O Peregrino escrita por Deusa Nariko


Capítulo 23
Capítulo XXIII


Notas iniciais do capítulo

Vigésimo terceiro capítulo e segurem esses forninhos :v
Boa leitura!



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O Peregrino

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Capítulo XXIII

⊱❊⊰

Taki no Kuni (País da Cachoeira), dias atuais.

Não conversei mais com Sakura depois disso. Na verdade, nós não nos falamos. Não porque começamos a evitar a presença um do outro nem algo remotamente parecido. Mas a tensão entre nós dois passou a funcionar como uma espécie de parede, divisando-nos.

Eu não me prontifiquei a ser o primeiro a pedir desculpas e tampouco ela.

Às vezes, eu pensava no meu relacionamento com Sakura como uma dança: o problema é que nem sempre estávamos no mesmo ritmo ou na mesma sintonia. Divergências pareciam tão naturais quanto catastróficas para nós. E nunca parecia haver um meio-termo.

Éramos dois teimosos, eu sabia, e eu também sabia que, apesar de magoada, ela ainda queria se aproximar de mim. Mas assim como eu, sei que a sua insegurança a impedia. Eu não a procurei e ela não me procurou, fechando-se no quarto que ocupava e tentando dormir. Sei disso, pois voltei ao cômodo há pouco e ela murmurou um “boa noite” contrafeito para mim quando saí pela porta, mas isso foi tudo.

Mais tarde, ainda sentado naquela varanda na qual me recluí na companhia da minha própria amargura, ouvi o som de passos nas tábuas de madeira quando estas rangeram e equivocadamente assumi ser Sakura. Entretanto, quando me virei, deparei-me com Ginchiyo, ela carregava uma lamparina consigo:

— Importa-se em fazer companhia a uma velha solitária?

Dei de ombros e ouvi o farfalhar de suas roupas enquanto se sentava nos degraus, um pouco mais distante do que Sakura havia sentado. Ela era bem mais franzina quando vista de perto e os sulcos em sua pele — marcas do tempo — tornavam-se ainda mais evidentes sob a luz âmbar da lamparina.

— Não consegui deixar de notar que Sakura estava um pouco estranha antes de se retirar. Suponho que tenha a ver contigo — ela murmurou baixo o suficiente para que apenas eu a ouvisse.

Como continuei em silêncio, ela suspirou e regulou a chama da lamparina a óleo, diminuindo-a até que se tornasse algo quase insignificante. Era uma noite escura, em todos os sentidos. Tão enevoada e indistinta quanto os meus pensamentos controversos.

Ginchiyo abafou um riso seco nas costas manchadas da mão.

— Desculpe-me pela indiscrição, mas preciso confessar que ouvi um pouco da discussão de vocês dois há algumas horas.

Franzi o cenho, mal-humorado, porém ela prosseguiu.

— Não sei muito a seu respeito e conheço pouco de Sakura também, mas preciso dizer que você a subestima.

— Eu não a subestimo — declarei peremptório e áspero. — Está enganada quanto a isso. Mas numa coisa acertou: não sabe nada a meu respeito.

Ginchiyo não se ateve ao meu modo grosseiro de falar — ou preferiu ignorá-lo de propósito.

— Você, de fato, não nega o seu sangue, Uchiha Sasuke; tem o jeito arrogante e a hostilidade dos Uchiha ao se dirigir a estranhos.

Ouvi-a limpar garganta de leve para firmar o timbre da voz.

— Mas o que quero dizer é que você não precisa proteger Sakura; você subestima a vontade dela de ajudar, de lutar ao seu lado. E é a isso que me refiro.

Foi, então, a minha vez de suspirar e de deixar que meus ombros pendessem, cansados como estavam de suportar tantos fardos sozinho, por tanto tempo.

— Você não a conhece como eu conheço — respondi-a esgotado. — Sakura é imprudente e impulsiva numa batalha. Ela não teme se ferir se isso significar salvar pessoas, ainda que se tratem de estranhos. É exatamente por querer ajudar tanto que ela mesma se coloca em perigo. Eu já vi acontecer mais de uma vez.

— Então acredite nela, confie que ela só assumirá riscos com os quais poderá lidar.

— Esse é o problema — balancei minha cabeça em discordância. — Nem sempre ela assume riscos pequenos e nem sempre seus oponentes demonstrarão leniência. Eu prefiro afastá-la de tudo isso e resolver eu mesmo do que arrastá-la para o perigo novamente.

Ao término do meu discurso, Ginchiyo sorria estranhamente, quase altiva.

— Deveria dizer isso a ela e não deixá-la esperar muito tempo mais — disse-me e eu soergui minhas sobrancelhas, simulando aturdimento.

— Dizer o quê à Sakura?

— Não pense que sou estúpida — ela devolveu-me áspera, como se houvesse sido insultada. — Está tão claro quanto a água para mim o que há entre vocês dois. E eu acredito que Sakura já esperou tempo demais para você se decidir se está pronto... Ou não.

“Ela é forte, mas não é invulnerável. E está claro para mim que você é o seu ponto fraco. Poucas coisas no mundo feririam uma garota como a Sakura, mas, infelizmente ou não, você é uma dessas coisas.

Ponderei suas palavras e o efeito que elas causaram em mim — um rebuliço na verdade. Eu sempre soube do poder que tinha em mãos, o poder de machucá-la, mesmo que eu tivesse negado durante anos ou jamais tivesse pedido por isso, eu sabia. Tentei me afastar de Sakura e tentei repeli-la, mas acho que já era tarde demais. Nada poderia ter sido feito para evitar tanto sofrimento — tanto meu quanto dela.

— Mas, pelo que estou vendo, Sakura também o é para você, não é mesmo? — ela assumiu com outro sorriso arrogante.

Não lhe respondi nada, mas isso não era nenhuma novidade para mim. Desde o começo, quando Naruto e Sakura se tornaram parte da minha vida e venceram as minhas defesas, eu sempre soube. Sakura especialmente.

— Você me faz lembrá-lo — ela murmurou algum tempo depois, mas seu timbre estava diferente, menos áspero.

Quando a olhei, descobri seus olhos sobre o meu rosto, examinando-me atentamente num escrutínio desvelado. Não só seus olhos carregavam uma intensidade diferente dessa vez, uma carga emocional que me deixou incomodado, talvez porque a reconheci como saudade, mas também não fazia questão de disfarçá-la.

— Os cabelos pretos arrepiados, os olhos negros insondáveis; o porte altivo, a sutileza contida nos menores gestos... Você se parece com ele. Daichi Uchiha. Os genes do seu clã são mesmo dominantes, pelo que vejo. — Ginchiyo suspirou novamente, durante uma pausa inesperada e suficiente apenas para resfolegar. — O que não contei antes, no jantar, é que Daichi não foi apenas o oponente mais desafiador que já enfrentei.

Outro sorriso encontrou seu caminho nos lábios finos daquela mulher.

— Ele também foi o grande amor da minha vida.

Como eu a encarei cético, Ginchiyo bufou discretamente:

— Duvida de mim? Nosso romance durou pouco, é verdade, mas foi o suficiente para me marcar por toda a vida. Nunca mais abri o meu coração para outro homem, embora não saiba se ele se manteve fiel a mim também.

— Foi por isso que ele a deixou escapar? — indaguei curioso. — Por que vocês se apaixonaram?

Ela assentiu, então foi a minha vez de lhe sorrir com arrogância.

— Então não houve outra mulher na vida dele, acredite em mim.

— Como pode ter tanta certeza? — ela me perguntou e, pela primeira vez, eu pensei ter visto um lampejo de dor nos seus olhos castanhos.

Minha voz não tremeu quando a respondi:

— Porque ninguém ama como um Uchiha. Quando amamos, acredite quando digo que é para sempre. É um caminho sem volta. Por isso, a maioria dos membros do meu clã evitou o amor por muito tempo. Somos tão passionais, quase ao ponto da insanidade. E quando amamos... — divaguei, olhando a noite escura, os lírios-aranha dançando com a brisa. — Nós amamos muito intensamente e, em contrapartida, odiamos com a mesma intensidade opressiva. É uma via de mão dupla muito perigosa.

— E é assim que você se sente a respeito de Sakura? — ela conjecturou e eu perdi o fio da meada. — Você tem medo do que sente por ela?

Medo? Se eu temo os meus sentimentos? Não, eu não os temo, não mais. Já temi no passado quando tudo o que eu pensava ter como razão de viver era a minha vingança. Sakura provou-me o contrário. Encheu-me com amor. Preencheu-me com esperança e a vontade de ter um futuro que jamais seria meu.

E a atração que eu sempre senti por ela se tornou amor. Naruto estava certo; ela sempre se destacou aos meus olhos. E eu sempre a olhei de volta. Não sei ao certo o que me prendeu a ela, não posso definir. Você não precisa de um motivo para amar, como disse Kakashi certa vez.

Sakura sempre foi bonita, sempre chamou atenção. Ela era a personificação exata da primavera para qualquer um que a olhasse: a promessa silenciosa de gratificação, de recompensa depois de um inverno tirano. E assim ela também foi para mim, exceto pelo fato de que meus sentimentos passaram a me desviar do meu objetivo e eu decidi encerrar o que nem mesmo havíamos começado ainda.

Mas mais do que isso: eu tive medo, admito. Senti um pavor sufocante de perdê-la na primeira oportunidade em que assumisse meus sentimentos. Por isso, fugi. Não apenas figuradamente, mas no sentido real da palavra. Eu fugi da vila, distanciei-me do Time 7, distanciei-me de Sakura porque, no fim, era mais fácil e menos arriscado mentir para mim mesmo.

O que posso dizer se essas mentiras se tornaram o meu vício mais degradante? Elas me protegiam, eu dizia a mim mesmo no silêncio angustiante da minha mente porque eu acreditava estar mais seguro assim. Sem laços, sem chance de perdê-los. Sem dor quando eles se fossem.

Só muito tempo depois fui perceber como fui tolo. Meus laços com o Time 7 estiveram o tempo todo comigo, por mais que tenha dito a mim mesmo ter conseguido cortá-los, nada era verdade e eu me alimentava das minhas próprias mentiras.

Mas isso já foi há tanto tempo.

Olhei para Ginchiyo, entretanto não lhe disse uma só palavra. Levantei-me e ela também o fez, apanhando a lamparina com sua chama quase extinta. Ela entendeu que nossa conversação estava terminada, mas antes de passar por mim para chegar à porta, olhou-me uma última vez para murmurar:

— Não deixe Sakura esperar muito tempo mais por você, Sasuke Uchiha. Não digo isso apenas por ela.

— Então por quem mais o diz? — questionei-a também num murmúrio e sua resposta foi incisiva.

— Porque eu vejo que a espera também está te consumindo, ora.

Assim, ela entrou pela porta e voltou a deslizá-la, deixando-me sozinho mais uma vez. E foi assim que eu passei as próximas horas, até que os primeiros indícios da alvorada clareassem o céu noturno, nuances brancas que manchavam o índigo da madrugada.

Tive muito no que pensar e muito para remoer também.

Uma vez que o céu clareou completamente, encostado como estava na balaustrada da varanda, vi a porta deslizar e Sakura surgiu na soleira com uma expressão de censura. Sem me dizer nada, caminhou até mim e me entregou um copo de chá, uma tigela de louça com misoshiru e um prato com onigiris.

— Por que passou a noite ao relento, Sasuke-kun?

Peguei-os de suas mãos enquanto ela se ajeitou ao meu lado, recostando-se à balaustrada da varanda como eu. Comi devagar e um pouco sem vontade enquanto ela ainda me repreendia por isso.

— Podia ter dito à Ginchiyo-obaa-sama, ela estenderia um futon para você na sala de estar.

Olhei-a de soslaio e vi suas faces rosadas quando completou num tom mais baixo, quase um sussurro:

— Ou poderia ter dormido no meu quarto. Eu não teria me importado.

Balancei a cabeça exasperado.

— Não diga besteiras, Sakura.

— Você passou a noite inteira acordado?

— Eu dormi o dia inteiro ontem, lembra-se? — dei de ombros e voltei a comer, mais para evitar seus questionamentos do que por fome.

— Mesmo assim! — ela teimou, cruzando os braços. — Não devia ter passado a noite aqui fora, Sasuke-kun.

Ignorei sua repreensão e fitei seu rosto franzido de insatisfação.

— Como está se sentindo?

— Eh?! — ela estranhou minha pergunta. — Eu estou bem, Sasuke-kun.

Assenti e em seguida dei a última mordida no último onigiri. Fiz menção de me levantar e levar a louça suja para dentro, mas Sakura o fez por mim: pegou-as de minhas mãos e as levou embora. Voltou um minuto depois, carregando uma imensa bacia e descendo os degraus da varanda agilmente.

Segui-a através do descampado até um poço artesiano sobre o qual ela se debruçou, acionando a manivela para bombear a água pelo cano. Sakura encheu a bacia com água e começou a lavar a louça suja. O sol só estava começando a nascer, despontando no leste, acima da cúpula rochosa que quase cobria todo aquele perímetro.

Sakura continuou com seus afazeres e não tentou puxar assunto comigo. Eu suspirei, derrotado, e decidi que o melhor seria me afastar um pouco. Optei por inspecionar o terreno, contornar aquela estranha formação rochosa que protegia todo aquele nicho, conhecer cada polegada dele poderia se provar proveitoso no futuro.

A água brotava da rocha em vários pontos, alguns eram pouco mais do que filetes, escorrendo como seiva a partir da pedra bruta, mas outros desaguavam como pequenas quedas d’água em lagunas rasas o suficiente para limos flutuarem sobre a sua superfície estagnada. Algumas poucas e velhas árvores ainda sobreviviam ali, mas seus troncos demonstravam sinais de desgaste e seus galhos já não nutriam tantas folhas.

A verdadeira beleza ali estava no imenso campo de lírios-aranha. Shibito-bana, a flor dos mortos, era como Ajisai as havia chamado. Mas no país das Fontes Termais, me disseram que elas se chamavam Higanbana, a flor do equinócio de outono. De toda forma, elas eram por si só uma visão hipnotizante. Aglomeradas como estavam, lembravam um coágulo de sangue enorme, como se a própria terra sangrasse.

Elas eram a razão da montanha ter fama de amaldiçoada e foram a razão pela qual Ginchiyo e Sakura puderam se salvar.

Suspirei e decidi que era hora de voltar.

Mais tarde, naquela mesma manhã, descobri que Ginchiyo pretendia ir a uma cidade vizinha para comprar ervas medicinais próprias do país do Fogo num boticário. Como nem Sakura e nem eu podíamos ser vistos, ela decidiu que ia sozinha e não via riscos nisso.

— Fiz essa viagem por anos — disse-nos enquanto ajeitava a alça da bolsa de tecido no seu ombro. — E preciso dessas plantas. Tudo o que eu tinha, usei para ajudar na recuperação de Sakura.

Olhei Sakura, à espera de uma explicação.

— Ginchiyo-obaa-sama usou plantas medicinais para ajudar a estabilizar o meu chakra, depois que despertei do coma. É por isso que me recuperei tão rápido. Assim como eu — ela abriu-me o primeiro sorriso do dia —, Ginchiyo-obaa-sama consegue produzir medicamentos a partir de plantas com esse fim.

— A cidade de Uesugi fica só a um dia de viagem daqui — a Kunoichi inteirou, confiante. — É mais longe, mas mais seguro também. Não levantarei suspeitas, não se preocupem.

— Faça uma boa viagem, Ginchiyo-obaa-sama, cuidarei da casa até que volte — Sakura prometeu com uma breve mesura.

A Kunoichi anuiu e virou-se para partir. Nós a observamos se afastar até ter desaparecido pela única entrada: o mesmo túnel na caverna que atravessei ontem pela manhã.

Ao invés de voltar à casa como supus que faria, Sakura desceu os degraus da varanda e se afastou num ritmo despreocupado. Decidi segui-la, mas me mantive um pouco mais atrás. Parei quando ela parou, quando já estávamos em meio aos prados de lírio-aranha. O sol derramava-se agora através da abertura no teto rochoso, mas enquanto algumas áreas, como a campina, recebiam sua luz, outras permaneciam sombreadas e úmidas abaixo da cúpula de pedra.

Sakura tombou o rosto para mim; sua pele alva absorvia o calor do sol, mas seus olhos estreitados o evitavam.

— Gosto daqui — admitiu com um pequeno sorriso. — Gosto da paz que esse lugar transmite.

Senti seus olhos perscrutando meu rosto; era verdade que ali parecia ser um lugar à parte do mundo, destacado e removido de qualquer mapa já desenhado. Eu estava quase começando a me sentir seguro, para ser franco. Mas não disse isso à Sakura.

Ela fechou os olhos para melhor aproveitar a luz diurna. Eu rocei minha mão no bolso da minha calça e senti então o objeto que pegara na minha bolsa na noite anterior, com a desculpa risível de ter um motivo para abordar Sakura. Mas perdi a coragem no último segundo e acabei por guardá-lo no meu bolso, esquecendo-o lá.

Quando o puxei para fora, o metal costurado ao tecido escarlate refletiu a luz do sol como um espelho. O ponto de luz atraiu a atenção de Sakura que, com os olhos abertos agora, distinguiu-o nas minhas mãos.

— Sasuke-kun... Isso é...?

— Eu o achei no fundo do rio, num trecho mais raso. Deve ter se soltado do seu cabelo... — silencie-me, repentinamente constrangido.

Ela se aproximou e o tomou das mãos que o ofereciam, sentindo a textura macia do tecido na ponta dos dedos, o aço polido, os sulcos que gravavam a insígnia da Folha bem no centro.

— Obrigada — murmurou com um novo sorriso, menos contido dessa vez. — Obrigada por recuperá-lo. É importante para mim.

Uma brisa suave passou por nós; eu estava surpreso em como o vento encontrava frestas na rocha para atravessar. Havia uma corrente de ar constante ali. Ela soprou mechas do meu cabelo e do de Sakura, cobrindo seus olhos dos meus.

Parecia, ao menos, que a tensão entre nós havia passado — por enquanto. Eu me perguntava quanto tempo essa trégua duraria antes que Sakura ou eu reiniciássemos a discussão: ela queria lutar, participar do plano que traçamos, e eu a queria afastada, segura e em Konoha preferencialmente. Jamais entraríamos em um consenso assim.

Com Ginchiyo fora, Sakura se ofereceu para cozinhar nosso almoço e ela, de fato, o fez. Nós comemos em silêncio e em paz, imperturbados pelos assuntos à margem que ainda tínhamos que discutir. Em seguida, devido à insistência de Sakura eu inteiro, tirei um cochilo no quarto que ela ocupava. Não estava cansado, mas certamente sonolento depois de haver me saciado.

Acordei perto do fim da tarde, um pouco desorientado, mas completamente relaxado. Levantei-me do futon e ajeitei minhas roupas um tanto amarrotadas. Quando alonguei meu braço esquerdo, senti um leve desconforto para o qual não dei atenção.

Encontrei Sakura na sala de estar, ocupada com alguns pergaminhos que conjecturei pertencerem àquela Kunoichi. Assim que me viu desperto e parado ali, abriu-me um sorriso:

— Já acordou?

Escorei-me à parede enquanto ela enrolava um pergaminho e o lacrava, buscando por outro em seguida. Eu não sabia como pedir aquilo a ela, mas precisava encontrar uma forma... E rápido.

— Sakura — chamei-a e assim que tive sua atenção, abaixei o rosto, encabulado. — Poderia me ajudar com algo?

Ela se levantou, prestativa.

— É claro, Sasuke-kun. É só pedir.

Bufei devido à comicidade e ao constrangimento daquela situação.

— Eu preciso de um banho — falei por fim e ela enrubesceu e abaixou o olhar, anuindo vigorosamente.

— Ah, é claro!

Depois disso... Bem, descobri que os banhos ali eram tão rudimentares quanto eu pensara. Sakura me trouxe um vasilhame com água morna (ela me disse que ferveu um pouco para o meu banho não ser desagradavelmente frio), uma esponja e um pedaço de tecido limpo, além de uma toalha para que eu me enxugasse.

Tão constrangida quanto eu, ela se retirou do quarto, deixando-me sozinho. Balancei a cabeça e em seguida puxei minha blusa pela bainha, tirando-a pela cabeça e descartando-a no chão. O sol já se punha quando deslizei a segunda porta do quarto que terminava na varanda da casa.

Levei a bacia comigo e me senti um pouco grato por poder me livrar da sujeira acumulada na minha pele. Sentei sob a soleira enquanto o mundo escurecia, como se cortinas violáceas caíssem lá fora. Deixei a água escorrer pelas minhas costas, levando consigo as memórias da minha batalha dois dias atrás.

Quando toquei a cicatriz da cirurgia da minha prótese, no meu braço esquerdo, percebi-a um pouco sensível ao toque e levemente avermelhada. Talvez eu devesse mostrar isso à Sakura mais tarde.

Foi quando ouvi a porta deslizar e ouvi passos sobre o tatame, tal como o calor de Sakura atingiu-me no momento em que se inclinou sobre mim. Senti sua respiração no meu pescoço e seu braço roçou no meu ombro quando estendeu a mão para pegar a esponja das minhas mãos.

Mesmo sem me dizer nada, encharcou-a na bacia e, enquanto apoiava uma mão nas minhas costas, passou-a pela minha nuca com delicadeza extrema. Senti-a arrastar a esponja através da minha espinha como uma carícia. A água morna escorria pelas minhas costas e empoçava nas esteiras e nas tábuas da varanda.

Quis lhe perguntar o que estava fazendo, mas não encontrei em mim forças para fazê-lo. Sakura me desmontava com seu toque e nem mesmo parecia ter consciência do que fazia, do efeito que tinha sobre mim.

Das minhas costas, ela esticou-se até poder alcançar meu peito e meu abdome. Sua mão livre pousou sobre o meu coração no instante em que seus lábios roçaram minha nuca, depois minhas omoplatas. Sufoquei um gemido quando sua mão com a esponja moveu-se para baixo do meu umbigo, perto demais do cós da minha calça.

Como num estalo, detive-a, segurando seu pulso enquanto minha respiração errática estagnava na minha garganta. De olhos fechados, tentando controlar as reações do meu corpo ao seu calor, à sua forma apertada contra as minhas costas, às suas coxas pressionadas de encontro às laterais do meu corpo.

— Sakura — chamei-a numa advertência. — Aqui não.

Ela não pareceu se abalar por minha recusa, muito pelo contrário: apertou o rosto nas minhas costas. Seu cabelo fazia cócegas na minha pele úmida.

— Por que não aqui, Sasuke-kun?

Cerrei os dentes quando sua outra mão traçou círculos invisíveis na pele do meu peito.

Por que não, ela me perguntava? Bem, não era a hora ou o lugar apropriados. Estávamos num país estrangeiro, com uma organização criminosa à procura dela e a iminência de uma nova guerra se o Lorde Feudal não fosse detido.

Além disso havia tantos porquês. Porque eu queria que fosse único, para nós dois. Porque eu a queria como minha esposa antes de tê-la. Porque eu não queria dar um passo tão grande assim e depois vê-la se arrepender disso. Porque. Porque. Porque.

— Não faça isso — eu voltei a adverti-la, mas brando dessa vez, e soltei seu pulso.

Sakura subiu suas mãos para afagar meu pescoço, afastando mechas de cabelo que grudavam na minha pele.

— Eu não quero mais esperar — ela sussurrou no meu ouvido, tentando-me como o demônio que era. Ah, eu a conhecia.

— Essa decisão não é só sua — devolvi, mas não tão convicto de que era isso o que eu queria e creio que Sakura percebeu.

— Então olhe para mim e diga isso de novo.

Quando seu corpo se afastou do meu, eu suspirei — de alívio? Em desalento? Eu não sabia.

— Diga olhando nos meus olhos, Sasuke-kun, que você não me quer.

Merda, Sakura! Voltei a cerrar os dentes. Por que ela me torturava assim? Por que ela me tentava assim? Eu a quero e é justamente esse desejo que está me matando. Todas as vezes que esse pensamento cruzou minha mente, todas as vezes em que desejei que aqueles malditos sonhos fossem reais. Todas as vezes em que cogitei me tocar pensando nela. Merda. Merda. Merda. Carrego inúmeros segredos comigo e se Sakura apenas soubesse. Se ela ao menos...

— Sasuke-kun.

Cerrei meus punhos quando me virei para ela, abrupto. Pude ver nos seus olhos arregalados a surpresa, o temor pela minha reação, a rejeição que ela previra equivocadamente. Mas não deixei tempo para mais nenhuma especulação por parte dela.

Porque meus impulsos fizeram com que eu praticamente a atacasse. Mas eu estava pouco me lixando para isso. Não agora. Não mais. Porque segurei seu rosto entre as minhas mãos e trouxe seu rosto para o meu: sem delicadeza, sem calma.

Minha boca encontrou a dela, sedenta e voraz, e isso foi tudo o que me importou. E enquanto a sentia se render a mim e relaxar contra o meu corpo, tudo o que consegui pensar é que não, não posso e nem quero esperar mais também.

Terei que tornar Sakura minha. Aqui. Agora.

⊱❊⊰

Ho no Kuni (País do Fogo), três anos antes.

Por último, como eu antecipei dias atrás, Sakura veio me ver na prisão. Ao contrário de Kakashi e Naruto, entretanto, ela conseguiu autorização para abrir minha cela. Notei isso no momento em que o guarda abriu a porta com sua chave.

Ela adentrou o cubículo com certa estranheza, mas isso só até se certificar de que o guarda havia se afastado o bastante porque então se lançou contra mim, apertando-me nos seus braços.

— Ah, Sasuke-kun, estou tão feliz que esteja bem! — ela murmurou num tom trêmulo, abafando a voz na minha camiseta.

Limitei-me a erguer uma sobrancelha para ela.

— Como conseguiu autorização para abrir minha cela? Kakashi e Naruto não puderam nem ao menos se aproximar de mim.

Sakura levantou o rosto do meu peito para exibir um sorriso dissimulado.

— Kakashi-sensei conseguiu-me uma autorização para que você receba a visita de um Iryō–nin, Sasuke-kun. Para ser examinado e para nos certificarmos de que não está sendo maltratado aqui. Nem mesmo o Raikage pôde contestar isso, especialmente porque foi a própria Tsunade-sama que recomendou.

— Eu estou bem — deixei claro, um tanto amuado. — Só estou entediado.

— Nós sabemos — Sakura estendeu a mão para afagar meu rosto. — Ne, Sasuke-kun, a examinação médica é apenas um subterfúgio para eu poder te ver.

Balancei minha cabeça devagar, estava em desacordo com tudo aquilo.

— Não devia se expor tanto por minha causa, Sakura.

— Deixe que eu mesma lido com isso, Sasuke-kun! — devolveu-me com um leve franzir dos lábios.

Afastei-me dela, recuando até minha cama débil onde me sentei.

— Estou falando sério. Todos vocês se arriscam demais por minha causa.

Sakura insistiu em se aproximar, ajoelhando-se diante de mim e tocando meus joelhos.

— É porque nós somos uma família, Sasuke-kun. Nós te amamos.

Às vezes, eu ponderava a respeito disso. Em meio aos meus pensamentos mais perturbadores, eu considerava que Naruto, Kakashi e Sakura deveriam apenas desistir de mim. Eu quis isso durante muito tempo e, em lapsos como esse, ainda quero.

Não os quero prejudicados por minha causa. Não quero que se exponham ou que desafiem os Kages só para salvar o meu pescoço.

— Eu mereço isso, Sakura — murmurei e ela balançou a cabeça exasperada.

— Não diga isso, Sasuke-kun. O que você merece é ser feliz, é ser amado e nada menos do que isso. E nós estaremos ao seu lado até o fim, quer você goste ou não.

Quando suas mãos envolveram meu rosto e o trouxeram para cima, eu não lutei. Estava cansado de lutar para falar a verdade. Por isso, quando os lábios de Sakura tocaram os meus, eu apenas... cedi. Descobri-me um completo fraco quando se trata dela.

Sua boca se moveu contra a minha com calma e suas mãos continuaram no meu rosto quando ela se afastou, sem fôlego:

— Eu te amo, Sasuke-kun. Eu te amo e não posso mudar isso.

Eu só podia me agarrar a isso. Eu só podia me agarrar à Sakura naquele momento.

E assim eu o fiz.


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Notas finais do capítulo

Para os leitores que estavam me cobrando romance e quase arrancando minha cabeça por isso: eu não disse que era só ter um tiquinho de paciência? :v E no próximo capítulo adivinhem o que tem? Dica: começa com P! Huehuehuehuehuehuehue
...
Escrevi esse capítulo quase todinho hoje, portanto meus dedos estão cansados D: Mas amanhã sem falta os reviews serão respondidos! Fantasmas, a hora de se manifestar é essa! Não desperdicem, hein! u.u
...
Já conhecem o esquema: se comentarem, volto semana que vem ou, dependendo da minha vontade de escrever pegação (levando em conta que é pegação SasuSaku, tô sempre com vontade de escrever :v ), bem antes Huehuehuehue
Até o próximo, seus pervertidos! ;D