mãos.

Quando ela pegou o drinque, olhou em minha direção, acenou de leve com a cabeça e sorriu, bebendo calmamente. Então fui em sua direção, aliviado com a recepção agradável .
— Oi. Eu... te vi ali, então...
— Obrigado... pelo drinque. - Disse ela, sorrindo.
— Posso saber o seu nome, senhorita?

Nesse momento, ela parecia mudar o semblante. Da indiferença e tranquilidade, parecia estar dando lugar a uma leve inquietação. Sorriu, como uma garota tímida e então respondeu:
— Meu nome é Sasha...
— Oh, prazer Sasha, eu sou ...
— Paul. - Disse ela, antes de mim. Parecia envergonhada, como se houvesse deixado escapar um segredo.
—Pa... Mas... como sabe o meu nome? - disse, um pouco constrangido e assustado
— Ah... eu preciso ir. É um prazer vê-lo, Paul. Com licença .

Então ela levantou-se , colocou o dinheiro no balcão, pegou as moedas de troco e saiu.
Corri atrás dela, precisava saber quem era aquela mulher, como eu poderia conhece-la? E como eu me sentia como se nunca houvesse visto ela?

Com passos rápidos, ela seguia na calçada procurando algum táxi disponível. Então me aproximei no momento em que ela tentava guardar as moedas, deixando-as cair no chão da calçada. Praguejando, se agachou para pegar e então eu me agachei ao seu lado e disse:

— Por favor, deixe que eu pego.

Então notei o calor que vinha de sua pele, estava quase tornando úmido os fios de cabelo que caiam soltos perto de suas orelhas. Seu coque, antes frouxo com um toque sensual e sofisticado, agora estava desmanchado, deixando transparecer a fragilidade e inquietação da mulher misteriosa. Foi então nesse momento, quando pegava freneticamente as moedas, que uma de suas luvas deslizaram, deixando a mostra a pele encoberta. De um vermelho vivo, e com sinais de cicatrizes, minha mente logo foi tomada por uma sensação de familiaridade.

Mãos miúdas, deficientes, mas tão macias, tão frágeis, que me enlaçavam em um abraço apertado, que cobriam a boca de risos incontroláveis e gargalhadas tão verdadeiras. Mãos que seguravam as minhas mãos. Mãos que, ora repugnantes a outros garotos, para mim eram lindas. Mãos das quais um dia eu tirei das luvas e as beijei.

Oh meu Deus! Porque eu não conseguia lembrar o rosto da dona dessas mãos?
Enquanto eu me levantava, e me lembrava de tudo impressionado, ela correu para um táxi que tinha parado a uns 10 metros.

Não havia Sasha em meu passado. Mas havia aquela mulher. Havia uma historia.

E eu que tinha ficado abalado por ter perdido um emprego. Naquele momento nem dez empregos perdidos sentidos de uma vez só, poderiam superar o que eu sentia.
Inconformado, com a sensação de ser impotente e estar sendo trapaceado pela vida, eu respirei fundo aquele ar de uma tarde finda e dei meia volta... quando de relance, vi alguma coisa brilhar no chão. Olhei de volta e lá estava. Como o sapatinho de cristal, a luva que deixou cair sem querer.

Me aproximei, fiquei olhando como se estivesse olhando as mãos dela no bar.
Com um gosto ainda amargo me agachei e peguei aquela luva.
E então, sorri...


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ter lido! E se tiver qualquer sugestão, crítica, ou elogio, será bem vindo a expressá-los ;)