O Peregrino escrita por Deusa Nariko


Capítulo 26
Capítulo XXVI


Notas iniciais do capítulo

Vigésimo sexto capítulo.
Boa leitura!



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O Peregrino

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Capítulo XXVI

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Taki no Kuni (País da Cachoeira), dias atuais.

A manhã achegou-se sorrateira e foi-se do mesmo modo sutil. Era mais um dia intranquilo em Taki— fazia mais ou menos uma semana desde a minha chegada —, ali, naquela montanha de má fama.

Digo intranquilo, pois apesar da falsa calmaria que perpetuava a passagem ociosa de tempo nas entranhas rochosas do pico das Shibito-bana, o lento arrastar dos dias deixou-me exposto, de certa forma. O termo que melhor me definiria, na verdade, é desleixado e não, não é um eufemismo de minha parte.

Sakura e eu fomos tomar consciência de nosso tempo findado ali um pouco mais tarde quando eu estava sentado à varanda e ela se aproximou e se acomodou ao meu lado. Uma brisa suave fazia ondular os caules compridos dos lírios-aranha e por trás das fendas rochosas um sol primaveril fulgurava ameno, ainda que estivéssemos a pelo menos duas semanas da transição de estação.

— Sasuke-kun?

— Hn — instiguei-a a me perguntar o que quer que fosse com um resmungo; podia sentir os seus olhos perscrutando o meu rosto; ela se remexeu, voltando-se completamente para mim.

— O que nós faremos? Digo, em relação à Higanbana e ao Lorde Feudal. Precisamos repassar todos os detalhes do plano.

Quando tombei meu rosto para fitá-la, encontrei sua expressão severa, seu olhar tempestuoso, quase beligerante enquanto sua boca se apertava numa linha fina. Em resposta, abri um sorriso e estiquei meu braço direito na sua direção. Toquei sua testa com meus dedos indicador e médio. Sakura suspirou; acho que não era o tipo de reação que ela esperava de mim.

— Na hora certa, eu revelarei o plano que seguiremos — pontuei para amenizar sua ansiedade.

— Só espero que não esteja planejando me deixar para trás — ela disse e cruzou os braços, notavelmente impaciente. — Você nem ao menos me diz por que está sempre tocando a minha testa assim...

A última parte foi apenas um resmungo, murmurado à meia voz enquanto tocava o local onde há apenas alguns segundos meus dedos estiveram. Mas eu o ouvi e suas palavras me levaram a desviar o foco do meu olhar de volta para os prados floridos. Sem que eu quisesse, aquele sentimento adensou-se no meu peito, uma mistura de amargura e saudade. Quando percebi o que estava fazendo, já revelava a ela um dos meus maiores segredos:

— Itachi costumava tocar a minha testa assim quando eu era menor.

No começo, tudo o que ouvi foi seu silêncio, então um arfar inesperado de quem acabara de assimilar o verdadeiro peso contido em minhas palavras.

— Sasuke-kun... — ouvi o choque e o remorso no seu tom por trazer à tona, ainda que não intencionalmente, o meu passado.

Contudo, interrompi-a antes que continuasse:

— Sempre quando eu pedia para que passássemos algum tempo juntos, mesmo que eu o pedisse para me treinar... Itachi se esquivava; dizia-me que na próxima vez o faríamos e cutucava a minha testa desse jeito.

Apesar da dor que me apunhalava o peito, falar de Itachi deixava-me mais leve. Àquela altura, eu já tinha até mesmo o fantasma de um sorriso nos lábios.

— Infelizmente, nunca houve uma próxima vez. E a última vez em que o vi...

Balancei a cabeça, perdido em lembranças, vagueando de volta àquele dia, na alma de Itachi, envolta em uma luz cintilante enquanto ascendia, liberta do jutsu Edo Tensei. Aquela foi a nossa última despedida.

Eu havia perdido o meu irmão de tantas formas diferentes ao longo dos anos, mas aquela tinha sido a menos dolorosa, talvez porque eu soubesse que ele estava em paz. A vida só lhe trouxe angústia e pesar, mas Itachi abraçou a sua recompensa, agradecido, na morte.

E mesmo morto, protegeu-me e protegeu a vila que tanto amava.

Sakura puxou-me para um abraço nesse momento ao pôr-se de joelhos ao meu lado; passou os braços ao redor dos meus ombros, um tanto desajeitada, e puxou-me para o calor do seu corpo, pousando seu queixo no topo da minha cabeça.

Fechei os meus olhos e deixei que afagasse o meu cabelo e o meu rosto. Ela sempre sabia quando eu precisava de conforto, quando eu precisava ser lembrado de que aqueles tempos sombrios terminaram e de que eu não estava mais sozinho.

— Eu sinto muito, Sasuke-kun — ciciou para mim, contrita, como se de alguma forma se sentisse responsável por suscitar esses sentimentos em mim. — Eu sinto muito, muito mesmo...

Abri um sorriso pequeno, aconchegado no calor dos seus braços como uma criança em desalento; eu ainda não havia acabado.

— Quando entendi por que ele me prometia que haveria uma próxima vez e tocava minha testa desse jeito, já era tarde demais.

Mantive os olhos fechados, mas segurei o pulso de Sakura quando ela fez menção de se afastar depressa demais. Senti os seus lábios roçarem brevemente os meus uma ou duas vezes antes de eu mesmo capturá-los para mim. Ela suspirou e acompanhou meus movimentos.

Quando se desprendeu de mim, olhou-me afetuosamente, do jeito que olhava apenas para mim; eu gostava disso. E gostaria de dizer que não fomos mais além, mas a faísca entre nós dois, uma vez acesa, provou-se impossível de ser extinta, além disso, eu estava me sentindo exposto e só queria esquecer o meu passado fodido nos braços dela. Eram nossos últimos momentos ali, eu sabia disso — e creio que Sakura também.

Por isso deixei que ela me levasse para dentro, embora não tenhamos ido muito longe: Sakura me derrubou sobre as tábuas do assoalho com sua força e prendeu suas pernas ao redor do meu corpo. Tive a impressão de que suas mãos rasgariam minhas roupas quando me despiram e devo confessar que ainda estava me habituando a vê-la assim, tão desinibida. Esse seu lado me deixava ainda mais excitado.

De alguma forma, eu terminei nu antes dela, mas não completamente. Tínhamos pressa — especialmente Sakura pelo que percebi —, de modo que minhas calças acabaram emboladas nos meus joelhos. Foi então que ela me deu prazer de uma forma que eu achei que não fosse possível.

Sakura ainda usava sua força para me dominar e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso. Mas se por um lado, o poder que me subjugava era impressionante e temível, por outro seus toques eram tão cuidadosos e delicados que eu não tive qualquer receio — ou inibições — quanto a grunhir mais vezes do que me permitiria. Certo, admito que cheguei a gemer o nome de Sakura algumas vezes, mas isso apenas porque ela tornou minha mente uma tela em branco: eu não conseguia pensar em nada exceto em seus lábios arrastando-se pelo meu corpo.

Ela me domou em todos os sentidos, maleou o meu corpo de acordo com a sua vontade e levou-me ao apogeu em pouco tempo. Quando pensei que permitiria que eu assumisse o controle, montou em mim e me fez perder a cabeça de novo por longos minutos ininterruptos, ondulando os quadris cheios ao meu redor, deslocando-os com uma vagareza deliberada que só havia sido feita para me enlouquecer.

Eu me entreguei e deixei que ela fizesse o que quisesse de mim porque pouco podia fazer ante a sua força — e eu não queria fazer nada, sendo franco — e também porque estava ocupado grunhindo seu nome através de dentes tão cerrados que pensei que se quebrariam. Não fiquei constrangido por isso porque logo os gemidos de Sakura sobrepujavam os meus.

Vê-la ascender sobre o meu corpo continuamente me deixou embevecido de desejo.

No fim, tudo o que sei é que acabamos em completo desalinho e ofegantes. Sakura inclinou-se para me beijar uma última vez, um beijo úmido e ruidoso, antes se sair de cima do meu corpo para recolocar suas roupas e se recompor, concedendo-me a oportunidade de também fazê-lo. Ela riu enquanto ainda se ajeitava e eu a olhei com as sobrancelhas erguidas:

— Só estava pensando que fomos um pouco imprudentes; Ginchiyo-obaa-sama deve chegar a qualquer instante — esclareceu e eu estagnei porque havia me esquecido da velha Kunoichi por alguns instantes.

Se ela nos flagrasse... Bem, seria constrangedor para todas as partes, obviamente. Em especial porque percebi que dessa vez havíamos feito sexo no meio do corredor. Naquele momento, beirando um embaraço moral por minha própria inconsequência, depreendi que a paixão e a prudência, de fato, jamais caminhariam juntas. E eu não provara disso há apenas alguns instantes?

Sakura me passou a minha blusa e eu a vesti ainda encabulado. E, como se as suas palavras carregassem algum tipo de entonação profética, a velha Kunoichi retornou da viagem à vila vizinha uma hora depois, trazendo as tais ervas medicinais que mencionara no dia da partida.

Foi Sakura a recepcioná-la e a enchê-la de perguntas e observações sobre ervas medicinais que só cresciam em determinadas regiões do País do Fogo e em alguns períodos específicos do ano. Entediei-me depressa com a conversa de ambas, preferindo meditar nos meus próprios pensamentos quando a velha dirigiu-se a mim:

— Você causou uma impressão e tanto em pelo menos três aldeias da região; não se fala em outra coisa a não ser no imenso dragão que desceu das nuvens e reduziu a escombros todo um penhasco.

Dei de ombros, com um ar levemente desinteressado e bastante arrogante, admito.

Ginchiyo pousou a sacola de tecido no chão e olhou-me incisivamente.

— Devo dizer que também deve ter causado uma impressão e tanto no Lorde Feudal. Konoha e Taki voltaram a ter desentendimentos por sua causa.

Franzi o sobrecenho e ela me encarou incrédula dessa vez:

— O quê? Realmente achou que o Lorde Feudal não faria vista grossa à sua presença aqui? Konoha negou qualquer conexão sua com o incidente, mas é difícil sustentar o argumento uma vez que um criminoso perigoso como Raiden foi morto por um suposto usuário de Sharingan no território de Taki. Diga-me, Sasuke, quantos Uchihas ainda restam no mundo? Especialmente aqueles que dominam o elemento Raiton tão habilidosamente?

— Ginchiyo-obaa-sama — Sakura chamou a velha numa advertência e a velha suspirou.

— Vocês precisam resolver essa situação e depressa. De preferência, antes que uma guerra estoure entre os cinco grandes países e as nações menores.

— Nós partiremos em breve — Sakura declarou com firmeza, mas eu a corrigi logo em seguida.

— Não, nós partiremos amanhã pela manhã. Daqui, iremos direto à Takigakure e resolveremos toda essa situação — Voltei-me para ela e fiz questão de me certificar de que Sakura estaria em plenas condições físicas: — Como está se sentindo?

Ela abriu um sorriso cortante, seguro, e cerrou um punho diante do peito audivelmente.

— Eu estou mais do que pronta, Shannaro!

— Ótimo — aquiesci e, depois disso, nossos planos e nossos futuros foram traçados com uma contundência impossível de ser revogada.

Ginchiyo e Sakura passaram a ensaiar uma longa despedida então. Era óbvio que haviam se apegado uma à outra, Sakura especialmente, cuja vida havia sido salva por ela. E, apesar de não demonstrá-lo com a mesma frequência e desinibição de Sakura, sei que o sentimento era recíproco por parte de Ginchiyo.

Nós almoçamos mais tarde nesse dia e Sakura se ofereceu para cozinhar, uma vez que Ginchiyo estava cansada da viagem, também cuidou de alguns afazeres domésticos quando a outra se retirou para descansar. Foram horas ociosas enquanto o sol quente, atípico do inverno, atravessava o céu límpido e descia lentamente em direção ao oeste.

Tirei um tempo para me sentar à varanda e afiar o gume da minha Kusanagi, mais para matar o ócio, na verdade, do que propriamente por necessidade. De tudo o que Kakashi me deu para completar a missão, ainda me restava algum dinheiro, um pouco de comida e o pergaminho de Sakura.

Escondi-o bem na bolsa porque não queria que ela soubesse que ele o havia dado a mim; Sakura certamente o pediria de volta e eu não estava disposto a devolvê-lo mesmo com as suas súplicas e seus métodos de persuasão.

Ela voltou a me procurar, quando o ocaso caía: deslizou a porta e pisou nas tábuas rangentes da varanda; sua pele rescendia à fragrância de madressilvas e tinha o frescor de um banho recém-tomado. Até mesmo seus fios estavam úmidos e pesados. Ao invés de se sentar ao meu lado, entretanto, debruçou-se sobre a balaustrada da varanda e fitou além dos prados de lírios-aranha.

Seu suspirou ecoou na noite calma e atipicamente silente.

— O que houve? — perguntei-a, mesmo sem me levantar; também não precisei fitar seu rosto para saber que algo a incomodava.

— É estranho que eu já sinta falta desse lugar? — perguntou-me ou perguntou-se; não soube a resposta. — Mais do que isso, Ginchiyo-obaa-sama me acolheu e cuidou de mim durante todo esse tempo... E eu sei que não poderemos voltar a nos ver, será mais seguro assim para ela.

Refleti em suas palavras. Sakura era sensível, calorosa e é claro que se afeiçoava rápido às pessoas. Pensei em como contrastávamos: como noite e dia, primavera e inverno. Eu só tinha três pessoas no mundo a quem poderia chamar de família. Tinha um único amigo a quem eu via como o meu próprio irmão em Naruto, tinha uma figura paternal e sábia em Kakashi... E eu tinha um amor e um futuro todo em Sakura. Isso me bastava.

Nunca vi necessidade em criar mais vínculos, embora tivesse me tornado mais receptivo às pessoas durante minha peregrinação. Conheci inúmeros rostos e tantos outros nomes, mas nenhum deles chegou a me marcar.

— Não, não é estranho — respondi-a depois de haver emergido de meu próprio silêncio intrínseco.

— Sentirei falta dela — ela sussurrou perdida em pensamentos, num tom distante.

Desencostei-me da balaustrada e me levantei; Sakura, por outro lado, mal se movia. Perfilada pela luz pálida que provinha da lamparina, dependurada nos caibros, seu olhar continuava perdido na escuridão que se avolumava. Mais além, nos prados floridos, dezenas de vagalumes zumbiam ao redor das flores. Era uma noite calma e silenciosa, a primeira da qual me recordava desde que cheguei ali.

— Acha que podemos detê-los sem ferir inocentes, Sasuke-kun? — Sakura se virou para mim abruptamente e eu me recostei a uma das pilastras que sustentavam o telhado.

— Não tenho certeza — respondi-a e, olhando-a de viés, via-a mordiscar o lábio, receosa.

— Eu não gostaria de ferir inocentes só para chegar até o Lorde Feudal. Mas é certo que não nos deixarão escolha, não é?

Dei de ombros enquanto pensava em suas palavras e no cenário sombrio que elas criavam.

— São Shinobis leais ao seu país e nos verão como uma ameaça, obviamente.

Sakura suspirou compungida, mas a determinação que se via nos seus olhos claros não arrefeceu por um único instante. O que significava que mesmo que não gostasse da situação ou das decisões que precisaríamos tomar, ela não recuaria. Eu gostaria de lhe oferecer algum tipo de conforto ou frases inspiradoras, mas discursos jamais haviam sido o meu forte e eu não era exatamente um homem de muitas palavras.

— Bem, é certo que não nos resta alternativa — concluiu, por fim.

Se houvesse opção... O que não era o caso, pensei comigo mesmo.

— Temos uma guerra a evitar — murmurei sombrio, mas convicto do meu dever; eu estava mais habituado a isso do que ela, talvez por esse motivo não me sentisse tão afetado.

— E bijūs a proteger — Sakura acrescentou com um tom mais leve; aquiesci e aquilo pareceu ser o fim da conversa.

Ao menos, a tensão escoou depressa; seria melhor que a deixássemos à margem para o momento derradeiro. Sakura se afastou então da balaustrada e me envolveu com seus braços inesperadamente, pressionando o rosto no meu peito. Levantei-lhe uma sobrancelha, aturdido.

— O que tivemos aqui... Pareceu um sonho para mim. Eu não esperava vê-lo tão cedo. Fazia tanto tempo que não tínhamos notícias suas...

Pousei uma mão na base das suas costas e apreciei em silêncio a sensação do seu corpo junto ao meu. Seria a nossa última noite ali, depois não tenho certeza de onde estaríamos ou como estaríamos. Mas essa crise em Taki demandava que nos apressássemos para resolvê-la. Kakashi estava contando comigo e, bem, eu não o decepcionaria quanto a isso.

Afundei meu rosto na curva delicada do seu pescoço e inspirei o perfume suave que se desprendia da sua pele. Quando expirei o ar lentamente, ela arrepiou-se e eu ocultei um sorriso perverso. Rocei meus lábios na base do pescoço de Sakura e tracejei um percurso perigoso até o espaço sob a sua orelha.

Soprei uma lufada de ar quente ao pé do seu ouvido e mordisquei o lóbulo de sua orelha; ela estremeceu e apartou os lábios delicadamente para arfar baixo, seus dedos se fecharam no tecido da minha blusa. Apesar de estar envolvido com Sakura o bastante para esquecer meio mundo, eu continuava cônscio de presença de Ginchiyo em algum lugar dentro da casa.

Por isso, refiz o percurso através da pele macia de Sakura uma última vez e lambi seu colo antes de me afastar inadvertidamente como se nada houvesse acontecido. Contive um sorriso ao olhar sua expressão confusa e, depois, desapontada. Ainda a ouvi bufar assim que lhe dei as costas e passei pela porta entreaberta.

Quando atravessei a sala de estar, dei de cara com Ginchiyo sentada à mesa e bebendo seu chá, sossegadamente. Ela estava a meio caminho de beber outro gole quando parou com a borda de cerâmica pressionada contra os lábios finos:

— Você fez bem — murmurou sem mesmo me relancear um olhar e bebeu seu chá, agindo como se não tivesse dito nada ou como se o que disse não tivesse importância.

Balancei a cabeça e continuei o trajeto até o quarto. Podia escutar, mesmo a metros de distância, os passos zangados de Sakura sobre o assoalho assim que chegou à sala de estar. O sorriso que eu continha até então enfim aflorou, malicioso.

Ocupei um dos futons (mais cedo, Sakura o colocara ali para mim) e me deitei de lado, voltado para a parede. Dormi algumas horas mais do que de costume porque nosso tempo ali se esgotava a cada minuto e eu precisava estar descansado para a viagem que faríamos amanhã.

Quando acordei, ainda era madrugada e Sakura dormia a alguns metros de mim, no outro futon. Sentei com as costas apoiadas contra a parede, resignado, e comecei o meu turno de vigília.

⊱❊⊰

Pela manhã, com o sol brilhando tênue acima das rochas pontiagudas que protegiam aquele perímetro, fui aguardar que Sakura terminasse de se arrumar fora da casa. Desci os degraus de madeira e pisei no gramado. Trazia pendurada no meu ombro, sobre o manto, tanto a minha bolsa quanto a mochila de Sakura, que viera comigo.

Ginchiyo nos forneceu alguns suprimentos para a viagem e deu à Sakura algumas das ervas que adquiriu na aldeia. O som da água corrente e do vento soprando nos caules das flores preenchia o silêncio, ditando uma canção serena para um dia aparentemente sereno.

Sakura surgiu em pouco tempo, entrajada com suas vestimentas de batalha. Arqueei uma sobrancelha para o vestido curto sem mangas de gola chinesa e o short preto colado às suas coxas. Abaixo dos seus seios, havia um suporte para sua bolsa de equipamentos, alojada nas costas.

Ela também usava uma espécie de proteção em ambos os cotovelos e joelhos. Os saltos de suas botas estrondearam nos degraus quando ela os desceu e acabava de colocar as luvas pretas quando me alcançou, parando ao meu lado.

Sakura pareceu se dar conta do meu olhar e de minha sobrancelha soerguida, e gaguejou-me uma explicação, ruborizando:

— P-preciso de roupas que me deem mobilidade, Sasuke-kun.

Certo, mobilidade. Engoli o subterfúgio, contrafeito. Mesmo que não fosse uma novidade, afinal Sakura, desde os nossos dias como Genins, parecia ter uma predileção por tecidos justos e cores vibrantes. E o vestido a deixava sexy, admito, embora fosse difícil visualizá-la correr e saltar usando algo tão apertado.

Um feixe de luz do sol brilhou no metal de seu hitaiate e só então eu o notei, amarrado de novo ao seu cabelo. No fim, ela me deu o seu sorriso mais confiante.

Ginchiyo apareceu quase um minuto depois e desceu os degraus da varanda com um ar melancólico, os olhos, percebi, estavam fixos em Sakura. Quando estagnou diante de nós dois, dirigiu-se apenas a ela:

— Cuide-se, menina — pediu e Sakura assentiu solenemente.

A velha envergou seu olhar para mim e ousou até mesmo abrir um sorriso divertido quando murmurou as próximas palavras.

— E cuide desse Uchiha turrão também.

— Eu cuidarei do Sasuke-kun também, prometo — concordou, ecoando o tom divertido da velha.

— Quanto a você, Uchiha Sasuke — Ginchiyo se dirigiu a mim dessa vez: — Espero que tenha encontrado o que veio buscar de tão longe.

Eu havia encontrado muito mais na verdade, mas não lhe disse isso. Deixei escapar um muxoxo como resposta e me voltei para Sakura.

— Precisamos ir.

Ela assentiu e suspirou longamente; buscou pelas mãos nodosas e manchadas da velha Kunoichi e as comprimiu entre as suas. O peso de saber que jamais voltariam a se ver estava evidente nos seus olhos, nos olhos de Ginchiyo.

— Obrigada por tudo o que fez por mim, Ginchiyo-obaa-sama, eu nunca poderei agradecê-la o bastante.

— Não há necessidade disso, Sakura — ela assegurou, afagando uma mão enluvada. — Eu só espero que você seja muito feliz e que viva tudo o que eu não pude viver. — Ao término, voltou a relancear um olhar cheio de significados para mim.

— Adeus — sussurrou Sakura, afastando-se e desprendendo suas mãos das dela.

Ginchiyo assentiu e, em seguida, Sakura e eu nos entreolhamos. Nós nos viramos e começamos a nos distanciar da casa e da figura solitária postada de pé junto a ela. Senti que Sakura quis se virar para olhá-la, mas não o fez; cerrou o punho e manteve o ritmo de suas passadas sincronizadas com as minhas.

Atravessamos o prado de lírios-aranha em poucos minutos e entramos na caverna escura e lúbrica: a única entrada e a única saída daquele refúgio. Foram mais alguns minutos imersos no mais denso silêncio até que chegássemos à outra extremidade e alcançássemos a floresta úmida do topo da montanha, sempre envolta em um genjutsu poderoso.

Não olhamos para trás e nem mesmo trocamos palavras enquanto descíamos a montanha, mas acordamos mutuamente: Ginchiyo seria o nosso segredo, jamais a mencionaríamos a alguém, nem mesmo a Kakashi, ou a sua montanha novamente.

A partir dali, começamos o trajeto em direção à Takigakure no Sato, no coração do país da Cachoeira. Tínhamos uma última missão a cumprir.

⊱❊⊰

Ho no Kuni (País do Fogo), três anos antes.

— O Sasuke não pode ser sentenciado à prisão pelo o que houve na cúpula dos Kages — Naruto discursava em minha defesa desde que lhe foi dada a oportunidade de manifestar sua opinião.

Alguém resmungou e não precisei me virar para saber que havia sido o Raikage. Naruto franziu o cenho, mas não disse uma palavra a respeito do gesto grosseiro de Kira A, muito pelo contrário, continuou a me defender.

— Eu não entendo muitas coisas — disse, abaixando os olhos. — Na verdade, eu não entendo muitas coisas mesmo e algumas pessoas me acham até um pouco burro... Não que elas estejam totalmente erradas sobre isso — acrescentou e eu revirei os olhos.

Ele arrancou algumas risadas discretas das pessoas sentadas nos estrados e até mesmo um sorriso do Kazekage, pelo que pude ver. Kakashi tinha uma expressão leve estampada no rosto mascarado.

— Mas o que eu entendo cem por cento — ele recomeçou, aumentando o tom de voz para que todos o ouvissem com clareza. — O que eu posso afirmar com certeza absoluta é que aquele cara no país do Ferro não era o Sasuke que eu conheço, dattebayo! Não o meu melhor amigo, não o cara que eu escolhi para ser o meu rival!

Suspirei porque dessa vez ele estava sendo enfático demais. Mas aos poucos, eu comecei a notar uma mudança sutil naquele salão, uma leveza no meu peito... Era quase como se Naruto inspirasse esperança em mim.

— O que eu sei — Naruto gesticulou efusivamente com seu único braço, indicando para mim, de pé a alguns metros dele. — É que o Sasuke que está aqui, agora, é o cara que eu conheço e respeito acima de todo mundo e eu não vou deixar que vocês o condenem, ‘ttebayo!

O Raikage bateu um punho contra a mesa e estufou o peito:

— Heh, isso soa como uma ameaça, não, moleque?!

— Não — Naruto balançou a cabeça em discordância e abrandou o tom. — Eu só estou dizendo o que penso; o Sasuke é meu amigo e eu o perdoei por tudo o que ele fez. Sabem por quê? Porque mesmo que o Sasuke tenha se desviado por um caminho ruim, eu sempre soube que podia salvá-lo, eu sempre soube que ele voltaria para nós, a sua família! E eu acredito no perdão e acredito em segundas chances.

Ele apontou um dedo na cara do Raikage e eu sussurrei um “idiota”.

— O Killer Bee também acredita nisso, ele perdoou o Sasuke e ele acredita que todos podem recomeçar. Por que vocês não podem acreditar nisso também?! O único modo de alcançarmos a paz e construirmos um futuro melhor é se compartilharmos os nossos sentimentos uns com os outros, dattebayo! Sei que o Ero Sennin gostaria disso — pontuou, levando o polegar ao próprio peito e apontando para o próprio coração. — Que todos tivessem essa chance de recomeçar... E quando eu me tornar Hokage, eu sei que definitivamente concederei esse direito a qualquer um que esteja disposto a mudar!

— Então você será um péssimo líder e um molenga — o Raikage resmungou, mas mais por pura teimosia, notei.

Sentado no primeiro banco, Killer Bee abriu um sorriso para o seu irmão. Quando espiei Sakura, sentada um pouco mais atrás, percebi que lágrimas escorriam pelo seu rosto. Ela também estava sendo tocada por aquele sentimento que Naruto inspirava em todos.

Voltei-me para Kakashi, mas ele apenas arriou os ombros e suspirou contente. Por fim, meu olhar encontrou o de Naruto, e ele assentiu para mim, encorajando-me:

— Eu, Uzumaki Naruto — declarou com aquele sorriso confiantemente estúpido dele —, peço que absolvam o Sasuke-teme e o deixem provar como está disposto a recomeçar!


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Notas finais do capítulo

Fiquei mexida escrevendo esse último trecho, OMG T-T E os momentos de paz e amor por enquanto acabaram, agora teremos lutas! *.*
...
Ponho a Sakura-chan pra dominar o Sasuke-kun mesmo porque essa mulher é PURO PODER ;* E desde que li o desfecho do Gaiden, fico imaginando o Sasuke fazendo essas sacanagens com a amada: ele provoca e aí sai de fininho como se nada tivesse acontecido... ADORO! SasuSaku é o tipo de casal que mesmo depois de anos de casamento continua se comportando como dois adolescentes apaixonados. Meus lindos! *^*
...
No próximo capítulo: o retorno do Time Taka o/
Comentem! ;)
Até o próximo!