O Peregrino escrita por Deusa Nariko


Capítulo 31
Capítulo XXXI


Notas iniciais do capítulo

Trigésimo primeiro capítulo dedicado à Ray pela recomendação maravilhosa! Espero que goste! *-*
...
Boa leitura!



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O Peregrino

 

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Capítulo XXXI

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Taki no Kuni (País da Cachoeira), dias atuais.

 

— Não se mova, por favor, Sasuke-kun — Sakura me pediu com gentileza assim que seus dedos formaram um pequeno bisturi de chakra.

Sua outra mão ainda enviava chakra para o meu braço esquerdo, completamente dormente àquela altura. Eu não sentia mais nada do meu cotovelo para baixo e tampouco podia mais mover a prótese. Apenas um minuto antes, suas mãos haviam puxado a lâmina alojada do meu braço.

Agora, ela posicionava o bisturi e cortava com uma precisão milimétrica o restante de tecido que ainda mantinha a prótese ligada ao meu braço, separando-a de mim permanentemente.

Tentei não deixar transparecer o quanto aquele processo era doloroso, uma vez que ainda havia osso, músculo e nervos ligando-me àquela prótese, e não só porque não queria que Sakura se sentisse culpada por meu suplício, mas também porque Naruto estava do outro lado, fitando-nos atentamente — eu nunca demonstraria fraqueza diante daquele Dobe.

 

Por fim, a prótese se separou do meu corpo e caiu ao meu lado com um baque no gramado. As mãos de Sakura instantaneamente cuidaram de terminar de estancar o sangramento e de fechar o ferimento com sua técnica da palma mística.

Ela limpou a garganta, de repente, atraindo tanto a minha atenção quanto a de Naruto:

— Como exatamente você chegou aqui, Naruto? Eu até acredito em coincidências, mas o seu timing foi quase perfeito. Além disso, como sabia da minha localização e do Sasuke-kun?

Olhei de um rosto a outro, de Sakura, cujo semblante se mostrava compenetrado e sustinha um sobrecenho carregado, a Naruto, que coçou a cabeça com visível confusão antes de respondê-la.

— Ahh, isso é porque nós recebemos a mensagem do Sasuke-teme de que estava na vila e precisava de reforços.

Dessa vez, Sakura e eu nos entreolhamos em silêncio, até que eu voltei a me manifestar com um suspiro.

— Eu não mandei mensagem nenhuma para o Kakashi, Naruto — expliquei para ele com calma.

— O quê? Como assim?! — inquiriu, exaltando-se, e se levantou num sobressalto. — Mas eu mesmo vi a mensagem que chegou por um dos pássaros! Aliás, o Kakashi-sensei até estranhou que você não tenha enviado um dos seus falcões para transportar informações de uma missão secreta!

Suspirei demoradamente, dessa vez com exasperação.

— É isso o que estou tentando te dizer, Dobe, eu não enviei mensagem alguma.

Ele franziu a cara, claramente aturdido, mas nesse meio tempo Sakura voltou a encontrar o meu olhar e aquiesceu com discrição, confirmando a minha suspeita. Ginchiyo, tinha que ter sido ela no fim das contas. Foi ela a enviar a mensagem para Kakashi e a pedir por reforços para nós dois.

Sakura quebrou o silêncio ao se empertigar, já finalizando o procedimento no meu braço — ou no que voltou a restar dele.

— Pensei que o Kakashi-sensei tivesse te proibido de sair da vila, Naruto, especialmente pela condição da Hinata.

Dito isso, ele abriu um sorriso largo, cheio de dentes, e assentiu.

— Ahhh sobre isso... O Boruto nasceu bem e saudável, Sakura-chan. — Então, ele se voltou para mim: — Ele nasceu um dia depois que você partiu da vila, Sasuke.

— Eu fico contente por ouvir isso, Naruto — Sakura declarou com um sorriso delicado adornando seus lábios e, enfim, afastou as mãos curadoras do meu corpo, cessando sua técnica.

Relanceei um olhar para o meu membro faltante; o toco aparecia por baixo da manga rasgada da minha blusa. Sakura tocou o meu ombro e me aconselhou a não fazer movimentos muito bruscos, pois havia perdido um pouco de sangue.

Quando fiz menção de me levantar, ela ficou próxima a mim, atenta. Mesmo que eu tenha assegurado que estava bem mais de uma vez, fez questão de me vigiar de perto.

Estávamos os três de pé sobre a campina quando intuí a aproximação de vários inimigos, todos ao mesmo tempo. Tentei me colocar numa posição defensiva a tempo assim que eles pousaram, cerca de dez ao todo, todos exibindo seus hitaiates e suas vestimentas escuras com orgulho: Shinobis de Takigakure.

— Está tudo bem — Naruto garantiu tanto para mim quanto para Sakura, gesticulando efusivamente com as mãos: — Eles estão do nosso lado!

Encarei Naruto com o sobrecenho enviesado, estava ficando irritado rapidamente, mas então um dos próprios Shinobis se manifestou:

— O Lorde Feudal requisita a presença de vocês em sua mansão imediatamente.

— O que está havendo, Naruto? — perguntei a ele, que manteve a calma ao me responder.

— Está tudo bem, Sasuke. Eu já cuidei de tudo antes de vir encontrar vocês dois.

— A rebelião do clã Mori foi contida — outro Shinobi, de olhar zangado, me informou com um laconismo que me enervava; detestava estar no escuro e ser deixado à parte da verdade. — Agora, acompanhem-me! — praticamente exigiu, voltando-se para a vila e disparando para lá.

— Está tudo bem, Sasuke-teme — Naruto reafirmou mais uma vez. — Confia em mim, cara!

Sakura tocou meu ombro de novo num gesto de reafirmação também.

— Vamos com eles, Sasuke-kun.

E assim, nós fomos. Todos os três, escoltados à distância por aqueles Shinobis ranzinzas de Takigakure. Deixamos a campina para trás, tal como os corpos de Ichiro e Kazuhiko, eu não tinha dúvidas de que o Lorde Feudal enviaria mais de seus homens para recolhê-los mais tarde.

Atravessamos a vila em direção ao norte, onde a mansão dele se situava, na parte mais elevada do terreno e protegida, ao sul, pelo imenso paredão de calcário, na borda da aldeia.

Na base da colina, subimos uma escadaria de pedra branca e, no seu topo, se erguia a mansão, toda construída com madeira e com telhados angulosos. Estava cerceada por árvores frondosas e com um palanque espaçoso enfeitando sua fachada, cercado por uma pequena balaustrada.

No meio do caminho, alguns dos Shinobis que nos acompanhavam deixaram de nos seguir, de modo que apenas um deles, talvez um Jōnin de sua confiança talvez, continuou nos guiando escadaria acima, até que alcançamos a mansão.

Ele abriu as portas de correr para nos deixar passar, mas não entrou conosco; postou-se de guarda à entrada e lá ficou.

— Inoue-sama os aguarda lá dentro — anunciou, e foi tudo.

Sakura, Naruto e eu seguimos adiante por um corredor estreito, ladeado por portas e mais portas — Naruto seguia na dianteira, liderando-nos.

Fomos encontrar o Lorde Feudal num cômodo espaçoso, talvez uma antessala ou uma câmara de conferências e ele não estava só: Jūgo, Karin e Suigetsu estavam de pé próximo à parede, enfileirados e silenciosos. Observei-os com atenção durante um único segundo e concluí que, a não ser por alguns arranhões superficiais, todos estavam bem. Ao menos um deles sorriu de forma incisiva quando entrei, tenho certeza.

O Lorde Feudal estava sentado sobre uma almofada bordada e nós nos postamos perante ele a uma boa distância, se para demonstrar respeito ou desconfiança, eu honestamente não sabia.

Surpreendi-me com sua idade tenra, ele era bem mais novo do que pensei. Apesar disso, tinha uma compleição rígida e cabelo escuro e comprido. Suas vestes não eram as mais luxuosas que vi. Ele era mais líder do que nobre, percebi, e seus olhos densos esquadrinharam cada um de nós atentamente.

Depois de quase um minuto imerso num silêncio obtuso, ele suspirou profundamente:

— Acho que devo agradecê-los primeiramente — disse-nos com óbvia relutância e constrangimento, então olhou os outros três e enfatizou com um tom grave: — Todos vocês por salvarem a minha vida, apesar dos pesares.

Foi Naruto a interrompê-lo, para o meu espanto, ao levantar uma mão e murmurar com cordialidade:

— Não precisa nos agradecer, tio.

O Lorde Feudal sorriu torto para ele.

— Especialmente se levarmos em consideração as circunstâncias que nos reuniram, não? — acrescentou com ironia. — Tem razão... Você é o famoso Uzumaki Naruto, não é? O grande herói da Aliança e da Quarta Grande Guerra. Eu ouvi muito a seu respeito devo admitir — comentou ao esfregar o queixo pensativamente. — Mas não importa agora. Eu aceito as consequências dos meus atos e aceito a punição que a Aliança designar para mim.

Naruto balançou a cabeça devagar em discordância.

— Não há razão para se preocupar, eu garanto que a Aliança não irá puni-lo e disso eu vou pessoalmente me certificar. Mas em troca, quero que me dê sua palavra...

— Para o quê?

— É sobre as bijūs — Naruto foi categórico ao respondê-lo. — Eu quero que me dê sua palavra de que não irá mais atrás delas e também quero que convença outros países a respeitá-las e a deixá-las em paz.

O Lorde Feudal franziu o rosto numa careta, mas acatou o pedido de Naruto.

— Certo, garoto. Eu reconheço que o seu esforço e a sua causa são honrados, mas leve em consideração que Takigakure perdeu a sua única Jinchūriki e o seu único Bijū para a Akatasuki há alguns anos, o que defasou nossas forças militares grandemente. Meu único interesse sempre se tratou de proteger o meu povo e com o poderio da Aliança pairando sobre nações menores como Taki...

— Eu posso afirmar que a Aliança não tem o menor interesse em prejudicar outros países. Tudo o que queremos... — ele suspirou e recomeçou: — Tudo o que eu quero é manter a paz entre as nações. E pode ter certeza de que quando eu me tornar Hokage eu vou dar tudo de mim para que essa geração e a próxima jamais tenham de lutar outra guerra.

Por um tempo, o Lorde Feudal permaneceu em silêncio, mas então ele suspirou em derrota.

— São grandes promessas para alguém tão jovem, Uzumaki Naruto, e, por algum motivo, eu me sinto inclinado a acreditar em você.

— Por favor, não tenha medo da Aliança — suplicou e até mesmo eu me surpreendi com o fervor contido em seu pedido. — Tudo o que o Kakashi-sensei e os outros querem é manter a paz e que todos trabalhem juntos para construir um mundo melhor. Eu... — ele sorriu abobalhado. — Eu me tornei pai recentemente e posso afirmar por mim mesmo que farei tudo o que estiver ao meu alcance para que o meu filho cresça num mundo pacífico.

— As nações menores não precisam nos temer — interferi na conversação e atraí a atenção do Lorde Feudal para mim.

Ele me avaliou criticamente com olhos entrecerrados e sobrecenho enviesado antes de se dirigir a mim, por fim:

— Você é Uchiha Sasuke, não é? O último membro do clã Uchiha. Também ouvi muito a seu respeito e, diferentemente de Naruto, nem tudo o que ouvi me agradou.

Franzi o cenho, consternado, e foi Naruto a me defender, colocando-se à minha frente para evitar que a tensão se apoderasse da conversa até então amigável.

— O Sasuke não é uma ameaça a ninguém! — declarou com uma convicção tão inabalável que me constrangeu por um momento. — Acredite em mim, tio! O Sasuke, assim como eu, está trabalhando para construir um futuro melhor para todos, não é, Teme?! — ele se virou para mim com afobação e eu revirei meus olhos.

Voltei a encontrar o olhar ressabiado do Lorde Feudal e me aproximei um passo, afastando Naruto com minha mão; eu não seria protegido por ninguém ali, não admitiria isso. E não respeitaria cortesias e linguagens floreadas, isso não era o meu estilo. Por outro lado, seria sincero, isso eu prometeria.

— Diga-me o que está pensando, Uchiha Sasuke — ele gesticulou uma mão para mim e pronunciou meu nome com um respeito velado dessa vez.

— Você se aliou a uma organização criminosa que, no final, quase se tornou a sua própria derrota — disse-lhe. — Mandou que eles atacassem e matassem uma Kunoichi que salvou uma vila inteira no território do seu país.

— Outros países já utilizaram os serviços de organizações criminosas no passado. Além do mais, creio que você esteja querendo dizer que uma Kunoichi veio até o meu país para me espionar e espionar os meus homens — ele me corrigiu com um sorriso afetado, que não direcionou a mim, mas à Sakura; ela abaixou a cabeça, embaraçada, em resposta. — Eu estive ciente dos espiões da Aliança no meu país o tempo todo, garoto. Se fechei os meus olhos ou não para isso em algum ponto, não muda o fato de que a Aliança está fazendo vista grossa a todos os líderes das demais nações e todos sabemos disso.

“Quando me tornei líder dessa nação, meu único comprometimento foi para com o meu povo e apenas para com ele. Líderes precisam tomar decisões difíceis e que, por vezes, por mais que o restante do mundo as considere incorretas, aos olhos do seu povo elas serão a sua única opção.

— Há sempre uma opção — Naruto o lembrou num murmúrio suave.

— Gostaria de vê-lo pôr tantos ideais nobres em prática quando tiver se tornado Hokage, Uzumaki Naruto — ele disse, mas não havia sarcasmo algum no seu tom.

Naruto sorriu em resposta, seu típico sorriso confiante que fazia com que todos tivessem fé nele, nos seus sonhos e planos, por mais que estes soassem ingênuos e impossíveis. Eu mesmo confesso que é difícil não acreditar na resolução desse idiota, uma vez que ele sorria dessa forma ao final.

No fim, o Lorde Feudal suspirou profundamente e deixou seus ombros caírem em sinal de derrota.

— De todo modo, prometo dialogar com seu líder, Hatake Kakashi, e prometo que vou me comprometer a cumprir tudo o que eles quiserem de mim. Depois dessa traição inesperada por um dos clãs mais antigos e que foram mais leais à Takigakure no passado, eu estou reavaliando a forma como enxergo tudo a minha volta.

Então, ele se dirigiu a todos nós com um tom tão firme quanto seu olhar endurecido:

— São bem-vindos para se recuperarem da batalha em Taki, todos vocês, mas não mais do que isso. Agora, estão dispensados; tenho mais assuntos a tratar — concluiu com um floreio de sua mão.

Ao término de sua fala, Shinobis apareceram à porta para nos escoltar para os lugares que nos foram designados. Fomos levados para fora da mansão e de volta à vila depois disso. Foi só então que o Taka me abordou, Suigetsu primeiro:

— Cara, você não tem ideia de como tudo aconteceu!

Dei-lhe pouca atenção, mas ouvi seu relato entusiasmado de todo modo.

— Nós fizemos exatamente como você disse, Sasuke. Esperamos pela distração e que os ninjas de Taki ficassem ocupados o bastante para nos infiltrarmos na vila, e então seguimos direto para a mansão do Lorde Feudal.

“Pretendíamos sequestrá-lo no princípio para afastá-lo da vila até que você resolvesse tudo, mas então quando estávamos a caminho de lá, Karin sentiu a aproximação de inúmeros Shinobis e nos alertou. Caramba, foi uma batalha e tanto! — ele assentiu consigo mesmo, provavelmente por se recordar de todos os detalhes da luta. — Esses caras do clã Mori eram lutadores excelentes. Nos deram trabalho até o loirinho ali chegar e equilibrar a disputa para o nosso lado!

Naruto, ao meu lado, franziu o rosto desgostoso ao ouvir Suigetsu se referir a ele daquela forma. Não era segredo para ninguém que ele e Suigetsu não se davam bem. Eu achava isso no mínimo interessante, afinal ambos tinham o mesmo hábito de me tirar do sério às vezes com suas baboseiras.

No fim, fomos acomodados todos no mesmo prédio, em quartos separados, mas que se situavam num mesmo piso. Fiquei contente por enfim conseguir um pouco de privacidade: estava cansado, sujo e com dores, e era exaustivo esconder de todos que eu não estava me sentindo muito bem.

Sakura notou isso, é claro, e por esse motivo apareceu na minha porta alguns minutos depois com o pretexto de fazer um curativo adequado no meu braço, mas eu sabia o que ela verdadeiramente queria: confrontar-me e confrontar o meu sacrifício.

— Sente-se, Sasuke-kun — ela indicou a cama simples para mim enquanto vasculhava sua mochila atrás de ataduras, certamente.

Fiz como ela pediu porque não tinha ânimo para contrariá-la e logo ela me ajudou a retirar minha blusa rasgada e suja de sangue. Deixei que suas mãos trabalhassem no meu corpo e tentei relaxar, mas sem sucesso. Seu toque me deixava desperto demais, consciente demais para as palavras tensas que se acumulavam entre nós dois.

Sakura limpou meu toco com cuidado e o envolveu com ataduras com delicadeza extrema e examinou meu torso num escrutínio inquieto apenas para aliviar sua consciência, algo me dizia. Então, ela deslizou as mãos pelas minhas costelas e suspirou pesadamente, por fim.

— Você não deveria ter feito isso — sussurrou e se eu não estivesse tão próximo a ela certamente não a teria escutado, mas, como estava, franzi o cenho com raiva e me afastei, me levantando da beirada do colchão.

Procurei pela minha bolsa e me surpreendi em como estava sendo fácil me readaptar a utilizar apenas uma mão para as tarefas mais corriqueiras, como me vestir por exemplo. Havia tido a prótese por pouco mais do que dez dias, mas havia me habituado, anos antes, a contar com apenas um braço para tudo.

Ouvi o farfalhar das roupas de Sakura quando se levantou e o som dos seus passos quando tentou se aproximar de mim. Sua hesitação esmoreceu, contudo, e logo senti seus braços me envolverem e seu corpo se pressionar contra as minhas costas.

— Não deveria ter se arriscado por minha causa, Sasuke-kun — ela insistiu num tom contrito que arrefeceu minha raiva passageira.

Acho que me sentiria da mesma forma se Sakura se machucasse para me proteger e, por isso, podia compreendê-la nesse aspecto. Portanto, procurei pelas palavras certas para rebater as dela.

— Você teria feito o mesmo por mim — lembrei-a monótono e ouvi-a suspirar outra vez.

— Você está certo — anuiu.

E dito isso, afastou-se de mim. Pareceu que o assunto havia sido encerrado e, de fato, assim o foi. Sakura começou a recolher suas coisas e a guardá-las na sua mochila e não me procurou com o olhar. Antes de sair, entretanto, aproximou-se o bastante para roçar os lábios nos meus num beijo breve de despedida.

Assisti-a desaparecer pela porta e então foi a minha vez de suspirar pesadamente. Cada quarto possuía um banheiro, o que era bom, pois eu estava louco por um banho. Queria me livrar da sujeira e do cheiro de suor o mais depressa possível.

Entrei sob a torrente de água quente tendo o cuidado de não molhar os curativos recém-feitos por Sakura e me desliguei da realidade por alguns poucos e preciosos minutos. Só então assimilei que a missão havia terminado: Takigakure estava salva da ameaça de uma guerra civil e eu estava indo para casa com Naruto e Sakura.

Casa. Depois de anos peregrinando pelos quatro cantos do mundo, pensar em Konoha como meu lar ainda não parecia certo, não parecia ser o momento. Não para os planos que eu tinha em mente. É por isso que, ao fechar o chuveiro e enrolar a toalha em torno da minha cintura, eu me decidi: voltaria apenas pelo tempo suficiente para fazer todos os arranjos necessários.

E, então, recomeçaria a minha vida enfim.

⊱❊⊰

Mais tarde, com um princípio de noite ameno caindo sobre Takigakure, eu fui encontrar Naruto no terraço do prédio. Aproximei-me com passos ruidosos a fim de anunciar minha presença e ele se virou pra mim com um aceno de cabeça.

— Aqui em cima é bonito, não é? — perguntou-me, voltando-se para a paisagem que nos cercava, os prédios baixos da vila pintados por um poente quase onírico, intenso até.

— A missão está completa — eu acrescentei soturno, postando-me ao lado dele. — Nós voltamos amanhã para Konoha.

— Espero que isso signifique que não está pensando em nos deixar outra vez — Naruto comentou alegremente, mas eu me mantive em silêncio; contaria minha decisão, especialmente à Sakura, no momento apropriado.

Uma quietude atípica se instaurou de repente entre nós dois — e isso não era mesmo comum —, de modo que me decidi por quebrar o silêncio:

— Você se saiu bem dialogando com o Lorde Feudal antes. Conseguiu me surpreender até — abri um sorriso zombeteiro para ele, que bufou.

— Eu estive aprendendo sobre diplomacia e política com o Kakashi-sensei; é mais difícil do que parece — retrucou com uma careta que me levou a menear a cabeça.

— O que você disse antes, Naruto... — comecei, atraindo seus olhos para o meu rosto de novo. — Sobre construir um mundo pacífico para o seu filho...

Suspirei, pausando inesperadamente, e Naruto piscou, atônito.

— Eu quero te ajudar a construir esse mundo. Levei anos para compreender o mundo no qual vivemos e o verdadeiro sentido de nossas existências, mas eu finalmente entendi o que significa ser um Shinobi. Quando você se tornar Hokage, eu serei o seu braço direito e te ajudarei a construir esse mundo com o qual você sonha e pode ter certeza: eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para isso.

Para a minha surpresa, ao término do meu discurso, o idiota sorria.

— Heh, eu acho que faz tempo que não te vejo falando tanto assim, hein, Sasuke-teme?! E nós dois trabalharemos juntos por esse mundo, não é?! Pelas crianças que já nasceram e por aquelas que ainda vão nascer.

Franzi o cenho para o sentido implícito em sua fala e ele se explicou com um sorriso ainda maior:

— Ahhh qual é, eu sei o que está rolando entre você e a Sakura-chan! Conheço vocês dois há anos!

E, depois, acrescentou num tom zombeteiro:

— Só espero que se acertem definitivamente dessa vez, é cansativo ver vocês dois se desencontrarem tanto, ‘ttebayo!

— Cale a boca, Dobe — grunhi e escondi meu rosto dele, para que não zombasse de mim pelo sorriso involuntário que eu não consegui conter.

Juntos, assistimos ao cair da noite sobre Takigakure enquanto eu ainda remoía comigo mesmo o jeito certo de dizer à Sakura o que eu precisava dizer. Ainda tinha alguns dias para arranjar o momento perfeito, as palavras perfeitas.

Ela não merecia nada menos do que tudo de mim e eu, finalmente, estava completo, estava inteiro para amá-la como ela merecia.

Um novo caminho se abria à minha frente, todo um futuro cheio de possibilidades e esperanças, e, pela primeira vez em anos, eu senti que estava pronto para reivindicá-lo como meu.

⊱❊⊰

Ho no Kuni (País do Fogo), três anos antes.

 

Nas semanas que se seguiram, eu já não era eu mesmo. Apesar da rotina que pareceu ter se estabelecido na minha vida desde a minha absolvição no julgamento, uma inquietação progressiva passou a se apoderar dos meus pensamentos.

 

Eu me encontrava com Naruto, Sakura e Kakashi para almoços e jantares regulares no Ichiraku, tinha permissão para circular livremente pela vila e os aldeões, aos poucos, pareciam se habituar à minha presença e se convencer de que eu já não era mais uma ameaça para eles.

 

Eu treinava constantemente com Naruto enquanto readaptávamos nossos estilos de luta às nossas novas condições e Tsunade, a mestra de Sakura, avançava com suas pesquisas para desenvolver nossas próteses com as células do Shodaime.

 

Conversava bastante com Kakashi nesse meio tempo e trocávamos confidências a respeito dos nossos passados e dos entes queridos que ambos perdemos. Ele me aconselhava com frequência e, ao contrário do que fiz no passado, eu o ouvia dessa vez.

 

Por fim, mas não menos importante, eu via Sakura muito mais vezes do que achava que era aconselhável. Mas aqueles sentimentos de completude e de êxtase que eu sentia com ela eram mais fortes do que a minha sensatez, ou ao menos vinham se fortalecendo espantosamente nas últimas semanas.

 

Nem sempre nos rendíamos àquele desejo e àquele magnetismo que nos atraía um para o outro. Às vezes apenas sentávamos lado a lado, em silêncio, enquanto ela lia algum livro ou conferia o conteúdo de algum pergaminho. Em outras ocasiões apenas caminhávamos a esmo pela vila.

 

E nas outras, bem... Depois daquela noite, eu decidi que não avançaria nenhum limite autoimposto com Sakura, mas isso não a impedia de me abraçar ou roubar um beijo ou outro quando estávamos completamente sozinhos, e também não me impedia de apreciar esses pequenos momentos.

 

Nunca soube o que ela pensava daquele relacionamento estranho que tínhamos. Não estávamos namorando e ela muito menos manifestou alguma insatisfação por isso ou julgou como desinteresse de minha parte em assumir o que vínhamos tendo — o que quer que fosse aquela relação, é claro.

 

Mas isso durou por pouco tempo, de qualquer modo. Pois logo, aquela inquietação crescente dentro de mim se tornou uma certeza, tão límpida quanto a água. E foi essa certeza que me levou a procurar por Kakashi naquela manhã, na Torre do Hokage.

 

Eu entrei sem anunciar minha presença e o surpreendi em sua mesa, ainda deprimido pelas primeiras horas do dia, com uma pilha de documentos a ser analisada e assinada.

 

Apesar do incômodo que senti pela ausência dos meus modos, fechei a porta ainda assim e encarei o olhar aturdido do meu ex-sensei e suas sobrancelhas cinzas arqueadas encimando-o.

 

— Sasuke — ele me chamou e me pareceu um pouco perdido por minha visita inesperada. — O que faz aqui tão cedo?

 

Eu, entretanto, não hesitei ao respondê-lo:

 

— Precisamos conversar, Kakashi.

 

— Sobre o quê? — perguntou-me ao franzir o cenho, de confuso ele rapidamente estava passando a intrigado.

 

Suspirei, mas mais uma vez as palavras brotaram fáceis na minha boca.

 

— Quero fazer certo dessa vez e, por isso, preciso da sua autorização.

 

Kakashi respirou fundo e entrelaçou seus dedos sobre o tampão da sua mesa.

 

— Uma autorização para o quê, Sasuke?

 

— Para sair da vila — murmurei e seu olhar intrigado se tornou chocado então.


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Notas finais do capítulo

Pelas minhas contas, temos mais dois capítulos + o Epílogo, então ainda teremos mais uns momentos de amorzinho até o final! Haha
O que será que esse Sasuke quer pedir à Sakura? Algum palpite? :v Hehehehe
...
Muito obrigada a todos os leitores que continuam comentando e aos novos que, apesar de terem chegado no finalzinho, não deixaram de dar um alô! ;D
Até o próximo (que acredito ser o penúltimo capítulo).