Era só mais um dia. escrita por Marril


Capítulo 1
O rapaz do autocarro


Notas iniciais do capítulo

Olá! Aqui tem a primeira one-shot! Espero que gostem!!

PS: Estou a pensar escrever nas notas finais de onde me inspirei para escrever o capítulo, por isso não são obrigados a ler, é só uma curiosidade ;)



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“Uma simples troca de olhares. E foi assim que tudo começou…”

Era uma manhã fria de Outono. Tinha acabado de chover e o cheiro a relva molhada do parque por detrás de mim inundava as minhas narinas, puxei o cachecol mais para cima assim que uma brisa gelada fez os meus cabelos voarem e o meu corpo encolher-se de frio. Olhei mais uma vez para o relógio, desejando avidamente que o autocarro se despachasse a chegar, não conseguiria suportar o frio por muito mais tempo.

Cerca de dois minutos depois, vi o bendito autocarro a aproximar-se, retirei rapidamente o meu passe de uma carteira roxa de plástico onde guardava todos os cartões mais importantes, e esta de dentro da mochila. Aproximei-me mais da paragem, onde já um pequeno grupo de pessoas tinha-se reunido numa fila meio desorganizada.

Assim que o veículo parou e abriu as suas portas, uma a uma, cada pessoa foi subindo contínua e apressadamente, umas para fugir ao frio, outras talvez por estarem com pressa de arranjar um lugar. Eu, pelo contrário, entrei sem pressa alguma, além do frio, que já não parecia ser tão forte, não tinha outras razões para despachar-me.

Caminhei pelo autocarro adentro num ritmo nem muito lento, nem muito rápido, seguindo as pessoas que entraram antes de mim, passei pela porta de saída e subi um pequeno degrau até à parte mais alta. Sentei-me na segunda fila ao lado da janela, já que os lugares mais para trás pareceram-me semi-ocupados, além disso eu sempre gostei de escolher um par de lugares livres e sentar-me, em especial, do lado de dentro. Isto pois demoro algum tempo a acomodar-me e também porque saio na última paragem e estar sempre a levantar-me é um aborrecimento, além de implicar a minha atenção na pessoa que está ao meu lado, caso esta queira sair.

Retirei a minha mochila das costas e coloquei-a ao meu colo, de seguida tirei o meu velho iPod roxo, já um pouco desgastado pelo tempo mas ainda funcional, e o meu par de phones amarelos (uma combinação estranha, é verdade). Conectei os dois e deixei que o iPod escolhesse que música queria tocar. A melodia começou imediatamente a tocar apagando todos os sons de dentro do autocarro, nomeadamente as conversas enfadonhas das velhinhas coscuvilheiras e o próprio barulho do veículo a mover-se.

Desviei o meu olhar para o lado de fora do vidro: a mesma paisagem de sempre; devolvi a minha atenção para dentro do autocarro, que entretanto tinha parado na segunda paragem a contar da minha. Vi novamente as pessoas a entrarem, uma de cada vez: uma senhora velhota que se sentou no primeiro lugar que encontrou, um senhor talvez na casa do 30 que decidiu ficar de pé, um rapaz não muito mais velho do que eu… Era estranho, não o rapaz, mas sim o facto de ele estar no autocarro. É muito raro àquela hora da manhã existirem passageiros aproximadamente da minha idade, a maior parte apanha o autocarro o mais tarde que pode, devem adorar dormir.

Segui-o com os olhos, porém antes de subir o degrau para a parte mais alta ele ergueu a cabeça, talvez à procura de um lugar, por uns segundo os seus olhos encontraram os meus, no entanto eu rapidamente desviei o olhar, ligeiramente embaraçada. Pus-me a olhar outra vez para o vidro, sentia o coração aos saltos, todavia não sabia explicar porquê. Algo dentro de mim receava que ele se sentasse ao meu lado e me perguntasse porque estava a olhar para ele.

Senti alguém a sentar-se ao meu lado, seria ele ou não seria ele? Por favor que não fosse… Será que era? Era ou não era? Reuni alguma coragem e olhei discretamente para o meu lado esquerdo… Era ele. O rapaz virou-se para mim e com um sorriso encantador disse:

-Olá, bom dia!

-B-Bom dia. – Respondi envergonhada, não era normal as pessoas meterem conversa comigo, em especial rapazes próximos da minha idade.

Ele sorri outra vez e… Ná, estava a brincar. Na verdade, não era ele, mas sim uma senhora já quase na casa dos 40. O rapaz provavelmente passou por mim sem me olhar duas vezes, só espero que não tenha ficado a pensar coisas estranhas sobre a minha pessoa.

O resto da viagem decorreu como o habitual, acabei por mergulhar na minha música juntamente com os meus pensamentos matinais que por vezes são muito filosóficos (ou não). Apenas reparei quando ele saiu, umas paragens antes de mim, como é que era o seu aspeto físico. Alto, no entanto não muito mais do que 1,70 m, o cabelo castanho mais ou menos comprido, cortado num estilo que lhe assentava bem, olhos escuros que por vezes pareciam brilhar quando um raio de luz invadia o autocarro mal iluminado.

***

No dia seguinte, quando o autocarro parou na sua paragem de entrada fiquei surpreendida pelo facto de ele não entrar “sozinho”. Juntamente com ele entraram mais dois rapazes… E como é que eu soube? Simples, eles entraram animados a conversar. Tive a oportunidade de, nesse instante, visualizar o seu sorriso verdadeiro (e não aquele que vi nos meus devaneios).

Não consegui evitar segui-lo novamente com o olhar, aquele sorriso parecia cativar-me, prendendo a minha atenção na sua estranha perfeição. Ao contrário do dia anterior o seu olhar não se cruzou com o meu, provavelmente porque ele estava tão distraído com os seus amigos ou então simplesmente porque não tinha razões para olhar na minha direção.

***

Vários dias foram passando… Na maior parte dos dias eu encontrava-o, entre as várias pessoas, a entrar no autocarro, umas vezes sozinho, outras vezes com os mesmos dois amigos. Os nossos olhares nunca mais se encontraram, apesar de eu estar sempre a observá-lo, na esperança de que ele olhasse também para mim, coisa que nunca mais fez. As únicas oportunidades que tinha para o observar eram quando ele entrava e passava por mim até se sentar, provavelmente, num dos lugares mais para trás e quando ele saia antes de mim, mais especificamente durante o tempo que ele aguardava até o autocarro parar completamente e abrir as portas para libertar os seus passageiros da espera.

E cada vez que ele saia do autocarro eu não conseguia evitar pensar para onde iria ele? Que escola frequentava? Seria muito longe? Que tipo de pessoa era ele? E, mais básico de tudo, qual seria o seu nome? Eu nunca acreditei em amor à primeira vista, mas, sem saber porquê, aquele rapaz parecia ser uma exceção à regra.

***

Um dia, não sei dizer ao certo quando, o autocarro vinha um pouco mais cheio que o habitual o que me obrigou a sentar-me na última fila, já que as primeiras já estavam praticamente ocupadas. Era a primeira vez que teria oportunidade de observá-lo de trás e possivelmente durante toda a viagem (Okay, isto pareceu um bocadinho à stalker).

Como era habitual, duas paragens depois, o rapaz entrou no autocarro, contudo apenas consegui vê-lo quando ele subiu o degrau. Vi-o passar pelo lugar onde eu costumo sentar e a seguir de passar por essa fila começou a olhar da esquerda para a direita simultaneamente, como se procurasse alguém. Seria eu? Teria ele notado que eu não estava sentada no meu lugar do costume e decidira então procurar-me?

Uns segundos depois abriu-se no seu rosto um sorriso, parecia que ele tinha encontrado a pessoa que procurava, mas essa pessoa não era eu… Era uma rapariga sentada duas filas à frente de mim. Ele sentou-se ao seu lado e murmurou o que me pareceu ser uns bons dias, de seguida beijo-a ao de leve nos lábios… Oh… O choque e o entendimento vieram quase ao mesmo tempo, o meu coração contraiu-se à medida que o meu cérebro assimilava o que eu tinha acabado de presenciar. Ele tinha namorada…

Guiei o meu olhar, sem saber muito bem porquê, para a rapariga. O seu cabelo tinha uma tonalidade semelhante ao meu e a sua maneira de amarrar o cabelo também não era muito diferente da minha… Talvez era por isso que no primeiro dia ele tinha olhado para mim, deve ter pensado que eu era a sua namorada. E, o facto de nos dias seguintes não ter-me dirigido o olhar deve significar que aprendera a distinguir-nos, o que não deve ter sido muito difícil, já que além do cabelo não existia mais nada semelhante entre nós… Ela era linda, com um sorriso encantador, e eu era apenas uma rapariga comum, sem nada de especial a apontar.

Aumentei o volume do meu iPod até ao máximo tolerável pelos meus ouvidos e de seguida virei a minha cara para o vidro, observando o lado de fora do autocarro. Não queria nem ver nem ouvir o quer que fosse. A única coisa que queria era desaparecer naquele exato momento, ir para algum lugar muito longe dali…

Quando cheguei à escola, dirigi-me para perto do edifício onde teria aula. Do lado de fora já se encontravam duas pessoas da minha turma, um rapaz e uma rapariga, eles estavam sentados lado a lado e pareciam felizes a conversar. A sua felicidade contrastava perfeitamente com o meu desgosto. Murmurei uns bons dias e sentei-me no lado contrário a eles, encolhida numa pseudo-bola humana. Os dois mostraram-se um bocadinho preocupados e perguntaram-me:

-Está tudo bem?

-Sim… Só estou com uma dor de cabeça e com sono. – Menti.

Eles pareceram engolir a minha desculpa, pois retomaram a sua conversa animada. Tentei ignorá-los, enquanto sentimentos negativos pairavam à minha volta, não sabia se sentia ciúmes ou simplesmente raiva pelo facto de estar tudo bem no “mundo” deles, mas tudo mal no meu.

Acabei por passar o resto do dia de “mau humor”, uma ou outra pessoa perguntava-me se estava tudo bem, no entanto eu acabava por disfarçar com uma desculpa qualquer… Por vezes apetecia-me desabafar com alguém, porém nenhuma pessoa me inspirava confiança suficiente para fazê-lo. Ainda pensei em conversar com uma amiga que conheci na net, todavia não queria enchê-la com os meus problemas enquanto ela já devia ter os seus. A meio da última aula do dia lembrei-me da solução perfeita, já sabia como desabafar tudo sem incomodar as pessoas! Só tinha de chegar a casa e estava quase tudo resolvido.

«»«»«»

Chego a casa estafada, a minha mochila parece pesar mais agora do que quando saí de casa, por isso atiro-a para o primeiro canto que encontro no meu quarto. Sento-me na minha secretária e ligo o meu computador portátil, enquanto ele está a iniciar, levanto-me e procuro alguma coisa para comer. Como não está ninguém em casa tenho a liberdade de fazer quase tudo o que eu quiser, por isso preparo uma sandes com uma combinação estranha de ingredientes.

Volto para o meu quarto mastigando um pedaço da sandes, sento-me novamente e preparo o meu computador, abro um documento word e estico os dedos preparando-me para escrever sobre a minha pequena desilusão amorosa. Teclo algumas palavras e, de seguida, olho para o ecrã para ler o que tinha começado a escrever. Continuo este processo durante algum tempo e quando sinto-me satisfeita volto ao início do documento e começo a ler as minhas próprias palavras:

“Uma simples troca de olhares. E foi assim que tudo começou…”


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Notas finais do capítulo

Então... Eu tive a ideia para escrever este capítulo durante uma viagem de autocarro enquanto ia para a escola. Eu costumo ir sempre mais cedo (um hábito estranho meu xD) e por acaso nesse dia um rapaz mais ou menos da minha idade entrou comigo no autocarro. Eu nunca o tinha visto antes e até hoje raramente o vejo, só nalguns dias mesmo... Durante os meus devaneios matinais acabei por criar uma história e pensei: "Porque não escrevê-la?"... E pronto, cá está ela!

@Marril .



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