O Peregrino escrita por Deusa Nariko


Capítulo 21
Capítulo XXI


Notas iniciais do capítulo

Vigésimo primeiro capítulo.
Boa leitura!



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O Peregrino

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Capítulo XXI

⊱❊⊰

Taki no Kuni (País da Cachoeira), dias atuais.

Quase não acreditei quando a vi, parada naquela varanda e me encarando com a mesma expressão cética que eu certamente tinha infundida na face.

Era surreal como Sakura havia e não havia mudado nesses últimos três anos em que não nos vimos. O tom dos seus olhos ainda eram os mesmos: verde primavera, verde-jade — a cor que sempre representou a minha perdição. E, no entanto, estes estavam mais afiados, mais sábios, mais profundos do que nunca.

Os traços do seu rosto haviam amadurecido junto ao seu corpo, ela havia passado de menina à mulher aos meus olhos; estava linda, desde o arco surpreso das sobrancelhas claras, às longas pestanas negras que caíam sobre as suas pálpebras a cada vez que piscava, sombreando-os, até o arfar delicado dos seus lábios ao suspirar sílaba por sílaba do meu nome.

— Sasuke... –kun?

Intentei dar um passo em sua direção, mas a mesma Kunoichi de antes colocou-se no meu caminho de sobrecenho franzido. Quando levantou a mão e a posicionou diante do rosto crispado, mais três senbons reluziram nos vãos dos seus dedos.

— Sakura, o que está havendo aqui? Quem é ele? — demandou e seu corpo não abandonou a postura defensiva, fazendo frente à minha carranca.

Sakura se apressou para nos alcançar, descendo os degraus da casa de madeira descalça e atravessando o pequeno gramado até o prado de lírios-aranhas que serpenteavam sob a brisa suave.

— Ginchiyo-obaa-sama — ela a chamou, aflita. — Por favor, não! Eu o conheço... E está tudo bem!

A outra Kunoichi parece-me cautelosa a princípio, até mesmo desconfiada. Agora que Sakura estava mais perto, meu Sharingan podia praticamente queimar a lembrança do seu rosto na minha memória... Para sempre.

Quando seus olhos caíram sobre os meus, o silêncio se adensou entre nós. Ouvi o sussurro do vento ao penetrar a imensa formação rochosa que cerceava todo aquele perímetro. Ouvi até mesmo a cadência do coração de Sakura batendo no seu peito. Era inevitável que eu me perdesse dentro dos seus olhos, sempre foi assim. E acho que tinha o mesmo efeito sobre ela.

Um leve pigarrear trouxe-nos de volta à realidade e só então eu voltei a me lembrar da Kunoichi que me atacou há apenas alguns minutos, a mulher ranzinza e franzina de sobrancelhas pesadas encimando um par de olhos amendoados.

— Pedirei que me explique a situação mais tarde, Sakura — disse, já tendo abandonado a postura hostil —, mas se você acha que esse homem é confiável...

— Sasuke-kun é confiável — ela reiterou sem preâmbulos, tão convicta disso que eu me senti um pouco encabulado.

— Certo — ela aquiesceu, mesmo que visivelmente consternada, e tombou o rosto para mirar a casa de madeira, às suas costas. — Depois me darei ao trabalho de ouvir a história toda.

— Eu agradeço, Ginchiyo-obaa-sama — Sakura curvou-se um pouco em gratidão enquanto a mulher rabugenta retirava-se para o que presumi ser a sua casa.

Quando estava a apenas alguns metros de nós dois, Sakura voltou-se para mim e baixou seu tom de voz para um murmúrio tão suave como o vento que soprava os caules das flores:

— Não se ofenda com a atitude ressabiada dela, Ginchiyo-obaa-sama tem seus motivos para temer cada forasteiro que invade a sua montanha.

Arqueei uma única sobrancelha, cético, e desativei meu Sharingan, uma vez que a batalha terminara por intervenção de Sakura. E, falando nela, o brilho nos seus olhos a cada vez que me fitava não me passava impercebível.

— Como chegou até aqui, Sasuke-kun? Como me encontrou? Você de todas as pessoas... — baixou os olhos e o vento soprou uma mecha de cabelo sobre o seu rosto alvo, impedindo-me de ler sua expressão. — Eu não esperava encontrá-lo aqui.

Ao invés de me sentir insultado por suas palavras irrefletidas, ou até mesmo irritado, percebi que elas não eram capazes de destruir o estado de espírito que alcancei no momento em que a encontrei, sã e salva — aparentemente. Por isso, aproximei-me dela e estendi meu braço apenas para pressionar meus dedos indicador e médio contra o selo na sua testa.

Eu também conhecia o bastante das inseguranças de Sakura para saber que, às vezes, elas turvavam a sua capacidade de julgamento e eu mesmo nunca fui muito claro com meus sentimentos — algo que preciso remediar de alguma maneira —, de modo que não posso responsabilizá-la por inteiro nesse caso.

As minhas próprias inseguranças, muitas vezes no passado, me impediram de ver o que esteve bem diante dos meus olhos o tempo todo.

— Te contarei outra hora — garanti e Sakura tocou sua testa no instante em que me afastei, só então abrindo um sorriso radiante.

— Ne, Sasuke-kun, por que não vem comigo? Quero que me conte exatamente como chegou à Taki.

Arqueei uma sobrancelha pela segunda vez porque, ora, eu era quem deveria estar fazendo perguntas ali. Mas, de qualquer forma, decidi esperar que a própria Sakura me contasse a sua versão da história e me dissesse como havia ido parar ali.

Por isso, sem mais delongas, acompanhei-a até a casa que se destacava contra a pradaria florida e a imensa formação rochosa de sílex ao fundo. O som da pequena queda d’água preenchia os arredores, assim como o odor enjoativo do limo que ondulava sobre a pequena laguna na qual esta desaguava.

A silhueta delicada de Sakura movia-se à minha frente e apenas a fragrância que desprendia do seu cabelo já era o suficiente para evocar em mim lembranças que por muito tempo me assombraram.

Eu me lembro da sensação de ter estes mesmos cabelos enrolados ao redor dos meus dedos, assim como me recordo com minúcia perfeita e exata da sensação das suas curvas apertadas contra o meu corpo: seus seios esmagados contra o meu peito, seus braços apertados no meu pescoço, seus quadris roçando nos meus provocativamente.

Suprimi esses desejos proibitivos por tanto tempo que agora sinto que perderei o controle sobre eles no primeiro momento inoportuno. É por isso que acabei decidindo puxar conversa, para desviar meus pensamentos de um rumo tão nocivo para mim.

— Quem era aquela Kunoichi?

Sakura não parou, de forma que apenas tombou seu rosto para mim:

— Ela é a Ginchiyo-obaa-sama e eu devo a minha vida a ela. Sasuke-kun não acreditaria se eu contasse a história dela — disse-me, sorrindo.

— Tente — aticei-a e Sakura perdeu a fala por um segundo, mas não demorou a reaver sua compostura e seu empenho para me provocar.

— Mais tarde, quero que me conte a sua história primeiro, Sasuke-kun.

Quando chegamos à modesta casa com telhado de junco, Sakura subiu os primeiros dois degraus sem dificuldade, mas no terceiro, precisou se apoiar na balaustrada da varanda. Só tive tempo de ver seu corpo oscilar para trás antes de reagir por impulso: movi-me com destreza, parando bem atrás dela e, sem pensar, passei meu braço bom por sua cintura, escorando-a a mim, impedindo sua queda.

Meu queixo escorou-se no topo da sua cabeça e eu acabei me deixando levar pelo calor que emanava da sua pele, por sua fragrância floral; senti-a estremecer contra mim, apenas por um instante, antes de se recompor e, nisso, eu a deixei ir, afastando-me.

— Desculpe-me, Sasuke-kun — disse-me com um sorriso encabulado. — Foi só uma vertigem passageira.

Franzi meu cenho e Sakura acrescentou um tom mais baixo:

— Eu estive em coma durante as últimas semanas e como só despertei há três dias, não tive tempo para me recuperar completamente.

Coma? — Quase cuspi o termo, enraivecido e enjoado, e ela enrubesceu.

— Bom, entre, assim podemos nos explicar, sim?

Contornou a situação com um sorriso e em seguida deslizou a porta da frente, parando junto à soleira para que eu entrasse também. Eu o fiz sem cerimônias, tirando minhas sandálias enquanto Sakura, já descalça, avançava pelo vestíbulo. Segui-a, mesmo que encabulado, e nesse momento a outra Kunoichi saiu de um cômodo contíguo e me encarou com azedume, passando por minha figura até desaparecer na varanda.

Quando voltei a encarar Sakura, ela estava sorrindo para mim.

— Não se sinta ofendido pela atitude dela, Ginchiyo-obaa-sama é bastante arisca no começo, mas depois que se conquista a sua confiança... Ela é uma boa pessoa — anuiu consigo mesma, alisando a manga do quimono que vestia.

Resolvi que era a hora de começar a ser franco com ela, por isso endureci meu olhar e Sakura notou a mudança na minha postura no mesmo segundo, pois também crispou os olhos.

— Eu vim até aqui para te buscar, Sakura; vou te levar de volta à Konoha em segurança e, depois, lidar com o Lorde Feudal e com o que resta da Higanbana Sangrenta.

Minha honestidade pareceu magoá-la; cheguei a essa conclusão depois de ver o relance de dor que atravessou os seus olhos, obscurecendo-os para mim. Mas seja o que for que tenha sido, aquele lapso momentâneo, ela não demorou a recuperar sua compostura e me encarar incisivamente.

— Kakashi-sensei te enviou aqui para isso? Foi ele quem te pediu para fazer isso?

Suas perguntas me desarmaram e, até mesmo, me confundiram, mas só por um breve segundo. Desfiz o mal-entendido e o péssimo julgamento de Sakura a meu respeito com apenas uma sentença:

— Não, ele não me pediu — dei de ombros, mas sei que minha indiferença fingida não me salvaria agora. — Eu mais ou menos o intimei para que desse essa missão.

Tive certeza de que minhas palavras eram o que ela não esperava, vi isso na surpresa sincera cinzelada no seu rosto.

— Naruto não veio com você?

Senti uma pontada incômoda no peito, mas não deixei que esse sentimento transparecesse ao respondê-la. Aleguei, para mim mesmo, que era apenas preocupação pelo comportamento estúpido e o histórico nada favorável daquele dobe.

— Ele ficou em Konoha. Seu filho estava prestes a nascer quando parti, além disso Kakashi o proibiu de se envolver dessa vez porque é bem capaz de que aquele cabeça oca iniciasse uma guerra entre as vilas com sua estupidez. O próprio Kakashi esteve pisando em ovos nas últimas semanas com as relações diplomáticas entre os dois países. Ninguém quer ver uma guerra estourando tão cedo de novo.

Sakura congelou de repente e levou ambas as mãos à cabeça; fiquei preocupado com sua palidez e com o modo como ela se curvou um pouco, parecia afetada por minhas palavras.

— Ah, céus... O nascimento do pequeno Boruto! Eu quase me esqueci de quão próxima estava a data do parto da Hinata... Eu prometi que estaria lá para isso!

Soltei um suspiro. De tudo o que eu havia lhe contado, ela só havia se atido a isso?

— Estão todos bem em Konoha? — ela me interpelou com urgência. — Espero não tê-los preocupado demais... Não sei como reagiram às notícias do meu desaparecimento, mas...

— Sakura — chamei-a num murmúrio cansado. — Você não só foi dada como desaparecida, mas também como morta. Foi assim que as notícias chegaram a mim, em primeiro lugar. Shinobis de Konoha procuraram pelo seu corpo por dias antes de desistirem de tentar encontrá-la.

Isso pareceu abalá-la verdadeiramente. Seus olhos esbugalhados perderam-se em algum ponto na parede às minhas costas e suas mãos trêmulas cobriram seus lábios apartados.

— Eu fui... dada como morta?

— Foi a estratégia do Kakashi para ganhar tempo para você. Ele acreditou que se te dessem como morta, isso arrefeceria os esforços do Lorde Feudal para tentar te encontrar e te eliminar.

Sakura destapou os lábios e puxou o ar através deles fracamente num arquejo grave.

— Entendo. Eu realmente entendo a decisão do sensei, mas ainda assim... — balançou a cabeça, desorientada. — É estranho ouvir isso. Não que eu quase não tenha perdido a vida naquele dia, mas...

Cerrei os dentes em resposta à súbita menção de sua quase morte.

— Você está bem? — perguntei porque sua palidez, de fato, me preocupava, mas ela assentiu vigorosamente.

— Eu ficarei, Sasuke-kun... Só... Eu só preciso de tempo para me acostumar com isso. Quero dizer, muitas pessoas devem acreditar que eu estou mesmo morta.

— Aquelas que importam de verdade, não — disse-lhe e fiquei surpreso por minha necessidade de tranquilizá-la; o que estava havendo comigo?

Sakura deixou escapar um riso seco e voltou a assentir, concordando comigo. Depois, pressionou a palma da mão contra a testa e suspirou demoradamente.

— Você precisa de alguma coisa, Sasuke-kun?

Quando seus olhos voltaram a encontrar os meus, enxerguei neles uma suavidade tão genuína, um sentimento tão sincero que me peguei assentindo. De fato, eu estava bastante cansado e faminto. Não comia e nem bebia nada há horas e não havia dormido nada na noite passada, nem mesmo para me recuperar da batalha.

— Desculpe, eu acabei sendo indelicada. Você parece exausto, Sasuke-kun.

Sakura abriu outro sorriso espontâneo, quase inconsciente, para mim:

— Venha comigo. — E dizendo isso atravessou um corredor estreito, à minha direita, gesticulando para que eu a seguisse.

Apesar de haver hesitado nos dez primeiros segundos, decidi que o melhor seria acompanhá-la do que ficar plantado ali, sozinho, na casa de uma mulher estranha. Por isso, segui-a, ainda que relutante, até que Sakura entrasse por uma porta.

Quando cruzei o limiar, no seu encalço, encontrei um cômodo modesto, pouco mobiliado: apenas um futon esticado em um canto, um armário embutido e antigo na parede oposta e algumas tapeçarias representando paisagens bucólicas e personagens mitológicos penduradas em outra parede.

Retirei meu manto e a alça da minha bolsa, colocando-a no chão. Foi nesse momento que notei o olhar assombrado de Sakura sobre mim, mais especificamente sobre a mão pálida que despontava da manga da minha blusa. Devagar, ela se aproximou de mim, seus passos comedidos sussurrando no tatame.

Quando ela estendeu as mãos para apanhar a minha protética, senti seu calor, seu toque, a suavidade nas pontas dos seus dedos como se a estivesse experimentando pela primeira vez novamente.

Sakura apanhou a minha mão esquerda entre as suas e virou minha palma para cima. Seus dedos traçaram percursos invisíveis a partir da face interna do meu pulso, acompanhando o padrão das veias azuladas e culminando nas pontas suaves dos dedos inexperientes, que ainda não haviam manejado arma alguma. Seu toque quase fantasma causava sensações estranhas em mim.

— Tsunade-sama fez, de fato, um trabalho excelente — ela comentou orgulhosa pela mestra. — Fico contente que tenha a aceitado, Sasuke-kun.

Recuei minha mão das suas, subitamente acanhado, e baixei meu braço. Meu rosto se tornou uma careta com a lembrança da cirurgia em Konoha e em como demorei a reconhecer aquele membro como uma parte do meu corpo, ligada a mim por pele, nervos, músculos e ossos. Por sangue.

— O Dobe e o Kakashi esgotaram a minha paciência até que eu concordasse — murmurei de má vontade, mas acho que meus olhos me entregaram, a julgar pelo sorriso cada vez mais radiante de Sakura.

— Eu já volto — declarou de repente, movendo-se em direção à porta. — Vou pegar algo para você comer.

Antes que eu pudesse retrucá-la, Sakura havia desaparecido. Eu suspirei e olhei em volta do quarto em profundo desalento. Dobrei meu manto e o guardei na bolsa. Meus dedos roçaram acidentalmente o pergaminho de Sakura e um sorriso presunçoso fez seu caminho até os meus lábios.

Resolvi me sentar porque me sentia um idiota de pé, mas à medida que os minutos se arrastavam languidos, comecei a sentir os efeitos da exaustão mais pronunciadamente sobre o meu corpo. Minha cabeça pesava sobre o pescoço, meus ombros tensos estavam doloridos e minhas costas eretas, pouco a pouco, envergaram.

Pressionei meus dedos contra minhas pálpebras cerradas, mas me vi incapaz de escapar daquela letargia inconveniente. Como não queria ser presunçoso e ocupar o único futon no cômodo, ajeitei-me como pude: vencido por meu próprio cansaço, deitei de lado sobre o tatame, apoiando minha cabeça no antebraço; não era desconfortável, mas certamente também não era o melhor lugar para se dormir.

De qualquer forma, minha visão escureceu. A adrenalina que senti outrora por minha busca imparável por Sakura deixou de reger minhas decisões. Minha força motriz até aquele momento me abandonou e eu adormeci.

Estava tão exausto, que tenho certeza de que não sonhei com nada. Nem mesmo os sonhos silenciosos e recentes com os lírios-aranha vermelhos pareciam ver sentido em ocupar mais meu subconsciente, agora que eu havia encontrado aquela por quem busquei tão incansavelmente.

⊱❊⊰

Quando acordei, horas mais tarde, minha cabeça não se encontrava mais apoiada no chão duro ou no meu antebraço como no momento em que caí no sono, mas sim em algo macio e extremamente confortável.

Senti-me ainda mais preguiçoso e letárgico quando a sensação de dedos acariciando meu couro cabeludo fez-se presente. Por um instante, aprisionado no limbo entre o mundo dos sonhos e a realidade, julguei ser um menino de novo, com a cabeça deitada no colo da minha Kaa-san e com seus afagos me pondo para dormir.

Mas o peso esmagador da verdade não demorou a massacrar tais devaneios, lembrando que há muitos anos eu não tinha mais direito a esses afagos, uma vez que perdi minha mãe para o fio da espada do meu próprio Nii-san. Por isso, mesmo tentado a permanecer ali, naquele imaginário doloroso, forcei-me a me situar e me descobri apoiado no colo de Sakura com sua mão entremeada ao meu cabelo.

Suspirei alto o suficiente para avisá-la de que estava desperto, mas por algum motivo não tive forças para me afastar dela. Minhas fraquezas e carências me mantiveram preso a ela. Quando sua outra mão apoiou-se no meu ombro tensionado, eu acabei relaxando meu corpo de novo.

— Não tem problema — ela garantiu-me aos sussurros. — Pode ficar, Sasuke-kun.

Abri meus olhos e me encontrei no escuro; chamas de velas bruxuleavam tímidas nos cantos do quarto e quando fitei o teto também encontrei o rosto de Sakura sobre o meu, sua pele alva e acetinada destoava das sombras que se adensavam no cômodo.

— Como eu...? — comecei a perguntá-la, mas me detive.

Sakura voltou a afundar os dedos no meu cabelo, intensificando a carícia; apesar de haver dormido por quase um dia inteiro, eu estava começando a me sentir sonolento de novo.

— Quando voltei com a comida, você havia caído no sono. Mesmo no chão — ela riu suavemente e eu tentei disfarçar meu constrangimento. — Parecia muito desconfortável, então tentei trazê-lo até o futon.

Por que eu estava com a sensação de que isso não era tudo?

— Estava prestes a acordá-lo, mas não tive coragem. Pensei em movê-lo por conta própria com minha força, mas... — Sakura desviou o olhar e seu tom divertido me alarmou para o que viria a seguir: — Então, você acabou se acomodando no meu colo durante seu sono e eu não tive mesmo coragem de tentar te mover mais.

Soltei uma lufada de ar pelo nariz e Sakura afagou meu ombro tenso.

— Deveria ter me acordado — disse-lhe e não consegui esconder meu acanhamento.

— Eu não me importo nem um pouco, Sasuke-kun. Além disso, você estava realmente exausto. Deveria ter me dito antes o quão cansado estava.

Como não voltei a me pronunciar sobre nada, especialmente sobre o quanto estava constrangido por meu próprio comportamento involuntário, deixei que Sakura continuasse a me mimar, ainda que me sentisse um completo estúpido por isso.

— Há quanto tempo você não dormia tanto assim? — ela me perguntou, quebrando o silêncio e eu me esforcei para respondê-la, sonolento como estava.

A resposta sincera seria que eu não dormia bem desde que as notícias do seu desaparecimento e de sua pseudo-morte chegaram até mim, mas eu, orgulhoso como era, claro, jamais admitiria isso para ela, então preferir resmungar algo que não estraçalharia minha dignidade restante.

— Algum tempo.

Sakura se curvou um pouco sobre mim e quando tornei a abrir meus olhos, mechas do seu cabelo caíam sobre o meu rosto, provocando-me cócegas. Sua mão afastou a franja dos meus olhos e da minha testa. Engoli em seco porque seus olhos, tão próximos dos meus, testavam meu autocontrole.

— Você quer comer alguma coisa agora? Aposto que está faminto — ela murmurou alheia aos desejos que ferviam sob a minha pele.

Levantei-me do seu colo, sentando-me com as costas eretas enquanto digladiava contra aqueles ímpetos desvairados; eu poderia não ter muito de moral, mas o pouco que me restava eu zelaria para conservar mesmo que isso contrariasse as minhas vontades mais urgentes.

Como Sakura poderia estar tão alheia ao rebuliço dentro de mim? Será que eu era mais denso do que pensava? Seja qual for o motivo, Sakura simplesmente se levantou e me disse para acompanhá-la.

Quando questionei o motivo, tudo o que recebi em troca foi uma resposta evasiva:

— Ginchiyo-obaa-sama disse-me mais cedo ter assuntos a tratar contigo, durante o jantar... Se não for um incômodo. Além disso, preciso te contar algo muito importante, Sasuke-kun.

⊱❊⊰

Ho no Kuni (País do Fogo), três anos antes.

Os dias na prisão de Konoha se arrastavam feito animais agonizando. Trancado em minha cela, eu não resistia; passava o dia sentado na cama estreita abrindo buracos nas paredes com meus olhos.

Era alimentado regularmente e tomava banhos com a mesma frequência, mas isso era tudo. Não fui levado a interrogatório, não tive permissão de receber visitas nos dias subsequentes à minha prisão e na maior parte do tempo estava mortalmente entediado.

Não era hostilizado pelos demais prisioneiros, mas via o medo ou a raiva nos seus olhos e ignorava-os tal como ignorava o tempo que escoava torturantemente lento ali.

Como precaução de uma fuga eventual, recebi um dispositivo que suprimia a maior parte do meu chakra e me impedia de ativar meu Sharingan e, com ele, meus jutsus mais poderosos. Mas estava tão indiferente a tudo aquilo que a possibilidade de fuga nem me passava pela cabeça.

Especialmente por Naruto e Sakura; eu não queria metê-los em problemas de novo, por isso acatava toda aquela merda de cabeça baixa, ainda que com o orgulho ferido.

Nada me irritava mais ali, nem mesmo os lençóis que cheiravam a mofo, a comida pastosa, com gosto de nada, os banhos frios, a escuridão com a qual era trancafiado em minha cela todos os dias.

Até que, numa noite, recebi a visita inesperada de ninguém menos do que o Hokage; ele não tinha autorização para mandar abrir minha cela e, com isso, conseguirmos conversar com um pouco mais de privacidade, de tal modo que nos comunicamos por uma janela estreita na porta de ferro da minha cela, lacrada com selos especiais.

— Sasuke? — A voz dele soava cansada, baixa.

Eu me sentei ereto na cama estreita e então me levantei, aproximando-me comedidamente da abertura minúscula na única porta do meu cárcere.

— Kakashi? O que está fazendo aqui?

Sem formalidades entre nós, sempre havia sido assim. Lancei um olhar rápido para os lados e vi que, ao menos, sua autoridade lhe havia permitido dispensar os guardas que me vigiavam o tempo todo.

— Escute-me — ele começou, falando comigo através de sussurros cautelosos. — Eu não tenho muito tempo até que os guardas retornem, por isso serei breve.

— Estou ouvindo — murmurei e o ouvi atentamente, cada palavra.

— O Raikage está fazendo vista grossa às minhas tentativas de intervenção; a hostilidade dele é um contratempo que me preocupa porque ele está, pouco a pouco, conseguindo convencer os demais Kages de que você é emocionalmente instável e de que, por isso, deve ser sentenciado no julgamento.

Agarrei as barras que atravessavam a janela pequena e fatiavam o rosto severo de Kakashi da minha perspectiva.

— O que você pretende fazer então? — questionei com neutralidade, para a minha própria surpresa.

— Naruto vai usar sua influência como herói da Quarta Guerra para tentar convencê-los do contrário. Nesse momento, creio que ele é o único que pode fazer algo a respeito. Nem mesmo a minha jurisdição sobre a vila está sendo respeitada nesse momento.

“Os guardas que vigiam a sua cela são Shinobis de Kumogakure, e quando eu tentei dissuadir o Raikage a deixar que ninjas de Konoha realizassem esse trabalho ele me deu uma dor de cabeça tremenda.

Refleti suas palavras e me peguei anuindo.

— Eu já imaginava que algo similar aconteceria a qualquer momento e não posso dizer que não mereço o que estou passando agora.

— Não seja tão duro consigo mesmo — Kakashi tentou me animar, mas ele próprio não exalava entusiasmo agora. — A data do se julgamento já está marcada. Até lá, tente manter um comportamento exemplar.

Voltei a assentir e apoiei a testa nas barras de ferro geladas, estava cansado de tudo aquilo.

— E, Sasuke... — O tom preocupado de Kakashi me fez fitá-lo novamente. — Nada de rompantes de fúria, tudo bem? As próximas semanas serão extremamente cansativas tanto para mim quanto para você.

Ele me deu as costas, voltando-se para o corredor iluminado apenas pelas lâmpadas de tungstênio que zumbiam no teto baixo de pedra.

— Faça isso por Naruto e por Sakura, se não puder fazer por você mesmo. Eles estão contando que você será inocentado nesse julgamento.

Kakashi abriu um sorriso estranho para mim.

— Não os decepcione e não me decepcione.

Afastei-me da porta, aborrecido. O que Kakashi estava insinuando? É claro que eu não voltaria a decepcionar aqueles dois. Nunca mais! Já havia decidido isso desde o dia em que perdi meu braço, no Vale do Fim.

E eu não voltaria atrás nisso, não importa o que acontecesse comigo.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo, Sakura contará a sua versão da história e as pervertidas de plantão aquietem-se, viu? Eu não me esqueci das cenas de love e elas estão chegando :v
...
Lembrando: o primeiro capítulo de Cosmos já foi postado! O spin-off conta a história do amor de ambos, mas em vidas passadas.
...
Vocês comentaram e eu voltei, portanto se comentarem nesse também, posso voltar semana que vem. E segurem esses forninhos até que a pegação entre esses dois comece, ok? HUEHUEHUEHUEHUEUE
Até o próximo!